História do
Carnaval
Carnaval
(CD-ROM Almanaque Abril 99)
Festa
móvel realizada em fevereiro ou março, 40 dias antes da Semana Santa, contados
a partir do Domingo de Ramos. Oficialmente é comemorado durante três dias, de
domingo a terça-feira, e termina na Quarta-Feira de Cinzas. Mas, na realidade,
tem duração variada. Uma das maiores manifestações de cultura popular do
Brasil, mistura festa, espetáculo, arte e folclore. Além do brasileiro, são
famosos o Carnaval de Veneza, na Itália, e o de Nova Orleans, nos Estados Unidos.
O Carnaval tem origem pagã em festas
e orgias da Antiguidade, nas danças da Idade Média e nos bailes de máscara do
Renascimento. Chega ao Brasil no século XVII trazido pelos portugueses.
Chamado de entrudo, era uma brincadeira na qual as pessoas atiravam umas
nas outras bexigas com água e farinha. No fim do século XIX surgem
sociedades carnavalescas, como os cordões, os blocos, os ranchos e os corsos,
que desfilam, dançam e cantam músicas anônimas. Em 1899, a pianista
Chiquinha Gonzaga (1847-1935) lança a marcha Ó Abre-Alas. É a pioneira a
compor especialmente para o Carnaval.
Escolas de samba
São agremiações que desfilam
durante o Carnaval com fantasias, alegorias e coreografias relacionadas ao tema
escolhido a cada ano. Muitas têm organização quase empresarial e mantêm
funcionários assalariados. Os figurantes desfilam ordenados em setores (alas),
cantando o samba-enredo da escola. A concepção das fantasias e a ordem das alas
e dos carros alegóricos são determinadas pelo carnavalesco - o diretor do espetáculo.
A primeira
ala é a comissão de frente, cuja função é apresentar a escola. Em seguida vem o
carro abre-alas, que carrega o símbolo da escola e apresenta o tema do enredo
ao público. Independentemente do tema, existem alas ou figurantes permanentes.
Toda escola, por exemplo, possui três casais de mestre-sala e porta-bandeira.
Outras alas fixas são das baianas, formada pelas mulheres mais idosas da
escola, das crianças e da bateria. Funcionando como a orquestra do desfile, a
ala da bateria é composta apenas de instrumentos de percussão acompanhados por
violão, cavaquinho e pelos intérpretes do samba-enredo.
A denominação escola de samba
nasce no Rio de Janeiro em 1928. O compositor Ismael Silva (1905-1978) é o
primeiro a usar a expressão para se referir a seu grupo carnavalesco, o rancho
Deixa Falar. O primeiro desfile oficial é realizado em 1935. Atualmente há
desfile de escola de samba em todo o país. O do Rio de Janeiro, no entanto,
continua sendo o mais tradicional e o de maior projeção. São cerca de 69
escolas de samba, divididas em seis grupos. O principal é o grupo especial,
formado pelas 14 maiores escolas. A avaliação para a premiação das escolas é
feita por 36 jurados, que dão notas de 1 a 10 aos seguintes quesitos: bateria,
samba-enredo, harmonia, evolução, enredo, conjunto, alegoria e adereços,
fantasia, comissão de frente e mestre-sala e porta-bandeira. A escola deve
apresentar-se em, no mínimo, 65 minutos e, no máximo, 80. Cada 5 minutos de
atraso sobre o prazo máximo tiram 1 ponto da nota final.
Trios elétricos
Caminhões equipados de palco
e aparelhagem de som - com até 100.000 watts de potência - que fazem shows ao
vivo se deslocando pela cidade. Criados na Bahia, saem no Carnaval animando
milhões de pessoas que dançam atrás deles. O primeiro trio elétrico, o de Dodô
e Osmar, surge em 1950. Com o tempo, passam a comandar o Carnaval de
Salvador (BA), ao lado dos blocos afros, afoxés e bandas, como Ilê Aiyê, Filhos
de Gandhi, Olodum, Ara Ketu, Timbalada, Chiclete com Banana e, mais recentemente,
Cheiro de Amor, Eva e É o Tchan. O ponto alto do Carnaval baiano é o encontro
dos trios na praça Castro Alves.
Micareta
Festa carnavalesca
comemorada fora da época do Carnaval. Atualmente, mais de trinta micaretas
acontecem no Brasil durante todo o ano. As principais são as nordestinas, como
a Recifolia (Recife-PE), o Carnatal (Natal-RN), o Fortal (Fortaleza-CE) e a
Micaroa (João Pessoa-PB).
Frevo
Gênero musical e tipo de
dança característicos do Carnaval de Pernambuco. Música de ritmo bastante
acelerado, é tocada por instrumentos de percussão e de sopro e dançada com
passos quase acrobáticos. Os dançarinos usam pequenos guarda-chuvas em sua
coreografia. No Carnaval do Recife e de Olinda (PE) desfilam clubes de frevo,
como o Vassourinhas e o Lenhadores, e blocos, como o Flor da Lira e o Flor da
Magnólia.
Samba (CD-ROM
Almanaque Abril 99)
Gênero musical e tipo de dança de origem afro-brasileira. De ritmo
sincopado, é tocado com instrumentos de percussão e tem como base o violão ou o
cavaquinho. As letras falam da vida urbana ou de amor.
Origem
A palavra samba vem de
semba, do idioma africano quimbundo, e significa umbigada, dança na qual os
participantes se tocam pela barriga. O gênero é derivado de danças de roda
africanas, como o lundu, e sobretudo do maxixe, a primeira dança brasileira,
criada por volta de 1875. Vindas da Bahia, seu erotismo escandaliza a alta
sociedade do Rio de Janeiro no final do século XIX.
A primeira música registrada
como samba é Pelo Telefone (1916), composta por Mauro de Almeida (1882-1956),
Sinhô (1888-1930) e Donga (1889-1974), boêmios cariocas que se reuniam na casa
da Tia Ciata, baiana considerada mãe do gênero. Mais tarde, o gênero
espalha-se pelo Brasil e domina o Carnaval. Nessa fase, os principais nomes são
Sinhô, Ismael Silva (1905-1978) e Heitor dos Prazeres (1898-1966). Nos anos 30,
o samba passa a ser difundido pelas rádios.
Entre os grandes compositores
destacam-se Noel Rosa, autor de Conversa de Botequim; Cartola, de As Rosas Não
Falam; Dorival Caymmi, de O Que É Que a Baiana Tem?, Adoniran Barbosa
(1910-1982), de Trem das Onze; e Ary Barroso, de Aquarela do Brasil. Entre os
intérpretes, Ciro Monteiro ganha projeção nacional cantando Falsa Baiana, de
Geraldo Pereira (1918-1955). De uma geração mais nova, sobressai Paulinho da
Viola (1942-), autor de Foi um Rio Que Passou em Minha Vida.
Samba-enredo
Estilo criado no Rio de
Janeiro nos anos 30 com o início dos desfiles de escolas de samba. É a
descrição do tema desenvolvido pela escola. Até a década de 60, o samba-enredo
tem letras longas que exaltam a história do país e de seus personagens. A
partir dos anos 70 os temas passam a incluir crítica social e política e
aspectos da cultura popular.
Samba-canção
De ritmo mais lento, possui
letras românticas e sentimentais. Existe desde os anos 20 e faz sucesso a
partir de Ai, Ioiô (1929), de Luís Peixoto (1889-1973).
Samba de partido alto
Uma das formas mais antigas
de samba. As letras são improvisadas sobre temas do cotidiano. Renova sua força
a partir dos anos 40 nos morros cariocas e nas escolas de samba. Os
compositores Moreira da Silva (1902-) e Martinho da Vila (1938-) estão entre
seus principais nomes.
Pagode
Nascido em São Paulo, é o
chamado samba de fundo de quintal, comum também no Rio de Janeiro, onde
sobressai o compositor e cantor Zeca Pagodinho (1960-). Com letras românticas,
usa instrumentos de percussão e teclado. No gênero destacam-se grupos como
Fundo de Quintal, Negritude Jr., Só pra Contrariar e Raça Negra.
CD-ROM da
Revista Superinteressante
QUEM
FOI, QUEM FOI QUE INVENTOU O CARNAVAL?
A mistura da tradição
européia com os ritmos musicais dos africanos criou no Brasil um dos maiores
espetáculos populares do mundo. O Carnaval nasceu no Egito, passou pela Grécia
e por Roma, foi adaptado pela Igreja Católica e desembarcou aqui no século
XVII, trazido pelos portugueses. Viva a folia!
por Ricardo Arnt
“Quem foi que inventou o Brasil? / Foi seu Cabral,
foi seu Cabral / No dia vinte dois de abril / Dois meses depois do Carnaval”
(História do Brasil, Lamartine Babo, 1934)
Com História do Brasil,
Lamartine Babo (1904 - 1963) fez mais do que o grande hit de 1934: deu uma definição clássica da festa
e do país. À altura desta, só a de Assis Valente (1911 -1958), em Alegria :
“Minha gente era triste, amargurada / Inventou a batucada / Prá deixar de
padecer / Salve o prazer / Salve o prazer”.
Abaixo do Equador, onde não
existe pecado, a fusão da tradição européia com a batucada africana libertou o
Carnaval na plenitude. Em nenhum lugar, ele adquiriu a dimensão que alcançou no
Brasil. Durante quatro dias, o país fica fechado para balanço. Ou melhor: fica
aberto para só balançar. E se entrega ao espetáculo que seduz e deslumbra os
estrangeiros.
A farra toda vem do
inconsciente dos povos, desde os rituais da fertilidade e as festas pagãs nas
colheitas. Remonta às celebrações à deusa Ísis e o touro Ápis, no Egito, e à
deusa Herta, dos teutônicos, passando pelos rituais dionísiacos gregos e pelos
licenciosos Bacanais, Saturnais e Lupercais, as suntuosas orgias romanas.
No século VI, a Igreja
adotou essas festas libertárias que invertiam a ordem do cotidiano, para
domesticá-las. Juntou todas na véspera da Quaresma — como uma compensação para
a abstinência que antecede a Páscoa. O Carnaval, então, espalhou-se pelo mundo.
Desembarcou no Brasil no século XVII. Aqui, virou um dos maiores espetáculos do
mundo. Você vai conhecer um pouco mais da origem da grande folia, desde a mais
remota antiguidade até a invenção da serpentina.
Em Roma, comemoravam-se as Saturnais
de 16 a 18 de dezembro, para a glória do deus Saturno. Tribunais e escolas
fechavam as portas, escravos eram alforriados, dançava-se pelas ruas em grande
e igualitária algazarra. A abertura era um cortejo de carros imitando navios,
com homens e mulheres nus dançando frenética e obscenamente — os carrum
navalis. Para muitos, deriva daí a expressão carnevale.
No dia 15 de fevereiro,
comemoravam-se as Lupercais, dedicados à fecundidade. Os lupercos, sacerdotes
de Pã, saíam pelados, banhados em sangue de cabra, e perseguiam os transeuntes,
batendo-lhes com uma correia. Em março, os Bacanais homenageavam Baco (o deus
grego Dionísio em versão romana), celebrando a primavera inspirados por Como e
Momo, entre outros deuses.
Assumindo o controle da
coisa, a Igreja fez o que pode para depurar a permissividade igualitária dos
carnavais. Na Idade Média, a festa virou encenação litúrgica, corrida de
corcundas, disputa de cavaleiros e batalha urbana de ovos, água e farinha.
Depois, o carnaval se espalhou pelo mundo.
Na Rússia, a Maslenitsa dá
adeus ao inverno, com corridas de esqui, patinação, danças com acordeão,
balalaika, blinky masleye (panquecas amantegadas) e, é claro, muita vodka. No
carnaval de Colônia, na Alemanha, as mulheres armam-se com tesouras e saem
pelas ruas para cortar as gravatas dos homens.
Em Veneza, a tradição
consagrou os fogos de artifício e foliões mascarados, inspirados na velha
Commedia dell’ Arte. Na Bolívia, os mineiros de Oruro veneram a mãe-terra,
Pachamama, dançando fantasiados de demônios. Em New Orleans, nos Estados
Unidos, uma torrente humana invade as ruas do French Quarter, na terça-feira do
Mardi Gras, atrás de músicos que tocam toda a noite.
Um ritual subverte
a hierarquia
O entrudo português chegou
aqui no século XVII. Os foliões se lambuzavam com cabaças de farinha e bexigas
d’água. Durante a Colônia e o Império, o entrudo foi proibido inúmeras vezes.
Consta que D. Pedro II gostava de jogar água nos nobres, na Quinta da Boa
Vista, Rio de Janeiro.
O primeiro baile aconteceu em
1840, no Hotel Itália, no Rio, ao som de valsas, quadrilhas e habaneras. Em
1845, os ricos aderiam à polca tcheca e os negros dançavam jongo. Em 1848, o
sapateiro português José Nogueira de Azevedo Prates, o Zé Pereira, saiu por aí
tocando bumbo. Deu origem aos primeiros blocos de rua.
Os cordões começaram com as
sociedades carnavalescas, em 1866. Na Bahia, em 1895, nascia o primeiro afoxé:
estava inventada a batucada. Depois da Guerra dos Canudos, em 1897, uma
gentarada foi morar no Morro da Saúde, criando a primeira favela do Rio. Ali,
na casa da Tia Ciata, foi composto o primeiro samba, em 1917: Pelo Telefone, de
Donga.
Era só o começo. Vieram o
Rei Momo, os corsos de automóveis das boas famílias (1907-1930), as escolas de
samba (1928) e os concursos de fantasia (1936). Em 1935, o desfile das escolas
de samba foi legalizado pela Prefeitura do Distrito Federal. Com o rádio, a
festa difundiu-se e profissionalizou-se. Com a televisão, virou indústria.
O antropólogo Roberto
DaMatta, autor de Carnavais, Malandros e Heróis (Rio, Ed. Zahar, 1979) define a
folia como um rito de inversão, que subverte as hierarquias cotidianas:
transforma pobres em faraós, ricos em mascarados, homens em mulheres, recato em
luxúria. É uma compensação da realidade. Inventamos a batucada para deixar de
padecer.
Quatro maneiras de brincar ao ar livre
Com o frevo, os afoxés e os trios elétricos, o negócio é ir para a rua se embolar
O frevo frenético
A palavra vem de “fervura” e
lembra os movimentos acelerados dos foliões. É uma dança de rua e de salão,
criada em Recife, nos fins do século XIX. A música, tocada principalmente por
metais, é essencialmente rítmica, com compasso binário (de dois “tempos”) e
andamento rápido. Os dançarinos executam coreografias individuais, improvisadas
e frenéticas, que exigem animação de sobra e preparo físico mais de sobra
ainda.
Tradição da África
Os afoxés são sociedades
carnavalescas fundadas por negros, na Bahia, inspiradas nas tradições
africanas. O primeiro afoxé nasceu em 1885: era o Embaixada Africana, que
desfilou com roupas e adornos importados na África. O segundo, Pândegos da
África, surgiu no ano seguinte. Hoje, os principais afoxés da Bahia são Filhos
de Gandhi, Ilê Aiyê e Olodum.
Eletricidade musical
Os trios elétricos são palcos
motorizados. Montados na carroceria de caminhões e equipados com potentes
alto-falantes de até 100 000 watts, desfilam pelas ruas, levando grupos
musicais e seguidos pela população. O precursor foi o Trio Elétrico de Dodô e
Osmar, na Bahia. Hoje, essa folia eletrificada marca presença em quase todas as
ruas do país.
Samba na avenida
As escolas de samba
estrearam no Rio de Janeiro, em 1928 e, com o tempo, adquiriram estrutura e
orientação empresariais, reunindo até 15 000 integrantes. Hoje, elas comercializam
apresentações, direitos autorais e de imagem, sob o patrocínio do Estado e de
banqueiros do jogo do bicho. O termo “escola de samba” surgiu no século XIX,
mas foi definitivamente adotado nos anos 30, desde que o bloco Deixa Falar (a
primeira de todas) passou a fazer ensaios à porta da antiga Escola Normal.
ISSO TAMBÉM É CARNAVAL
* Os confetes chegaram ao
Brasil em 1892, jogados em batalhas entre os cordões. As serpentinas
substituíram as flores atiradas aos carros alegóricos.
* Sob fantasias, o folião
tem muito mais liberdade. Elas são usadas no Brasil desde o século XIX. Em
1937, houve o primeiro desfile, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro
* O lança-perfume, com
perfume e cloreto de etila, foi trazido da França a partir de 1906. Foi
proibido em 1960, porque a substância era aspirada como uma droga
*Os primeiros blocos foram
licenciados pela polícia em 1889, no Rio. Os integrantes percorrem as ruas
fantasiados, ao som de instrumentos de percussão
* O Rei Momo foi instituído
pelo jornal carioca A Noite, em 1933, como símbolo do Carnaval. O primeiro Rei
Momo foi o compositor Silvio Caldas
* Nas bandas, cada um vai
como pode: não existe uniforme ou regulamento.
A primeira surgiu em 1965, em Ipanema, no Rio de Janeiro
A MÁQUINA DO SAMBA
Bumbum-paticumbum-prugurundum.
Fevereiro taí e você já começa a ouvir a batucada. É impossível ficar
indiferente às escolas de samba, copiadas no mundo inteiro. Há 65 anos elas vêm
se especializando em fabricar o maior show de rua que se conhece. Tudo é regido
por normas rigorosas, planejado minuciosamente e produzido dentro de um
cronograma rígido. Mas, para quem só vê a festa pela televisão, fica difícil
compreender o que está acontecendo. Aqui você vai entender como funcionam as
engrenagens do desfile.
Por Rosangela Petta
O nome “escola de samba”
nasceu em 1928, no bairro carioca do Estácio, numa roda de amigos. Entre eles
estava Ismael Silva, compositor com talento de sobra, tanto que até vendia
algumas músicas ao cantor Francisco Alves. Mas a fama não diminuía a
discriminação. Ao contrário, sambista era sinônimo de malandro e arruaceiro. E
Ismael já estava cansado disso. No meio da conversa, olhou para a Escola
Normal, ali na esquina, e teve a idéia: se eles eram tão bons na única coisa
que sabiam fazer, por que não fundavam um grupo pacífico para mostrar sua arte?
Prático, criou uma definição para o seu conjunto: “Deixa falar, nós também
somos mestres. Somos uma escola de samba”. Mas Ismael só deu o nome. A
agremiação que acabara de fundar não foi, de fato, a primeira do gênero. A
Deixa Falar era, na verdade, um rancho, outro tipo de associação carnavalesca.
A turma que realmente seria
a raiz da escola de samba era outra, mais segregada ainda: os negros ligados ao
cultos de origem africana. “Existe um terreiro de macumba na origem de toda
escola de samba”, contou à SUPER a pesquisadora carioca Marília Trindade
Barboza da Silva, com dez livros publicados sobre o assunto. “Esses
descendentes de escravos, vindos da Bahia ou da área rural do Estado do Rio, só
tinham os atabaques para tocar. Por isso, até hoje o samba de escola é
fundamentalmente voz e percussão.”
Os primeiros desfiles
seguiam um ritual quase religioso. A caminho da Praça Onze de Janeiro, onde
faziam a folia, os batuqueiros reverenciavam cada dona de “casa de santo”, como
Tia Ciata e Tia Fé. Para combater o preconceito, vestiam-se o melhor possível.
Logo foram notados pelos repórteres da área policial que circulavam por ali. E
foi por meio da imprensa que as primeiras escolas de samba, como a Mangueira e
a Portela, chamaram a atenção.
Os sambistas cariocas do
final da década de 20 se frequentavam bastante. Nessas ocasiões, gostavam de se
exibir um para o outro. Foi para esquentar o desafio entre os bambambãs que
José Gomes da Costa, o Zé Espinguela, macumbeiro e mangueirense, resolveu
promover uma competição para ver quem era o melhor. Marcou para o dia 20 de
janeiro de 1929 o concurso entre os compositores da Deixa Falar, Mangueira e
Vai Como Pode (primeiro nome da Portela). Venceu o samba de Heitor dos
Prazeres, da terceira. Mas Heitor era visto como um intruso, um moço da cidade.
Todos previam encrenca na entrega do prêmio, marcada para o domingo de
Carnaval, em plena Praça Onze. Só que Zé Espinguela foi diplomático: apareceu
com três troféus e distribuiu os outros dois como prêmios de consolação. Assim
foi inaugurada a disputa entre as escolas.
Em 1932 houve o primeiro
desfile patrocinado, promovido pelo jornal O Mundo Esportivo, de Newton
Rodrigues, irmão do teatrólogo Nelson. No ano seguinte, era vez de O Globo, o
Touring Club e a prefeitura do Distrito Federal instituírem um concurso. Foi
quando as escolas ficaram obrigadas a manter a ala das baianas e a bateria. Em
1935, já havia dezenove escolas. “Naquele tempo, era um sambinha de quatro
linhas e o resto ia de improviso”, contou à SUPER Cláudio Bernardo da Costa, o
Cláudio da Portela, sócio-fundador da escola. Só em 1946 é que o samba-enredo
se estabeleceu de verdade, com a estréia do compositor Silas de Oliveira na
Império Serrano. Até 1930 o próprio samba era um gênero indefinido: a
classificação valia tanto para o maxixe como para variações da polca e do
chorinho, que podiam ser ótimos no salão, mas eram ruins para se dançar ao
longo da rua. Como a batucada permitia fabulosos improvisos de dança, o desfile
das escolas acabou se tornando o favorito do público.
A bateria da escola de samba é uma
imensa orquestra montada só com instrumentos de percussão. Cada músico tem seu
lugar para que o som saia equilibrado. O número de componentes, o tipo de instrumento
e o posicionamento de cada batuqueiro depende do estilo da agremiação. Mas,
basicamente, o conjunto é formado por duas fileiras de surdos de marcação nas
laterais, filas de cuícas e metais (como o reco-reco e o agogô) à frente, um
enorme naipe de tamborins logo atrás, um miolo de vários tipos de surdos
centralizadores e, ao final, mais metais.
Tida como a “alma da
escola”, a bateria se transformou num modelo para exportação. A Gope, fábrica
paulista de instrumentos de percussão, vende até para o Oriente. “É uma cultura
que viaja em bloco”, diz Humberto Henrique Rodella, o proprietário. “Quando os
japoneses levaram o nosso futebol, fizeram o pacote completo, com o carnaval e
a escola de samba”.
Os integrantes passaram dos
20 do princípio para até 400 hoje em dia. E sempre há mais candidatos a
ritmistas. “Os novatos podem vir ensaiar, mas demora para alguém entrar numa
bateria”, contou à SUPER Arnaldo Manoel de Jesus, o Mestre Mug, primeiro
diretor de bateria da Portela. “Quem chega junto é porque é bom mesmo e gosta
de bater. O ritmista não vê o carnaval, está concentrado, não se diverte. Às
vezes, tira sangue da mão durante o desfile.”
Mestre é o título que se dá
ao primeiro diretor de bateria, o maestro da escola, auxiliado por outros
quatro diretores que impõem disciplina. Na Portela, por exemplo, é proibido
faltar aos seis meses de ensaios técnicos e beber demais antes do desfile. “A
filosofia de uma bateria é muito simples: trabalhar em conjunto”, diz Mestre
Mug. “O individualista não tem lugar aqui”.
A porta-bandeira e o
mestre-sala se vestiram de rei e rainha por motivos políticos. Já que durante o
Estado Novo (1937-1945) era bom louvar a história do Brasil, a fase imperial
parecia perfeita para ser explorada plasticamente. Outros pesquisadores acham
que a indumentária do casal expressa um desejo de valorização social. O fato é
que, no começo, não havia fantasias pesadas e luxuosas.
“Minha mãe costurava uma
saia midi, sem armação nem bordado, e uma capinha que parecia de princesa”,
contou à SUPER Rivailda do Nascimento Souza, a célebre Mocinha, porta-bandeira
da Mangueira por 60 anos. “Uma vez, um tio meu teve a idéia de pregar umas
lâmpadas com pilha na capa. Ficou engraçado.” Hésio Laurindo da Silva, o famoso
Delegado, parceiro de Mocinha na escola, disse à SUPER que sempre foi exigente.
“No começo eu usava uma roupa cheia de broches e calça com as cores da escola.
Quando os carnavalescos começaram a criar as fantasias, eu tinha que aprovar
pois eu seria o símbolo da escola”.
Foi essa geração que
instituiu um padrão de performance no
desfile. Não há passos rígidos, tudo é improvisado. Mas existem regras. A
porta-bandeira é a única que não samba: ela deve deslizar pela avenida, andar
com elegância, usar sempre saltos altos (para aparecer mais), girar com graça e
segurança. Cair ou deixar a bandeira esbarrar no rosto do companheiro é um
desastre total. Já o mestre-sala se exibe ao máximo. Deve cortejar e ao mesmo
tempo proteger a porta-bandeira, criar movimentos ágeis ao seu redor, deixando
claro que o símbolo da escola exige respeito. “Acabo fazendo uns 70 passos
diferentes durante o desfile”, calcula Jerônimo da Silva, o Jerônimo da
Portela, primeiro mestre-sala da escola. “Nós ensaiamos bastante, mas é para
desenvolver um tipo de comunicação, de entendimento só no olhar”, completa
Andréa Machado, parceira de Jerônimo.
Desde 1935, quando as
escolas de samba do Rio de Janeiro foram obrigadas a tirar alvará de
funcionamento, sua organização interna se aperfeiçoou. Na época, Dulcídio
Gonçalves, titular da Delegacia de Costumes e Diversões, colou um “grêmio
recreativo” na frente do nome de cada uma delas. Toda agremiação deve ter um
estatuto registrado em cartório e instalações mínimas, como quadra e barracão.
A eleição do presidente se dá pelo voto direto da comunidade, mas o “regime de
governo” é de cima para baixo, como a pirâmide hierárquica de uma empresa
convencional.
No Rio existem 44 escolas de
samba. Para que as grandes não fossem voto vencido nas assembleias da
Associação das Escolas de Samba, em 1984 nasceu a Liga Independente das Escolas
de Samba, epicentro das 18 maiores. A entidade organiza e administra a festa na
Passarela do Samba, o sambódromo da avenida Marquês de Sapucaí, na ponta do
lápis. Ou melhor, na tela de vários computadores, como uma boa S/A.
Os oito afluentes
que desaguaram na avenida
Festas da Roma antiga,
costumes portugueses, clubes de sátira e comemorações militares, entre outras
manifestações culturais, estão na origem das escolas.
·
Arrastando a sandália no rancho
Os ranchos eram clubes da
classe média baixa nos quais os sócios pagavam mensalidade, compravam
instrumentos de corda e sopro e se organizavam para desfilar em fevereiro. O
primeiro surgiu em 1872, o Dois de Ouro. Formados por homens e mulheres, as
pastorinhas, arrastavam as sandálias na segunda-feira de Carnaval.
·
Grandes sociedades, um luxo só
Eram chamadas grandes sociedades as associações de jovens
de alta classe que saíam em enormes carros alegóricos com mensagens políticas.
A primeira foi o Congresso das Sumidades Carnavalescas, criada em 1855 por
profissionais liberais e saudada pelo escritor José de Alencar.
·
Botando o bloco na rua
Em 1848, o sapateiro José
Nogueira de Azevedo Paredes saiu batendo o bumbo que, tocado na horizontal,
virou o surdo de hoje. Quem quisesse, ia atrás. Assim se formaram os blocos,
compostos apenas de homens. Ao redor de 1920 havia os “blocos de sujos”, dos
“arruaceiros”, e os mais distintos.
·
E o cordão cada vez aumentava mais
Em 1886, os jornais chamaram
de cordões os “grupos de foliões mascarados e provocadores”. Saíam fantasiados,
satirizando personalidades. Um mestre com apito comandava tambores, cuíca e
reco-reco. O cronista João do Rio viu no cordão sinais da antiga festa de Nossa
Senhora do Rosário, na qual cortejos de negros saíam sacudindo chocalhos e
entoando cânticos.
·
Capoeira sem berimbau
Desde 1570, quando chegaram
ao Rio de Janeiro os primeiros escravos africanos, o culto religioso na senzala
envolvia batuque e dança. Os terreiros de macumba do período pós-abolição, com
mistura de candomblé e catolicismo, mantiveram os atabaques, as danças e a
capoeira, que emprestou seus movimentos para o mestre-sala das atuais escolas.
·
Lá vai passando a procissão
O ritual do desfile vem da
Antiguidade, quando os exércitos exibiam suas prendas de guerra de volta à
cidade-base. A solenidade impregnou a religião católica. No Brasil, em 1549, o
padre Manuel da Nóbrega registrou a primeira procissão enfeitada de Corpus
Christi. Foi das procissões que saíram as baianas, escravas enfeitadas.
·
A baixaria do entrudo virou confete
Na Roma antiga, os lupercos,
sacerdotes de Pã, saíam dia 15 de fevereiro só com sangue de cabra sobre o
corpo, perseguindo as pessoas na rua. No Brasil, os portugueses faziam uma
guerra de baldes d’água e lixo chamada entrudo, sem dança ou música. No começo
do século, a “molhança” foi substituída por confete, serpentina e
lança-perfume.
·
desfile chapa branca acabou no corso
A moda do corso, um desfile
motorizado, foi lançada no dia 1º de fevereiro de 1907, quando o carro das
filhas do presidente da República, Afonso Pena, percorreu a avenida Central
(atual Rio Branco), no Rio de Janeiro de ponta a ponta, antes que elas subissem
ao prédio da Comissão Fiscal das Obras do Porto para assistir à folia.
·
A armação primitiva
Nos anos 30, os sambas não
tinham segunda parte: os “versadores” improvisavam depois que os puxadores
entoavam um refrão de quatro linhas.
À frente, uma tabuleta com o
nome da escola pedia passagem, seguida da “linha de frente”, só de moças.
Logo depois, vinha o
primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira.
Sob um caramanchão,
desfilava a alta direção da escola. Uma linha de pessoas fantasiadas sambava em
torno do grupo principal. No final, uma pequena bateria. Na lateral, homens
vestidos de baiana protegiam a escola da multidão segurando uma corda e usando
canivetes amarrados nos tornozelos.
·
Mestre apita e começa o aquecimento
O batuque inicial serve para
os ritmistas esquentarem os punhos. Cada músico tem um lugar marcado. Conheça a
distribuição dos instrumentos numa bateria de 301 componentes.
a) Surdo de primeira
Um dos dois surdos de
marcação, este é o que tem a nota mais grave e dá a primeira batida. Quando a
bateria é grande, seis se alinham na lateral à esquerda da escola e cinco
aparecem no meio também.
b) Surdo de segunda
Conhecido como surdo de
resposta, é menos grave que o de primeira e dá a segunda batida. São onze: seis
na lateral da direita e cinco espalhados
no meio da armação.
c) Surdo de terceira
Seu papel é fazer um
contraponto à conversa entre os surdos de primeira e de segunda e, por isso, é
chamado de cortador. Os sete ficam estrategicamente entre os outros
instrumentos pesados. Eles dão o “balanço” à marcação.
d) Tamborim
É tocado em bloco — são 77 —
logo atrás das primeiras linhas de metais e cuícas. Entre os instrumentos
leves, é um dos que costumam ficar calados em algum trecho do samba-enredo
para, depois, fazer improvisos. “Durinho” ou “mexido” (quando o músico fica
virando o tamborim), depende do estilo do ritmista. Para potencializar seu efeito,
é tocado com várias baquetas de plástico.
e) Reco-reco
Está entre as chamadas
miudezas da bateria e pelo menos quatro se encontram na primeira fila. Trata-se
de um cilindro de metal aberto em uma das extremidades. Possui duas molas
esticadas de ponta a ponta, na qual o músico raspa a baqueta.
f) Cuíca
É a única que ainda leva
materiais naturais: uma vara de bambu por dentro com a ponta enfiada no couro
de boi ou de cabra. Quando o ritmista esfrega um pano ao longo do bambu, produz
uma espécie de gemido ou ronco e, por isso, também é chamada de roncador. As
nove saem na primeira fila.
g) Agogô
Produz o som mais agudo da
bateria. Chegam a somar nove, logo na frente. É feito de dois copos cônicos
moldados em ferro. O ritmista bate nos copos alternadamente, com uma baqueta de
madeira ou de metal.
h) Caixa
Faz o contrabalanço, ou
seja, equilibra a batida produzida pelos outros instrumentos, dando um recheio
ao som. As 43 usadas podem ser do tipo caixa de guerra ou tarol, que é mais
fino.
i)
Chocalho
Também conhecido como “rocar
de platineta”, é um multiplicador dos efeitos do antigo pandeiro sem pele.
Posiciona-se numa larga fila no final. São nada menos que 87.
j)
Ganzá
São dois cilindros
metálicos, com pedacinhos de alumínio dentro. Eles estão ligados nas
extremidades por duas chapas: o músico encaixa as mãos nessas hastes e balança
o instrumento para cima e para baixo, ritmadamente, produzindo uma espécie de
som de chuva. Os treze ficam entre os metais da frente.
k) Repique
Entre os instrumentos
pesados, trinta repiques pontuam a batucada. Ficam cercado de caixas, perto de
um surdo de terceira. Uma variação do repique é o repinique, que possui duas
peles e pode ser mais estreito.
l)
Pandeiro
Com o crescimento da
bateria, o som mais seco da batida no pandeiro ficou impossível de se ouvir
durante o desfile. Por isso, virou um instrumento exclusivo do passista, que
usa o pandeiro tanto para marcar o andamento de seu próprio jeito de sambar
como para descrever malabarismos — o mais conhecido é girar o pandeiro sobre o
dedo indicador apoiado bem no centro da pele.
m) Apito
É a principal ferramenta do
mestre e dos diretores de bateria. Servem para reger a orquestração.
n) Do que depende a vitória
No Rio de Janeiro, os
jurados dão notas de 1 a 10 a quesitos com pesos iguais. Aqui, estão numerados
pela ordem de prioridade para o desempate.
o) Tempo
A escola deve passar em no
mínimo 65 minutos e, no máximo, 80. Cada 5 minutos de atraso sobre o prazo
máximo tiram um ponto da nota final.
1 - Bateria
Deve ter no mínimo 200
ritmistas. Sobressai quem unir técnica e criatividade para levantar a
arquibancada.
2 - Samba-enredo
Tem que contar o enredo ou
comentá-lo, fugindo do lugar-comum. Se for fácil de cantar e tiver refrões
fortes, tanto melhor.
3 - Harmonia
Testa a capacidade da escola
de desfilar sem buracos entre uma ala e outra, sem correr ou amontoar os
componentes.
4 - Evolução
Esta nota depende da
combinação perfeita entre coreografias, canto e dança, de ponta a ponta.
5 - Enredo
É aqui que o carnavalesco
sobe ou desce no ranking. Temas esdrúxulos
ou complicados perdem ponto.
6 - Conjunto
É o mais subjetivo dos
quesitos: mede o grau de beleza e da manutenção do nível estético ao longo do
desfile.
7 - Alegoria e adereços
A escola deve trazer pelo
menos seis e no máximo dez carros alegóricos, além de mostrar acessórios
originais.
8 - Fantasia
Outra prova de fogo para o
carnavalesco. Chama a atenção quem for mais criativo. Se fugir do enredo, a
nota abaixa.
9 - Comissão de Frente
Ganha um 10 a escola que
apresentar mais simpatia para saudar o público.
10 - Mestre-sala e
porta-bandeira
Perde ponto o casal que
tropeçar ou ficar parado. Também é grave deixar a bandeira bater no mestre-sala.
Dicas do desfile-padrão
O que o mestre-sala e a
porta-bandeira devem fazer.
O estandarte chegou
O casal é o símbolo da
agremiação. Por isso, deve exibir a bandeira ao público várias vezes ao longo
da avenida. A porta-bandeira pára, o mestre-sala pega delicadamente uma ponta
do pavilhão e o estica.
Salve simpatia!
O momento de saudar os
jurados é uma oportunidade para a dupla mostrar o máximo de elegância. Enquanto
ela faz um leve sinal de cumprimento com a cabeça, ele faz uma reverência mais
demorada, chegando ao chão.
Efeitos especiais
O “pião” é o único movimento
da porta-bandeira e do mestre-sala que tem um nome. É quando ela gira, para
fazer a bandeira flutuar, enquanto ele pula, salta e dança com leveza ao redor
dela.
A linha de montagem do espetáculo
Todas as etapas, mês a mês,
que estão por trás do carnaval feito pelas grandes escolas de samba do Rio de
Janeiro.
FEVEREIRO
Assim que termina o carnaval, é escolhido o
carnavalesco que fará o próximo desfile.
MARÇO
A diretoria da escola aprova o enredo proposto pelo
carnavalesco e avalia os custos.
ABRIL
Os compositores têm pouco mais de um mês para fazer
o samba-enredo.
MAIO
O carnavalesco leva à escola maquetes dos carros
alegóricos e desenhos das fantasias.
JUNHO
Quinze sambas pré-selecionados vão a concurso na
quadra.
Os jurados são da escola.
JULHO
Com o samba-enredo escolhido, o carnavalesco faz
ajustes no seu
projeto. Começam os ensaios técnicos.
AGOSTO
Puxador e ritmistas entram em estúdio para gravar o
disco das escolas de samba.
SETEMBRO
O barracão começa a construir alegorias e a
confeccionar fantasias e adereços. Os ensaios são abertos ao público.
OUTUBRO
Mestres-salas, porta-bandeiras, velha guarda, e crianças, que ganham a fantasia da escola,
provam suas roupas.
NOVEMBRO
São feitos ensaios com os protótipos de cada
fantasia.
DEZEMBRO
Primeiros ensaios fora da quadra: na rua, montam-se
as alas e as coreografias.
JANEIRO
A escola faz um ensaio-geral na Passarela do Samba,
para cronometragem e ajustes finais.
É FREVO
Ele tem cerca de 100 anos de idade, é natural do Recife e faz qualquer
um se mexer. Agora, no Carnaval, queima montes de calorias. Tem gente dizendo
que pode até virar a primeira dança clássica brasileira.
Por Felipe
Oliveira, de Recife
Música ou
dança, o que veio primeiro?
Quando alguém fala em dança,
música ou Carnaval brasileiro, todo mundo pensa logo no samba. Mas o frevo,
nascido em Pernambuco, mais precisamente no Recife, não só é igualmente
brasileiro como também explode no Carnaval. A grande diferença é que, ao
contrário do samba, não se espalhou pelo país.
Claro que brasileiros de
todos os cantos reconhecem o ritmo quando o ouvem. Afinal, cantores conhecidos,
como Caetano Veloso ou Moraes Moreira, já gravaram frevos que ficaram famosos
nacionalmente. Muitos também são capazes de identificar — ainda que para alguns
seja impossível botar em prática — os passos que acompanham esse tipo de
música. Mas tocar, cantar e dançar frevo é coisa de pernambucano. Uma pena, na
opinião do músico e bailarino também de Pernambuco Antônio Nóbrega, que defende
a possibilidade de se usar o frevo como base para o desenvolvimento de uma
dança clássica genuinamente brasileira. Algo para ser ensinado nas academias,
ao lado do conhecido clássico europeu e do jazz. De certo modo, Nóbrega já vem
fazendo algo para isso. Seu espetáculo de música e dança Figural que abriu com
sucesso a 7ª Bienal da Dança de Lion, na França, em setembro do ano passado, é
completamente influenciado pelo frevo.
Saltos
e piruetas
Mas por que o papel de gerar
esse produto artístico nacional não poderia ser do samba? “Porque o samba não é
uma dança”, justifica Nóbrega. “É basicamente um passo, ao qual podem ser
acrescidos adornos.” Opiniões à parte, o certo é que a coreografia do frevo não
padece dessa carência. São cerca de 120 passos diferentes. Muitos tão
acrobáticos quanto aquelas piruetas nas quais o russo Mikhail Baryshnikov é craque.
Segundo o compositor erudito brasileiro César Guerra Peixe (1914-1994),
trata-se de um gênero único, pois o dançarino dança a orquestração. Por isso
mesmo, para compor um frevo é preciso conhecer os papéis dos vários
instrumentos numa orquestra, principalmente os dos metais.
As primeiras composições,
não por acaso, foram de mestres de bandas, como José Lourenço da Silva, o
Zuzinha. É que o frevo nasceu da competição entre bandas marciais. Cada uma com
seu grupo de capoeiras, leões-de-chácara cheios de ginga, à frente, elas foram
moldando as marchas militares à cadência da luta-dança, dando origem à nova
música. “O nascimento do frevo não tem data específica”, avisa o historiador
Leonardo Dantas Silva, da Fundação Joaquim Nabuco, de Recife. “Ele foi nascendo
aos poucos, resultado de uma sincronização entre música e dança.”
Levado
para o Rio, não empolgou
Por volta de 1880 começaram
a surgir as primeiras sociedades carnavalescas do Recife. Eram os chamados
“clubes pedestres”. Compostos por populares, eles se apresentavam assim mesmo:
a pé. A aristocracia ficava nos clubes fechados. Quando os capoeiras eram
reprimidos à frente das bandas marciais, se refugiavam nos desfiles dessas
agremiações e passavam a defender seus estandartes.
As orquestras desses clubes
tocavam polca, maxixe, tango, marchas. E também foram influenciadas pelos
passos da capoeira. Quando nasceu, em 1889, é provável que o Clube Vassourinhas
já tocasse o frevo. Depois o gênero evoluiu, adquirindo uma personalidade ainda
mais marcante. Quem ouvia essa música nova tentava encontrar paralelos. Em
visita a Recife, em 1942, o cineasta americano Orson Welles teria chegado a
achá-la parecida com a italiana tarantela. Especialistas negam a semelhança.
Difícil de identificar, o
frevo era também duro de imitar. Bem que se tentou, várias vezes, levá-lo para
o Rio, mas não deu certo. “Frevo não é espetáculo, que nem as escolas de samba,
mas participação do povo”, explicou o estudioso Valdemar de Oliveira no livro
Frevo, Capoeira e Passo. “Se não há povo participante em quantidade e,
sobretudo, em qualidade, que lhe dê corpo e alma, desfilará um ajuntamento de
virtuosi, ou pseudo-virtuosi, não frevo.”
Malabarismo
na rua não é pra qualquer um
Se é importante conhecer bem
música para compor o frevo, parece ser necessário ainda algo mais para tocá-lo
bem. Valdemar de Oliveira reclama que só quando a Federação Carnavalesca
Pernambucana resolveu mandar o maestro Zuzinha ao Rio, para ensaiar as bandas
cariocas encarregadas de gravar as composições premiadas no Carnaval, os
resultados ficaram melhores. Antes, as notas vinham corretas, ele conta, mas o
andamento era errado e o ritmo, frouxo.
Talvez haja um pouco de
bairrismo na avaliação. Mais aberto, Francisco Nascimento da Silva, 60 anos, o
Nascimento do Passo, resolveu até abrir uma escola em Recife para ensinar a
dança a turistas ou mesmo a moradores mais duros de cintura. “Em um mês
qualquer um pode se tornar um bom dançarino”, exagera. Talvez a generosidade
venha do fato de que ele não é pernambucano. Veio, menino, do Amazonas. Cá para
nós, um mês de aulas deve dar apenas para passar o Carnaval sem vexame,
arriscando uns vinte dos 120 passos conhecidos.
A maioria dos 150 000
turistas que já devem estar arrumando as malas para o Recife, no entanto, só
vai contar mesmo é com a cara, a coragem e a animação. Mas esta última, o frevo
garante. Para se ter uma idéia do frisson que causa, vale lembrar uma história
antiga, de 1950. Nesse ano, a caminho do Rio, o Vassourinhas, com uma orquestra
incrementada de 65 músicos, fez uma escala em Salvador, onde foi convidado a
mostrar o frevo. O que aconteceu então foi uma loucura. Desacostumada da regra
— implícita em Pernambuco — de respeitar a orquestra, a multidão atropelou tudo
o que havia pela frente. O resultado foram narizes quebrados. Além de uma
grande idéia. Naquele mesmo ano, dois baianos, os famosos Dodô e Osmar, mais o engenheiro Demístocles,
montaram um sistema de amplificação de som num carro velho (fubica) e saíram
pelas ruas tocando o repertório do Vassourinhas. No ano seguinte, num caminhão
iluminado, com dois geradores e oito alto-falantes, nascia o trio elétrico. Um
resultado feliz, que inventou um frevo diferente, até hoje tocado na folia
baiana. E que foi repassado para o resto do país em 1979, na música Vassourinha
elétrica, de Moraes Moreira. Aí vai um trecho da letra para você:
“Varre, varre, varre
Vassourinhas / Varreu um dia as ruas da Bahia / (...) / Abriu alas e caminho
pra depois passar / O trio de Armandinho, Dodô e Osmar / E o frevo que é
pernambucano / Sofreu ao chegar na Bahia / Um toque, um sotaque baiano / Pintou
uma nova energia / Desde o tempo da velha fubica / Parado é que ninguém mais
fica / É o frevo, é o trio, é o povo / (...) / Sempre juntos, fazendo o mais
novo Carnaval do Brasil”.
Alegria e
exercício
O agacha, levanta, pula e
estica da dança consome muita caloria.
Ginástica
Em testes realizados na
Faculdade de Educação Física de Pernambuco foi comprovado que um passista
consome dezenove vezes mais energia em ação do que em repouso. A cada três minutos, ele perde 36 calorias, o equivalente
a passar o mesmo tempo correndo à velocidade de 18 quilômetros por hora.
Novo papel
Embora já possa ter tido uma
função agressiva (veja o quadro ao lado), a sombrinha hoje só serve mesmo é
para ajudar no equilíbrio do passista, além de expressar, em suas múltiplas
cores, a alegria do Carnaval.
Conquista feminina
Na origem, mulher não
dançava o passo, como é chamada a coreografia do frevo. Era um bailado
masculino e, segundo historiadores, demonstrativo de virilidade. Com o
surgimento dos blocos, a partir de 1915, moças começaram a ser admitidas, ainda
timidamente. Hoje, se houver uma contagem, é possível que elas sejam maioria.
Qualquer roupa
Não há traje especial para a
dança. Em geral, usa-se apenas algo que permita movimentos largos. As cores
vibrantes também são bem-vindas.
Passado, presente e futuro
Nascido na boca e nos pés do
povo, o frevo também está conquistando os palcos.
Batismo
Publicada pela primeira vez
no Jornal Pequeno, de Recife, em 1908, a palavra frevo pegou logo (a ilustração
abaixo é de 1909). Trocando o r de lugar, o povo dizia que as ruas “freviam”
durante o Carnaval. Só mais tarde o termo passou a designar a música.
Bandas marciais
Frevo é a música. A dança se
chama passo. O ritmo surgiu no final do século passado, quando bandas marciais
que tocavam marchas nas festas de rua do Recife começaram a assimilar nuances
de choro, de polca, de maxixe. A personalidade do estilo, no entanto, se
firmou junto com a dança.
Forcinha da capoeira
Na metade do século XIX era
comum ver capoeiras à frente das bandas, exibindo-se para intimidar grupos
inimigos. Os músicos acabaram reformulando o ritmo, para acompanhar a
coreografia. O resultado desse casamento foi o frevo.
Arma disfarçada
No Recife, os capoeiras
haviam adquirido o hábito de carregar, como arma, um pedaço de pau. Com a
repressão, trocaram-no por um guarda-chuva. Ele era carregado fechado e quase
nunca estava em bom estado.
Frevo no pé
Em 1950, Nascimento do
Passo, 60 anos, venceu o primeiro grande concurso de passo em Recife. Virou um
mito e abriu a primeira escola da dança, em 1973. Hoje, o músico e bailarino
Antônio Nóbrega já leva para o exterior espetáculos impregnados de frevo.
Recordista
As escolas de samba devem
estranhar, mas o maior clube carnavalesco do mundo, de acordo com a edição
nacional do Guiness Book 1996, é um
clube de frevo. Criado em 1977, o Galo da Madrugada leva mais de 1 milhão de
foliões às ruas do Recife no sábado de carnaval.
Pai do trio
Em 1950, a banda do Clube
Vassourinhas enlouqueceu a multidão no Carnaval de Salvador com seu frevo. No
mesmo ano, os baianos Dodô e Osmar inventaram o trio elétrico, que amplificava
o som do frevo e tirava os músicos da rua, protegendo-os em cima de um
caminhão.
Vários em um
O frevo de rua é
instrumental e sustentado pelos metais. Mas a partir de 1915 surgiram os blocos
de frevo, mais bem-comportados. As orquestras tinham violões, banjos,
cavaquinhos. E havia letra. Logo surgiria o frevo-canção, mais para cantar.
Filho de peixe, só podia ser
um peixão
Ninguém no Recife conhece
Lourenço da Fonseca Barbosa. Mas pergunte pelo Capiba, seu apelido, e não
haverá quem não saiba de quem se trata. Aos 92 anos, Capiba é o maior
compositor de frevos vivo do Brasil. Fez mais de 500 músicas. Só frevos, foram
262 desde o primeiro grande sucesso É de amargar, de 1934, até hoje.
Mas isso aconteceu muito
depois de sua iniciação. Filho (um dos treze) de um professor de música,
respirou notas musicais desde que nasceu, em Campina Grande, Paraíba. Lá mesmo
chegou a trabalhar como pianista num cinema mudo e montou a Jazz Band
Campinense. Só em 1930 foi para o Recife, trabalhar no Banco do Brasil, mas a
burocracia não o fez esquecer a música. Sorte do frevo.
Miniglossário carnavalesco
Onda: a massa de passistas
em evolução.
Farofado: a confusão formada
pelos passistas.
Peso: a potência, capacidade
de atração de um bloco.
Mergulho: cair no frevo,
entrar na dança.
Frevança: concurso de frevo
ou ato de “frever”.
Abafo: fortalecimento da
música de uma orquestra, tentando abafar o som de outra.
Nomes engraçados e muita acrobacia
Tramela lateral
A passista se abaixa (no
detalhe). Ao se levantar, abre primeiro a perna direita e depois a esquerda,
sempre apoiando-se no calcanhar.
Saci-pererê
Com um pé apoiado na dobra
da outra perna, pula-se, flexionando (no detalhe), para a frente, para trás e
para os lados. A troca do pé exige um salto maior.
Passa-passa
A sombrinha deve ser passada
de uma mão para a outra, primeiro por baixo de uma perna e depois soba outra (no
detalhe).
Coice de burro
Tem origem na capoeira. No
topo de um bom salto (no detalhe), as pernas devem ser flexionadas juntas.
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