"Pensar o passado para compreender o presente
e idealizar o futuro".
Heródoto
Mas
entre ser chamado de historiador e mentiroso, é inegável que a volumosa obra de
Heródoto, batizada de Histórias, é considerada para alguns
como o primeiro trabalho histórico ou pseudo-histórico, pois em seu tempo o
próprio Heródoto não descartava o fato de que suas Histórias fosse
uma "literatura diferente", no entanto, embora pensasse dessa
forma, sua obra fora fonte de inspiração para historiadores de seu período e
até de séculos posteriores.
Halicarnasso
Heródoto, embora tenha sido um grego, ele não nasceu na península balcânica e nem nas ilhas
gregas, mas nasceu nos territórios coloniais gregos, chamados de Colônias Gregas na Ásia Menor. A cidade de Halicarnasso ficava localizada na Cária, defronte ao Mar Egeu, sendo hoje a atual cidade de Bodrum na Turquia.
Mas, no início fora uma colônia grega fundada por Argos e Trezena,
inicialmente compreendia a ilha de Zefiria no golfo de
Cós. Posteriormente a cidade cresceu e mudou-se para o continente, vindo
vários anos depois a se tornar uma das cidades mais importantes da região da
Cária, até se tornar capital desta. Quando Heródoto nasceu, a Cária estava sob
o governo persa há várias décadas, pois os persas haviam
conquistado a Ásia Menor (hoje corresponde ao território da
Turquia). No tempo que ele nasceu e viveu, reinava o rei persa Xerxes
I. Embora, tal região estivesse ligada ao Império Persa, seus habitantes
falavam grego ou jônio e preferiam manter a cultura grega do que adotar a
cultura persa.
A
cidade de Halicarnasso é principalmente lembrada na História por ter sido o lar
de dois importantes historiadores como Heródoto e Dionísio de
Halicarnasso (século I a.C). Lar do poeta Paniasis, da
rainha Artemísia I de Cária a qual se unira ao exército do rei
persa Xerxes I e combateu os gregos na Batalha de Artemísio (480
a.C) e na Batalha de Salamina (480 a.C), durante a chamada Segunda
Guerra Médica ou Guerras Greco-persas.
Todavia,
Halicarnasso também é conhecida por ter possuído uma das Sete
Maravilhas do Mundo Antigo, o chamado Mausoléu de Halicarnasso,
construído pela rainha Artemísia II para sepultar o corpo de
seu falecido marido o sátrapa (governador persa) Mausolo (?
-353 a.C). A imponente tumba fora considerada por longos anos uma maravilha
arquitetônica. Hoje em dia apenas algumas ruínas são visíveis.
Família e formação
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Paniasis |
Heródoto
teria nascido por volta de 484 a.C (alguns sugerem a data de
485 a.C), sendo filho de Lixas e de Drio. É
descrito que sua família possuía prestígio social e certa prosperidade, no
entanto, nada se sabe sobre as atividades de seu pai Lixas. Alguns sugerem que
ele tivesse sido político, funcionário público e possivelmente possuísse
propriedades rurais. Todavia, excetuando-se os pais de Heródoto, o seu único
outro parente conhecido fora o seu tio, o poeta Paniasis (não se sabe ao certo
se ele era tio paterno ou materno), existe teorias hoje desacreditadas que sugerem
que Paniasis teria sido primo ou sobrinho de Heródoto, porém o erudito
francês Pierre Henri Larcher (1726-1812) discorda desta
hipótese que Paniasis teria sido sobrinho de Heródoto.
Larcher
fora um dos primeiros a traduzir o livro Histórias de
Heródoto na modernidade e a estudar sua vida, daí ser considerado uma
fonte de pesquisa acerca da vida deste historiador. Embora que hoje alguns de
seus argumentos perderam validade. Paniasis embora não seja famoso hoje em dia,
na Antiguidade fora considerado por gregos e romanos tendo sido um grande
poeta, equiparável a Homero, Hesíodo e Antímaco.
Seus únicos trabalhos que sobreviveram ao tempo, são a Herácleia ou Heracleiade,
poema épico em homenagem ao herói Héracles (Hércules em
latim), composto por nove mil versos, dividido em 14 livros. E o poema Os
Iônicos ou Os Jônicos, o qual narrava através
de sete mil versos (hoje apenas fragmentos destes são conhecidos) a história
deste povo que colonizou a Jônia (antiga região na Ásia Menor,
hoje território turco) e fora um dos povos formadores dos gregos.
Acerca
da formação de Heródoto, pelo fato de ter pertencido a uma família abastada, é
bem provável que recebera uma educação de qualidade e comum aos membros da sua
classe. Logo, o mesmo na escola teria aprendido a ler, escrever, contar; teria
tido aulas de educação física (parte importante do currículo escolar grego
antigo), e possivelmente aulas sobre geografia, história, política, oratória,
filosofia, etc. No entanto, não se conhece nenhum de seus professores, mas,
Larcher sugere que Heródoto nessa fase teria lido ou pelo menos ouvido falar em
alguns livros de história da época.
"A
descrição da Ásia por Decideu, a história de Lídia, de Xantus, as da
Pérsia de Helanicos de Lesbos e Charon de Lampsaco, gozavam então a mais
alta reputação. Estas obras agradáveis, interessantes, foram sem dúvidas
devoradas por Heródoto nesta idade em que se é ávido por conhecimentos,
e lhe inspiraram o vívido desejo de percorrer os países
cujas descrições o haviam encantado. Não era, contudo uma
vaga curiosidade que o levava a viajar; ele se propunha
uma finalidade mais nobre, a de escrever história. O sucesso
dos historiadores que o haviam precedido não o amedrontou;
pelo contrário, serviu para inflamá-lo; e embora Helano de Lesbos e
Charon de Lampsaco tivessem tratado em parte do mesmo assunto, longe de
ser desencorajado, ele ousou lutar contra eles, e não se esforçou em vão
em superá-los". (LARCHER, 2006, p. 9).
A narrativa histórica antes de Heródoto
Antes do surgimento da escrita por
volta de 4000 a.C na Suméria, região sul da Mesopotâmia (hoje
tais territórios compreendem o Iraque), onde surgira a chamada escrita
cuneiforme. A história era contada, ou seja, a história oral.
"Assim, desde seus princípios, a
História Oral esteve marcadamente envolvida com as questões da memória
humana, tanto coletiva quanto individual. E, nesse sentido, passou a ser
um relevante meio de valorização das identidades de grupos sem
escrita, por meio da coleta de seus depoimentos e da análise de sua
memória, de sua versão do mundo e dos acontecimentos". (Maria
Aparecida de Oliveira Silva, Histórias, Livro I, Clio, 2009).
A
história oral fora a forma que prevaleceu antes do surgimento da escrita e até
mesmo com esta tendo sido criada e desenvolvida, nem todos os povos tiveram
acesso a escrita ao longo de milênios, assim a história oral prevaleceu nas
chamadas sociedades ágrafas (sem escrita). Mas o que interessa sabermos
aqui é que a história oral por bastante tempo era a forma de que as pessoas
tinham como saber de acontecimentos internos e externos aos seus grupos,
comunidades, vilas e cidades. Com a inexistência de meios de comunicação, as
informações, as notícias eram transferidas verbalmente, pois mesmo
se existe-se escrita entre aquele povo, a maioria da população era
analfabeta, pois o ato de ler e escrever era de interesse do Governo e de
certas classes.
Nas
comunidades ágrafas os contadores de histórias, eram as pessoas
mais velhas, as quais narravam a história de seu povo e seus saberes. Todavia,
havia também os contadores de histórias itinerantes, homens que
viajavam de cidade em cidade, de país em país, geralmente trabalhando como
cantor, músico poeta, etc., o qual aproveitava para contar histórias que ouviu,
viu e inventou. Tais homens se especializavam neste trabalho, pois como fora
dito, geralmente eles contavam ou cantavam as histórias ao som de música ou a
declamava em poesia.
Por
esta época, a história oral possuía o papel de apenas informar e em muitos
casos aqueles que informavam e recebiam a informação não se importavam em
confirmar a veracidade das fontes. Fatos, boatos,
mentiras, equívocos, etc., se mesclavam na narrativa oral
compartilhada diariamente no mundo. A partir da década de 70 do século XX, a
história oral passou a ser reinterpretada e reavaliada.
A
realidade em parte mudou após o surgimento da escrita e quando esta surgiu
entre outros povos. À medida que alguns Estados se tornavam maiores, mais
poderosos e complexos, passou-se a ter a necessidade de melhorar a
administração destes Estados, aí entrara o papel da escrita e dos relatórios.
Na
ausência de historiadores propriamente falando, a História era escrita por
funcionários do governo como forma de relatórios sobre as províncias ou
territórios, abordando aspectos políticos (guerras, revoltas, etc.),
sociais, econômicos, naturais (como ocorrência de secas, pragas,
inundações, etc.); informações que seriam úteis para o soberano e seus
funcionários.
Além
disso, por muito tempo, a História se fundamentou a relatar a vida e o governo
dos soberanos e dos ditos "grandes homens". Figuras importantes para
uma dada sociedade ou povo, que foram consideradas relevantes para terem seus
feitos contados e preservados para o futuro. Na Bíblia existe
o chamado Livro dos Reis no Antigo Testamento,
o qual narra a vida de alguns dos reis de Israel, começando com Davi e
terminando com Joaquim, após esse ser libertado do Cativeiro
da Babilônia em 538 a.C pelo rei persa Ciro
II, o Grande.
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Hecateu de Mileto |
Por
outro lado, a História poderia ser escrita por escritores, poetas, artistas,
contadores de histórias, filósofos, políticos, generais, nobres, qualquer
pessoa que soubesse ler e escrever e que encontrasse alguma importância em
relatar tal acontecimento, de forma a dedicar seu tempo e trabalho para
escrevê-lo. Hecateu de Mileto (ca. 540 - ca. 480 a.C) escreveu
algumas importantes obras geográficas e históricas antes de Heródoto;
como A Descrição da Terra e Genealogias.
Obras que serviram de fonte para Heródoto. Por
muito tempo não houve uma metodologia e uma teoria específica de como se
escrever a história, tais aspectos surgiram apenas no século XIX, logo, cada
pessoa procurava seguir um viés que achasse melhor para seus interesses.
"Na
verdade, os significados da História estão em constante mutação e é
preciso que o professor leve a reflexão em torno dessa constante mudança
para a sala de aula, fornecendo instrumentos para que seus estudantes
possam compreender a complexidade da História e a dificuldade de se
responder à pergunta “O que é História?” Essa pergunta não é nova, e cada
corrente de pensamento procura dar sua própria resposta. Por isso, não é
possível oferecer uma definição fechada para esse conceito. O mais
importante é estabelecer as linhas gerais do debate em torno da natureza
da História". (Maria Aparecida de Oliveira Silva, Histórias, Livro I, Clio, 2009).
Ainda
na época de Heródoto a história misturava-se entre o real e o imaginário, e até
mesmo com a Literatura, pois alguns poetas e escritores escreviam sobre a
história. O próprio Heródoto na introdução de seu livro, segundo Larcher [2006]
tentou meio que construir uma explicação romanceada de sua obra. Logo, a narrativa histórica é bem mais antiga que o próprio Heródoto e
fora praticada em vários locais, seja por viés oral ou escrito.
Mas porque Heródoto é chamado de "Pai da História"?
Um viajante em busca das maravilhas do
mundo
Não
se sabe ao certo quando Heródoto iniciou suas viagens que lhe serviriam de base
para escrever seu livro As Histórias e por quanto tempo ele
viajou, pois é provável que ele tenha realizado várias viagens em distintos
períodos de sua vida. Outro fato que marca esse seu período de viajante é que
existem dúvidas se realmente ele teria visitado todos os importantes locais que
menciona em sua obra, como a Babilônia, a Pérsia (neste
caso refere-se a região de mesmo nome e não no sentido de império) e Cartago.
"Foi com isto em vista que empreendeu
suas viagens, que percorreu a Grécia inteira, o Épiro, a Macedônia, a
Trácia; e, segundo seu próprio testemunho, não se pode duvidar que tenha
passado da Trácia aos Citas, para além de Íster e do Boristeno. Por toda
parte, observou com olhar curioso os sítios, as distâncias dos
lugares, as produções dos países, os usos, os costumes, a religião
dos povos; fuçou em seus arquivos e em suas inscrições os
fatos importantes, a sequência dos reis, as genealogias
dos personagens ilustres; e por toda parte ligou-se aos homens
mais instruídos, e dedicou-se a consultá-los em todas as
ocasiões. Talvez tenha se contentado nesta primeira viagem em visitar
a Grécia, e que, em seguida rumou para o Egito, passando daí para a
Ásia na Cólcida, à Cítia, à Trácia, à Macedônia, retornando a Grécia pelo
Épiro". (LARCHER, 2006, p. 10).
O Egito fora um dos locais que mais
maravilhou Heródoto, pois como Hartog [1999] diz: uma das ideias de Heródoto
sobre viajar e escrever a história era poder vê e falar sobre as
"maravilhas" (thôma). Hartog também sugere que thôma possa
ser entendido também no sentido de "curiosidades". Heródoto dizia que
existiam "maravilhas" naturais e construídas pelos homens que valiam
apena serem conhecidas. As pirâmides de Gizé foram uma destas
maravilhas que encantaram Heródoto. O mesmo dedicou um bom tempo a viajar pelo
Egito, percorrendo o Nilo, visitando cidades como Mênfis, Tebas e Heliópolis,
importantes cidades da época."Com
relação a maravilhas, o território da Lídia não tem mesmo nada que mereça ser
escrito, como há em outras regiões, a não ser as palhetas de ouro que descem do
Tmolo...". (HARTOG, 1999, p. 245 apud HERÓDOTO).
Na
citação acima, dá-se para ver como François Hartog mostrara, que de fato
Heródoto demonstrava interesse nestas "maravilhas" e nos monumentos (érgas),
pois para ele tais obras eram uma expressão da beleza da arte humana e da
influência divina, pois alguns destes monumentos eram dedicados aos deuses. Para Larcher as descrições sobre a Líbia (não
confundir com a Lídia) e Cirenaica, concedem a
confirmação que Heródoto teria passado por este países vizinho ao Egito, e
talvez seguido para Cartago no oeste.
"Suas
excursões na Líbia e na Cirenaica precedem a viagem a Tiro. A descrição
exata da Líbia, desde as fronteiras do Egito até o promontório Soloeis,
hoje cabo Spartel, conforma-se em tudo ao que nos dizem os viajantes
mais estimados, e o doutor Shaw em particular, não permitindo dúvida
de que tenha visto este país por si mesmo. Somos ainda tentados a crer que
tenha estado em Cartago; seus encontros com um grande número de
cartaginenses autorizam esta opinião. Ele voltou sem dúvida pela mesma
rota ao Egito, e daí enfim passou a Tiro". (LARCHER, 2006, p. 12).
Na
ilha de Tiro (hoje no Líbano), ele visitou um templo dedicado
ao herói Héracles, e de lá teria percorrido o atual território palestino em Israel e
teria seguido para a Babilônia (hoje no Iraque) e a Pérsia (hoje o Irã).
Todavia, embora Larcher afirme que o historiador esteve na Babilônia, existem
alguns que discordam disso, mas não entrarei nesta questão. Entretanto, Larcher
conta que da Babilônia ele teria seguido para a Ásia Menor, por onde
visitou também a Lídia e talvez a Cítia.
"A Cólcida foi o último país da Ásia
que percorreu. Queria assegurar-se pessoalmente se os Cólcidos eram
de origem egípcia, como lhe tinham dito no Egito, e se
eram descendentes de uma parte do exército de Sesostris que tinha
se estabelecido neste país. Da Cólcida passou pelos Citas e os Getos,
daí à Trácia, da Trácia à Macedônia; e enfim voltou à Grécia pelo Épiro.
Se não tivesse conhecido tão bem todos estes diferentes países, como
poderia ter dado uma descrição exata, falar com clareza da expedição de
Dario entre os Citas, e da de Xerxes à Grécia?". (LARCHER, 2006, p.
13).
Por volta de 458 a.C ou 455 a.C, Heródoto já se encontrava por Halicarnasso, e nesse tempo soube que seu tio Paniasis fora assassinado por ordem do tirano Ligdamis I (o conceito de tirano e tirania entre os gregos antigos era diferente do conceito de hoje, pois o tirano era um governante que assumia o poder em tempos excepcionais, embora em alguns casos fosse considerado um usurpador). Paniasis havia se unido a oposição que pretendia destronar o tirano, mas acabou sendo morto. Não se sabe se Heródoto testemunhou a morte do tio, ou já se encontrava pela cidade quando aconteceu o caso. Temendo ameaças a sua vida, Heródoto deixou Halicarnasso e se mudou para a ilha de Samos, onde de acordo com Larcher dera início a escrita de seus livros. Todavia, sabe-se que Heródoto chegou a participar dos protestos e a tramar a derrubada de Ligdamis. Não se sabe se o mesmo retornou para a Halicarnasso neste tempo após a morte de seu tio. Mas, Ligdamis fora retirado do poder. Larcher
também conta que por volta da 81.ª Olimpíada ocorrida em 452
a.C, Heródoto teria visitado Olímpia local onde se realizavam os
jogos, para proclamar alguns trechos de seu livro Histórias.
Contudo, há dúvidas se realmente ele comparecera nesta Olimpíada ou teria sido
em outra, posterior a essa data. Larcher
não fora o único a ter problemas com a periodização, outros autores como Luciano (ca.
125 - ca. 180) e Amiano Marcelino (330-391) também
não possuem exatidão acerca de qual Olimpíada o historiador comparecera.
Marcelino (autor da biografia de Tucídides) diz que Tucídides (ca.
460-400 a.C), famoso historiador grego, teria comparecido a
83.ª Olimpíada ocorrida em 444 a.C, e chorado ao ouvir a declamação
do historiador. Por esta época ele estaria por volta de seus 16 anos (embora a
data de seu nascimento é incerta), data que é compatível com as menções de
Luciano e Larcher onde os mesmos dizem que Tucídides teria por volta de seus 15
anos. Porém, Larcher diz que a Olimpíada fora a de 452 a.C e
Tucídides teria nascido em 477 a.C. No entanto, hoje muitos historiadores não
consideram esta data tão remota. Porém, ainda existe a possibilidade de engano,
pois em Atenas nesta época havia outro Tucídides (conhecido
como filho de Melesias), conhecido por ser um político de destaque na época.
Teria Luciano, Marcelino, Larcher e alguns outros confundido os dois Tucídides,
o político e o futuro historiador? Pois Tucídides antes de ser historiador
também participou da vida pública de Atenas. A proposta de Heródoto quando concebeu seus livros era relatar os acontecimentos acerca das Guerras Médicas (493-492 a.C/480-479 a.C) como também abordar aspectos sociais e culturais de outros povos pelos locais que ele visitou em suas viagens, e isso incluíra os gregos, persas, egípcios, citas, lídios, trácios, babilônios, massagetas, macedônios, amazonas, etc.
De
qualquer forma sabe-se que em 444 a.C, Heródoto voltou a ler outros
trechos de sua obra, agora em Atenas, no festival das Panatenéias.
Segundo alguns autores, Heródoto teria chegado à Atenas entre 446 e 445
a.C, possivelmente teria conhecido ou pelo menos avistado o
famoso dramaturgo Sófocles (497-405 a.C) e o famoso
general e político Péricles (495/492-429 a.C). Acredito que se
Tucídides ouviu e conheceu Heródoto deve ter sido por esta época, pois ambos
estavam morando em Atenas. Além disso, não se sabe se ambos teriam ido a
Olímpia na ocasião para assistir os jogos.
Em Túrio
Sabe-se
também que Heródoto fora um dos colonos que partira para a cidade de Túrio (Sibaris) na Itália,
pelo ano de 444 a.C, como atestaram Larcher, Eusébio, Diilo, Aristóteles, Estrabão,Plutarco e
outros. Não se tem certeza se o mesmo viveu o resto da vida em Túrio,
mas sabe-se que permaneceu ali por muito tempo, pois em alguns casos ao invés
de chamá-lo de Heródoto de Halicarnasso o chamavam de Heródoto de Túrio.
"Há muita aparência que
ele passou o resto de seus dias nesta cidade, e parece certo que
foi por esta razão que se lhe dá às vezes o sobrenome de Heródoto de
Túrio. Estrabrão o diz positivamente. Eis como se exprime este sábio
geógrafo ao falar da cidade de Halicarnasso: ‘O historiador Heródoto era
desta cidade. Chamaram-no depois Turiano, porque estava entre os que foram
enviados em colônia a Túrio.’ O imperador Juliano não o chama de outra
forma no fragmento de uma carta que Suidas nos conservou: Se
o Turiano parece a qualquer um digno de fé, etc. A coisa foi mesmo
levada tão longe, que Heródoto tendo começado sua História com estas
palavras: Publicando suas pesquisas, Heródoto de Halicarnasso, etc.;
Aristóteles, que cita este começo, mudou esta expressão pela de Heródoto
de Túrio. Este sábio não é o único a fazê-lo; porque Plutarco observa que
muitas pessoas haviam feito a mesma mudança". (LARCHER, 2006, p.
18-19).
Assim
como outros fatos de sua vida, sua estadia em Túrio também é pouco conhecida.
Heródoto quando se mudou para a cidade, contava com seus quarenta anos de
idade, no entanto, não se sabe se ele era casado e tinha filhos por esta época,
ou se casou em Túrio e teve outros filhos. Além disso, também não se possui
informações sobre suas atividades; embora fosse um historiador, o mesmo só
passou a ser chamado assim após anos depois de sua morte, logo, em vida, ele
não recebera salário por ser um historiador. Teria ele trabalhando em
algum cargo público ou na política? Teria tido propriedades rurais que lhe dessem
sustento? Teria sido um professor e tutor? Essas são perguntas que não temos
respostas ainda, pois mesmos aqueles que escreveram sobre sua vida na
Antiguidade possuem poucas informações sobre essa.
Contudo,
sabe-se que o tempo em que vivera em Túrio dedicou-se a escrever e concluir sua
vasta obra. Heródoto faleceu entre 425 e 420 a.C (em alguns
livros mais antigos sugerem que ele teria morrido em 430 ou 428 a.C). Larcher
[2006] alegava que Heródoto teria morrido com mais de 77 anos. Porém, hoje se
acredita que o historiador teria morrido na casa dos 60 anos.
Provavelmente
tenha morrido em Túrio, como sugere sua biografia no Suda ou
Suidas, enciclopédia bizantina do século X. Outros relatos
sugerem que ele teria morrido em Pella, capital da Macedônia,
mas como Larcher [2006] mesmo comentara, tal relato é pouco confiável, pois não
se sabe quem fora que disse isso, apenas consta em alguns registros tal
possibilidade. Marcelino alega que Heródoto teria morrido em Atenas onde fora
sepultado próximo as portas de Mélitides. No entanto, Larcher [2006] sugere que
tal caso se tratasse de um cenotáfio (monumento em homenagem a algum falecido).
Estêvão
de Bizâncio em
seu dicionário Ethnica, escrito no século VI, quase quatro
séculos antes do Suda, já contava que Heródoto havia morrido realmente em
Túrio, e o mesmo até mencionara um epitáfio que teria sido gravado no túmulo do
historiador:
"Esta terra encobre em seu seio
Heródoto, filho de Lixas, Dório de origem, e o mais ilustre
dos historiadores iônios. Ele se retirou para Thurium, que via como uma segunda pátria, a fim de se colocar a coberto das mordidas de
Momus". (LARCHER, 2006, p. 21).
O Pai da História
A história já era escrita antes de Heródoto, porque
chamá-lo de o "Pai da História"? A primeira pessoa que teria dado
esse epíteto a ele, fora o romano Marco Túlio Cícero (106-43
a.C) proeminente político, orador, advogado, filósofo e escritor. A menção a
tal citação se encontra no livro Das Leis (De Legibus)
escrito por Cícero por volta de 52 a.C. Posteriormente a obra de Cícero, outras
pessoas também passaram a adotar o epíteto de "Pai da História" para
Heródoto, embora que ao mesmo tempo também surgirá o epíteto de "Pai das
Mentiras", mas sobre isso falarei mais adiante. Os motivos para
considerar Heródoto como sendo o "Pai da História" não são claros,
pois não sabemos quais foram às prerrogativas que Cícero usou para
designar esta homenagem, no entanto, posso mencionar algumas que possam se
referir o porquê desta homenagem.
A palavra história fora uma criação de
Heródoto, ou seja, originalmente a palavra história fora um
neologismo, derivado da palavra histor (ιστορ) que significava
"investigar", "procurar". Heródoto criou a palavra história (no
plural se diz historiai), que na época possuía um sentido de
conhecer, pesquisar, procurar saber. Hoje seu sentido é bem mais complexo.
Todavia, a invenção de Heródoto é tão marcante que o seu livro fora batizado
com a palavra que ele criara: As Histórias (Ἰστορἴαι), embora não fora ele que dera este nome ao seu livro, como veremos
adiante.
Porém,
para alguns deve ter ficado a pergunta: se Heródoto criou a palavra história,
como se chamava a história antes dele? Bom, neste caso cada
povo possuía seus termos para designar tal palavra, e hoje quando traduzimos
textos anteriores a época de Heródoto ou até mesmo posteriores, mas que não
tiveram contato com sua palavra, é comum mesmo assim traduzir tal palavra como
história, desde que tenha o significado aproximado, pois história pode-se
referir tanto a fatos, ficção, lendas, mitos e mentiras.
A
palavra história possui uma vasta abrangência, porém não
confunda este sentido quando falamos da História (alguns historiadores não
gostam de usar a palavra em maiúsculo e minúsculo para
diferenciar, mas acredito que isso facilita o entendimento). No caso da
História essa consiste na cadeia de fatos históricos analisadas, pesquisadas,
criticadas e escritas ao longo do tempo, referentes a acontecimentos naturais e
gerados pela humanidade. De fato a História é a disciplina ou a ciência humana
como alguns falam. Isso serve para diferenciar do conceito normal de história.
Heródoto criou a palavra história, mas não o
seu conceito, pois o conceito é mais antigo que ele mesmo, e quanto a
palavra historiador, o termo que designa o profissional que
trabalha com a História?
A
palavra historiador é posterior a Heródoto, embora não se saiba com exatidão
quando surgira. Em seu tempo, Heródoto não fora chamado de historiador, mas
possivelmente de escritor, pois o sentido que ele pretendia dá a história ainda
estava em desenvolvimento, daí alguns dizerem que ele escrevia um tipo
"diferente de literatura". Hoje nós o chamamos de historiador e até
Hecateu de Mileto também possa ser chamado de historiador, embora em seu tempo
é provável que fosse chamado de filósofo, escritor e outros termos.
Outro
aspecto que pode ter levado Cícero a considerar Heródoto como o "Pai da
História", diz respeito a sua obra. E para isso precisamos analisar um
pouco de sua obra, para entender o porquê da possibilidade de haver diferenças
na escrita da história de Heródoto em relação a outros homens que o precederam.
As Histórias
As Histórias ou A
História, como consta também em alguns relatos antigos e recentes, fora
escrito ao longo de vários anos. Se tomarmos a descrição de Larcher [2006] e de
Lucano, Heródoto teria começado a escrever seus livros antes do ano de 452 a.C
e continuado até a sua velhice. Todavia, originalmente o livro não se chamava
assim, e na verdade não era um livro, mas nove livros. Heródoto concebera sua
obra dividida em nove volumes, cada um intitulado com o nome de uma das Musas
da mitologia grega, deusas das artes das ciências.
As Musas eram filhas de Zeus e da
titânide Mnemósine, a deusa da Memória. Segundo o mito,
elas habitavam o Monte Parnaso. As Musas costumavam receber a
visita do seu irmão Apolo, o qual além de ser o deus do sol era o
deus associado as artes, como a poesia e a música; e também recebiam a visita
de sua irmã, a deusa Atena. Neste caso, Atena além de deusa da
guerra era a deusa da sabedoria, e como as Musas estavam associadas ao
conhecimento, daí a relação com Atena.
O primeiro livro, este escrito pela
década de 450 a.C., fora batizado de Clio
em referência a Musa da História. Os demais livros se chamam respectivamente: Euterpe, Tália Melpône, Terpsícore, Erato,
Polímnia, Urânia e Calíope.
"Seu desejo de expor suas pesquisas (historié) para impedir que os feitos dos gregos e bárbaros se
apagassem da memória, principalmente as razões de terem entrado em conflito.
Estão aí presentes, por tanto, as noções de memória, identidade, sequência
de acontecimentos e confrontação entre opostos como apresentadas pela
tradição mítica". (QUEIROZ; IOKOI, 1999, p. 17).
Pelo fato de ter decidido falar a
respeito das Guerras Médicas, Heródoto tivera a preocupação de apresentar quem
eram os persas e contar a história do surgimento do Império Persa, antes de
iniciar os relatos acerca das guerras empreendidas por Dario, o Grande e seu
filho Xerxes I. Sendo assim, o primeiro livro aborda a história da formação do
Império Persa, contando com alguns territórios foram conquistados por Ciro, o
Grande.
Os temas que
cada um dos nove livros abordam, aparecem na descrição de cada um destes,
como apresentada por Larcher [2006]. Uma espécie de índice que exibe
os principais temas que são tratados naquele volume.
OS PERSAS — OS MEDOS — BABILÔNIA —
CRESO — CANDOLO E GIGÉS — SEMÍRAMIS — TÓMIRIS
EGITO — ÍSIS — O ORÁCULO DE DODONA —
SESÓSTRIS — RAMPSINITO — HELIÓPOLIS — ELEFANTINA — O NILO —
EMBALSAMAMENTOS — SEPULTURAS — OS DOZE REIS — PSAMÉTICO — VEGOS — PSÁMIS
— ÁPRIES — AMÁSIS
EGITO — A PÉRSIA — CAMBISES — MÊNFIS —
O BOI ÁPIS — A ETIÓPIA — POLÍCRATES — AMÁSIS — O FALSO ESMÉRDIS —
DARIO — O CERCO DE BABILÔNIA — ZÓPIRO
A CÍTIA — HÉRCULES — OS GRIFÃOS — OS
HIPERBÓREOS — DESCRIÇÃO DA TERRA — O POVO DE CÍLAX — COSTUMES DOS CITAS
— ANACÁRSIS — A EXPEDIÇÃO DE DARIO — O PONTO EUXINO — AS AMAZONAS —
OS TRÁCIOS — OS GETAS — A LÍBIA — O CULTO DO SOL
CONTINUAÇÃO DA HISTÓRIA DE DARIO —
ATENAS E ESPARTA — OS PISISTRÁTIDAS — CLEÓMENES — AS ESTÁTUAS DE EGINA —
ORIGEM DA INIMIZADE ENTRE OS ATENIENSES E OS EGINETAS — CÍPSELO, TIRANO
DE CORINTO — HÍPIAS — TOMADA DE SARDES PELOS IÔNIOS E
PELOS ATENIENSES — DARIO LANÇA UMA FLECHA CONTRA O CÉU, PEDINDO
AOS DEUSES QUE O VINGUEM DOS ATENIENSES — TODAS AS CIDADES
DO HELESPONTO, DA IÔNIA E DA EÓLIA SUBMETIDAS PELOS PERSAS, ETC.
DARIO APODERA-SE DE MILETO — O POETA
FRINICO — DARIO MANDA PEDIR TERRA E ÁGUA AOS POVOS DA GRÉCIA —
PRERROGATIVAS DOS REIS DE ESPARTA — TOMADA DE ERÉTRIA PELOS PERSAS —
CLEÓMENES — SUA MORTE — OS PERSAS ATACAM ATENAS — A BATALHA
DE MARATONA — MILCÍADES — OS ESPARTANOS SÓ CHEGAM DEPOIS DA VITÓRIA —
MILCÍADES DIANTE DE PAROS — O MALOGRO DE SUA EXPEDIÇÃO — CONDENADO A UMA
MULTA — OS PELASGOS — LEMNOS
A MORTE DE DARIO — XERXES SUCEDE-O NO
TRONO — SUBMETE O EGITO — QUER VINGAR-SE DOS GREGOS E FAZER DA TERRA UM
SÓ IMPÉRIO — REÚNE UM CONSELHO — RESOLVIDA A GUERRA CONTRA A GRÉCIA —
MANDA PERFURAR O MONTE ATOS — PÍTIO — UMA PONTE LANÇADA SOBRE O MAR — O
EXÉRCITO DESFILA DIANTE DE XERXES DURANTE SETE DIAS E SETE NOITES SEM
INTERVALO — ENUMERAÇÃO À MANEIRA DE HOMERO — PASSANDO EM REVISTA A FROTA —
XERXES CONSULTA DEMARATO — O ARAUTO DE ESPARTA DIANTE DE XERXES
— TEMÍSTOCLES — EMBAIXADA A GÉLON — AS TERMÓPILAS — LEÔNIDAS —
DIENECES — INSCRIÇÃO NAS TERMÓPILAS
TEMÍSTOCLES — COMBATE NAVAL PERTO DE
ARTEMÍSIO — OS GREGOS SE RETIRAM — OS PERSAS ATINGIDOS POR UM RAIO PERTO
DO TEMPLO DE DELFOS — A BATALHA NAVAL DE SALAMINA — XERXES ASSISTE
À BATALHA — ARISTIDES NA FROTA — A CORAGEM DE ARTEMISA — DISCURSO DE
MARDÔNIO A XERXES — DESASTRE DOS PERSAS — TEMÍSTOCLES DETÉM-SE NA
PERSEGUIÇÃO AO INIMIGO — XERXES GANHA O HELESPONTO E RETIRA-SE PARA A ÁSIA
— MARDÔNIO PERMANECE À FRENTE DE TREZENTOS MIL HOMENS — ATENAS E ESPARTA
REPELEM AS PROPOSTAS DE PAZ
MARDÔNIO APODERA-SE DE ATENAS PELA
SEGUNDA VEZ — OS ATENIENSES ENVIAM EMBAIXADORES A ESPARTA — LÍCIDAS
É TORTURADO — MORTE DE MASÍSTIO, GENERAL PERSA — TISÂMENO TORNA-SE
CIDADÃO DE ESPARTA — BATALHA DE PLATEIA — MORTE DE MARDÔNIO — SAQUE DO
ACAMPAMENTO — OS GREGOS MARCHAM CONTRA TEBAS PARA VINGAR-SE DA TRAIÇÃO DOS
SEUS HABITANTES — BATALHA NAVAL DE MÍCALE, GANHA NO MESMO DIA DA BATALHA
DE PLATEIA — CERCO DE SESTO — FUGA DOS PERSAS — ARTAÍCTES CONDENADO À MORTE
Embora Heródoto tivesse como principal objetivo narrar as Guerras Médicas, quando
analisamos e lemos As Histórias, é a partir do seu quinto livro que ele inicia
a narrativa acerca da guerra, contando os fatores que levaram Dario a invadir a
Grécia. E nos livros seguintes eles mantem sua narrativa sobre a guerra.
No entanto, os quatro primeiros livros são uma descrição de parte do Império
Persa, de sua história como também da história de países e povos que estavam
sob o domínio dos persas. Sendo assim, no primeiro livro, Heródoto trata de
falar sobre o surgimento do império dos persas; o segundo livro ele dedica a
falar exclusivamente do Egito, e no terceiro ele continua a falar do Egito, mas
agora tendo foco nas campanhas do rei persa Cambises II o qual
conquistou o Egito. No quarto livro ele realiza um apanhado geral e fala acerca
dos citas, dos trácios, dos massagetas, das amazonas, hiperbóreos,
etc. Neste caso devo fazer um comentário sobre estes dois últimos. As amazonas, são as mesmas da
mitologia, e estas viveriam em uma ilha em algum lugar do mar Egeu. Entre os
antigos gregos existiam várias histórias de constantes lutas entre
eles e as amazonas. Mas o que para nós pode parecer mito, para Heródoto
era algo real. Por exemplo, quando ele visitou a Lídia ele ouviu falar de
grandes pegadas deixadas por um gigante, mas ao vê-las ele disse que tais
pegadas foram feitas por Héracles. Heródoto também faz referências a Guerra
de Troia, dizendo que um dos motivos para os persas invadirem a Grécia,
seria vingar os troianos, pois na época de Heródoto, Troia se encontrava sob o
domínio persa. Por sua vez os hiperbóreos eram habitantes de uma
terra mítica chamada Hiperbórea, a qual gregos e romanos
acreditavam que ficava em algum lugar ao norte de suas península, seguindo para
dentro do continente europeu.
A vasta
obra de Heródoto contou com anos de pesquisa, viagem e estudo. Hoje
desconhecemos em grande parte as fontes que ele utilizou, mas sabemos que entre
as fontes estava o relato oral, pois muitos gregos não sabiam ler e escrever, e
mesmo aqueles que sabiam não deixaram registros escritos, logo a história oral
fora fundamental para o trabalho de Heródoto, o qual é bem provável entrevistou
homens que lutaram nas Guerras Médicas.
"Heródoto
trabalhou com um material diverso e enorme. Com fontes orais ao interrogar
pessoas com quem se encontrava, com as experiências visuais obtida nas viagens
ao observar, classificar e medir costumes, edifícios, santuários, esculturas,
monumentos, rios, mares, caminhos, etc - ver com os próprios olhos era então
considerado mais importante do que ouvir com os próprios ouvidos - e também com
textos e inscrições". (QUEIROZ; IOKOI, 1999, p. 17).
Existe certas particularidades no
relato de Heródoto como Hartog [1999] fizera menção. Heródoto, em certos pontos
de seus livros diz que possuía dúvidas sobre certas informações que lhe foram
dadas, mesmo assim as registrou em seu livro (isso lhe traria problemas no
futuro). Por outro lado, em alguns momentos ele preferiu não comentar
sobre outros assuntos como o caso da metempsicose (reencarnação de almas
humanas em corpos de animais), embora disse-se que "eu os conheço; e nada
falarei sobre isso". Heródoto dava a entender que ele possuía conhecimento
sobre certas questões, mas preferiu omiti-las, embora não sejam claros seus
motivos.
Outro aspecto da obra de Heródoto diz respeito a cronologia. Os livros não
seguem uma cronologia contínua, em dados momentos existem interrupções e
retornos ao passado. Por exemplo, ele começa a narrar a ascensão de
Ciro, o Grande por volta de 539 a.C, isso no Livro I - Clio, porém, já no Livro
II -Euterpe ele se põe a contar parte da história do Egito, e isso o faz
remeter há séculos antes, para depois no Livro III - Tália, retornar ao século
VI a.C com Cambises II e sua conquista do Egito. No entanto, em dados momentos
de sua obra, o tempo parece que ficar indeterminado, pois o mesmo começa a
relatar aspectos sociais e culturais de outros povos como visto no Livro IV -
Melpômene. Além deste fator temporal descontínuo, a geografia e a descrição dos lugares e
costumes são questões importantes da sua obra. Alguns estudiosos chegaram a
chamar Heródoto de geógrafo, por causa disso. Embora eu não possa afirmar
se Heródoto tenha sido um bom geógrafo, pois a sua ideia era localizar os
locais e os povos de quem falava para os gregos. Era situar o espaço nos
acontecimentos históricos e não conceber uma obra geográfica propriamente,
embora ele tenha feito algumas descrições interessantes sobre a costa grega, a
costa da Ásia menor, o rio Nilo, etc.
O historiador britânico Simon
Schama em seu livro Paisagem e Memória (1996)
construiu um relato histórico tendo como base a paisagem natural da Lituânia e
da Polônia, países natais de seus avós. O mesmo procurou contar parte da
história destas nações, tendo como ponto de vista as mudanças na paisagem
destas nações, mudanças estas sofridas ao longo de séculos de intervenção
humana. Neste caso, Heródoto não chegou a fazer a mesma coisa em seu livro, mas
noto que as ideias são parecidas, no sentido que ele procurou apresentar o
local onde vivia estes povos, como forma de contribuir na descrição dos mesmos,
de situá-los no mundo, pois para a maioria dos gregos o mundo era desconhecido,
e como Heródoto propunha apresentar algumas das "maravilhas" que existiam,
ele teria como Hartog [1999] dissera: "indicar o caminho".
"As Histórias podem ser consideradas seja como uma justaposição seja como
um encaixe de descrições e de histórias ou de quadros e de narrativas".
(HARTOG, 1999, p. 261).
Acerca de descrições, Hartog [1999]
assinalou bem o fato de que As Histórias consistem numa
descrição e representação do outro. Heródoto pretendia em seus
livros mostrar que os "bárbaros" não eram iguais, que eles possuíam semelhanças entre si e com os gregos, mas ao mesmo
tempo possuíam diferenças entre si. Dessa forma ele queria mostrar que os
egípcios não eram iguais aos citas, aos trácios, aos lídios, aos massagetas,
aos babilônios e nem aos persas, embora que todos estes povos vivessem sob o
domínio persa, ele mostrou que havia diferenças culturais e sociais entre eles.
Talvez essa tenha sido uma das principais contribuições de Heródoto em seu
livro.
"As mulheres citas, às quais são confiados
os 'trabalhos femininos', parecem-se muito com as mulheres gregas. Com efeito,
vivem em suas carroças, como as mulheres gregas em suas casas. Produz-se então,
de novo, o deslizamento já apontado: em face das amazonas, os citas tornam-se
quase gregos. Com relação às mulheres citas, as amazonas ocupam indiscutivelmente
uma posição masculina: percorrem o espaço exterior, manejam armas, montam
cavalos e ignoram os 'trabalhos femininos’". (HARTOG, 1999, p. 239).
É preciso ter em mente que os livros de
Heródoto foram pensados principalmente para ensinar os gregos, para contar as
histórias de alguns povos "bárbaros" conhecidos, e também para
preservar um dos maiores feitos dos gregos até então, as vitórias sobre o
poderoso Império Persa, a final, a Grécia deste tempo não era uma nação unida,
mas um conjunto de cidades-Estados, em geral rivais ou inimigas entre si, que
decidiram pôr de lado as diferenças e se uniram para combater um inimigo em
comum. Neste caso, aquela expressão: "o inimigo do meu inimigo, é meu
amigo", de certa forma poderia ser aplicada a este contexto.
Outro aspecto que diz respeito ao lugar da religião na obra
de Heródoto. O mesmo faz menção a deuses gregos, egípcios, persas, etc. Além de
também falar sobre os heróis como Héracles. Além disso, Heródoto embora
considerasse que as Guerras Médicas das ordens dos reis Dario e Xerxes, no caso
de Dario como punição a Atenas por ter ajudado nas revoltas na Jônia, e no caso
de Xerxes como vingança a derrota de seu pai, dez anos antes, Heródoto
considerava que o destino também tenha contribuído para isso. O mesmo
acreditava em oráculos e presságios, e não descartava a intervenção divina como
fator que gerava as mudanças no mundo. Conclui-se que a obra de
Heródoto tinha como objetivo falar de guerras, acabou se revelando como
algo bem maior. Heródoto realizou descrições geográficas, descrições de
animais, de monumentos. Falou sobre aspectos culturais e sociais de distintos
povos; contou um pouco da história do surgimento do Império Persa até o reinado
de Xerxes I. Realizou descrições sobre maravilhas e curiosidades em respeito a
África, Ásia e Europa; fez menção a mitos e lendas. De certa forma, Heródoto
quis construir um relato sobre o mundo em sua época, pelo menos o mundo
conhecido pelos gregos.
Acerca da sua metodologia de pesquisa
não se sabe ao certo seus parâmetros. Em seu tempo não havia muitas bibliotecas
e arquivos na Grécia, porém existiam no Egito, Babilônia e Pérsia. Além disso,
nem todo mundo escrevia sobre certos assuntos, isso teria dificultado as
investigações (histor) de Heródoto. No entanto, é provável que ele tenha
lido alguns livros de história e consultado mapas, para embasar alguns aspectos
de seu trabalho. Todavia, um dos principais meios que ele usou fora a
entrevista e a conversa. Heródoto conversou com homens que lutaram nas Guerras
Médicas, mas com outras pessoas que lhe forneceram informações sobre os locais
que ele escrevera, por exemplo, sabe-se que ele conversou com vários sacerdotes
no Egito acerca da história do país e outros assuntos.
Partindo do que fora apresentado, aqui
nota-se que Heródoto tivera preocupação em relatar o que realmente aconteceu,
embora em alguns momentos seus relatos são questionáveis de exatidão
e credibilidade, como também ele cometera alguns enganos. Mas, excetuando-se
isso, acho que tais motivos devem ter levado Cícero a considerá-lo o "Pai
da História". Mesmo assim, isso não fora suficiente para salvá-lo de
também ser chamado de mentiroso.
O Pai das Mentiras
Os gregos antigos tendiam a acreditar
mais no relato oral de alguém que fora testemunha de um acontecimento, do que
num relato escrito de uma pessoa que também testemunhara algum acontecimento.
Se hoje a escrita possui um certo peso de conformidade e credibilidade, naquela
época em que poucos sabiam ler, a palavra de um homem valia mais do que ele
escreveu. A ideia de arquivo não existia. A ideia de que o que está escrito é
mais forte do que fora dito, ainda estavam em desenvolvimento. Mas neste
caso havia diferença no relato de quem viu para o relato de quem ouviu falar. E
é neste caso que Heródoto sofrera duras críticas.
"Assim, o olho do viajante baliza
o espaço e recorta as zonas mais ou menos conhecidas (desde aquilo que eu vi
com meus próprios olhos, ao que outros viram - e até àquilo que ninguém
viu)". (HARTOG, 1999, p. 275). Hartog diz que como Heródoto se valera da
consulta a memória de distintas pessoas para escrever seus livros, vem o
problema de confiabilidade da mensagem transmitida. Será que a pessoa se
lembrou corretamente? Será que esqueceu de algo? Será que omitiu ou mentiu?
Como saber se o que tal pessoa disse realmente é verdadeiro? Será que tais
inscrições estavam certas no que falavam? Esses são alguns problemas que ainda
hoje os historiadores enfrentam em relação ao se trabalhar com a história oral
e a analisar documentos antigos, pois sabe-se que houveram textos antigos que
foram falseados, e para isso surgiram as chamadas "ciências
auxiliares" que com suas técnicas combatem as fraudes documentais.
Um caso que os críticos de Heródoto
mencionavam dizia respeito ao Egito, onde Heródoto diz que não
sabia egípcio, logo conversava com egípcios que falavam grego ou
com gregos que falavam egípcio. Então alguns dos críticos alegaram que as
transcrições que ele fizera de algumas inscrições que encontrara, poderiam estar
erradas ou terem sido modificadas. Se Heródoto não sabia ler e nem falar
egípcio, ele corria o risco de ser enganado, e quem garante que aquele que
traduziu para ele o que estava escrito, o fizera de forma honesta?
Em outros momentos, ele diz que não
chegou a ver determinado lugar ou acontecimento, mas ouviu um relato de alguém
que fora testemunha. Além disso ele também cometera enganos. Por exemplo, ele
faz menção a uma estátua de ouro que supostamente seria em homenagem a Zeus, a
qual ficava localizada na Babilônia, porém há estátua havia sido removida por Xerxes,
mas Heródoto disse que a viu na cidade.
Possivelmente ele tenha traduzido ou transcrito nomes
próprios de forma errada ou feito comparações impróprias. Neste caso temos o
exemplo de quando Heródoto faz menção a alguns deuses persas e tenta
compará-los aos deuses gregos. O problema é que determinadas divindades
persas possuíam várias funções, logo compará-los aos deuses gregos
onde alguns possuíam apenas uma ou duas funções era errôneo.
Mas, a ideia de comparação não
era errônea pois a comparação como explicara Hartog [1999] é uma
forma de explicação; ou seja, você compara algo para que o receptor da mensagem
possa entender de forma mais clara aquilo que não conhece. No ato de comparar,
Heródoto também usou analogias para fazer isso. Um exemplo interessante se
encontra na sua descrição sobre os hipopótamos durante sua visita ao
Egito. Ele realizara uma analogia entre o cavalo e o hipopótamo. Para
alguns críticos de sua obra, isso eram absurdos, e o mesmo
estaria desvirtuando a realidade. Todavia, a analogia de Heródoto não
era tão errônea assim, a final, a palavra hipopótamo ao pé da letra significa
"cavalo do rio".
"Enfim,
o fazer-crer da narrativa levanta a questão do querer-crer - ou ainda, a
questão do ouvido do público. [..]. O fazer-crer do narrador enxerta-se, com
efeito, no querer-crer do público, do mesmo modo que em sua recusa de
crer". (HARTOG, 1999, p. 301).
Devido a alguns aspectos de seu relato,
entre alguns aqui já mencionados; Heródoto fora chamado de rapsodo, logógrafo, philomythía, logopoiós e mitólogo.
E tais designações tem a ver com a forma de como algumas pessoas enxergaram seu
trabalho, e ao mesmo tempo, levou ao surgimento da má fama de mentiroso.
Rapsodo é um termo antigo usado pelos
gregos para referir a um contador de histórias itinerante. O rapsodo costumava
viajar de cidade em cidade, cantando as histórias o as declamando em poesia.
Neste caso, Hartog [1999] nos conta que o fato de Heródoto ter lido alguns
trechos de sua obra publicamente em Olímpia, Atenas e talvez em outros lugares,
isso levou alguns a o chamarem de rapsodo. O fato é que o rapsodo contava
histórias reais e ficcionais.
Por sua vez, o termo logógrafo fora
dado a Heródoto por Tucídides. Tucídides dizia que os estudiosos que o antecederam
nos estudos da História eram na realidade logógrafos, homens interessados em
estudar a História por prazer e curiosidade, e ao mesmo tempo contando suas
histórias publicamente. A palavra logógrafo também era utilizada para se
referir a uma pessoa que fazia discursos em eventos públicos, judiciais,
religiosos, etc. Seria uma espécie de orador.
Nestes caso, nota-se que Tucídides
desconsiderava Heródoto e Hecateu a quem também chamava de logógrafo. Para
Tucídides a história deveria ter um uso prático,
didático e social, aplicável no momento, e não apenas ser um repositório de
acontecimentos passados que eram pronunciados publicamente.
Quanto ao termo philomythia,
Hartog [1999] conta que tal expressão pode ser traduzida como
"mentiroso". Além disso, outro termo para mentiroso usado na época
era logopoiós "contador de mentiras"
ou mitólogo (o termo hoje possui outro significado, mas na época era
sinônimo de mentiroso). Hoje o conceito de mythos fora
modificado, mas para os antigos o mythos era uma história
ficcional, mentirosa, difícil de se acreditar. De certa forma a palavra mito (mythos)
ainda conserva estes aspectos, porém a visão que nós damos para elas é outra.
Por exemplo, consideramos os deuses gregos e seus heróis como mitos, porém na
época de Heródoto eles não eram considerados mitos. No entanto, o que quero
ressaltar aqui é que os gregos já tinha ciência de que nem toda a história era
verdadeira.
"A mentira ou o mythos têm,
pois, uma dupla função: são produtores de narrativas e permitem que as
narrativas proliferem, na medida em que se escreve para denunciar a narrativa do
outro; Por tanto, mentira e mythos fazem escrever. Fazem
também, cer; posto que designar a narrativa do outro como ficção é, ao mesmo
tempo, da parte do narrador, valiar a sua própria narrativa como séria: ele
quer nos fazer crer que viu, mais eu sei muito bem que não viu nada, pois eu,
sim, vi realmente; é, pois, em mim que vocês devem crer". (HARTOG, 1999,
p. 304). Hartog
conta que a medida que Heródoto escrevera os seus livros ele procurou desmentir
outros autores e opiniões, pois alegava que eles estavam errados ou teriam
mentido, mas o mesmo acontecera com ele. Ele mesmo chamara Hecateu de Mileto
de logopoiós. Alguns homens que leram suas obras começaram a
questionar a plausibilidade dos relatos de Heródoto, e começaram a tentar
desmascarar supostas farsas que ele teria cometido.
Como fora visto, Tucídides fora o primeiro a questionar o trabalho de Heródoto,
o chamando de contador de histórias. Por sua vez, sua má fama começou
provavelmente com o persa Ctésias de Cnido no século IV a.C, o
qual era médico na corte do rei Artaxerxes II (ca. 436 a.C - ca. 358 a.C), e
decidiu com base nos registros persas em escrever a "verdadeira"
história da Pérsia. Tal obra fora chamada de Persiká. A
proposta de Ctésias além de escrever a história da Pérsia era desmentir o que
Heródoto falara sobre os persas e seu império. Ou seja, era revelar as mentiras
ditas por Heródoto. Porém, Ctésias não se saiu bem na sua tarefa: Luciano
escreveu pesadas críticas sobre ele e o próprio Heródoto, chamando os dois de
mentirosos.
"Isso
feito, Heródoto, durante muito tempo, aparecerá como mentiroso e essa imagem passará
a integrar, daí em diante, na esfera das coisas bem conhecidas, tornando a
denominação quase inevitável". (HARTOG, 1999, p. 305).
No século I a.C, Estrabão (63/64
- ca. 24 a.C), famoso geógrafo e as vezes considerado historiador,
autor do livro Geographia, monumental obra em 17 volumes;
Estrabão já falava que Heródoto e outros homens de seu tempo não deveriam ser
chamados de historiadores, mas sim de philomythos, pois tinham a
tendência de escrever e contar mentiras. No século I d.C, o historiador
romano Flávio Josefo (37/38 - ca. 100) já comentava a má fama
que surgira sobre a pessoa de Heródoto, como o "Pai das
Mentiras".
· Mâneton (III a.C) - Contra Heródoto e História
do Egito. Em ambas as obras ele tenta mostrar que Heródoto mentira a respeito
sobre os costumes e a história egípcia.
· Plutarco (ca. 46-120) - Sobre a Malignidade
de Heródoto.
· Valério Pólio - Sobre os Roubos de Heródoto.
· Élio Harpocrátion - Sobre as Mentiras de Heródoto.
· Libânio (ca. 314 - ca. 394) - Contra
Heródoto.
· Abade J.-B. Bonnaud (séc. XVIII) - Heródoto, Historiador do
Povo Hebreu sem o Saber. O abade alegara que o livro Euterpe que fala
sobre o Egito era uma cópia descarada e mal feita de livros e
informações do Antigo Testamento. Para ele Heródoto era um mentiroso. A obra de Plutarco, famoso
historiador, biógrafo e filósofo romano é interessante pois além de
apontar e defender que Heródoto fora um mentiroso, Plutarco dizia que Heródoto
fora um patife, que gostava de "falar mal das pessoas". Além disso,
Plutarco o chamava de "philobárbaros" (amigo
dos bárbaros). Plutarco dissera que era descabível para um grego dedicar-se a
falar dos costumes e da história de "povos bárbaros". Logo, além de
ser um mentiroso, Heródoto era um "admirador" desses povos
"inferiores". Devemos ter em mente que os gregos e os romanos se
consideravam os únicos povos "civilizados", logo, os demais eram
bárbaros e deveriam ser tratados de forma inferior.
"Esse
tratado de Plutarco certamente representa um momento importa na construção e
difusão da figura de Heródoto como mentiroso, figura que, além da Idade Média,
atinge o Renascimento e os tempos modernos". (HARTOG, 1999, p. 306).
Embora sua má fama tenha
se perpetrado por séculos, houve alguns que decidiram defendê-lo. Um
de seus defensores fora Henri Estienne (1528/1536-1598) que
em 1566, publicou Apologia pro Heródoto, onde
contra-atacava as calúnias proferidas contra eles. Estienne pretendia retirar
essa fama de mentiroso.
Outro defensor de Heródoto fora o
historiador alemão Leopold von Ranke (1795-1886), chamado por
alguns de o "Pai da História moderna". Ranke no século
XIX argumentava em favor de Heródoto, embora não negasse que o mesmo tenha
cometido seus equívocos e erros ao elaborar sua obra, ele lembrava que a
concepção que Heródoto tinha sobre a História era diferente do que no começo da
Era Cristã, ou na Idade Média, na Idade Moderna, e no próprio século XIX.
O que pode ter sido considerado como
mentiroso, o fato de Heródoto abordar lendas, mitos e boatos em seus livros,
fatos que foram usados por seus críticos, hoje seria repensado pelos
historiadores. Pois, quando Heródoto escreveu seus livros, a escrita da
História estava ainda associada a Literatura: em seu prólogo, ele esboça a
ideia de ter escrito uma história épica sobre os gregos, algo que Luciano e
Dionísio de Halicarnasso alegaram que Heródoto era de fato um rapsodo, que
queria imitar a Ilíada de Homero.
Não obstante, não havia uma noção
metodológica e teórica sobre a História e a historiografia naquele tempo, e tal
noção mudou desde que surgira. Além disso, quando um historiador vai estudar
determinado período, lugar e povo, deve ter em mente que os costumes, a visão de
mundo, a visão de justiça, moral, ética, cultura, etc., são diferentes. Bloch e Certeau delineiam tais
aspectos em seus livros. Bloch lembra que ainda no século XX, na década de
quarenta quando ele publicara seu Apologia da História (1949),
ele aponta que neste período havia incertezas acerca do papel do historiador
para a sociedade e realmente como ele trabalhava. Por sua vez, Michel de
Certeau, contribui para este texto, quando abordei os aspectos envolvendo a
época, o lugar e o contexto social e cultural de Heródoto, o que Certeau
chamara de "lugar social" e até mesmo a ideia
de "escrita da História", título de sua obra aqui
referendada.
Heródoto e Tucídides
|
Heródoto e Tucídides Dois historiadores, duas obras chamadas História |
Tucídides nasceu por volta da década de
470 a.C ou na década de 460 a.C, e teria falecido por volta do ano de 400 a.C,
com sessenta ou setenta anos. Ateniense de nascença, filho de Olorus,
cidadão de respeito, Tucídides ingressou no exército como todo ateniense,
ocupando cargos militares, embora passou-se para a vida pública da cidade.
Segundo, Luciano, Marcelino e Larcher, teria conhecido por volta de 444 a.C, Heródoto,
tendo ouvido ele contar alguns trechos de seu livro. Na política tornou-se
opositor do governo do general Péricles, um dos membros do Conselho dos
Generais (o mais importante e proeminente dos dez generais do
conselho), logo acabou ganhando impopularidade, pois
Péricles possuía fama de bom governante. Tucídides fora indicado
ao ostracismo (exílio político forçado), acabou tendo seu nome
votado, e fora sentenciado a deixar a cidade por volta do ano de 443
a.C, onde mudou-se para Esparta antes do início da Guerra do Peloponeso no
ano de 431 a.C. Durante a Guerra do Peloponeso (431-404 a.C) Tucídides passou a
relatar os acontecimentos desta guerra, para ele a mais importante guerra já
travada até então na história grega, mais importante do que a Guerra de Troia e
as Guerras Médicas.
A Guerra do Peloponeso reuniu a antiga
rivalidade de Esparta e Atenas, acrescida com o apoio dos aliados de ambas as
cidades-Estados mais poderosas da Grécia na época.
A desgastante guerra de 27 anos, arruinou a economia das
cidades participantes do conflito, como enfraqueceu os acordos políticos, e a
situação social nestes centros urbanos. Como tendo sido testemunha destes
conflitos, Tucídides sentiu a necessidade de relatá-lo para a posteridade.
"Enxergava nela um embate direto
entre sistemas políticos e desempenhos políticos, entre modos de
vida irreconciliáveis". (QUEIROZ; IOKOI, 1999, p. 19). O seu livro fora
chamado de História da Guerra do Peloponeso, o qual abarcara
os conflitos entre os anos de 431 a.C a 411 a.C. No entanto, Tucídides não
chegou a concluir seu livro. A divisão em oito livros, fora dada pelos
editores, pois Tucídides narrara seus relatos tendo como base o período da
primavera e verão, onde as batalhas ocorriam, pois no outono e no inverno, as
lutas eram suspensas.
Outro fator que deve ter contribuído
para a não conclusão de seu livro, fora seu exílio na Trácia. Por volta do ano
de 424 a.C, Tucídides já havia retornado de seu ostracismo e
reaceito em Atenas, então fora nomeado estratego (comandante
militar), com a missão de liderar um ataque na Trácia, para impedir que os
espartanos tomassem a cidade de Amphipolis, mas ele acabou
falhando, e fora considerado traidor, pois alegaram que o tempo que ele vivera
em Esparta, o fez trair sua pátria. Tucídides se exilou na Trácia por vários
anos, e isso dificultou ter acesso a documentos sobre a Guerra do Peloponeso e
a relatos orais da mesma, pois ele enviava pessoas para coletar informações,
como também para lhe trazer documentos.
Mas, o que nos interessa aqui, é a visão distinta de Tucídides acerca da
História e acerca do trabalho de Heródoto. Tucídides valoriza o tempo presente,
para ele a História deveria narrar o tempo presente e não o passado, pois este
estava longe e era inalcançável. A Literatura se encarregaria de contar o
passado. Logo, ele desconsiderada as obras de Heródoto e de Hecateu, pois ambos
procuraram tratar de aspectos antigos e que não testemunharam (Heródoto era
criança quando Xerxes invadiu a Grécia), daí eles serem chamados de logógrafos por
ele.
Outro aspecto a salientar, é que
Tucídides não considerava a ideia de intervenção divina. Embora acreditasse nos
deuses, para ele os deuses não interviam na vida humana, algo que Heródoto
sugeria em seus livros.
"Ao
contrário de Heródoto descarta totalmente a ideia de destino, de um curso da
História. Considera que os fatos ocorrem em virtude dos interesses e das
paixões dos homens. A moral guia a vida privada, não dos Estados; a vontade de
poder atua como força motriz do mundo. Ecos de Tucídides permeiam as obras de
Machiavel e Nietzsche". (QUEIROZ; IOKOI, 1999, p. 20).
Diferente de Heródoto que abriu espaço
para comentar sobre aspectos sociais e culturais dos "povos
bárbaros", para depois adentrar a contar a história das Guerras Médicas,
Tucídides focou sua atenção em escrever uma história política, social e da
guerra sobre a Grécia. Ele priorizou as questões bélicas e políticas. Tal fato
o distancia da obra de Heródoto e da visão de ambos os autores, pois ambos
trataram sobre guerras. "A
narrativa de Tucídides é totalmente analítica; ele preza particularmente a
cronologia precisa. Em tudo, inclui acontecimentos que outros
poderiam considerar insignificantes, pois seu propósito é registrar o que
aconteceu. Mas neste propósito assenta um desenvolvimento que volta e meia
salienta, de modo que a atenção do leitor está sempre, simultaneamente,
voltada para o geral. Os méritos de sua narrativa aumentam e diminuem com
os acontecimentos". (RANKE, 2011, p. 257).
Embora
fosse ateniense, mas tenha morado algum tempo em Esparta, Tucídides agiu de
forma imparcial, sem procurar exaltar nenhuma das duas cidades-Estados. Ranke
[2011] elogia e questiona a imparcialidade dele, diferente do que visto nos
livros de Heródoto, onde nota-se uma admiração pelas maravilhas do mundo, em
terras estrangeiras, algo que Tucídides desaprovava na narrativa de Heródoto.
Para ele, Heródoto dera atenção desnecessária aos costumes e as nações "bárbaras".
Leopold von Ranke admirava a
imparcialidade de Tucídides, e chegara a questionar até que ponto os vários
discursos que o mesmo transcrevera em seus livros ou contara, eram totalmente
exatos, a final, Tucídides não podia estar em todos os lugares ao mesmo tempo.
Além disso, Ranke chamara a atenção que os discursos são construídos para
defenderem determinados pontos de vista, e em alguns casos, eles podem procurar
falsear a verdade, ou tornar verdadeira uma mentira.
"Num
estilo denso e sóbrio, tenta revelar as razões e a psicologia das partes
envolvidas no conflito entre atenienses e espartanos e, diante da documentação,
pretende ser imparcial: no entanto, não consegue deixar de imprimir suas
próprias ideias filosóficas e preferências políticas no decorrer da narrativa;
de adorar alguns personagens, execrar outras. Usa discursos para expor opiniões
contraditórias e antíteses como a do interesse e do direito". (QUEIROZ;
IOKOI, 1999, p. 20).
Embora, Tucídides tenha sido também
chamado de "Pai da História", diga-se de passagem o
"verdadeiro", como alguns alegavam, ele não detém esta
homenagem como o homem que criticara. Heródoto, hoje é mais lembrado como
"Pai da História" do que "Pai das Mentiras". Embora que o
filósofo, matemático e tradutor inglês Thomas Hobbes (1588-1679) ao traduzir a
obra de Tucídides, tenha dito que ele fora "o maior historiógrafo político
que o mundo já vira".
Logo, é evidente que embora tenham
problemas em seus relatos, cada um contribuiu de uma forma, mesmo essa sendo
diferente, para uma proposta em comum: a guerra. Heródoto partiu de uma visão
"macro" para falar das Guerras Médicas, preferindo contar parte da
história dos inimigos, os Persas, além de dá atenção as "maravilhas"
(thômas), aos monumentos (érgas), a curiosidades, mas também a
aspectos sociais, culturais e religiosos. Por sua vez, Tucídides priorizou uma
visão "micro", preferindo focar apenas a Guerra do Peloponeso e não
narrar a história de Esparta e Atenas, e sua longa rivalidade como base para
respaldar e situar seu trabalho para os futuros leitores. Tucídides priorizou
os aspectos militares, políticos e particulares da natureza humana (as
paixões), em detrimento do social, cultural e religioso visto nas obras de
Heródoto.
Em ambos os casos, cada autor tem seu
mérito, pois seus trabalhos na Grécia foram únicos, embora Hecateu de Mileto
possua similaridades com o discurso adotado por Heródoto, e por sua vez,Xenofonte (ca.
430 a.C - ca. 355 a.C) com a visão de Tucídides, estes dois autores seguiram
caminhos diferentes tanto em relação a Heródoto e Tucídides.
"O historiador e o poeta não se distinguem um
do outro pelo fato de o primeiro escrever em prosa e o segundo em verso.
Diferem entre si, porque um escreveu o que aconteceu e o outro o que poderia
ter acontecido".
Aristóteles
Referências
Bibliográficas:
HERÓDOTO. História. Traduzido por Pierre
Henri Larcher. Rio de Janeiro, W. M. Jackson, 1950. (Clássicos da Jackson -
vol. XXIII e XXIV). Obra digitalizada para a Editora eBooksBrasil em agosto de
2006.
HARTOG, François. O Espelho de Heródoto:
ensaio sobre a representação do outro. Tradução de Jacyntho Lins
Brandão. Belo Horizonte, Ed. da UFMG, 1999.
QUEIROZ, Tereza Aline Pereira; IOKOI,
Zilda Márcia Gricoli. A história do historiador. São Paulo,
Humanitas FFLCH/USP, 1999.
RANKE, Leopold von. Heródoto
e Tucídides. Revista História da Historiografia, Rio
de Janeiro, número 6, 2011, p. 252-259.
BLOCH,
Marc. A Apologia da História ou o ofício do historiador. Rio
de Janeiro, Jorge Zahar, 2002.
BURKE, Peter. O que é história cultural? 2a ed,
Rio de Janeiro, Zahar, 2008.
CERTEAU, Michel de. A
escrita da história. 2a ed, Rio de Janeiro, Forense
Universitária, 2008.
Grande Enciclopédia Larousse Cultural, v. 12, São Paulo, Nova Cultural, 1998.
FONTE : BLOG SEGUINDO OS PASSOS DA HISTÓRIA de
LEANDRO VILAR, com algumas adaptações e formatado pelo blog do maffei. Disponível em:
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