Quase todos os professores dão a mesma aula muitas vezes. Em
algumas escolas públicas e privadas, há muitas salas da mesma série. Um
professor de baixa carga horária pode, por exemplo, entrar em dez salas da
mesma série numa semana. Isso significa repetir o mesmo conteúdo muitas vezes.
Você notará que a primeira aula de um conteúdo novo é um teste, uma
experiência. Na segunda você vai acelerar tal coisa ou explicar melhor o que
despertou muitos problemas na aula inaugural. É um aperfeiçoamento. A terceira
aula de um mesmo conteúdo é, em geral, a melhor. É o apogeu. Você já saberá até
qual piadinha funciona. Mas poderá existir a quarta, a quinta, a sexta. Você
perceberá que a aula vai ficando mais curta e mais rápida. É o declínio.
É o problema de todo ator que deve encenar a mesma peça
diversas vezes. Quando eu cheguei a São Paulo para fazer pós-graduação, fui ver
uma comédia de grande sucesso na época. O texto era leve e divertido e os dois
atores trocavam muitas vezes de roupa no palco. Talentosos e com timing de
humoristas profissionais, eles eram tão bons, que por vezes, interrompiam o
texto para rirem de si mesmos, não aguentando os trejeitos um do outro. Achei
aquilo o máximo: tudo era tão divertido que mesmos os atores paravam para rir.
Passados alguns dias, recebi visita e levei meus convidados
para verem a peça. Eu também queria rever. Lá estava tudo de novo: o bom texto,
o talento dos atores, a risada fácil. O que me espantou era que eles paravam
para rir nos mesmos lugares da primeira vez. O riso, tão natural e quase
inesperado que interrompia o texto, era o mesmo da primeira vez e nos mesmos
lugares. O que tinha me encantado pelo tom espontâneo, era pensado, marcado e
repetido à exaustão.
Os atores sabem que devem pensar nessas coisas e que há
pouco espaço para o improviso no teatro profissional. A aula não é um teatro,
mas, certamente, ser professor tem algo em comum com ser ator. Estamos diante
de uma plateia. Temos algo a dizer e o público espera que o façamos. Devemos
seduzir, encantar, realizar. O texto tem momentos mais rápidos e mais lentos.
Os atores sabem que, quando há duas sessões, o público das
21 horas não quer saber se já houve tudo aquilo às 19 horas. Quem veio ver às
21 horas quer a experiência total e profunda e não deseja perguntar se as
pessoas que encenam estão cansadas ou não. O aluno da terceira vez também não.
Atores profissionais sabem guardar a voz. A voz humana é
relaxante, quase sempre. Ouvir alguém induz ao sono. Se esta voz for continua e
no mesmo tom o tempo todo, funciona como um processo de hipnose. O que fazer?
Fale mais alto e mais baixo de acordo com o que você quer
demonstrar. Reforce conceitos centrais ou conclusões com voz mais forte e mais
pausada. Treine isso em casa algumas vezes. Levante-se e ande em direção aos
vários pontos da sala. Movimente o corpo. Caminhe até os grupos que pareçam
mais dispersos, sonolentos ou conversando. Faça pausas dramáticas. Um súbito
silêncio pode chamar a atenção de alguns alunos. Aprenda a gesticular. Nunca
deixe parecer que está numa sala de ginástica, mas jamais transmita o ritmo de
um cortejo fúnebre.
Seria irritante para a plateia se os atores demonstrassem
que não sabem o texto. Para subir ao palco, eles decoram coisas por meses. Uma
boa aula deve ser preparada. Esqueça aquelas bobagens de longos planos de aula
com objetivos, meios, recursos etc., que ensinam em tantos lugares. Você não
conseguirá manter esses planos detalhados ao longo dos meses. Pior, não
conseguindo mais fazer de forma “arrumadinha” seu plano, a tendência será parar
de fazer qualquer planejamento. É um erro fatal.
FONTE: Leandro Karnal - Conversas com um Jovem Professor,pp.23-25
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