quarta-feira, 12 de setembro de 2018

FERNANDO PESSOA - O POETA E SEUS HETERÔNIMOS





         





Fernando Antônio Nogueira Pessoa (* Lisboa, 13/06/1888 - + Lisboa, 30/11/1935) foi um poeta, filósofo, dramaturgo, ensaísta, tradutor, publicitário, astrólogo, inventor, empresário, correspondente comercial, crítico literário e comentarista político português.
         Fernando Pessoa é o mais universal poeta português. Por ter sido educado na África do Sul, numa escola católica irlandesa, chegou a ter maior familiaridade com o idioma inglês do que com o português ao escrever os seus primeiros poemas nesse idioma. O crítico literário Harold Bloom considerou Pessoa como “Whitman renascido”, o incluiu no seu cânone entre os 26 melhores escritores da civilização ocidental, não apenas na literatura portuguesa mas também da inglesa.

         Das quatro obras que publicou em vida, três são na língua inglesa, Fernando Pessoa traduziu várias obras em inglês para o português, como por exemplo Shakespeare e Edgar Allan Poe, e obras portuguesas para o inglês nomeadamente de Antônio Botto e Almada Negreiros.
        
Enquanto poeta, escreveu sobre diversas personalidades – heterônimos, como Ricardo Reis, Álvaro de Campos e Alberto Caeiro – sendo estes últimos objeto da maior parte dos estudos sobre sua vida e obra. Robert Hass, poeta americano, diz; “outros modernistas como Yeats, Pound, Elliot inventaram máscaras pelas quais falavam ocasionalmente... Pessoa inventava poetas inteiros.”



PRIMEIROS ANOS EM LISBOA
         
A 13 de junho de 1888, pelas 15h20, nasceu Fernando Pessoa. O parto ocorreu no quarto andar direito do número 4 do Largo São Carlos, em frente à ópera de Lisboa, freguesia dos Mártires. De famílias da pequena aristocracia, pelos lados paterno e materno, o pai, Joaquim de Seabra Pessoa, natural de Lisboa, era funcionário público do Ministério da Justiça e crítico musical do Diário de Notícias. A mãe, D. Maria Magdalena Pinheiro Nogueira Pessoa, era natural dos Açores (Ilha Terceira). Viviam com a avó Dionísia, doente mental, e duas criadas velhas, Joana e Emília.

         O poeta, pelo lado paterno, tem as suas raízes familiares no concelho de Arouca, nas freguesias do denominado Fundo do Concelho de Arouca.
        
Fernando Antônio foi batizado em 21 de Julho na Basílica dos Mártires, ao Chiado, tendo por padrinhos a Tia Anica (D. Ana Luísa Pinheiro Nogueira, tia materna) e o General Chaby. A escolha do nome homenageia Santo Antônio: a família reclamava uma ligação genealógica com Fernando de Bulhões, nome de batismo de Santo Antônio, tradicionalmente festejado em Lisboa a 13 de junho, dia em Fernando Pessoa nasceu.
        
A sua infância e adolescência foram marcadas por fatos que o influenciariam posteriormente. Às cinco horas da manhã de 13 de julho de 1893, o pai morreu, com 43 anos, vítima de tuberculose. A morte foi anunciada no Diário de Notícias do dia. Fernando tinha apenas cinco anos. O irmão Jorge viria a falecer no ano seguinte, sem completar um ano, a 2 de janeiro de 1894. A mãe vê-se obrigada a leiloar parte da mobília e muda-se para uma casa mais modesta, o terceiro andar do número 104 da rua de São Marçal. Foi também neste período que surgiu o primeiro heterônimo de Fernando Pessoa, Chevalier de Pas, fato relatado pelo próprio a Adolfo Casais Monteiro, numa carta de 1935, em que fala extensamente sobre a origem dos heterônimos. Ainda no mesmo ano, escreve o primeiro poema, um verso curto com a infantil epígrafe À Minha Querida Mamã.
        
Em outubro de 1894, o comandante João Miguel Rosa (1857 – 1919) apaixona-se por Maria Madalena ao vê-la passar dentro de um “americano”, numa rua de Lisboa, comentando para um amigo: “Vês aquela loira? Se não quiser, não me caso com ela.” Em breve lhe fazia a corte e tornavam noivos. Destacado o noivo como cônsul português em Durban, África do Sul, casam-se por procuração a 30 de dezembro de 1895, na Igreja de São Manuel, em Lisboa.


JUVENTUDE EM DURBAN
        

A 20 de janeiro de 1896, mãe e filho, acompanhados por um tio, Manuel Gualdino da Cunha, partem rumo à Madeira, e a 31 embarcam para Durban. Pessoa faz a instrução primária na escola das freiras irlandesas da West Street, onde fez a primeira comunhão e percorre em dois anos o equivalente a quatro.
        
Em 1899 ingressa no Liceu Durban, onde permanecerá durante três anos e será um dos primeiros alunos da turma. No mesmo ano, cria o pseudônimo Alexander Search através do qual envia cartas a sim mesmo. No ano de 1901, é aprovado com distinção no primeiro exame Cape School High Examination e escreve os primeiros poemas em inglês. Na mesma altura, morre sua irmã Madalena Henriqueta de dois anos. Ainda em 1901, parte com a família para Portugal, para um ano de férias. No navio em que viajam, o paquete König, vem o corpo da irmã. Em Lisboa, mora com a família em Pedrouços e depois na Avenida Dom Carlos I, n.º 109, 3.º Esquerdo.

Na capital portuguesa, nasce João Maria, quarto filho do segundo casamento da mãe de Pessoa. Viaja com a sua família à Ilha Terceira nos Açores, onde vive a família materna. Deslocam-se também a Tavira para visitar os parentes paternos. Nessa época, escreve o poema “Quando ela passa”.
         Tendo de dividir a atenção da mãe com os filhos do casamento e com o padrasto, Pessoa isola-se, o que lhe propicia momentos de reflexão.
        
Tendo recebido uma educação britânica, que lhe proporcionou um profundo contato com a língua inglesa, os seus primeiros textos e estudos foram em inglês. Mantém contato com a literatura inglesa através de autores como Shakespeare, Edgar Allan Poe, John Milton, Lord Byron, John Keats, Percy Shelley, Alfred Tennyson entre outros. O inglês teve grande destaque na sua vida, trabalhando com o idioma quando, mais tarde, se torna correspondente comercial em Lisboa, além de o utilizar em alguns dos seus textos e traduzir trabalhos de poetas ingleses, como “O Corvo” e “Annabel Lee” de Edgar Allan Poe. Com exceção de Mensagem, os únicos livros publicados em vida são os das coletâneas dos seus poemas ingleses: Antinous e 35 Sonnets e English Poems I – II – III editados em Lisboa, em 1918 e 1921.

        
Fernando Pessoa permanece em Lisboa, enquanto todos seus familiares – mãe, padrastos, irmãos e criada Paciência, que vieram com ele – regressam a Durban. Volta sozinho para África no vapor Herzog. Matricula-se na Durban Commercial School, escola comercial de ensino noturno, enquanto de dia estuda as disciplinas humanísticas para entrar na universidade. Nesse período tenta escrever contos em inglês, alguns dos quais com o pseudônimo de David Merrick, que deixa inacabado. Em 1903, candidata-se à Universidade do Cabo da Boa Esperança. Na prova de admissão, não obtém boa classificação, mas tira a melhor nota entre os 899 candidatos no ensaio de estilo inglês. Recebe por isso o Queen Victoria Memorial Prize (Prêmio Rainha Vitória). Um ano depois, ingressa novamente na Durban High School, onde frequenta o equivalente a um primeiro ano universitário. Aprofunda sua cultura, lendo clássicos ingleses e latinos. Escreve poesia e prosa em inglês, surgindo os heterônimos Charles Robert Anon e H.M.F. Lecher. Nasce a sua irmã Maria Clara. Publica no jornal do liceu um ensaio crítico intitulado “Macaulay”. Por fim, encerra os seus bem-sucedidos estudos na África do Sul com o Intermediate Examination in Arts na Universidade, obtendo uma boa classificação.


REGRESSO DEFINITIVO A PORTUGAL E INÍCIO DE CARREIRA

         Deixando a família em Durban, regressa definitivamente à capital portuguesa, sozinho, em 1905. Passa a viver com a avó Dionísia e as duas tias na Rua Bela Vista, n.º 17. A mãe e o padrasto regressam também a Lisboa, durante um período de férias de um ano em que Pessoa volta a morar com eles. Continua a produção de poemas em inglês e, em 1906, matricula-se no Curso Superior de Letras (atual Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa), que abandona sem sequer completar o primeiro ano. É nesta época que entra em contato com importantes escritores portugueses. Interessa-se pela obra de Cesário Verde e pelos sermões do Padre Antônio Vieira.        

Avós paternos de Pessoa, à direita a avó Dionísia, é claro!


Em agosto de 1907, morre a avó Dionísia, deixando-lhe um pequena herança, com a qual monta uma pequena tipografia, na Rua da Conceição da Glória, 38, 4.º, sob o nome de “Empreza Ibis – Typographica e Editora – Officinas a Vapor”, que rapidamente vai à falência. A partir de 1908, aluga o seu primeiro quanto no Largo do Carmo 18, 1.º Esquerdo, dedica-se à tradução de correspondência comercial, uma ocupação a que poderíamos dar o nome de “correspondente estrangeiro”. Nessa atividade trabalha a vida toda, tendo uma modesta vida pública.

        
Inicia sua atividade de ensaísta e crítico literário com o artigo “A Nova Poesia Portuguesa Sociologicamente Considerada” a que se seguiram “Reincidindo...” e “A Nova Poesia Portuguesa no Seu Aspecto Psicológico” publicados em 1912 pela revista A Águia, órgão da Renascença Portuguesa. Frequenta a tertúlia literária que se formou em torno do seu tio adotivo, o poeta, general aposentado Henrique Rosa, no café A Brasileira no Largo do Chiado em Lisboa. Mais tarde, já nos anos vinte, o seu café preferido seria o Martinho da Arcada, na Praça do Comércio, onde escrevia e se encontrava com amigos e escritores.
         

Em 1915 participou na revista literária Orpheu, a qual lançou o movimento modernista em Portugal, causando algum escândalo e muita controvérsia. Esta revista publicou apenas dois números, nos quais Pessoa publicou em seu nome, bem como com o heterônimo Álvaro de Campos. No segundo número da Orpheu, Pessoa assume a direção da revista, juntamente com Mário de Sá-Carneiro.

         Em outubro de 1924, juntamente com o artista plástico Ruy Vaz, Fernando Pessoa lançou a revista Athena, na qual fixou o “drama em gente” dos seus heterônimos, publicando poesias de Ricardo Reis, Álvaro de Campos e Alberto Caeiro, bem como do ortônimo Fernando Pessoa.
         No número três da revista Sudoeste: cadernos de Almada Negreiros de novembro de 1935 (mês de sua morte) encontra-se um breve artigo da sua autoria intitulado “Nós os de Orpheu” e o poema “Concelho”.


MORTE

        
Fernando Pessoa foi internado no dia 29 de novembro de 1935, no Hospital São Luís dos Franceses, em Lisboa, com diagnóstico de “cólica hepática”, causada por calculo biliar associado a cirrose hepática, diagnóstico que é hoje contestado por estudos médicos, embora o excessivo consumo de álcool ao longo da sua vida seja consensualmente considerado como um importante fator causal. Segund um desses estudos, Pessoa não revelava alguns dos sintomas mais típicos de cirrose hepática, tendo provavelmente sido vítima de uma pancreatite agouda. Morreu no dia 30 de novembro, pelas 20h00, com 47 anos de idade. No dia anterior, tinha escrito sua última frase, em inglês: “I know not what tomorrow will bring” (Não sei o que o amanhã trará”). O funeral realizou-se a 2 de dezembro no Cemitério dos Prazeres e em 1985 foi transladado para o Convento dos Jerônimos.



LEGADO
        
Pode-se dizer que a vida do poeta foi dedicada a criar e que, de tanto criar, criou outras vidas através dos seus heterônimos, o que foi a sua principal característica e motivo de interesse pela sua pessoa, aparentemente muito pacata. Alguns críticos questionam se Pessoa realmente teria transparecido o seu verdadeiro eu ou se tudo não teria passado de um produto, entre tantos, da sua vasta criação. Ao tratar de temas subjetivos e usar a heterônomia, torna-se enigmático ao extremo. Este fato é o que move grande parte de suas buscas para estudar a sua obra. O poeta e crítico brasileiro Frederico Barbosa declara que Fernando Pessoa foi “o enigma em pessoa”. Escreveu sempre, desde o primeiro poema aos sete anos, até ao leito de morte. Importava-se com a intelectualidade do homem, e pode-se dizer que a sua vida foi uma constante divulgação da língua portuguesa: nas próprias palavras do heterônimo Bernardo Soares, “a minha pátria é a língua portuguesa”. O mesmo empenho é patente nesta carta:
         “Agora, tendo visto tudo e sentido tudo, tenho o dever de me fechar em casa no meu espírito e trabalhar, quanto possa e em tudo quanto possa, para o progresso da civilização e o alargamento da consciência da humanidade.”
        
Analogamente a Pompeu, que, segundo Plutarco, teria dito a frase “navigare necesse; vivere non est necesse” (“navegar é necessário; viver não é necessário”), Pessoa diz no poema Navegar é Preciso, que “viver não é necessário; o que é necessário é criar”. Outra interpretação comum deste poema diz respeito ao fato de a navegação ter resultado de uma atitude racionalista do mundo ocidental: a navegação exigiria uma precisão que a vida poderia dispensar.
        
O poeta mexicano Octávio Paz, laureado com o Nobel de Literatura, diz que “os poetas não têm biografia. A sua obra é a sua biografia” e que, no caso de Fernando Pessoa, “nada da sua vida é surpreendente – nada, exceto os seus poemas”. Em The Western Canon, Harold Bloom inclui-o entre os cânones ocidentais, no capítulo Borges, Neruda e Pessoa: o Whitman Hispano-Português. Na comemoração do centenário do nascimento de Pessoa, em 1988, o seu corpo foi transladado para o Mosteiro dos Jerônimos, confirmando o reconhecimento que não teve em vida.


OBRA POÉTICA
        
Considera-se que a grande criação estética de Pessoa foi a invenção heteronímica que atravessa toda sua obra. Os heterônimos, diferentemente dos pseudônimos, são personalidades poéticas completas: identidades que, em princípio falsas, se tornam verdadeiras através da sua manifestação artística própria e diversa do autor original. Entre os heterônimos, o próprio Fernando Pessoa passou a ser chamado ortônimo, porquanto era a personagem original.
        

Entretanto, com o amadurecimento de cada uma das outras personalidades, o próprio ortônimo tornou-se apenas mais um heterônimo entre os outros. Os três heterônimos mais conhecidos (e também aqueles com maior obra poética) foram Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Alberto Caeiro. Um quarto heterônimo de grande importância na obra de Pessoa é Bernardo Soares, autor do Livro do Desassossego, importante obra literária do século XX. Bernardo é considerado um semi-heterônimo por ter muitas semelhanças com Fernando Pessoa e não possuir uma personalidade muito característica, ao contrário dos três primeiros, que possuem até mesmo data de nascimento e morte (exceção para Ricardo Reis, que não possui data de falecimento). Por essa razão, José Saramago laureado com o Prêmio Nobel, escreveu o livro O Ano da Morte de Ricardo Reis.
        
Através dos heterônimos, Pessoa conduziu uma profunda reflexão sobre a relação entre verdade, existência e identidade. Este último fator possui grande notabilidade na famosa misteriosidade do poeta.

“Com uma tal de gente coexistível, como há hoje.
que pode um homem de sensibilidade fazer senão inventar os seus amigos
ou quando menos, os seus companheiros de espírito?”
         
Diversos estudiosos de Pessoa procuraram enumerar seus pseudônimos, heterônimos, semi-heterônimos, personagens fictícias e poetas mediúnicos. Em 1966 a portuguesa Teresa Rita Lopes fez um primeiro levantamento com 18 nomes. Antônio Pina Coelho, também português, elevou em seguida a relação para 21. A mesma Teresa Rita Lopes apresentou um levantamento mais detalhado em 1990, chegando a 72 nomes. Em 2009, o holandês Michael Stoker chegou a 83 heterônimos. Mais recentemente, o brasileiro, José Paulo Cavalcanti Filho, utilizando critério mais amplo, apresentou uma lista de 127 nomes.


ORTÔNIMO


         A obra ortônima de Pessoa passou por diferentes fases, mas envolve basicamente a procura de um certo patriotismo perdido, através de uma atitude sebastianista reinventada. O ortônimo foi profundamente influenciado, em vários momentos, por doutrinas religiosas (como a teosofia) e sociedades secretas (como a Maçonaria). A poesia resultante tem um certo ar mítico, heroico (quase épico, mas não na acepção original do termo) por vezes trágico. Pessoa é um poeta universal, na medida em que nos foi dando, mesmo com contradições, uma visão simultânea múltipla e unitária da vida. Uma explicação para a criação dos três principais heterônimos e o semi-heterônimo Bernardo Soares, reside nas várias formas que tinha de olhar o mundo, apoiando-se no racionalismo e pensamento oriental.
        
O ortônimo é considerado, só por si, como simbolista e modernista pela evanescência indefinição e insatisfação, bem como pela inovação praticada através de diversas sendas de formulação do discurso poético (sensacionismo, paulismo, intersecionismo, etc.).
         Fernando Pessoa foi marcado também pela poesia musical, voltada essencialmente para a metalinguagem e os temas relativos a Portugal, como o sebastianismo presente na principal obra de “Pessoa ele-mesmo”, Mensagem, uma coletânea de poemas sobre os grandes personagens históricos portugueses. Publicado em 1934, apenas um ano antes da morte do autor, este foi o único livro de Fernando Pessoa em Língua Portuguesa editado em vida. Foi contemplado com o Prêmio Antero de Quental, na categoria de “poema ou poesia solta”, do Secretariado da Propaganda Nacional (SPN).


HETERÔNIMOS E SEMI-HETERÔNIMOS



ALVARO DE CAMPOS
        
Entre todos os heterônimos, Álvaro de Campos foi o único a manifestar fases poéticas diferentes ao longo da sua obra. Era um engenheiro de educação inglesa e origem portuguesa, mas sempre com a sensação de ser um estrangeiro em qualquer parte do mundo.

         Começa sua trajetória como um decadentista (influenciado pelo simbolismo), mas logo adere ao futurismo. Álvaro de Campos é revoltado e crítico a apologia da velocidade e da vida moderna, com uma linguagem livre, radical. Nesta época escreveu as “Odes”, publicada na revista Orpheu, em 1915, e o “Ultimatum”, publicado na revista Portugal Futurista de 1917.
         Após uma série de desilusões com a existência, assume uma veia niilista, expressa no poema “Tabacaria”, considerado um dos mais conhecidos e influentes poemas da língua portuguesa.

RICARDO REIS

        
O heterônimo Ricardo Reis é descrito como um médico que se definia como latinista e monárquico. De certa maneira, simbolizava a herança clássica na literatura ocidental, expressa na simetria, na harmonia e num certo bucolismo, com elementos epicurista e estoicos. O fim inexorável de todos os seres vivos é uma constante na sua obra, clássica, depurada e disciplinada. Faz uso da mitologia não cristã.
         
Segundo Pessoa, Reis mudou-se para o Brasil em protesto à proclamação da República em Portugal e não se sabe o ano da sua morte.
         Em O Ano da Morte de Ricardo Reis, José Saramago continua, numa perspectiva pessoal, o universo deste heterônimo após a morte de Fernando Pessoa, cujo fantasma estabelece um diálogo com o seu heterônimo, sobrevivente ao criador.


ALBERTO CAEIRO
        
Por sua vez, Caeiro, nascido em Lisboa, teria vivido quase toda a vida como camponês, quase sem estudos formais. Teve apenas a instrução primária, mas é considerado o mestre entre os heterônimos (pelo ortônimo). Depois da morte do pai e da mãe, permaneceu em casa com uma tia-avó, vivendo de modestos rendimentos e morreu de tuberculose. Também é conhecido como o poeta-filósofo, mas rejeitava este título e pregava uma “não-filosofia”. Acreditava que os seres simplesmente são, e nada mais: irritava-se com a metafísica e qualquer simbologia para a vida.
        
Os escritos pessoanos que versam sobre a caracterização dos heterônimos, “Pessoa-ele-mesmo” Álvaro de Campos, Ricardo Reis e o meio-hetêronimo Bernardo Soares, conferem a Alberto Caeiro um papel quase místico, enquanto poeta e pensador. Reis e Soares chegam a compará-los ao deus Pã, e Pessoa esboça-lhe um horóscopo no qual lhe atribui o signo de leão, associado ao elemento fogo. A relevância destas alusões advém da explicação de Fernando Pessoa sobre o papel de Caeiro no escopo da heteronímia. Citando a atuação dos quatro elementos da astrologia sobre a personalidade dos indivíduos, Pessoa escreve:

“Uns agem sobre os homens como o fogo, que queima nele todo o acidental, e os deixa nus e reais, próprios e verídicos, e esses são os libertadores. Caeiro é dessa raça, Caeiro teve essa força.”
        
Dos principais heterônimos de Fernando Pessoa, Caeiro foi o único a não escrever em prosa. Alegava que somente a poesia seria capaz de dar conta da realidade.

         Possuía uma linguagem estética direta, concreta e simples mas, ainda assim, bastante complexa do ponto de vista reflexivo. O seu ideário resume-se no verso “Há metafísica bastante em não pensar em nada”. A sua obra está agrupada na coletânea Poemas Completos de Alberto Caeiro.


BERNARDO SOARES

        
Bernardo Soares é, dentro da ficção de seu próprio Livro do Desassossego, um simples ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa. Conheceu Fernando Pessoa numa pequena casa de pasto frequentada por ambos. Foi aí que Bernardo deu a ler a Fernando seu livro, que mesmo escrito de forma de fragmentos, é considerado uma das obras fundadoras da ficção portuguesa no século XX.
        
Bernardo Soares é muitas vezes considerado um semi-heterônimo porque, como seu próprio criador explica:
“Não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e afetividade”.
         A instância da ficção que se desenvolve no livro é insignificante, porque trata-se de uma “autobiografia sem fatos”, como o próprio Fernando Pessoa situa o livro. Dessa forma, o que interessa em sua prosa fragmentária é a dramaticidade das reflexões humanas que vêm à tona na insistência de uma escrita que se reconhece inviável, inútil e imperfeita, à beira do tédio, do trágico e da indiferença estética. O fato de Fernando Pessoa considerar (em cartas e anotações pessoais) Bernardo Soares um semi-heterônimo faz pensar na maior proximidade de temperamento entre Pessoa e Soares. Nesse sentido, para alguns, o jogo heteronímico ganha em complexidade e Pessoa logra o êxito da construção de si mesmo como o mais instigante mito literário português na Modernidade.


VISÕES SOBRE POLÍTICA

        
Salazar - Ditador Português
Entre fevereiro e outubro de 1935, último ano de sua vida, Fernando Pessoa produziu uma série de escritos políticos, vários deles contra Salazar e o Estado Novo, e dois textos sobre a invasão da Abissínia (atual Etiópia) pela Itália fascista, que a censura salazarista não deixou passar. Nessa produção, em que Pessoa se define claramente como um opositor não só do salazarismo, como também do fascismo, incluem-se entre outros, o artigo “Associações secretas” em defesa da Maçonaria, além de numerosos fragmentos deixados inéditos pelo autor, relacionados com a polêmica que o artigo gerou na imprensa; uma dúzia de poemas satíricos contra Salazar e o Estado Novo; diversos textos e poemas anticatólicos, nos quais criticava a crescente influência da Igreja na política portuguesa; um longo artigo crítico sobre o próprio Salazar, em francês; uma carta ao presidente da República, Oscar Carmona, protestando contra o governo; uma crítica contundente a um discurso de cunho totalitário proferido pelo ministro da Justiça, Manuel Rodrigues, e outros textos que mostram o crescente empenho político de Pessoa, no fim da vida, em defesa da liberdade e da dignidade humanas, que julgava então ameaçadas, tanto em Portugal como no resto do mundo.



VISÕES SOBRE RELIGIÃO



GNOSTICISMO
        
Em uma nota biográfica datilografada em 30 de março de 1935, Pessoa declara ser um “Cristão gnóstico, e portanto inteiramente oposto a todas as igrejas organizadas, sobretudo à Igreja de Roma. Fiel, por motivos que mais adiante estão implícitos, à Tradição Secreta do Cristianismo, que tem íntimas relações com a Tradição Secreta de Israel (a santa Kaballah) e com a essência oculta da Maçonaria”. Ali também declara um iniciado “nos três graus menores da (aparentemente extinta) Ordem Templária de Portugal.


NEOPAGANISMO
        
Em texto de 1917, Pessoa esclarece sua visão do neopaganismo: “Eu sou um pagão decadente, do tempo do outono da Beleza; do sonolecer[?] da limpidez antiga, místico intelectual da raça triste dos neoplatônicos da Alexandria. Como eles creio, e absolutamente creio nos Deuses, na sua agência e na sua existência real e material superior. Como eles creio nos semi-deuses, os homens que o esforço e a (...) ergueram ao sólio dos imortais; creio que acima de tudo, pessoa impassível, causa imóvel e convicta[?], paira o Destino, superior ao bem e ao mal, estranho à Beleza e à Fealdade, além da Verdade e da Mentira. Mas não creio que entre o Destino e os Deuses haja só o oceano turvo [...] o céu mudo da Noite eterna. Creio, como os neoplatônicos, no Intermediário Intelectual, Logos na linguagem dos filósofos, Cristo (depois) na mitologia cristã.
        
Os principais heterônimos de Fernando Pessoa – Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos – são diretamente ligados ao neopaganismo. Álvaro de Campos, em notas publicadas em 1931 na revista Presença, n.º 30 escreve: “O meu mestre Caeiro, não era pagão: era o paganismo. O Ricardo Reis é um pagão, o Antônio Mora é um pagão, eu sou um pagão, o próprio Fernando Pessoa seria um pagão, se não fosse um novelo embrulhado para o lado de dentro.
         Em texto de sua heteronímia, escrito provavelmente em 1930, Pessoa explica:


"Este Alberto Caeiro teve dois discípulos e um continuador filosófico. Os dois discípulos, Ricardo Reis e Álvaro de Campos, seguiram caminhos diferentes; tendo o primeiro intensificado e tornado artisticamente ortodoxo o paganismo descoberto por Caeiro, e o segundo, baseando-se em outra parte da obra de Caeiro, desenvolvido um sistema inteiramente diferente, e baseado inteiramente nas sensações. O continuador filosófico, Antônio Mora (os nomes são inevitáveis, tão impostos de fora como as personalidades), tem um ou dois livros a escrever, onde provará completamente a verdade, metafísica e prática, do paganismo. Um segundo filósofo desta escola pagã, cujo nome, porém, ainda não apareceu na minha visão ou audição interior, dará uma defesa do paganismo baseada, inteiramente, em outros argumentos. (...) 

Pensei, primeiro, em publicar anonimamente, em relação a mim, estas obras, e, por exemplo, estabelecer um neopaganismo português, com vários autores, todos diferentes, a colaborar nele e a dilatá-lo. Mas, sobre ser pequeno demais o meio intelectual português, para que (mesmo sem confidências) a máscara se pudesse manter, era inútil o esforço mental preciso para mantê-la."


OCULTISMO
        
Fernando Pessoa interessava-se pelo ocultismo e pelo misticismo, com destaque para a Maçonaria e a Rosacruz, havendo inclusive defendido publicamente as organizações iniciáticas no Diário de Lisboa (4 de fevereiro de 1935), contra ataques por parte da ditadura do Estado Novo. O seu poema hermético mais conhecido e apreciado entre os estudantes de esoterismo intitula-se “No Túmulo de Christian Rosenkreuz”. Tinha o hábito de fazer consultas astrológicas para si mesmo (de acordo com sua certidão de nascimento, nasceu às 15h20, tinha ascendente Escorpião e o Sol em Gêmeos). Realizou mais de mil horóscopos.
        
Helena Blavatsky
Apreciava também muito o trabalho de Helena Blavatsky, tendo inclusive traduzido em 1916, A Voz do Silêncio, assim como lhe suscitava muita curiosidade o famoso ocultista 
Aleister Crowley, tendo traduzido o poema Hino a Pã. Certa vez, ledo uma publicação inglesa de Crowley, encontrou erros no horóscopo e escreveu-lhe para o corrigir. Os seus conhecimentos em astrologia impressionaram Crowley e, como gostava de viagens, foi a Portugal conhecer o poeta. Acompanhou a maga alemã Hanni Larissa Jaeger. O encontro entre Pessoa e Crowley ocorreu com algum sensacionalismo, dado o Poeta Inglês ter simulado o seu suicídio na Boca do Inferno, o que atraiu várias polícias Europeias e a atenção da mídia da época. Pessoa estaria dentro da encenação, tendo combinado com Crowley a notificação dos jornais e a redação de um “romance policiário” cujos direitos reverteriam a favor dos dois poetas. Apesar de ter escrito várias dezenas de páginas, essa obra de ficção nunca foi concretizada.


CRONOLOGIA
        
1888: Fernando António Nogueira Pessoa nasce, a 13 de Junho. É batizado em Julho.
1893: Em Janeiro, nasce seu irmão Jorge. A 24 de julho, o pai morre, de tuberculose. A família é obrigada a leiloar parte dos bens.
1894: O irmão de Fernando, Jorge, morre em Janeiro. Pessoa cria o seu primeiro heterónimo. O futuro padrasto, João Miguel Rosa, é nomeado cônsul interino em Durban, na África do Sul.
1895: Em Julho, Fernando escreve o seu primeiro poema e João Miguel Rosa parte para Durban. Em Dezembro, João Miguel Rosa casa-se com a mãe de Fernando, por procuração.
1896: Em 7 de Janeiro, é concedido o passaporte à mãe, e a família parte para Durban. A 27 de Novembro, nasce Henriqueta Madalena, irmã do poeta.
1897: Fernando faz o curso primário e a primeira comunhão em West Street.
1898: Nasce, a 22 de Outubro, sua segunda irmã, Madalena Henriqueta.
1899: Ingressa na Durban High School em Abril. Cria o pseudónimo Alexander Search.
1900: Em Janeiro, nasce o terceiro filho do casal, Luís Miguel. Em Junho, Pessoa passa para a Form III e é premiado em francês.
1901: Em Junho, é aprovado no exame da Cape School High Examination. Madalena Henriqueta falece e Fernando começa a escrever as primeiras poesias em inglês. Em Agosto, parte com a família para uma visita a Portugal.
1902: Em Janeiro, nasce, em Lisboa, seu irmão João Maria. Fernando vai à ilha Terceira em Maio. Em Junho, a família retorna a Durban. Em Setembro, Fernando volta sozinho para Durban.
1903: Submete-se ao exame de admissão à Universidade do Cabo, tirando a melhor nota no ensaio em inglês e ganhando assim o Prémio Rainha Vitória.
1904: Em Agosto, nasce sua irmã Maria Clara e em Dezembro termina os estudos na África do Sul.
1905: Parte definitivamente para Lisboa, onde passa a viver com a avó Dionísia. Continua a escrever poemas em inglês.
1906: Matricula-se, em Outubro, no Curso Superior de Letras. A mãe e o padrasto retornam a Lisboa e Pessoa volta a morar com eles. Falece, em Lisboa, a sua irmã Maria Clara.
1907: A família retorna uma vez mais a Durban. Pessoa passa a morar com a avó. Desiste do Curso Superior de Letras. Em Agosto, a avó morre. Durante um curto período, Pessoa estabelece uma tipografia.
1908: Começa a trabalhar como correspondente estrangeiro em escritórios comerciais.
1910: Escreve poesia e prosa em português, inglês e francês.
1912: Publica na revista Águia o seu primeiro artigo de crítica literária. Idealiza Ricardo Reis.
1913: Intensa produção literária. Escreve O Marinheiro.
1914: Cria os heterónimos Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Alberto Caeiro. Escreve os poemas de O Guardador de Rebanhos e também o Livro do Desassossego.
1915: Sai em Março o primeiro número de Orpheu. Pessoa "mata" Alberto Caeiro..
1916: O seu amigo Mário de Sá-Carneiro suicida-se.
1918: Publica poemas em inglês, resenhados com destaque no "Times".
1920: Conhece Ofélia Queiroz. Sua mãe e seus irmãos voltam para Portugal. Em Outubro, atravessa uma grande depressão, que o leva a pensar em internar-se numa casa de saúde. Rompe com Ofélia.
1921: Funda a editora Olisipo, onde publica poemas em inglês.
1924: Aparece a revista "Atena", dirigida por Fernando Pessoa e Ruy Vaz.
1925: A 17 de Março, morre, em Lisboa, a mãe do poeta.
1926: Dirige com seu cunhado a "Revista de Comércio e Contabilidade". Requer patente de uma invenção sua.
1927: Passa a colaborar com a revista Presença.
1929: Volta a relacionar-se com Ofélia.
1931: Rompe novamente com Ofélia.
1934: Publica Mensagem.
1935: Em 29 de Novembro, é internado com o diagnóstico de cólica hepática. Morre no dia 30 do mesmo mês.


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