Consta que por
volta de 1860, o célebre fisiologista francês Charles Bernard(1) em suas aulas não tinha
mais em seu estoque nenhum animal para dissecar e fazer seus experimentos
perante uma sala repleta de curiosos discípulos. Tão nobre causa não podia
esperar algum garoto da rua trazer um forçado e involuntário bichinho. Resolveu
o problema o grande fisiologista usando o cachorro da sua filha e dando uma
magnifica explanação perante seus radiantes pupilos.
Porém ao chegar
em casa, encontrou a filha aos prantos e a sua esposa muito brava. Essa braveza
transformou-se em ação concreta quando a digníssima Sra. Bernard resolveu
fundar a primeira associação para a defesa dos animais de laboratório.
Mas mesmo sobre
o abstêmico e intenso protesto da esposa, o doutor Bernard persistiu com suas experiências
com animais e em seu famoso livro “An Introducition to the Study of
Experimental Medicine, publicado em 1865, justificou a utilização de animais em
pesquisas com a seguinte alegação, bastante respeitada para a época:
“Nós temos o direito de fazer experimentos animais e
vivissecção? Eu penso que temos este direito, total e absolutamente. Seria estranho
se reconhecêssemos o direito de usar os animais para serviços caseiros, para
comida e proibir o seu uso para a instrução em uma das ciências mais úteis para
a humanidade. Nenhuma hesitação é possível; a ciência da vida pode ser
estabelecida somente após sacrificar outros. Experimentos devem ser feitos
tanto no homem quanto nos animais. Penso que os médicos já fazem muitos
experimentos perigosos no homem, antes de estuda-los cuidadosamente nos
animais. Eu não admito que seja moral testar remédios mais ou menos perigosos
ou ativos em pacientes em hospitais, sem primeiro experimentá-los em cães; eu
provarei, a seguir, que os resultados obtidos em animais podem ser todos
conclusivos para o homem quando nós sabemos experimentar adequadamente.”
Contrariamente
aos critério do Dr. Claude Bernard, a primeira lei a regulamentar o uso de
animais em pesquisa foi proposta no Reino Unido, em 1876, através do British
Cruelty to Animal Act. Esta lei também ficou conhecida por Martin Act, em
memória do intransigente defensor Richard Martin(2). Ela era aplicável
apenas para animais domésticos de grande porte.
Todavia
comenta-se que havia na Colônia de Massachussets Bay, uma lei mais antiga que
propunha que ninguém poderia exercer crueldade para qualquer criatura animal
que fosse usada para auxiliar nas tarefas do homem em 1641.
Com o exemplo do “Humanity
Dick” e do Reverendo Broone, na fundação da Society for the Preservation of Cruelty
to Animals,
começaram a surgir várias sociedades protetoras de animais, sendo que esta
primeira, criada na Inglaterra, em 1824, foi adotada pela Rainha Vitória em
1840, passando daí em diante a chamar-se, realmente, Royal Society for the
Prevention of Cruelty to Animals. Em 1845 foi criada na França a Sociedade para
a Proteção dos Animais. E anos posteriores foram fundadas sociedades na
Alemanha, Bélgica, Áustria, Holanda e Estados Unidos.
ENQUANTO ISSO NO BRASIL:
Andava tranquilamente
pelo centro da, então, provinciana São Paulo do final do século XIX, o senhor
Henri Ruigger, um cidadão suíço, otimista com o Brasil, que acabava de por fim,
oficialmente, a abominável escravidão. Quando, de repente, em plena luz do dia,
numa das principais ruas da futura metrópole, um carreteiro submetendo seu
cavalo a chicotadas, chutes e outras violências. O civilizado suíço procurou
saber das leis locais contra maus-tratos à animais e teve ciência da inexistência
de tal leis no país.
Da indignação iniciou
uma campanha para que o Brasil passasse a ter um lei anticrueldade, os ecos
dessa insatisfação acabou inspirando o jornalista Furtado Filho que publicou um
artigo no “Diário Popular”, dando ensejo a inúmeras manifestações da então
jovem classe média urbana paulistana. O jornalista conclamava a sociedade
paulistana a erguer a voz contra aqueles que maltratavam e usavam animais de
forma cruel. O jornalista lançou então, a ideia de se criar no Brasil, assim
como nos “rincões mais civilizados” uma associação protetora dos animais.
Após uma série de
debates panfletários constitui-se uma comissão para criar a UIPA (União
Internacional Protetora dos Animais) que será fundada em 30 de maio de 1895.
A primeira Diretoria teve como presidente Ignácio Wallace
da Gama Cochrane, descendente de nobres ingleses e Superintendente das Obras
Pública de São Paulo, Senador da República, fundador do Instituto Pasteur e da
Companhia Telefônica de São Paulo, anteriormente sendo deputado provincial em
São Paulo e deputado geral havia referendado a Lei Áurea.
Por ocasião da Fundação
da UIPA, Cochrane traçou o perfil jurídico e os objetivos da instituição: “Frequentes
e repetidos são ainda, infelizmente, os maus-tratos, os atos de verdadeira
crueldade infligidos aos animais...Por honra nossa, cumpre afirma-lo, não tem
cessado a imprensa local de clamar contra esses abusos, profligando-os com
máxima energia. Promover, portanto, não só a decretação de outras leis e
medidas complementares, mas auxiliar eficazmente, o Poder Público para que,
fiel e rigorosamente, sejam observadas e respeitadas as disposições legais, é
uma necessidade que se impões e que só, por meio da associação, interessando o
maior número, poder-se-á conseguir”.
Em 1943 foi criada a
segunda associação anticrueldade animal, a SUIPA, Sociedade União Internacional
Protetora dos Animais. Entidade sem fins lucrativos que visaria a proteção dos
direitos dos animais, e, apesar de ser particular, teria utilidade pública.
Ativa até os dias atuais está sediada no Rio de Janeiro com reconhecimento
nacional e internacional, serviu de exemplo para várias outras sociedades
protetoras por todo o país.
No início, a SUIPA
chamava-se Sociedade União Infantil Protetora dos Animais, pois eram os filhos
dos associados que cuidavam do tratamento de cães doentes recolhidos na rua. Os
animais eram atendidos em um pequeno barracão localizado numa região rural,
desprovida de qualquer recurso. No final dos anos 50, as crianças interromperam
a colaboração no atendimento aos cães recolhidos nas ruas, e os novos diretores
registraram a SUIPA com o nome atual. Neste período, Carlos Drummond de
Andrade, Nise da Silveira, Roberto Marinho, Paschoal Carlos Magno, Raquel de
Queiroz e outras figuras importantes e protetores dos animais associaram-se a
SUIPA.
As reuniões da entidade
procurava tecer ações e reivindicações para a efetuação do Decreto-Lei n.º
24.645 – 1934, acerca de medidas de proteção aos animais, assinado pelo
presidente Getúlio Vargas.
Com o passar do tempo,
os membros da SUIPA tornaram-se cada vez mais presentes na sociedade: cães
capturados pela Prefeitura foram libertos de carrocinhas, dado que estavam
destinados a morte; tartarugas foram retiradas de restaurantes, reivindicaram a
favor de um santuário para as baleias, aves silvestres foram retiradas de
locais inapropriados, cavalos maltratados foram libertos da agressão de
criadores e foram escritas cartas para governantes brasileiros e estrangeiros a
favor da defesa dos animais, entre outras ações.
Em abril de 2015, a
agora ONG SUIPA, completou 72 anos de existência e por meio de um documento foi
lhe devolvido o título de Utilidade Pública que havia sido tirado em 1995 pelo,
então presidente, Itamar Franco, que alegava que o serviço era apenas para
animais e não para pessoas, logo não era Público. Sendo assim, a entidade
perdeu a isenção de impostos, e acumulou uma série de dívidas. Após ganhar o
documento novamente, a instituição agora é reconhecida pelo governo e pode
receber doações federais, assim como, os doadores da ONG têm direito a dedução
de 2% do imposto de renda de pessoas jurídicas e até 6% de pessoas físicas que podem
ser destinado à entidade, que corre sérios riscos pela sua inadimplência,
problema esse que tanto Richard Martin, quanto o Reverendo Broone tiveram na velha
Inglaterra.
E já que estamos
voltando no passado lembram-se daquele senhor suíço indignado pelos maus-tratos
nas ruas de São Paulo? As autoridades municipais poderiam ter evitado o barraco
estrangeiro e demonstrado que nós erramos um país “em civilização” se usassem o
artigo 220 do Código de Posturas do Município de São Paulo, de 1886, artigo
este que coibia atos de maus-tratos, como castigos bárbaros e imoderados, em
animais utilizados por cocheiros, ferradores, cavalariços ou condutores de
veículo de tração animal.
SITUAÇÃO ATUAL
Em reunião realizada em
Bruxelas em 1978, a UNESCO estabeleceu a DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DOS ANIMAIS.
Neste documento estão lançados os grandes temas de discussão da luta
anticrueldade aos animais.
No Brasil, a Lei
6.638-1979, estabeleceu as normas para a prática didático-científica da
vivissecção de animais. Estas normas, que nunca foram regulamentadas, estimulam
somente estabelecimentos de Ensino Superior podem realizar atividades didáticas
com animais. Esta lei estabelece que as pesquisas devem ser realizadas sempre
dentro do critério de não causar sofrimento aos animais envolvidos.
Durante a década de 80,
alguns movimentos de defesa dos direitos animais, especialmente na Inglaterra,
praticaram alguns atentados contra laboratórios, biotérios, instalações
universitárias e até mesmo contra residências de pesquisadores. Estas ações atingiram
tal magnitude, que a Associação Mundial de Medicina publicou uma declaração específica
sobre a necessidade de serem estabelecidas garantias de vida para os pesquisadores
e seus familiares.
Em 1986, a lei inglesa,
do tempo do “Humanity Dick”, foi atualizada, porém preservando todo o seu corpo
doutrinário. Foram publicadas novas normas técnicas para os procedimentos que
envolvam animais em projetos de pesquisa.
Antônio Sérgio da Silva Arouca |
No Brasil em 1996 foram
apresentados vários projetos estabelecendo normas para as pesquisas com
animais, que culminaram em 2008 na Lei 11.794 – Lei Arouca(3), que normatizou os
procedimentos para uso científico de animais. Com a publicação desta lei,
obrigou-se a criar comissões de ética para uso de animais, as CEUAs, em cada
instituição de pesquisa, assim como o Conselho Nacional de Controle de
Experimentação Animal (Consea), que passou a ser o responsável por todas as discussões
referentes à criação e ao uso de animais em laboratórios científicos.
A UIPA NOS DIAS ATUAIS
Embora a defesa dos
animais tenha se intensificado apenas a partir da década de 1970, entrando
definitivamente na pauta da proteção aos direitos dos seres vivos, o tema já é
alvo de discussão há mais de um século. Regimentalmente a UIPA, da
mesma foram que todas as sociedade protetoras dos animais, se dedica a:
·
promover o reconhecimento dos direitos animais;
·
zelar pela execução e pelo aperfeiçoamento da legislação
pertinente;
·
denunciar os maus tratos às autoridades competentes;
·
reduzir estes mesmos danos e os seus impactos;
·
lutar contra o extermínio de cães e gatos perpetrado pelas
autoridades sanitárias (a ação das famosas “carrocinhas”);
·
evitar a morte de animais saudáveis;
·
eliminar a visão utilitarista dos animais, que os considera
“feitos para prazer e deleite da humanidade”;
·
lutar contra a vivissecção;
·
abrigar animais abandonados, acidentados ou vítimas de maus
tratos;
·
promover campanhas de esterilização e adoção de animais
domésticos, com ênfase nos animais de estimação.
Mesmo com uma história
tão longa a legislação do Brasil deixa muito a desejar. O Código Brasileiro
penaliza os maus tratos em diversas situações como:
·
exploração de espécies nativas ou exóticas, para apresamento ou
recolhimento (utilização como alimento, decoração, emprego não autorizado em
pesquisas e estudos, etc.);
·
aplicação de castigos físicos ou tratamentos dolorosos ou
degradantes;
·
extermínio de espécies (ou exposição a riscos de extinção).
As penalidades impostas, no entanto, variam de três meses a um
ano de reclusão, acrescidos ou não de multa pecuniária. As leis brasileiras, no
entanto, permitem a conversão de penas inferiores a quatro anos em “prestação
de serviços comunitários” _ e mesmo quando são superiores, não são aplicáveis
no caso de réus primários com bons antecedentes e endereço fixo.
A atual lei de Crimes
Ambientais, contém avanços, porém apresenta um caráter diferenciado, por ter
sido outorgada em discrepância com o Código Penal, sendo por isso difícil a
efetivação de um castigo, mesmo em caso de morte ou invalidez permanente de
animais.
(1)
Claude Bernard nasceu em Saint Julien no ano de 1813 e morreu em
Paris em 1878, foi médico e fisiologista francês, entre várias qualidades como
a de dramaturgo, ficou mundialmente conhecido por ser um dos precursores da
medicina experimental. Deu aulas no Collège de France, Sorbonne depois no Museu
Nacional de História Natura, foi um dos principais iniciadores da linha: observação
– hipótese – experiência – resultado – interpretação – conclusão.
(2)
Richard Martin nasceu na Irlanda no condado de Galgway em 1754 e
morreu em 1834 na França, foi um político da Câmara dos Comuns que lutou
bravamente pela implantação de leis de proteção aos animais que focou conhecida
como Martin Act, tanto que o Rei George IV o apelidou de “Humanity Dick”, que
significava o nada nobre apelido de Pênis(pau) da Humanidade. Juntamente com o
Reverendo Arthur Broone criou a primeira sociedade instituída legalmente de
proteção aos animais a RSPCA – Royal Society for the Prevention of Cruelty to
Animals.
(3)
Antônio Sérgio de Silva Arouca, nasceu em 1941, formou-se como
médico sanitarista e militante do partidão até o mesmo transformar-se em PPS,
como parlamentar médico, Arouca, como era mais conhecido, procurou debater
predominantemente em questões das áreas de Saúde, Ciência e Tecnologia, foi
deputado federal por dois mandatos, faleceu em 2003 com 61 anos de um câncer no
intestino.
Fontes:
WIKIPEDIA
GOLDIM,José Roberto & RAYMUNDO, Marcia Mocelin. Pesquisa em
Saude e os Direitos dos Animais. 2 ed. Porto Alegre, HPCA, 1997.
http://www.uipa.org.br/
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