O CORTIÇO (1890)
Aluísio Azevedo foi fundador e
principal representante do Naturalismo na literatura brasileira. Em O Cortiço, publicado em 1890, estão
caracterizados os postulados naturalistas: a presença de personagens-tipos, em
que os heróis individuais são substituídos pela coletividade; as personagens
são joguetes de fatores biológicos e sociais; o homem como mero produto do meio
ambiente e da hereditariedade. Os autores naturalistas pertencem à Escola
Realista, que incluía ainda os realistas propriamente ditos e os simbolistas.
A busca pela fortuna e pelo amor
(por Orna Messer Levin*).
Primeiro de cinco livros que Aluísio
Azevedo planejava escrever para compor um painel histórico sobre a formação da sociedade
brasileira, abarcando desde o momento da Independência até a República, O Cortiço é o único da série que chegou
de fato às livrarias. Dos títulos anunciados por ele no periódico A Semana, só O Cortiço foi publicado em
1890. Vinha cercado de expectativas, já que praticamente todos os romances
anteriores de Aluísio provocaram polêmicas acaloradas na imprensa. As resenhas
de crítica, nos jornais, embora elogiosas em relação aos méritos literários
dele, costumavam apontar restrições e acusá-lo de plagiar o escritor Émile
Zola, que fundou o Naturalismo na França.
Com O
Cortiço não foi diferente. Consideraram que se tratava de uma imitação do
romance L’Assommoir (A Taverna), no qual Zola mostrava as
alegrias e misérias de uma lavadeira em um bairro pobre de Paris. É bem
provável que Aluísio tenha realmente colhido inspirações nessa obra de Zola
para redigir seu O Cortiço, pois
adaptar criações literárias era muito comum no século XIX, época em que não se
julgava um texto de ficção, poesia ou teatro, apenas com base na originalidade
do tema. Identificar de imediato qual teria sido a fonte de Aluísio, por isso,
não o condenou ao esquecimento, nem impediu, muito pelo contrário, que o
romance se consagrasse como a principal obra do Naturalismo Brasileiro.
Diferente do romance romântico,
recheado de peripécias, aventuras e fantasias amorosas, a prosa naturalista de
Aluísio tentava construir um quadro objetivo da realidade social, com tudo o
que apresentasse de belo ou sórdido, mostrando como a, gente comum, moradora de
um cortiço em Botafogo, na cidade do Rio de Janeiro, lutava para sobreviver. Ao
mesmo tempo, o escritor pretendia alinhar a ficção brasileira com as modernas
teorias biológicas, que propunham explicações científicas para o comportamento
das espécies e para a transmissão das características inatas nos seres vivos.
Aquilo que ficou popularmente conhecido como determinismo biológico e social
significou no romance o rebaixamento dos personagens ao plano do mundo natural.
Em outras palavras, equivalia à constatação de que as pessoas são regidas por
impulsos instintivos e por comportamentos irracionais. Assim, sob a premência
de uma necessidade sexual qualquer ou do consumo excessivo de álcool, elas agem
movidas não pelo senso moral que a civilização impõe, mas por uma força
incontrolável, que é própria dos instintos primitivos e, portanto, conduz ao
declínio e à degradação. O universo do cortiço surge descrito pela voz de um
narrador em terceira pessoa como organismo pulsante, “viveiro de larvas”, “paraíso
de vermes” e um “brejo de lodo quente e fumegante”, no qual imperam somente
leis da natureza.
Perceber-se-á que uma das linhas de
força da narrativa centra-se na ascensão de João Romão, português pobre e
inescrupuloso que tem como meta enriquecer. Essa vitória ele conquista tirando
proveito da escrava Bertoleza, ludibriando os inquilinos da estalagem e armando
um casamento com Zulmira, a filha do rico comerciante Miranda, dono do sobrado
vizinho, que se tornou barão. No romance, a transformação do simplório Romão em
burguês elegante e metido nos assuntos da política simboliza a crítica de
Aluísio à trajetória ascendente de pessoas gananciosas. Já nas primeiras linhas
do capítulo VIII de O Cortiço, as
mudanças no comportamento de Jerônimo marcam o destino de degradação ética
imposto pelo processo de assimilação do imigrante português aos trópicos. Sua
queda ilustra a tese da submissão do homem honesto e trabalhador às regras da
fisiologia e do meio. Jerônimo entrega-se aos encantos sensuais da charmosa
Rita Baiana e, impelido pela atração sexual, abandona a família.
Aluísio expõe uma
visão bem crítica dos tipos sociais da capital brasileira na virada do século
XIX. Além dos protagonistas, uma galeria de figuras secundárias completa os
registros minuciosos que ele faz da rotina das lavadeiras e dos trabalhadores
na pedreira, apresentando seus hábitos alimentares, vestimentas, práticas de
medicina popular, crenças místicas africanas e o gosto musical luso-brasileiro
marcado pelas melodias e pelos ritmos do fado, do samba e do lundu. Distintas
entre grupos de capoeiras e enfrentamentos corriqueiros formam a tessitura
dramática que sustenta e enriquece essa narrativa.
Aluísio criou em O Cortiço um
microcosmo a partir do qual quis documentar na ficção o processo de
constituição da sociedade brasileira e lançar luz sobre suas glórias e suas
mazelas.
*
Orna Messer Levin – Doutora em Teoria Literária, professora de Teoria Literária
do Instituto de Estudos da Linguagem – IEL/Unicamp.
AZEVEDO,
Aluísio. O Cortiço. Edição Renovada a partir da 3.ª edição de 1920. São Paulo,
Editora FTD S.A., 2011. (Pp. 5 a 7).
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