segunda-feira, 16 de maio de 2022

BANDEIRA VERMELHA X BANDEIRA AMARELA

 


         Em tempos de acirramento das lutas ideológicas, podemos encontrar no romance O Cortiço de Aluísio Azevedo, uma luta, mais sociológica que ideológica, que muito tem de igual aos dias atuais.

         Com os mesmos ódios arraigados, com a mesma divisão dentro da mesma classe social (a baixa) e com a mesma ignorância baseando as razões irracionais de cada lado.

         É nesse pano de fundo que ocorre a luta entre os “carapicus” e os “cabeça de gato”, duas hordas que se defrontam sem ter razão nem por quê.

         Vejamos alguns trechos dessa competição: 

     Agora, na mesma rua, germinava outro cortiço ali perto, o “Cabeça de Gato”. Figurava como seu dono um português que também tinha venda, mas o legítimo proprietário era um abastado conselheiro, homem de gravata lavada, a quem não convinha, por decoro social, aparecer em semelhantes gêneros de especulações. E João Romão, estalando de raiva, viu que aquela nova república da miséria prometia ir adiante e ameaçava fazer-lhe à sua, perigosa concorrência. (p.181)

         Sempre existe um interessado por essa briga dentro das classes e não a verdadeira luta de classes:

       (João Romão) (...) pela sorrelfa plantava no espírito dos seus inquilinos um verdadeiro ódio de partido, que os incompatibilizava com a gente do “Cabeça de Gato”. Aquele que não estivesse disposto a isso ia direitinho para a rua, “que ali se não admitia meias medidas a tal respeito! (...) a parte contrária lançou mão igualmente de todos os meios para guerrear o inimigo, não tardando que entre os moradores das duas estalagens rebentasse uma tremenda rivalidade, dia a dia agravada por pequenas brigas e rezingas, em que as lavadeiras se destacavam sempre com questões de freguesia de roupa. No fim de pouco tempo os dois partidos estavam já perfeitamente determinados; os habitantes do “Cabeça de Gato” tomaram por alcunha o título do seu cortiço, e os de “São Romão”, tirando o nome do peixe que a Bertoleza mais vendia à porta da taverna, foram batizados por “Carapicus”. Quem se desse com um “carapicu” não podia entreter a mais ligeira amizade com um “cabeça de gato”; mudar-se alguém de uma estalagem para a outra era renegar ideias e princípios e ficava apontado a dedo; denunciar a um contrário o que se passava, fosse o que fosse, dentro do círculo oposto, era cometer traição, tamanha, que os companheiros a puniam a pau. (p.181)

         E como nos dias atuais surge uma bandeira Amarela contra a Vermelha.


       Em meio do pátio do “Cabeça de Gato” arvorava-se uma bandeira amarela; os “carapicus” responderam logo levantando um pavilhão vermelho. E as duas cores olhavam-se no ar como um desafio de guerra.

       A batalha era inevitável. Questão de tempo. (p.182)

         Até que um dia... A luta acontece e só tem perdedores, ou quase só perdedores, porque alguém, no caso o João Romão (em sua ascensão para a nova classe capitalista) ganha com a desgraça alheia:

(...) o rolo a ferver lá fora, cada vez mais inflamado com um terrível sopro de rivalidade nacional. Ouviam-se, num clamor de pragas e gemidos, vivas a Portugal e vivas ao Brasil. (pp.227 – 228)

       Mal os “carapicus” sentiram a aproximação dos rivais, (...) Um só impulso os impelia a todos; já não havia ali brasileiros e portugueses, havia um só partido que ia ser atacado pelo partido contrário; os que se batiam ainda há pouco, emprestaram armas uns aos outros, limpando com a costa da mão o sangue das feridas (...) (p. 228)

         O final da luta se dá quando uma moradora maluca e metida com bruxarias põe fogo no cortiço. Quando se vê o fogo pegando, para a luta, os “Cabeças de Gato” voltam para seu território, “os carapicus” esbaldam-se para apagar o fogo e salvar seus minguados caraminguás, enquanto a polícia (os urbanos) só observa.

         Observando tal acontecimento fictício, seria de bom tom tentar não deixar o fogo alastrar...

 

Cláudio Maffei

Citações retiradas do livro:

AZEVEDO, Aluísio. O Cortiço. Edição Renovada a partir da 3.ª edição de 1920. São Paulo, Editora FTD S.A., 2011.

Desenhos retirados do (irmão)  Blog: O Cortiço Opiniões. Disponível em: http://ocorticoemopinioes.blogspot.com/p/blog-page.html. Acesso em 16 de maio de 2022.

Ver também no Blog do Maffei: Aluísio Azevedo. Entendendo O Cortiço. 

 Ver também no Blog do Maffei: O Cortiço de Aluísio Azevedo. Um Romance Naturalista.


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