sábado, 14 de maio de 2022

ALUÍSIO AZEVEDO (1857 – 1913) - ENTENDENDO O CORTIÇO

O CORTIÇO (1890) 


         Aluísio Azevedo foi fundador e principal representante do Naturalismo na literatura brasileira. Em O Cortiço, publicado em 1890, estão caracterizados os postulados naturalistas: a presença de personagens-tipos, em que os heróis individuais são substituídos pela coletividade; as personagens são joguetes de fatores biológicos e sociais; o homem como mero produto do meio ambiente e da hereditariedade. Os autores naturalistas pertencem à Escola Realista, que incluía ainda os realistas propriamente ditos e os simbolistas.

 

A busca pela fortuna e pelo amor 

(por Orna Messer Levin*).

         Primeiro de cinco livros que Aluísio Azevedo planejava escrever para compor um painel histórico sobre a formação da sociedade brasileira, abarcando desde o momento da Independência até a República, O Cortiço é o único da série que chegou de fato às livrarias. Dos títulos anunciados por ele no periódico A Semana, só O Cortiço foi publicado em 1890. Vinha cercado de expectativas, já que praticamente todos os romances anteriores de Aluísio provocaram polêmicas acaloradas na imprensa. As resenhas de crítica, nos jornais, embora elogiosas em relação aos méritos literários dele, costumavam apontar restrições e acusá-lo de plagiar o escritor Émile Zola, que fundou o Naturalismo na França. 

        Com O Cortiço não foi diferente. Consideraram que se tratava de uma imitação do romance L’Assommoir (A Taverna), no qual Zola mostrava as alegrias e misérias de uma lavadeira em um bairro pobre de Paris. É bem provável que Aluísio tenha realmente colhido inspirações nessa obra de Zola para redigir seu O Cortiço, pois adaptar criações literárias era muito comum no século XIX, época em que não se julgava um texto de ficção, poesia ou teatro, apenas com base na originalidade do tema. Identificar de imediato qual teria sido a fonte de Aluísio, por isso, não o condenou ao esquecimento, nem impediu, muito pelo contrário, que o romance se consagrasse como a principal obra do Naturalismo Brasileiro.

        Diferente do romance romântico, recheado de peripécias, aventuras e fantasias amorosas, a prosa naturalista de Aluísio tentava construir um quadro objetivo da realidade social, com tudo o que apresentasse de belo ou sórdido, mostrando como a, gente comum, moradora de um cortiço em Botafogo, na cidade do Rio de Janeiro, lutava para sobreviver. Ao mesmo tempo, o escritor pretendia alinhar a ficção brasileira com as modernas teorias biológicas, que propunham explicações científicas para o comportamento das espécies e para a transmissão das características inatas nos seres vivos. Aquilo que ficou popularmente conhecido como determinismo biológico e social significou no romance o rebaixamento dos personagens ao plano do mundo natural. Em outras palavras, equivalia à constatação de que as pessoas são regidas por impulsos instintivos e por comportamentos irracionais. Assim, sob a premência de uma necessidade sexual qualquer ou do consumo excessivo de álcool, elas agem movidas não pelo senso moral que a civilização impõe, mas por uma força incontrolável, que é própria dos instintos primitivos e, portanto, conduz ao declínio e à degradação. O universo do cortiço surge descrito pela voz de um narrador em terceira pessoa como organismo pulsante, “viveiro de larvas”, “paraíso de vermes” e um “brejo de lodo quente e fumegante”, no qual imperam somente leis da natureza.

        Perceber-se-á que uma das linhas de força da narrativa centra-se na ascensão de João Romão, português pobre e inescrupuloso que tem como meta enriquecer. Essa vitória ele conquista tirando proveito da escrava Bertoleza, ludibriando os inquilinos da estalagem e armando um casamento com Zulmira, a filha do rico comerciante Miranda, dono do sobrado vizinho, que se tornou barão. No romance, a transformação do simplório Romão em burguês elegante e metido nos assuntos da política simboliza a crítica de Aluísio à trajetória ascendente de pessoas gananciosas. Já nas primeiras linhas do capítulo VIII de O Cortiço, as mudanças no comportamento de Jerônimo marcam o destino de degradação ética imposto pelo processo de assimilação do imigrante português aos trópicos. Sua queda ilustra a tese da submissão do homem honesto e trabalhador às regras da fisiologia e do meio. Jerônimo entrega-se aos encantos sensuais da charmosa Rita Baiana e, impelido pela atração sexual, abandona a família. 

        Aluísio expõe uma visão bem crítica dos tipos sociais da capital brasileira na virada do século XIX. Além dos protagonistas, uma galeria de figuras secundárias completa os registros minuciosos que ele faz da rotina das lavadeiras e dos trabalhadores na pedreira, apresentando seus hábitos alimentares, vestimentas, práticas de medicina popular, crenças místicas africanas e o gosto musical luso-brasileiro marcado pelas melodias e pelos ritmos do fado, do samba e do lundu. Distintas entre grupos de capoeiras e enfrentamentos corriqueiros formam a tessitura dramática que sustenta e enriquece essa narrativa.


         Aluísio criou em O Cortiço um microcosmo a partir do qual quis documentar na ficção o processo de constituição da sociedade brasileira e lançar luz sobre suas glórias e suas mazelas.


* Orna Messer Levin – Doutora em Teoria Literária, professora de Teoria Literária do Instituto de Estudos da Linguagem – IEL/Unicamp.

 


AZEVEDO, Aluísio. O Cortiço. Edição Renovada a partir da 3.ª edição de 1920. São Paulo, Editora FTD S.A., 2011. (Pp. 5 a 7).

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