quarta-feira, 20 de novembro de 2019

FRANTZ OMAR FANON - A LUTA PELA DESCOLONIZAÇÃO


Hoje, dia 20 de novembro - DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA - o blog do maffei procura contribuir com um autor, citado no livro "A História Nova" de Jacques Le Goff, FRANTZ OMAR FANON médico e escritor que dedicou sua vida a libertação da África.




Frantz Fanon (1925 - 1961) foi um psiquiatra, filósofo e ensaista marxista francês, de ascendência francesa e africana. Fortemente envolvido na luta pela libertação da Argélia, foi também influente pensador do século XX sobre os temas da descolonização e da psicopatologia da colonização.





Suas obras foram inspiradas em mais de quatro décadas de libertação anticoloniais. Analisou as consequências psicológicas da colonização tanto para o colonizador quanto para o colonizado, e o processo de descolonização, considerando seus aspectos sociológicos, filosóficos e psiquiátricos.



Foi um dos fundadores do pensamento terceiro-mundista. Fanon esteve na Argélia, então colônia francesa, onde trabalhou como médico psiquiatra no hospital do exército francês.



Lá testemunhou as atrocidades da guerra de libertação travada pela Frente de Libertação Nacional (FLN) contra a dominação colonial francesa.



Diante da violência do processo colonial, Fanon se uniu a resistência argelina, participando posteriormente de maneira ativa na política africana pós-colonial.



Em dezembro de 1960, depois de circular por várias partes do continente africano fomentando a necessidade de expandir a guerra de libertação a outros países, no auge de sua atuação política, Fanon inicia a escrita de um livro que problematizaria a relação da revolução argelina com outros povos do continente.



No entanto, para a sua surpresa, Fanon é diagnosticado com leucemia, e percebe, mediante aos estágios que a medicina se encontra nesta época, que lhe resta pouco tempo de vida,



Inicia, assim, a escrita apressada do que sabidamente seria seu livro, alterando o curso da escrita de forma a sintetizar seus acúmulos teóricos antes que seu tempo se esgote. É nesse contexto que será em questão de meses o famoso "Os Condenados da Terra".






terça-feira, 19 de novembro de 2019

SINCRONIA, ANACRONIA E DIACRONIA

 No livro "A História Nova" de Jacques Le Goff, Philippe Ariés em seu texto sobre a história das mentalidades cita os conceitos de anacronia, diacronia e sincronia, achamos interessante desenvolver um pouco mais os conceitos:



SINCRONIA:
Estado ou condição de dois ou mais fenômenos ou fatos ocorrerem simultaneamente, juntamente, relacionados entre si ou não.





DIACRONIA:
Na linguística é a descrição de uma língua ou de parte dela ao longo de sua história, com mudanças que sofreu: gramática, histórica; linguística diacrônica, por extensão em antropologia é o conjunto dos fenômenos sociais, culturais etc., que ocorrem e se desenvolvem através do tempo.



ANACRONIA:
Estado do que é anacrônico, do que não obedece a sucessão normal dos acontecimentos registrada pela cronologia. Que não segue os registros ou períodos de tempos históricos. Etimologicamente, anacronia provém do grego ana=contra e de chronos = tempo, e se refere a um desencontro entre a ordem porque são narrados no discurso. Designa a alteração entre ordem dos acontecimentos e a ordem em que são apresentados no discurso. Esta discrepância entre a ordem dos fatos e o ritmo temporal designa-se analepse ("flashback" na terminologia cinematográfica) se há recuo no tempo, por exemplo pela evocação de fatos, e prolepse se existe avanço no tempo, recorrendo á antecipação dos acontecimentos. As anacronias podem resultar da necessidade de recuar no tempo para encontrar explicações para alguns fatos do presente ou para criar expectativas com informações antecipadas. Se a anacronia acontece antes do início da diegese da narrativa principal, é considerada externa; se sucede durante a narrativa principal, é designada como interna. 



Fonte: infopedia.pt/$anacronia  acessado em 18/11/2019)

LE GOFF, Jacques. A História Nova. Tradução de Eduardo Brandão. Martins Fontes, 2.ª Edição - São Paulo - 1993.
(onde se encontra o uso dos vocábulos acima: páginas 162  163)

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

ANDRÉ BURGUIERE - O HISTORIADOR DA FAMÍLIA



André Burguiére (nascido em Paris em 1938).

É um historiador francês, integrante da 4.ª geração da Escola dos Annales. Foi diretor da École des Hautes Études en Sciencies Sociales. Estuda a demografia e a família dentro da Antropologia Histórica e da Etno-história.



Membro do Comitê de direção dos Annales E.S.C. Especialista em História da Família, co-dirigiu uma Histoire de la Familie, 2 volumes, Paris, A. Collin, 1986. Especialista também em história das ciências sociais, publicou um Dictionnaire des Sciencies Historiques, Paris, PUF, 1986. Publicou, além disso, inúmeros artigos em diversas revistas francesas e estrangeiras.



LE GOFF, Jacques. A História Nova. Tradução de Eduardo Brandão. Martins Fontes, 2.ª Edição - São Paulo - 1993.

domingo, 17 de novembro de 2019

GEORGES PHILLIPE FRIEDMANN




Georges P. Friedmann (1902 - 1977) foi um sociólogo e filósofo francês conhecido por seu influente estudo sobre os efeitos do trabalho industrial sobre os indivíduos e por suas críticas ao avanço descontrolado da mudança tecnológica na Europa e nos Estados Unidos no século XX (p.3)



LE GOFF, Jacques. A História Nova. Tradução de Eduardo Brandão. Martins Fontes, 2.ª Edição - São Paulo - 1993.

terça-feira, 12 de novembro de 2019

MARCEL GILLET - HISTORIADOR FRANCÊS - O MESTRE DO CARVÃO DO NORTE DA FRANÇA




Tradução do francês

In Memorian  - Marcel Gillet  (1922 – 1996)





            Marcel Gillet morreu em sete de junho de 1996 após uma intervenção cirúrgica. Seu funeral foi celebrado em 14 de junho na Igreja de Saint-Sauver, em Lille, na presença das muitas comunidades universitárias, dos amigos e de seus ex-alunos. Nascido em quatro de fevereiro de 1922, em uma família de siderúrgicos. Marcel Gillet, em seus escritos, recorda-se dos anos de juventude:


“meu pai era um contramestre belga da siderurgia Horraine, havia deixado, com seis de seus irmãos a fazenda de seus pais perto da fábrica, sendo que eu fui criado numa pequena cidade industrial da região do Moselle, Audun-Le-Tiche, entre os filhos de trabalhadores principalmente italianos e poloneses, com nossas cabeças abaixo da escória incessante que saiam dos minérios nos altos fornos.[1]



            Já o aluno do ensino médio (École primaire supérieure) prepara-se e consegue passar no exame de admissão na École Normale de Montegny-les-Metz. Em 1940, este estabelecimento, é transferido sucessivamente para Poitiers e depois para Périguex. Marcel Gillet estuda por nove meses em centros escolares da Dordonha, mas também participa da resistência francesa contra a ocupação nazista participando das FFI (Forças Francesas do Interior), Gillet é elogiado por essa corajosa e patriótica interrupção dos seus estudos. De 1.º de Julho de 1945 à 1.º de Abril de 1945 é orientador da Escola Normal de Périguex.

            Admitido na Escola Superior de Educação Técnica de Cachan, ele manteve-se professor adjunto por dois anos e depois é nomeado professor certificado no Liceu de Baggio, onde leciona por sete anos, incluindo os últimos dois como professor associado. No ensino médio do Liceu Técnico de Baggio, Marcel Gillet atuou como militante e ativista sindical. É, portanto, após uma carreira de 32 anos que em 1954 ingressa no Ensino Superior como assistente da faculdade de letras de Lille. Durante todo esse período que vai do ensino médio à universidade, Marcel Gillet desenvolve um gosto pela disponibilidade aos serviços para os outros e que corresponde à lição que ele procurava desenvolver retendo dos seus mestres; “o zelo é o primeiro dever de todo professor”[2]. Com seu amigo Jacques Le Goff (eles eram os únicos dois professores assistentes da seção de história de Lille) trazem um novo folego para a universidade. Para os jovens estudantes ele era o professor que eles precisavam a qualquer custo. O curso de Licenciatura ou o de Agregation teve um grande enriquecimento, pois a seu currículo passou a utilizar-se das pesquisas publicadas. Todos os anos, a pedido de um amplo e entusiasmado público estudantil, os cursos de Gillet eram fotocopiados largamente. Marcel Gillet gostava de cuidar zelosamente das suas aulas, estudos e escritos onde propunha tarefas que corrigia e anotava cuidadosamente o progresso e a comunicação do professor com os aprendizes de historiador.  Seu papel foi muito além do ensino, pois ele estava interessado em todos os aspectos da vida dos alunos, incluindo suas atividades corporativas e sindicais. Ele e Le Goff participaram de cursos sindicais organizados pelas corporações estudantis no início das férias de verão.



            Assim que ingressou na universidade, Gillet publicou um artigo sobre a missão de Florent Guiot no Norte da França no ano II (Revue du Nord, tomo XXXVI, 1954). Em abril de 1955, é com uma “alegria um pouco ingênua”[3], confessa Michel Gillet, que toma conta com Ernest Labrousse, de uma nova tese que vinha amadurecendo há muito tempo: “A bacia de carvão do norte – Pas-de-Calais de 1815 a 1914. Estudo social”. Para Gillet, desde o início, a análise econômica não pode ser dissociada do estudo social como preconizava a tradição da Escola dos Annales, que agora, está no centro do trabalho de Gillet.

            Por quase dez anos, Marcel Gillet dedicou-se a preparação de sua tese conjuntamente com uma atividade de ensino de alto nível. Foram gerações de estudantes se preparando para o CAPES e para a Agregation (ensino superior) com exigência e carisma por parte do professor. Muitos dos que tiveram a sorte de se qualificar para a Agregation se lembram do alto nível e do apoio durante as provas orais: Gillet era um professor que não poupava dedicação, nem a falta de tempo, não medindo esforços no seu ato de ensinar, através de seus conselhos e da utilização de uma vasta bibliografia que ele havia sistematizado em folhas. Tudo neste homem era o oposto do individualismo e egocentrismo.



            Ao mesmo tempo, as publicações de Marcel Gillet se sucederam: são artigos pioneiros de 1956 e 1957, no departamento do Norte (em colaboração, volume de estudos, tomo XIX, Biblioteca da Revolução de 1848, pp. 93 – 141 e Revue du Nord, tomo XXXVIII, 1956, pp. 15 – 27), depois comunicou em sete de abril de 1957 à Sociedade de História Moderna o seu artigo sobre “O choque de sindicatos trabalhistas contra patronais na bacia do carvão do Norte e no Pas-de-Calais de 1884 a 1891”, publicado no Boletim da Sociedade de História Moderna, em março de 1957, pp. 7 – 10).

            Marcel Gillet estende seus primeiros estudos sobre relações sociais nas minas com um artigo sobre “As origens das primeiras Convenções de Arras: a bacia do Norte e de Pas-de-Calais de 1880 – 1891” (Revue du Nord, n.º 154, abril-junho de 1957, pp. 11 – 123). Em 1963, suas teses tornaram-se o pivô do Colóquio Internacional “Carvão e Ciências Humanas”, realizado em Lille, Marcel Gillet consolidou sua reputação internacional como historiador da mineração de carvão com seu relatório introdutório: “A idade do carvão e o desenvolvimento da bacia do carvão do Norte da França e Pas-de-Calais desde o século XIX até o início do século XX”, relatório este que foi publicado nos anais do colóquio (Paris, Mouton, 1966), mas também traduzido para o inglês, suplantando a “História econômica inglesa” de Ernest Arnold de 1969. “Comparando a evolução das outras grandes bacias carboníferas é possível compreender alguns problemas importantes na economia mundial e na indústria do carvão durante este período”[4]. Esse foi o objetivo que Marcel Gillet queria alcançar. A descoberta da bacia carbonífera de Pas-de-Calais não se devia ao acaso, como Gillet demonstrou, mas resultou “da união da ciência e da técnica”, num crescimento que novas estruturas industriais se faz necessárias, assim como aumentaram os custos da produção.  Comparando as taxas de crescimento da produção por período e por países de grande porte, Marcel Gillet concluiu que no início do século XX, o declínio da produção inglesa, antes do Rhur e de seus rivais belgas. Os movimentos de longo prazo da estrutura são facilmente desvinculados das séries estatísticas humanizadas. O século XX não contou com a adesão do Norte, mas o que se viu foi uma inversão das regiões francesas em detrimento do Norte da França.

            Nos mesmos anos, Marcel Gillet desenvolveu importantes trabalhos metodológicos: seu valioso curso publicado na CDU sobre as técnicas de história econômica das quais desenvolve o ensino e o estudo crítico de arquivos da Caixa Autônoma Nacional de Seguridade das Minas (Movimentos Socialis – n.º 43, abril-junho de 1963), sendo que esses arquivos serviram de base para a reconstituição de minas e pedreiras menores.

            Durante sua estada de quatro anos no Centro Nacional de Pesquisas (1963 – 1967), Marcel Gillet publicou com Jean Bouvier e Fraçois Furet: “O movimento do lucro na França do século XIX” (Mouton, 1965, 465 páginas), livro pioneiro baseado em reconstituições e interpretações críticas do volume de negócios, lucros e capitalização de mercado de muitas empresas francesas; identificando o lucro através de peças contábeis e patrimoniais das quais o mínimo que se pode dizer, é que essas peças são pouco transparentes.

            E então Marcel Gillet termina e defende em 1971 sua grande tese que será publicada dois anos depois sob o título “As minas de carvão do norte da França no século XIX” (Edições Mouton e VI seção da EPHE, 1973, 528 páginas). Neste que é seu trabalho principal, ele usa fontes escritas abundantes relacionadas à descoberta de estatutos jurídicos e documentos de gestão e gerenciamento num sentido muito mais amplo das empresas de mineração, mas em um momento que pesquisar neste tipo de documentação não era tão comum, assim como a coleta de muitos depoimentos de vários atores dessa longa saga industrial. No que diz respeito a essa atividade central da história industrial do século XIX, a tese de Gillet continua sendo, ainda nos dias de hoje, um trabalho de fundamental importância pelo escopo do assunto, pelas minucias do estudo das fontes humanas, escritas e estatísticas, minucias estas sem as quais nada de sólido poderia ser construído. Essa precisão de análise não o impediu de ampliar sua pesquisa: ele comparou em relevância, organização profissional e comercial as minas de carvão do Norte Pas-de-Calais, França, com as minas do Reinisch Westphalisches Kohlensyndicat (Sindicato do Carvão de Rheinisch Westfalen) assim como de outros países como Inglaterra e Bélgica. Por seu exame clínico, Marcel Gillet foi capaz de detectar os sintomas de mudanças e permanências deste mundo original: tendências malthusianas de um patronato marcado por um forte espírito racionalista, reaproximação de longo prazo dos sindicatos de empregadores e de trabalhadores (por mais combativa que tenha sido no início); dificuldades estruturais da indústria do carvão, cujo crescimento e competitividade não acompanharam o desenvolvimento industrial, social e cultural. Anos mais tarde, Marcel Gillet, exercitando seu humor, em relação ao trabalho dos historiadores e no seu próprio, gostava de dizer que desse considerável estudo mantinha apenas uma fórmula: “crescimento sem desenvolvimento”.

            Por muito tempo Marcel Gillet foi professor com Jean Bouvier e ambos defenderam o direito de conceder uma importância histórica ao fato. Marcel Gillet foi promovido a professor sem cátedra em janeiro de 1972 na universidade de Lille III, e depois em outubro de 1974 é promovido a professor oficial. Marcel Gillet deu um impulso sem precedentes ao uso semântico da história econômica e social que ele já incentivava com Jea Bouvier em 1960 a 1968, abrindo-se uma ampla parceria na vida extra-universitária. Marcel Gillet convidou sociólogos, geógrafos, planejadores urbanos, médicos, peritos em criminologia, especialistas em educação e infância, representantes da imprensa e da escola de jornalismo de Lille. Marcel Gillet foi o primeiro a associar seus professores à história da arte, arquitetura e urbanismo. Neste trecho abaixo Marcel Gillet fala em seu seminário sobres suas preocupações:


“queríamos organizar nosso seminário como um espaço de liberdade, onde jovens pesquisadores e professores-pesquisadores trabalhassem em pé de igualdade, de acordo com um tema dominante, livremente escolhido e aceito, com vistas a publicações comuns... O seminário funcionou como uma oficina onde os professores-pesquisadores livres e responsáveis, confrontando a decifração do passado por métodos que favoreciam o uso de técnicas analíticas como conceitos multidisciplinares e sempre ouvindo o tempo presente”[5].


            É neste contexto em que a liberdade de expressão era total, mas também era grande o requisito para a qualidade dos trabalhos que Marcel Gillet iniciou, felizmente, a compartilhar com gerações de estudantes e pesquisadores a história econômica e social. Além do rigor do debate científico, uma atmosfera de admiração e calor humano monopolizava os sentidos de muitos presentes. Marcel Gillet orientou muitas teses de mestrado sobre a história das populações, suas vidas cotidianas, os patrões do norte da França (os acionistas da Companhia Anzin forneceram assuntos notáveis), os índices de produção, mas também trabalhadores militantes, anarquistas e trabalhadores e funcionários sindicais (como o excelente domínio de Jöel Michel sobre Basly). Suas curiosidades incentivaram-no a trabalhar com as populações hospitalares, crianças abandonadas, mulheres loucas e, é claro, mulheres em pequenos trabalhos, nas fábricas e campanhas a famílias numerosas. As mulheres magrebinas e as polonesas participaram dessa vasta pesquisa, e muitos trabalhos dessas jovens pesquisadoras e pesquisadores aparecem ao lado de artigos de Michelle Perrot e Madeleine Rebériox na “A História das Mulheres do Norte da França” (edição especial, n.º 250, julho – setembro de 1981) que Marcel Gillet teve a alegria de coordenar. Ele tinha a preocupação de divulgar as obras inéditas de jovens historiadores,  desde que se tornaram agregados da universidade que levou Marcel Gillet a apresentar em 1975 “O homem, vida e morte no Norte da França do século XIX” (Universidade de Lille III, edições universitárias) e, três aos depois, pesquisa a qualidade de vida na região Norte- Pas-de-Calais nas mesmas edições de sempre, Marcel Gillet sabia como agir com seus alunos sem impor suas paixões. Quando os alunos provaram seus seminários estavam saboreando as delícias de suas publicações. A influência de um professor não é medida apenas pelo seu trabalho, mas também pelo o que ele suscita entre seus alunos.

            A partir desse período, dois artigos – “Revolução Industrial” ou “ Take of” (Informações Históricas, março-abril de 1970, pp. 67 – 75) e “O século XIX: industrialização linear ou industrialização aos saltos?” (Revista Econômica, setembro de 1972, pp. 723 – 752) – onde Gillet comparou os índices de crescimento industrial estabelecidos para os diferentes países da Europa Ocidental, utilizando sua cultura matemática e estatística que permitiu detectar nas analogias e diferenças básicas de série expandindo a análise para uma avaliação comparativa das mudanças industriais envolvidas neste período.



            Marcel Gillet exerceu grandes responsabilidades administrativas: foi diretor da UFR de história de 1970 – 1973 e vice-diretor em 1974. Seu afastamento dessas responsabilidades foi marcada pela preocupação constante em colocar toda a estrutura administrativa ao serviço dos estudantes ou mesmo inovar na busca de novas oportunidades através da criação, por exemplo, do setor econômico e social.

            Incentivador infatigável das pesquisas foi diretor adjunto do CIRSH de 1974 a 1979; e de 1976 a 1982 foi diretor científico de uma equipe internacional multidisciplinar em “Mudança social comparada no Norte da França – Bélgica”. Nesta equipe ele une pesquisadores franceses e belgas. Esse ATP visava detectar mudanças sociais através de práticas cotidianas, estilos de vida e estruturas de sociabilidade, foi concretizado pela publicação de uma edição especial da Revue du Nord, “Sociabilidade e memória coletiva” (tomo LXIV, n. 253, abril-junho de 1982).

            Marcel Gillet foi um historiador sem arrogância e um humanista consistente: essa dualidade foi profundamente sentida por todos aqueles que o conheciam. Para eles, uma simples avaliação historiográfica não corresponderá à memória de um homem extremamente caloroso. A ansiedade característica do homem moderno – que também Gillet experimentou e são marcas dos infortúnios que teve no final da sua vida – era uma característica da sua aguçada inteligência. Marcel Gillet tinha uma honestidade direta e, em primeiro lugar, uma grande honestidade intelectual que seduzia tantos alunos e professores. Ele se impôs com uma força de caráter banhada em sensibilidade: pois Marcel Gillet não temia nada e não se deixava contaminar. O estilo desse professor exigente, mas não autoritário, o primeiro que permitiu que muitos de seus ouvintes encontrassem seu próprio caminho. Seus alunos de sucessivas gerações ficavam felizes em encontra-lo em muitas oportunidades, como nas assembleias da Revue du Nord ou na unidade do CNRS que ele ajudara a criar, e isso até o último dia. E com sua ausência, alunos e professores, sentem-se mais fortalecidos porque seus sólidos caminhos foram criados juntos.

para citação do artigo:

     HARDY-HÉMERY, Odette & HIRSCH,Jean-Pierre. In Memorian Marcel Gillet (1922 -1996). In: Reveu du Nord, tome LXXVIII, n.º 316, julliet-septembre 1996. pp. 417 - 422.

https://www.persee.fr/mord_0035_2624_1996_num_78_316_5123. 
acesso em 10/11/2019 - tradução: Cláudio Maffei




[1] Marcel Gillet recordou, assim, o início de seu itinerário na apresentação de defesa da sua tese, Revue du Nord, n.º 210, julhos-setembro de 1971, p.512.

[2] Ibid., p. 509.

[3] Ibid., p. 509.

[4] Marcel Gillet, “A era do carvão e o desenvolvimento do campo de carvão do Norte da França – Pas-de-Calais (século XIX – XX)” em “Carvão e Ciências Humanas”, Paris, Mouton, 1966, 465 páginas – p. 26.
[5] M. Gillet, “História das mulheres do Norte da França”, edição especial, volume LXIII, n.º 250, julho-setembro de 1981, p. 567.

sexta-feira, 8 de novembro de 2019

JACQUES REVEL - UM HISTORIADOR VIVO DA ESCOLA DOS ANNALES



Jacques Revel é um historiador francês nascido em 1942, em Avinhão. É diretor de estudos da EHESS (École de Hautes Études en Sciencies Sociales). Doutor honoris causa na Universidade de Laval. 



Autor de volumosa obra sobre história europeia, teoria e metodologia da história. Foi um dos autores de ensaios da coleção História da Vida Privada (escreveu o texto "Os Usos da Civilidade"). Revel foi secretário de redação, e em seguida, co-diretor da revista Annales.



quinta-feira, 7 de novembro de 2019

ROGER CHARTIER - ESPECIALISTA EM HISTÓRIA DO LIVRO, DA EDIÇÃO E DA CULTURA


Roger Chartier é um historiador francês vinculado a atual historiografia da Escola dos Annales. Trabalha sobre a história do livro, da edição e da cultura.
Nasceu em 1945, em Lyon, filho de uma família operária. Formou-se professor e historiador simultâneamente pela Escola Normal Superior de Saint Cloud e na universidade de Sorbonne. (p.1).



 Historiador, pesquisador da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais e professor do Collège de France, ambos em Paris, o francês Roger Chartier é ensaísta especializado em história da cultura, com destaque para a história do livro e da leitura na Europa.




Fonte: site - fronteiras.com/conferencistas/roger-chartier

quarta-feira, 6 de novembro de 2019

A HISTÓRIA NOVA DE JACQUES LE GOFF

Olá internautas adoradores da história!


Depois de um tempo sem alimentar o Blog do Maffei, começarei uma nova série. Uma discussão e elaboração sobre a chamada História Nova. E para inciarmos bem escreverei sobre o livro A NOVA HISTÓRIA de Jacques Le Goff.




Fiz um levantamento da maior parte das citações de historiadores que Le Goff e os outros que o ajudaram escrever o livro usam na obra abaixo citada.


Começaremos com o autor:


JACQUES LE GOFF (1924 - 2014) historiador francês especialista em Idade Média. Autor de dezenas de livros e trabalhos, era membro da Escola dos Annales, usou novas técnicas historiográficas como história sociológica e antropologia histórica, assim como estudos de demografia, economia entre outras ciências para combater a história tradicional que se baseava principalmente na narrativa de fatos e acontecimentos históricos.




Livro:


LE GOFF, Jacques. A História Nova. Tradução de Eduardo Brandão. Martins Fontes, 2.ª Edição - São Paulo - 1993.


Para começar é isto, tentarei manter textos curtos e diariamente, onde ao final, teremos uma espécie de dicionário histórico neste blog!



Obrigado por seguirem e até o próximo amanhã, onde estaremos discutindo o historiador Roger Chartier.




QUESTÕES PARA FOMENTAR UM DEBATE:



1) Jacques Le Goff é um dos participantes do grupo que se formou em torno da Revista Annales e se denominou Escola dos Annales. A França teria uma predominância do estudo da história em termos mundiais?

2) O que levou este país a ser uma potência histórica?
3)Como fica o Brasil em relação a História Nova?


sábado, 2 de novembro de 2019

LEANDRO KARNAL ESCREVE SOBRE O CONCEITO DE JUSTIÇA


Justiça:

Justiça é um conceito subjetivo e histórico. A definição socrática difere da aristotélica. O Novo Testamento tem caminho diverso do Alcorão. As justiça medieval causaria horror a sensibilidade contemporânea. O caminho mais seguro é, em vez de definir, buscar as qualidades que vemos como desejáveis. As principais?

  1.  Conhecimento amplo das leis;
  2.  Igualdade de todos os envolvidos;
  3.  Presença do contraditório em cada caso (com amplo direito das partes para a contestação);
  4.  Debate sobre as provas;
  5.  Isenção dos agentes judiciais;
  6.  Proporção entre delito e punição;
  7.  Imparcialidade dos juízes; e
  8.  Rejeição de métodos de tortura.
Justiça é a administração de tensões, desviando o conflito/crime para a resolução na esfera pública. O sistema perfeito é uma utopia para corrigir a justiça real.
(Leandro Karnal - Revista Gol - Outubro 2019)


domingo, 25 de agosto de 2019

SE É PARA PREFERIR UM OLAVO CONSERVADOR, FICO COM O BILAC!


Olavo Brás Martins dos Guimarães BILAC
Nasceu no Rio de Janeiro em 16 de dezembro de 1865 e faleceu também no Rio de Janeiro em 28 de dezembro de 1918. Foi jornalista, contista, cronista e poeta brasileiro, considerado o principal representante do parnasianismo (*) no país. Foi membro fundador da Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira 15 da instituição, cujo patrono era Gonçalves Dias.
Conhecido por sua atenção à literatura infantil e, principalmente, pela participação cívica, Bilac era um ativo republicano e nacionalista, também defensor do serviço militar obrigatório em um período que o exército usufruía de amplas faculdades políticas em virtude da Proclamação da República em 1889.
Foi responsável pela criação da letra do Hino à Bandeira, inicialmente criado para circulação na capital federal (na época o Rio de Janeiro), e mais tarde sendo adotado em todo o Brasil. Também ficou famoso pelas fortes convicções políticas, sobressaindo-se a ferrenha oposição ao governo militar do marechal Floriano Peixoto.

Em 1907, foi eleito “príncipe dos poetas brasileiros” pela revista Fon-Fon. É autor de alguns dos mais populares poemas brasileiros, como os sonetos Ora (direis) ouvir Estrelas e Língua Portuguesa. (Fonte: Wikipédia)

Via-Láctea
(Olavo Bilac)



I
Talvez sonhasse, quando a vi. Mas via
Que, aos raios do luar iluminada,
Entre as estrelas trêmulas subia
Uma infinita e cintilante escada.
E eu olhava-a de baixo, olhava-a.... Em cada
Degrau, que o ouro mais límpido vestia,
Mudo e sereno, um anjo a harpa doirada,
Ressoante de súplicas feria...
Tu, mãe sagrada! vós também, formosas
Ilusões! Sonhos meus! Íeis por ela
Como um bando de sombras vaporosas.
E, ó meu amor! eu te buscava, quando
Vi que no alto surgias, calma e bela,
O olhar celeste para o meu baixando...

II
Tudo ouvirás, pois que, bondosa e pura,
Me ouves agora com melhor ouvido:
Toda a ansiedade, todo o mal sofrido
Em silêncio, na antiga desventura...
Hoje, quero, em teus braços acolhido,
Rever a estrada pavorosa e escura
Onde, ladeando o abismo da loucura,
Andei de pesadelos perseguido.
Olha-a: torce-se toda na infinita
Volta dos sete círculos do inferno...
E nota aquele vulto: as mãos eleva,
Tropeça, cai, soluça, arqueja, grita,
Buscando um coração que foge, e eterno
Ouvindo-o perto palpitar na treva.

III
Tantos esparsos vi profusamente
Pelo caminho que, a chorar, trilhava!
Tantos havia, tantos! E eu passava
Por todos eles frio e indiferente...
Enfim! enfim! Pude com a mão tremente
Achar na treva aquele que buscava...
Por que fugias, quando eu te chamava,
Cego e triste, tateando, ansiosamente?
Vim de longe, seguindo de erro em erro,
Teu fugitivo coração buscando
E vendo apenas corações de ferro.
Pude, porém, tocá-lo soluçando...
E hoje, feliz, dentro do meu o encerro,
E ouço-o, feliz, dentro do meu pulsando.

IV
Como a floresta secular, sombria,
Virgem do passo humano e do machado,
Onde apenas, horrendo, ecoa o brado
Do tigre, e cuja agreste ramaria
Não atravessa nunca a luz do dia,
Assim também, da luz do amor privado,
Tinhas o coração ermo e fechado,
Como a floresta secular, sombria...
Hoje, entre os ramos, a canção sonora
Soltam festivamente os passarinhos.
Tinge o cimo das árvores a aurora...
Palpitam flores, estremecem ninhos...
E o sol do amor, que não entrava outrora,
Entra dourando a areia dos caminhos.

V
Dizem todos: "Outrora como as aves
Inquieta, como as aves tagarela,
E hoje... que tens? Que sisudez revela
Teu ar! que ideias e que modos graves!
Que tens, para que em pranto os olhos laves?
Sê mais risonha, que serás mais bela!"
Dizem. Mas no silêncio e na cautela
Ficas firme e trancada a sete chaves...
E um diz: "Tolices, nada mais!" Murmura
Outro: "Caprichos de mulher faceira!"
E todos eles afinal: "Loucura!"
Cegos que vos cansais a interrogá-la!
Vê-la bastava; que a paixão primeira
Não pela voz, mas pelos olhos fala.

VI
Em mim também, que descuidado vistes,
Encantado e aumentando o próprio encanto,
Tereis notado que outras cousas canto
Muito diversas das que outrora ouvistes.
Mas amastes, sem dúvida... Portanto,
Meditais nas tristezas que sentistes:
Que eu, por mim, não conheço cousas tristes,
Que mais aflijam, que torturem tanto.
Quem ama inventa as penas em que vive:
E, em lugar de acalmar as penas, antes
Busca novo pesar com que as avive.
Pois sabei que é por isso que assim ando:
Que é dos loucos somente e dos amantes
Na maior alegria andar chorando.



VII
Não têm faltado bocas de serpentes,
(Dessas que amam falar de todo o mundo,
E a todo o mundo ferem, maldizentes)
Que digam: "Mata o teu amor profundo!
Abafa-o, que teus passos imprudentes
Te vão levando a um pélago sem fundo...
Vais te perder!" E, arreganhando os dentes,
Movem para o teu lado o olhar imundo:
"Se ela é tão pobre, se não tem beleza,
Irás deixar a glória desprezada
E os prazeres perdidos por tão pouco?
Pensa mais no futuro e na riqueza!"
E eu penso que afinal... Não penso nada:
Penso apenas que te amo como um louco!


VIII
Em que céus mais azuis, mais puros ares,
Voa pomba mais pura? Em que sombria
Moita mais nívea flor acaricia,
A noite, a luz dos límpidos luares?
Vives assim, como a corrente fria,
Que, intemerata, aos trêmulos olhares
Das estrelas e à sombra dos palmares,
Corta o seio das matas, erradia.
E envolvida de tua virgindade,
De teu pudor na cândida armadura,
Foges o amor, guardando a castidade,
- Como as montanhas, nos espaços francos
Erguendo os altos píncaros, a alvura
Guardam da neve que lhes cobre os flancos.


IX
De outras sei que se mostram menos frias,
Amando menos do que amar pareces.
Usam todas de lágrimas e preces:
Tu de acerbas risadas e ironias.
De modo tal minha atenção desvias,
Com tal perícia meu engano teces,
Que, se gelado o coração tivesses,
Certo, querida, mais ardor terias.
Olho-te: cega ao meu olhar te fazes...
Falo-te - e com que fogo a voz levanto! -
Em vão... Finges-te surda às minhas frases...
Surda: e nem ouves meu amargo pranto!
Cega: e nem vês a nova dor que trazes
À dor antiga que doía tanto!


X
Deixa que o olhar do mundo enfim devasse
Teu grande amor que e teu maior segredo!
Que terias perdido, se, mais cedo,
Todo o afeto que sentes se mostrasse?
Basta de enganos! Mostra-me sem medo
Aos homens, afrontando-os face a face:
Quero que os homens todos, quando eu passe,
Invejosos, apontem-me com o dedo.
Olha: não posso mais! Ando tão cheio
Deste amor, que minh'alma se consome
De te exaltar aos olhos do universo.
Ouço em tudo teu nome, em tudo o leio:
E, fatigado de calar teu nome,
Quase o revelo no final de um verso.


XI
Todos esses louvores, bem o viste,
Não conseguiram demudar-me o aspecto:
Só me turbou esse louvor discreto
Que no volver dos olhos traduziste...
Inda bem que entendeste o meu afeto
E, através destas rimas, pressentiste
Meu coração que palpitava, triste,
E o mal que havia dentro em mim secreto.
Ai de mim, se de lágrimas inúteis
Estes versos banhasse, ambicionando
Das néscias turbas os aplausos fúteis!
Dou-me por pago, se um olhar lhes deres:
Fi-los pensando em ti, fi-los pensando
Na mais pura de todas as mulheres.

XII
Sonhei que me esperavas. E, sonhando,
Saí, ansioso por te ver: corria...
E tudo, ao ver-me tão depressa andando,
Soube logo o lugar para onde eu ia.
E tudo me falou, tudo! Escutando
Meus passos, através da ramaria,
Dos despertados pássaros o bando:
"Vai mais depressa! Parabéns!" dizia.
Disse o luar: "Espera! que eu te sigo:
Quero também beijar as faces dela!"
E disse o aroma: "Vai, que eu vou contigo!"
E cheguei. E, ao chegar, disse uma estrela:
"Como és feliz! como és feliz, amigo,
Que de tão perto vais ouvi-la e vê-la!"




XIII
"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
E conversamos toda a noite, enquanto
A Via-Láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"
E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas".

XIV
Viver não pude sem que o fel provasse
Desse outro amor que nos perverte e engana:
Porque homem sou, e homem não há que passe
Virgem de todo pela vida humana.
Por que tanta serpente atra e profana
Dentro d'alma deixei que se aninhasse?
Por que, abrasado de uma sede insana,
A impuros lábios entreguei a face?
Depois dos lábios sôfregos e ardentes,
Senti - duro castigo aos meus desejos -
O gume fino de perversos dentes...
E não posso das faces poluídas
Apagar os vestígios desses beijos
E os sangrentos sinais dessas feridas!


XV
Inda hoje, o livro do passado abrindo,
Lembro-as e punge-me a lembrança delas;
Lembro-as, e vejo-as, como as vi partindo,
Estas cantando, soluçando aquelas.
Umas, de meigo olhar piedoso e lindo,
Sob as rosas de neve das capelas;
Outras, de lábios de coral, sorrindo,
Desnudo o seio, lúbricas e belas...
Todas, formosas como tu, chegaram,
Partiram... e, ao partir, dentro em meu seio
Todo o veneno da paixão deixaram.
Mas, ah! nenhuma teve o teu encanto,
Nem teve olhar como esse olhar, tão cheio
De luz tão viva, que abrasasse tanto!



XVI
Lá fora, a voz do vento ulule rouca!
Tu, a cabeça no meu ombro inclina,
E essa boca vermelha e pequenina
Aproxima, a sorrir, de minha boca!
Que eu a fronte repouse ansiosa e louca
Em teu seio, mais alvo que a neblina
Que, nas manhãs hiemais, úmida e fina,
Da serra as grimpas verdejantes touca!
Solta as tranças agora, como um manto!
Canta! Embala-me o sono com teu canto!
E eu, aos raios tranquilos desse olhar,
Possa dormir sereno, como o rio
Que, em noites calmas, sossegado e frio,
Dorme aos raios de prata do luar! ...

XVII
Por estas noites frias e brumosas
É que melhor se pode amar, querida!
Nem uma estrela pálida, perdida
Entre a névoa, abre as pálpebras medrosas...
Mas um perfume cálido de rosas
Corre a face da terra adormecida...
E a névoa cresce, e, em grupos repartida,
Enche os ares de sombras vaporosas:
Sombras errantes, corpos nus, ardentes
Carnes lascivas... um rumor vibrante
De atritos longos e de beijos quentes...
E os céus se estendem, palpitando, cheios
Da tépida brancura fulgurante
De um turbilhão de braços e de seios.

XVIII
Dormes... Mas que sussurro a umedecida
Terra desperta? Que rumor enleva
As estrelas, que no alto a Noite leva
Presas, luzindo, à túnica estendida?
São meus versos! Palpita a minha vida
Neles, falenas que a saudade eleva
De meu seio, e que vão, rompendo a treva,
Encher teus sonhos, pomba adormecida!
Dormes, com os seios nus, no travesseiro
Solto o cabelo negro... e ei-los correndo,
Doudejantes, subtis, teu corpo inteiro...
Beijam-te a boca tépida e macia,
Sobem, descem, teu hálito sorvendo...
Por que surge tão cedo a luz do dia?!...



XIX
Sai a passeio, mal o dia nasce,
Bela, nas simples roupas vaporosas;
E mostra às rosas do jardim as rosas
Frescas e puras que possui na face.
Passa. E todo o jardim, por que ela passe,
Atavia-se. Há falas misteriosas
Pelas moitas, saudando-a respeitosas...
É como se uma sílfide passasse!
E a luz cerca-a, beijando-a. O vento é um choro...
Curvam-se as flores trêmulas... O bando
Das aves todas vem saudá-la em coro...
E ela vai, dando ao sol o rosto brando,
Às aves dando o olhar, ao vento o louro
Cabelo, e às flores os sorrisos dando...


XX
Olha-me! O teu olhar sereno e brando
Entra-me o peito, como um largo rio
De ondas de ouro e de luz, límpido, entrando
O ermo de um bosque tenebroso e frio.
Fala-me! Em grupos doudejantes, quando
Falas, por noites cálidas de estio,
As estrelas acendem-se, radiando,
Altas, semeadas pelo céu sombrio.
Olha-me assim! Fala-me assim! De pranto
Agora, agora de ternura cheia,
Abre em chispas de fogo essa pupila...
E enquanto eu ardo em sua luz, enquanto
Em seu fulgor me abraso, uma sereia
Soluce e cante nessa voz tranquila!


XXI
A minha mãe.
Sei que um dia não há (e isso é bastante
A esta saudade, mãe!) em que a teu lado
Sentir não julgues minha sombra errante,
Passo a passo a seguir teu vulto amado.
- Minha mãe! minha mãe! - a cada instante
Ouves. Volves, em lágrimas banhado,
O rosto, conhecendo soluçante
Minha voz e meu passo costumado.
E sentes alta noite no teu leito
Minh'alma na tua alma repousando,
Repousando meu peito no teu peito...
E encho os teus sonhos, em teus sonhos brilho,
E abres os braços trêmulos, chorando,
Para nos braços apertar teu filho!


XXII
A Goethe.
Quando te leio, as cenas animadas
Por teu gênio, as paisagens que imaginas,
Cheias de vida, avultam repentinas,
Claramente aos meus olhos desdobradas...
Vejo o céu, vejo as serras coroadas
De gelo, e o sol, que o manto das neblinas
Rompe, aquecendo as frígidas campinas
E iluminando os vales e as estradas.
Ouço o rumor soturno da charrua,
E os rouxinóis que, no carvalho erguido,
A voz modulam de ternuras cheia:
E vejo, à luz tristíssima da lua,
Hermann, que cisma, pálido, embebido
No meigo olhar da loura Dorotéia.

XXIII
De Calderón.
Laura! dizes que Fábio anda ofendido
E, apesar de ofendido, namorado,
Buscando a extinta chama do passado
Nas cinzas frias avivar do olvido.
Vá que o faça, e que o faça por perdido
De amor... Creio que o faz por despeitado:
Porque o amor, uma vez abandonado,
Não torna a ser o que já tinha sido.
Não lhe creias nos olhos nem na boca,
Inda mesmo que os vejas, como pensas,
Mentir carícias, desmentir tristezas...
Porque finezas sobre arrufos, louca,
Finezas podem ser; mas, sobre ofensas,
Mais parecem vinganças que finezas.

XXIV
A Luís Guimarães.
Vejo-a, contemplo-a comovido... Aquela
Que amaste, e, de teus braços arrancada,
Desceu da morte a tenebrosa escada,
Calma e pura aos meus olhos se revela.
Vejo-lhe o riso plácido, a singela
Feição, aquela graça delicada,
Que uma divina mão deixou vazada
No eterno bronze, eternamente bela.
Só lhe não vejo o olhar sereno e triste:
- Céu, poeta, onde as asas, suspirando,
Chorando e rindo loucamente abriste...
- Céu povoado de estrelas, onde as bordas
Dos arcanjos cruzavam-se, pulsando
Das liras de ouro as gemedoras cordas...

XXV
A Bocage.
Tu, que no pego impuro das orgias
Mergulhavas ansioso e descontente,
E, quando à tona vinhas de repente,
Cheias as mãos de pérolas trazias;
Tu, que do amor e pelo amor vivias,
E que, como de límpida nascente,
Dos lábios e dos olhos a torrente
Dos versos e das lágrimas vertias;
Mestre querido! viverás, enquanto
Houver quem pulse o mágico instrumento,
E preze a língua que prezavas tanto:
E enquanto houver num canto do universo
Quem ame e sofra, e amor e sofrimento
Saiba, chorando, traduzir no verso.


XXVI
Quando cantas, minh'alma desprezando
O invólucro do corpo, ascende às belas
Altas esferas de ouro, e, acima delas,
Ouve arcanjos as citaras pulsando.
Corre os países longes, que revelas
Ao som divino do teu canto: e, quando
Baixas a voz, ela também, chorando,
Desce, entre os claros grupos das estrelas.
E expira a tua voz. Do paraíso,
A que subira ouvindo-te, caído,
Fico a fitar-te pálido, indeciso...
E enquanto cismas, sorridente e casta,
A teus pés, como um pássaro ferido,
Toda a minh'alma trêmula se arrasta...

XXVII
Ontem - néscio que fui! - maliciosa
Disse uma estrela, a rir, na imensa altura:
"Amigo! uma de nós, a mais formosa
De todas nós, a mais formosa e pura,
Faz anos amanhã... Vamos! Procura
A rima de ouro mais brilhante, a rosa
De cor mais viva e de maior frescura!"
E eu murmurei comigo: "Mentirosa!"
E segui. Pois tão cego fui por elas,
Que, enfim, curado pelos seus enganos,
Já não creio em nenhuma das estrelas...
E - mal de mim! - eis-me, a teus pés, em pranto...
Olha: se nada fiz para os teus anos,
Culpa as tuas irmãs que enganam tanto!

XXVIII
Pinta-me a curva destes céus... Agora,
Ereta, ao fundo, a cordilheira apruma:
Pinta as nuvens de fogo de uma em uma,
E alto, entre as nuvens, o raiar da aurora.
Solta, ondulando, os véus de espessa bruma,
E o vale pinta, e, pelo vale em fora,
A correnteza túrbida e sonora
Do Paraíba, em torvelins de espuma.
Pinta; mas vê de que maneira pintas...
Antes busques as cores da tristeza,
Poupando o escrínio das alegres tintas:
- Tristeza singular, estranha mágoa
De que vejo coberta a natureza,
Porque a vejo com os olhos rasos d'água.


XXIX
Por tanto tempo, desvairado e aflito,
Fitei naquela noite o firmamento,
Que inda hoje mesmo, quando acaso o fito,
Tudo aquilo me vem ao pensamento.
Saí, no peito o derradeiro grito
Calcando a custo, sem chorar, violento...
E o céu fulgia plácido e infinito,
E havia um choro no rumor do vento...
Piedoso céu, que a minha dor sentiste!
A áurea esfera da lua o ocaso entrava,
Rompendo as leves nuvens transparentes;
E sobre mim, silenciosa e triste,
A Via-Láctea se desenrolava
Como um jorro de lágrimas ardentes.

XXX
Ao coração que sofre, separado
Do teu, no exílio em que a chorar me vejo,
Não basta o afeto simples e sagrado
Com que das desventuras me protejo.
Não me basta saber que sou amado,
Nem só desejo o teu amor: desejo
Ter nos braços teu corpo delicado,
Ter na boca a doçura de teu beijo.
E as justas ambições que me consomem
Não me envergonham: pois maior baixeza
Não há que a terra pelo céu trocar;
E mais eleva o coração de um homem
Ser de homem sempre e, na maior pureza,
Ficar na terra e humanamente amar.



XXXI
Longe de ti, se escuto, porventura,
Teu nome, que uma boca indiferente
Entre outros nomes de mulher murmura,
Sobe-me o pranto aos olhos, de repente...
Tal aquele, que, mísero, a tortura
Sofre de amargo exílio, e tristemente
A linguagem natal, maviosa e pura,
Ouve falada por estranha gente.
Porque teu nome é para mim o nome
De uma pátria distante e idolatrada,
Cuja saudade ardente me consome:
E ouvi-lo é ver a eterna primavera
E a eterna luz da terra abençoada,
Onde, entre flores, teu amor me espera.


XXXII
A um poeta.
Leio-te: - o pranto dos meus olhos rola:
- Do seu cabelo o delicado cheiro,
Da sua voz o timbre prazenteiro,
Tudo do livro sinto que se evola...
Todo o nosso romance: - a doce esmola
Do seu primeiro olhar, o seu primeiro
Sorriso, - neste poema verdadeiro,
Tudo ao meu triste olhar se desenrola.
Sinto animar-se todo o meu passado:
E quanto mais as páginas folheio,
Mais vejo em tudo aquele vulto amado.
Ouço junto de mim bater-lhe o seio,
E cuido vê-la, plácida, a meu lado,
Lendo comigo a página que leio.

XXXIII
Como quisesse livre ser, deixando
As paragens natais, espaço em fora,
A ave, ao bafejo tépido da aurora,
Abriu as asas e partiu cantando.
Estranhos climas, longes céus, cortando
Nuvens e nuvens, percorreu: e, agora
Que morre o sol, suspende o voo, e chora,
E chora, a vida antiga recordando...
E logo, o olhar volvendo compungido
Atrás, volta saudosa do carinho,
D0 calor da primeira habitação...
Assim por largo tempo andei perdido:
Ah! que alegria ver de novo o ninho,
Ver-te, e beijar-te a pequenina mão!


XXXIV
Quando adivinha que vou vê-la, e à escada
Ouve-me a voz e o meu andar conhece,
Fica pálida, assusta-se, estremece,
E não sei por que foge envergonhada.
Volta depois. À porta, alvoroçada,
Sorrindo, em fogo as faces, aparece:
E talvez entendendo a muda prece
De meus olhos, adianta-se apressada.
Corre, delira, multiplica os passos;
E o chão, sob os seus passos murmurando,
Segue-a de um hino, de um rumor de festa...
E ah! que desejo de a tomar nos braços,
O movimento rápido sustando
Das duas asas que a paixão lhe empresta.


XXXV
Pouco me pesa que mofeis sorrindo
Destes versos puríssimos e santos:
Porque, nisto de amor e íntimos prantos,
Dos louvores do público prescindo.
Homens de bronze! um haverá, de tantos,
(Talvez um só) que, esta paixão sentindo,
Aqui demore o olhar, vendo e medindo
O alcance e o sentimento destes cantos.
Será esse o meu público. E, decerto,
Esse dirá: "Pode viver tranquilo
Quem assim ama, sendo assim amado!"
E, trêmulo, de lágrimas coberto,
Há de estimar quem lhe contou aquilo
Que nunca ouviu com tanto ardor contado.

Fim




(*) PARNASIANISMO – é uma escola literária ou um movimento literário essencialmente poético, contemporâneo do Realismo – Naturalismo. Um estilo de época que se desenvolveu na poesia a partir de 1850 na França, com o objetivo de retomar a cultura clássica. No Brasil o Parnasianismo dominou a poesia até a chegada do Modernismo. A importância deste movimento no país deve-se não só ao elevado número de poetas, mas também à extensão de sua influência, uma vez que seus princípios estéticos dominara por muito tempo a vida literária do país, praticamente até o advento do Modernismo em 1922

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