Tradução do francês
In Memorian - Marcel Gillet (1922 – 1996)
Marcel Gillet morreu em sete de junho de 1996 após uma
intervenção cirúrgica. Seu funeral foi celebrado em 14 de junho na Igreja de
Saint-Sauver, em Lille, na presença das muitas comunidades universitárias, dos
amigos e de seus ex-alunos. Nascido em quatro de fevereiro de 1922, em uma
família de siderúrgicos. Marcel Gillet, em seus escritos, recorda-se dos anos
de juventude:
“meu
pai era um contramestre belga da siderurgia Horraine, havia deixado, com seis
de seus irmãos a fazenda de seus pais perto da fábrica, sendo que eu fui criado
numa pequena cidade industrial da região do Moselle, Audun-Le-Tiche, entre os
filhos de trabalhadores principalmente italianos e poloneses, com nossas
cabeças abaixo da escória incessante que saiam dos minérios nos altos fornos.[1]
Já o aluno do ensino médio (École primaire supérieure)
prepara-se e consegue passar no exame de admissão na École Normale de
Montegny-les-Metz. Em 1940, este estabelecimento, é transferido sucessivamente
para Poitiers e depois para Périguex. Marcel Gillet estuda por nove meses em
centros escolares da Dordonha, mas também participa da resistência francesa
contra a ocupação nazista participando das FFI (Forças Francesas do Interior),
Gillet é elogiado por essa corajosa e patriótica interrupção dos seus estudos.
De 1.º de Julho de 1945 à 1.º de Abril de 1945 é orientador da Escola Normal de
Périguex.
Admitido na Escola Superior de Educação Técnica de
Cachan, ele manteve-se professor adjunto por dois anos e depois é nomeado
professor certificado no Liceu de Baggio, onde leciona por sete anos, incluindo
os últimos dois como professor associado. No ensino médio do Liceu Técnico de
Baggio, Marcel Gillet atuou como militante e ativista sindical. É, portanto,
após uma carreira de 32 anos que em 1954 ingressa no Ensino Superior como
assistente da faculdade de letras de Lille. Durante todo esse período que vai
do ensino médio à universidade, Marcel Gillet desenvolve um gosto pela
disponibilidade aos serviços para os outros e que corresponde à lição que ele
procurava desenvolver retendo dos seus mestres; “o zelo é o primeiro dever de
todo professor”[2].
Com seu amigo Jacques Le Goff (eles eram os únicos dois professores assistentes
da seção de história de Lille) trazem um novo folego para a universidade. Para
os jovens estudantes ele era o professor que eles precisavam a qualquer custo.
O curso de Licenciatura ou o de Agregation teve um grande enriquecimento, pois
a seu currículo passou a utilizar-se das pesquisas publicadas. Todos os anos, a
pedido de um amplo e entusiasmado público estudantil, os cursos de Gillet eram
fotocopiados largamente. Marcel Gillet gostava de cuidar zelosamente das suas
aulas, estudos e escritos onde propunha tarefas que corrigia e anotava
cuidadosamente o progresso e a comunicação do professor com os aprendizes de
historiador. Seu papel foi muito além do
ensino, pois ele estava interessado em todos os aspectos da vida dos alunos,
incluindo suas atividades corporativas e sindicais. Ele e Le Goff participaram
de cursos sindicais organizados pelas corporações estudantis no início das
férias de verão.
Assim que ingressou na universidade, Gillet publicou um
artigo sobre a missão de Florent Guiot no Norte da França no ano II (Revue du
Nord, tomo XXXVI, 1954). Em abril de 1955, é com uma “alegria um pouco ingênua”[3], confessa Michel Gillet,
que toma conta com Ernest Labrousse, de uma nova tese que vinha amadurecendo há
muito tempo: “A bacia de carvão do norte – Pas-de-Calais de 1815 a 1914. Estudo
social”. Para Gillet, desde o início, a análise econômica não pode ser
dissociada do estudo social como preconizava a tradição da Escola dos Annales,
que agora, está no centro do trabalho de Gillet.
Por quase dez anos, Marcel Gillet dedicou-se a preparação
de sua tese conjuntamente com uma atividade de ensino de alto nível. Foram
gerações de estudantes se preparando para o CAPES e para a Agregation (ensino
superior) com exigência e carisma por parte do professor. Muitos dos que
tiveram a sorte de se qualificar para a Agregation se lembram do alto nível e
do apoio durante as provas orais: Gillet era um professor que não poupava
dedicação, nem a falta de tempo, não medindo esforços no seu ato de ensinar,
através de seus conselhos e da utilização de uma vasta bibliografia que ele
havia sistematizado em folhas. Tudo neste homem era o oposto do individualismo
e egocentrismo.
Ao mesmo tempo, as publicações de Marcel Gillet se
sucederam: são artigos pioneiros de 1956 e 1957, no departamento do Norte (em
colaboração, volume de estudos, tomo XIX, Biblioteca da Revolução de 1848, pp.
93 – 141 e Revue du Nord, tomo XXXVIII, 1956, pp. 15 – 27), depois comunicou em
sete de abril de 1957 à Sociedade de História Moderna o seu artigo sobre “O
choque de sindicatos trabalhistas contra patronais na bacia do carvão do Norte
e no Pas-de-Calais de 1884 a 1891”, publicado no Boletim da Sociedade de
História Moderna, em março de 1957, pp. 7 – 10).
Marcel Gillet estende seus primeiros estudos sobre
relações sociais nas minas com um artigo sobre “As origens das primeiras
Convenções de Arras: a bacia do Norte e de Pas-de-Calais de 1880 – 1891” (Revue
du Nord, n.º 154, abril-junho de 1957, pp. 11 – 123). Em 1963, suas teses
tornaram-se o pivô do Colóquio Internacional “Carvão e Ciências Humanas”,
realizado em Lille, Marcel Gillet consolidou sua reputação internacional como
historiador da mineração de carvão com seu relatório introdutório: “A idade do
carvão e o desenvolvimento da bacia do carvão do Norte da França e
Pas-de-Calais desde o século XIX até o início do século XX”, relatório este que
foi publicado nos anais do colóquio (Paris, Mouton, 1966), mas também traduzido
para o inglês, suplantando a “História econômica inglesa” de Ernest Arnold de
1969. “Comparando a evolução das outras grandes bacias carboníferas é possível
compreender alguns problemas importantes na economia mundial e na indústria do
carvão durante este período”[4]. Esse foi o objetivo que Marcel
Gillet queria alcançar. A descoberta da bacia carbonífera de Pas-de-Calais não
se devia ao acaso, como Gillet demonstrou, mas resultou “da união da ciência e
da técnica”, num crescimento que novas estruturas industriais se faz
necessárias, assim como aumentaram os custos da produção. Comparando as taxas de crescimento da produção
por período e por países de grande porte, Marcel Gillet concluiu que no início
do século XX, o declínio da produção inglesa, antes do Rhur e de seus rivais
belgas. Os movimentos de longo prazo da estrutura são facilmente desvinculados
das séries estatísticas humanizadas. O século XX não contou com a adesão do
Norte, mas o que se viu foi uma inversão das regiões francesas em detrimento do
Norte da França.
Nos mesmos anos, Marcel Gillet desenvolveu importantes
trabalhos metodológicos: seu valioso curso publicado na CDU sobre as técnicas
de história econômica das quais desenvolve o ensino e o estudo crítico de
arquivos da Caixa Autônoma Nacional de Seguridade das Minas (Movimentos
Socialis – n.º 43, abril-junho de 1963), sendo que esses arquivos serviram de
base para a reconstituição de minas e pedreiras menores.
Durante sua estada de quatro anos no Centro Nacional de
Pesquisas (1963 – 1967), Marcel Gillet publicou com Jean Bouvier e Fraçois
Furet: “O movimento do lucro na França do século XIX” (Mouton, 1965, 465
páginas), livro pioneiro baseado em reconstituições e interpretações críticas
do volume de negócios, lucros e capitalização de mercado de muitas empresas
francesas; identificando o lucro através de peças contábeis e patrimoniais das
quais o mínimo que se pode dizer, é que essas peças são pouco transparentes.
E então Marcel Gillet termina e defende em 1971 sua
grande tese que será publicada dois anos depois sob o título “As minas de
carvão do norte da França no século XIX” (Edições Mouton e VI seção da EPHE,
1973, 528 páginas). Neste que é seu trabalho principal, ele usa fontes escritas
abundantes relacionadas à descoberta de estatutos jurídicos e documentos de
gestão e gerenciamento num sentido muito mais amplo das empresas de mineração,
mas em um momento que pesquisar neste tipo de documentação não era tão comum,
assim como a coleta de muitos depoimentos de vários atores dessa longa saga
industrial. No que diz respeito a essa atividade central da história industrial
do século XIX, a tese de Gillet continua sendo, ainda nos dias de hoje, um
trabalho de fundamental importância pelo escopo do assunto, pelas minucias do
estudo das fontes humanas, escritas e estatísticas, minucias estas sem as quais
nada de sólido poderia ser construído. Essa precisão de análise não o impediu
de ampliar sua pesquisa: ele comparou em relevância, organização profissional e
comercial as minas de carvão do Norte Pas-de-Calais, França, com as minas do
Reinisch Westphalisches Kohlensyndicat (Sindicato do Carvão de Rheinisch
Westfalen) assim como de outros países como Inglaterra e Bélgica. Por seu exame
clínico, Marcel Gillet foi capaz de detectar os sintomas de mudanças e
permanências deste mundo original: tendências malthusianas de um patronato
marcado por um forte espírito racionalista, reaproximação de longo prazo dos
sindicatos de empregadores e de trabalhadores (por mais combativa que tenha
sido no início); dificuldades estruturais da indústria do carvão, cujo
crescimento e competitividade não acompanharam o desenvolvimento industrial,
social e cultural. Anos mais tarde, Marcel Gillet, exercitando seu humor, em
relação ao trabalho dos historiadores e no seu próprio, gostava de dizer que
desse considerável estudo mantinha apenas uma fórmula: “crescimento sem
desenvolvimento”.
Por muito tempo Marcel Gillet foi professor com Jean
Bouvier e ambos defenderam o direito de conceder uma importância histórica ao
fato. Marcel Gillet foi promovido a professor sem cátedra em janeiro de 1972 na
universidade de Lille III, e depois em outubro de 1974 é promovido a professor
oficial. Marcel Gillet deu um impulso sem precedentes ao uso semântico da
história econômica e social que ele já incentivava com Jea Bouvier em 1960 a
1968, abrindo-se uma ampla parceria na vida extra-universitária. Marcel Gillet
convidou sociólogos, geógrafos, planejadores urbanos, médicos, peritos em
criminologia, especialistas em educação e infância, representantes da imprensa
e da escola de jornalismo de Lille. Marcel Gillet foi o primeiro a associar
seus professores à história da arte, arquitetura e urbanismo. Neste trecho
abaixo Marcel Gillet fala em seu seminário sobres suas preocupações:
“queríamos
organizar nosso seminário como um espaço de liberdade, onde jovens
pesquisadores e professores-pesquisadores trabalhassem em pé de igualdade, de
acordo com um tema dominante, livremente escolhido e aceito, com vistas a
publicações comuns... O seminário funcionou como uma oficina onde os
professores-pesquisadores livres e responsáveis, confrontando a decifração do
passado por métodos que favoreciam o uso de técnicas analíticas como conceitos
multidisciplinares e sempre ouvindo o tempo presente”[5].
É neste contexto em que a liberdade de expressão era
total, mas também era grande o requisito para a qualidade dos trabalhos que
Marcel Gillet iniciou, felizmente, a compartilhar com gerações de estudantes e
pesquisadores a história econômica e social. Além do rigor do debate
científico, uma atmosfera de admiração e calor humano monopolizava os sentidos
de muitos presentes. Marcel Gillet orientou muitas teses de mestrado sobre a
história das populações, suas vidas cotidianas, os patrões do norte da França
(os acionistas da Companhia Anzin forneceram assuntos notáveis), os índices de
produção, mas também trabalhadores militantes, anarquistas e trabalhadores e
funcionários sindicais (como o excelente domínio de Jöel Michel sobre Basly).
Suas curiosidades incentivaram-no a trabalhar com as populações hospitalares,
crianças abandonadas, mulheres loucas e, é claro, mulheres em pequenos
trabalhos, nas fábricas e campanhas a famílias numerosas. As mulheres
magrebinas e as polonesas participaram dessa vasta pesquisa, e muitos trabalhos
dessas jovens pesquisadoras e pesquisadores aparecem ao lado de artigos de
Michelle Perrot e Madeleine Rebériox na “A História das Mulheres do Norte da
França” (edição especial, n.º 250, julho – setembro de 1981) que Marcel Gillet
teve a alegria de coordenar. Ele tinha a preocupação de divulgar as obras
inéditas de jovens historiadores, desde
que se tornaram agregados da universidade que levou Marcel Gillet a apresentar
em 1975 “O homem, vida e morte no Norte da França do século XIX” (Universidade
de Lille III, edições universitárias) e, três aos depois, pesquisa a qualidade
de vida na região Norte- Pas-de-Calais nas mesmas edições de sempre, Marcel
Gillet sabia como agir com seus alunos sem impor suas paixões. Quando os alunos
provaram seus seminários estavam saboreando as delícias de suas publicações. A
influência de um professor não é medida apenas pelo seu trabalho, mas também
pelo o que ele suscita entre seus alunos.
A partir desse período, dois artigos – “Revolução
Industrial” ou “ Take of” (Informações Históricas, março-abril de 1970, pp. 67
– 75) e “O século XIX: industrialização linear ou industrialização aos saltos?”
(Revista Econômica, setembro de 1972, pp. 723 – 752) – onde Gillet comparou os
índices de crescimento industrial estabelecidos para os diferentes países da
Europa Ocidental, utilizando sua cultura matemática e estatística que permitiu
detectar nas analogias e diferenças básicas de série expandindo a análise para
uma avaliação comparativa das mudanças industriais envolvidas neste período.
Marcel Gillet exerceu grandes responsabilidades
administrativas: foi diretor da UFR de história de 1970 – 1973 e vice-diretor
em 1974. Seu afastamento dessas responsabilidades foi marcada pela preocupação
constante em colocar toda a estrutura administrativa ao serviço dos estudantes
ou mesmo inovar na busca de novas oportunidades através da criação, por
exemplo, do setor econômico e social.
Incentivador infatigável das pesquisas foi diretor
adjunto do CIRSH de 1974 a 1979; e de 1976 a 1982 foi diretor científico de uma
equipe internacional multidisciplinar em “Mudança social comparada no Norte da
França – Bélgica”. Nesta equipe ele une pesquisadores franceses e belgas. Esse
ATP visava detectar mudanças sociais através de práticas cotidianas, estilos de
vida e estruturas de sociabilidade, foi concretizado pela publicação de uma
edição especial da Revue du Nord, “Sociabilidade e memória coletiva” (tomo
LXIV, n. 253, abril-junho de 1982).
Marcel Gillet foi um historiador sem arrogância e um
humanista consistente: essa dualidade foi profundamente sentida por todos
aqueles que o conheciam. Para eles, uma simples avaliação historiográfica não
corresponderá à memória de um homem extremamente caloroso. A ansiedade
característica do homem moderno – que também Gillet experimentou e são marcas
dos infortúnios que teve no final da sua vida – era uma característica da sua
aguçada inteligência. Marcel Gillet tinha uma honestidade direta e, em primeiro
lugar, uma grande honestidade intelectual que seduzia tantos alunos e
professores. Ele se impôs com uma força de caráter banhada em sensibilidade:
pois Marcel Gillet não temia nada e não se deixava contaminar. O estilo desse
professor exigente, mas não autoritário, o primeiro que permitiu que muitos de
seus ouvintes encontrassem seu próprio caminho. Seus alunos de sucessivas
gerações ficavam felizes em encontra-lo em muitas oportunidades, como nas
assembleias da Revue du Nord ou na unidade do CNRS que ele ajudara a criar, e
isso até o último dia. E com sua ausência, alunos e professores, sentem-se mais
fortalecidos porque seus sólidos caminhos foram criados juntos.
para citação do artigo:
HARDY-HÉMERY, Odette & HIRSCH,Jean-Pierre. In Memorian Marcel Gillet (1922 -1996). In: Reveu du Nord, tome LXXVIII, n.º 316, julliet-septembre 1996. pp. 417 - 422.
https://www.persee.fr/mord_0035_2624_1996_num_78_316_5123.
acesso em 10/11/2019 - tradução: Cláudio Maffei
[1] Marcel
Gillet recordou, assim, o início de seu itinerário na apresentação de defesa da
sua tese, Revue du Nord, n.º 210, julhos-setembro de 1971, p.512.
[2]
Ibid., p. 509.
[3]
Ibid., p. 509.
[4]
Marcel Gillet, “A era do carvão e o desenvolvimento do campo de carvão do Norte
da França – Pas-de-Calais (século XIX – XX)” em “Carvão e Ciências Humanas”,
Paris, Mouton, 1966, 465 páginas – p. 26.
[5] M.
Gillet, “História das mulheres do Norte da França”, edição especial, volume
LXIII, n.º 250, julho-setembro de 1981, p. 567.
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