quinta-feira, 31 de março de 2022

ISTVÁN MÉSZÁROS - UMA ENTREVISTA

 



István Mészáros e sua ardorosa defesa da humanidade


1 Entrevista em 2 de out. de 2017 

    por Ruy Braga e Ricardo Antunes


Georg Lukács
     O filósofo marxista István Mészáros é um autor referencial para tantos que lutam contra a lógica destrutiva que preside o mundo contemporâneo. Aluno e colaborador direto do filósofo húngaro Georg Lukács, com quem trabalhou diretamente na Universidade de Budapeste na primeira metade dos anos 1950, tornou-se, dentre todos os antigos colaboradores de Lukács, o que mais efetivamente contribuiu para a realização de uma obra original, crítica e devastadora em relação a tantas mistificações hoje presentes.

     Mészáros iniciou sua vida como operário na Hungria. Quando chegou à Universidade, destacou-se pelo brilhantismo, competência e radicalidade. Sempre calibrando a atuação na Universidade com as necessidades vitais da humanidade e a busca de sua transformação, tornou-se desde logo um espírito anticapitalista excepcional. Dotado de erudição enciclopédica, domina economia política, filosofia e teoria social como poucos. Sua obra dialoga criticamente com toda a produção relevante desse século, navegando dos autores clássicos aos contemporâneos dotado de uma força invejável.

   Uma breve passagem por sua ampla produção seria bom exemplo. Mas basta dizer que seus livros A Teoria da Alienação em Marx (1970), O Poder da Ideologia (1989) e Para além do Capital – Rumo a uma Teoria da Transição (1995) – todos publicados pela Boitempo – apareceram em diversos países, do Norte ao Sul do mundo, incluindo a China, a Índia, o Japão, Oriente Médio, sendo inúmeras vezes reeditados.

     István Mészáros é Professor Emeritus da Universidade de Sussex (Inglaterra). Trabalhou também em universidades na Escócia, Itália, Canadá, México, e sua obra ecoa em várias partes do mundo, despertando sempre crescente interesse. Seria impossível, nesta breve nota sobre sua trajetória, falar de tantas teses e proposições que marcam a empreitada de István Mészáros. Destaco, então, três teses, das mais originais em seu pensamento.

     Em Para além do capital empreendeu uma crítica devastadora às engrenagens que caracterizam o sistema do capital. Desde logo o autor, fortemente inspirado em Marx, em contraste com a totalidade da literatura sobre o tema, diferencia capital e capitalismo. O primeiro antecede ao capitalismo e é a ele também posterior.

     O capitalismo é uma das formas de realização do capital, a forma dominante nos últimos três séculos. Mas, assim como existia capital antes do capitalismo, há capital após o capitalismo (o que o autor denomina como capital pós-capitalista), vigente na URSS e demais países do Leste Europeu, durante várias décadas do século 20. Estes países, embora pós capitalistas, foram incapazes de romper com o domínio do capital.

     Isso porque, para Mészáros, o sistema de metabolismo social do capital tem seu núcleo central formado pelo tripé capital, trabalho assalariado e Estado, três dimensões fundamentais e interrelacionadas, sendo impossível superar o capital sem a eliminação do conjunto dos elementos que compreende esse sistema. Não basta, portanto, eliminar um ou mesmo dois dos pólos do sistema do capital, mas é preciso eliminar os seus três pólos. E essa tese tem uma força explicativa que contrasta com tudo que se escreveu até o presente sobre o desmoronamento da URSS. 

   Segunda tese: sendo um sistema que não tem limites para a sua expansão, o capital acaba por tornar-se incontrolável e essencialmente destrutivo. A produção e o consumo supérfluos, a destruição ambiental em escala global, o desemprego e a precarização do trabalho, ambos estruturais, para não falar da política bushiana da “guerra permanente”, são exemplares. Expansionista, destrutivo e, no limite, incontrolável, a forma dominante do sistema do capital é, então, a da crise endêmica, cumulativa, crônica e permanente, o que (re)coloca, como imperativo atual frente ao espectro da destruição global, a alternativa socialista. Mais um claro contraste com quase tudo que conforma a mesmice do pensamento dominante.

    Terceira tese: qualquer tentativa de superar esse sistema de metabolismo social que se restrinja à esfera institucional e parlamentar está fadada à derrota. Só um vasto movimento de massas, radical e extraparlamentar, pode ser capaz de destruir o sistema de domínio social do capital e sua lógica destrutiva. Os exemplos aqui são abundantes e bastaria lembrar a derrota cabal do PT e seu governo.

Muitas outras teses poderiam ser indicadas, mas o espaço aqui não permite. Fique a sugestão para que os jovens aceitem o convite para ler uma das obras mais originais, instigantes e críticas, elaboradas por um autor assumidamente de esquerda, nesse período que (quase) se parece com o tempo das trevas. Até porque, conforme o sugestivo título do novo livro de István Mészáros – O Desafio e o Fardo do Tempo Histórico – a humanidade não tem mais muito tempo pela frente…



CULT – O senhor foi aluno e colaborador do filósofo marxista húngaro Georg Lukács (1885-1971) e é, reconhecidamente, um dos principais intérpretes de sua obra. Quais são as principais idéias de Lukács que o senhor considera ainda válidas?

István Mészáros – Lukács teve uma longa atividade criativa e, de modo algum, foi um intelectual marxista o tempo todo. Ele começou a publicar em 1902 e, pouco antes de morrer, no verão de 1971, estava dando os toques finais em seu livro Ontology of Social Being. No entanto, ele era um pensador respeitado na Europa, autor de muitos livros importantes, bem antes de ter abraçado o marxismo, no final de 1918. Três desses livros merecem ser mencionados, pois continuam sendo lidos e respeitados em sua área: Aesthetic CultureSoul and Forms e A Teoria do Romance. O famoso historiador da arte Max Dvorak (1874-1921) chamou esse último de “a maior realização da Ciência do Espírito” (Geistwissenschaft).

Esses livros foram sucedidos por um trabalho de transição, depois de Lukács ter se tornado um marxista. Talvez esse volume de ensaios, escrito entre 1918 e o final de 1922, tenha sido o que Lukács escreveu de mais influente em décadas. O título é História e consciência de classe, publicado originalmente em 1923. Mas outros trabalhos filosóficos, como sua avaliação crítica do irracionalismo e The young Hegel têm mais validade a longo prazo. T.M. Knox, um tradicional acadêmico hegeliano e um excelente tradutor do trabalho de Hegel para o inglês, me disse certa vez – e não devido à simpatia política, porque Knox era uma figura politicamente conservadora – que tinha aprendido mais com The young Hegel, de Lukács, do que com todos os outros livros sobre Hegel juntos. Naturalmente, os estudos de Lukács sobre literatura e estética em geral são de muito valor. E não se pode esquecer seu último livro, o monumental Ontology of social being, um grande trabalho de síntese que, fico feliz em dizer, será publicado no Brasil em vários volumes nos próximos anos. Espero que não demore a ser lançado no Brasil o seu magistral trabalho de estética, Die Eigenart des Aesthetischen.

E quais ideias de Lukács deveriam ser revisadas, na sua opinião?

O desenvolvimento histórico claramente deixou Lukács para trás na sua aceitação da ideia de “socialismo em um país”, ou seja, a União Soviética. Mesmo em 1968, quando criticou muito Stalin – em seu pequeno livro Democratization –, ele reafirmou sua fé nessa ideia. Simplesmente não pôde encarar o severo problema de que “a queda do Estado capitalista” é uma condição insuficiente para fazer a fundamental transformação da ordem social do capital. Porque tudo o que pode ser politicamente derrubado também pode ser restaurado, como de fato aconteceu com a ex-União Soviética. Felizmente, Lukács não teve que passar pessoalmente pela experiência da restauração do capitalismo no Leste, o que teria sido muito devastador para ele.

Em sua obra Para além do capital, o senhor propõe uma importante distinção entre capital e capitalismo. Em que sentido essa distinção é útil para compreender o destino das sociedades do Leste Europeu?

Certamente precisamos dessa distinção não apenas para uma avaliação adequada sobre o que aconteceu na ex-União Soviética e no Leste Europeu, mas também para entendermos nossos próprios problemas e possibilidades de desenvolvimento. Porque o capital está no controle de todo o metabolismo social – enfaticamente caracterizado pelo próprio Karl Marx (1818-1883) nesse sentido, sendo chamado de sistema orgânico – e não apenas do metabolismo das instituições políticas. No entanto, o problema grave é que um sistema orgânico pode ser substituído com validade duradoura apenas pela alternativa historicamente sustentável e abrangente de outro sistema orgânico. Porque se o capital pode continuar no controle do processo de reprodução do metabolismo social, então é apenas uma questão de tempo para que o capital retome também o controle da dimensão política do sistema. A rapidez com que a restauração do capitalismo aconteceu em todo Leste Europeu – e na União Soviética, depois de setenta anos de Revolução Russa, com a transferência da propriedade do Estado para os bolsos dos chamados “oligarcas” – fala por si mesma e oferece uma lição óbvia para o futuro.

Na Hungria não conseguimos encontrar em livrarias as obras de Lukács. A experiência do chamado “socialismo real” bloqueou o desenvolvimento do pensamento crítico inspirado na obra de Marx?

A ausência dos trabalhos de Lukács nas livrarias da Hungria é, até certo ponto, um problema conjuntural. Isso vai mudar em seu devido curso. Há muitos intelectuais na Hungria que têm grande consideração pelos textos de Lukács e tentam fazer seu próprio trabalho com espírito similar em  relação a condições muito diferentes. Mas, é claro, isso não significa que esse bloqueio paralisador criado pela experiência negativa do chamado “socialismo real” será facilmente superado. Longe disso, porque apenas um movimento social radical e amplo – que não pode ser imaginado como algo confinado à Hungria – pode fazer real diferença nessa questão. O bloqueio sobre o qual estamos falando é, ao mesmo tempo, eficiente e negativo e, na realidade, não resolve nenhum dos problemas e contradições das quais a impressionante maioria das pessoas sofre na Hungria e em outros lugares. O tempo histórico não parou de se afirmar no passado recente, e segue em frente de forma incansável. A grande crise estrutural de nossa ordem estabelecida de reprodução metabólica social testemunha isso eloquentemente, apesar das fantasias altamente promovidas, mas absurdas, pregando o “fim da história”.

Em seu livro A Obra de Sartre: Busca da Liberdade, , o protagonista é um intelectual que fala em nome dos interesses universais. Para Michel Foucault (1926-1984), ao contrário, o papel dos intelectuais supõe engajar-se em um combate prático munido de um conhecimento especializado, o “intelectual específico”, como ele mesmo fez em sua campanha crítica do sistema prisional. Em sua opinião o intelectual crítico hoje deveria espelhar-se em Jean-Paul Sartre (1905-1980) ou em Foucault?

Mas por que deveríamos escolher um ou outro? O que precisamos fazer é evitar a atitude de usar a tese do Foucault para rejeitar a de Sartre, como de fato aconteceu no passado. Porque se permitirmos que esse tipo de rejeição prevaleça, cedo ou tarde vamos achar que nada é feito no espírito da teses de Foucault, como também aconteceu há alguns anos depois de se adotar Foucault contra Sartre. Vamos deixar aqueles intelectuais que se identificam com o tipo específico de “micro-projetos” de Foucault se comprometerem com a realização crítica de suas tarefas. Mas isso não fará com que a defesa que Sartre faz do comprometimento radical com questões mais abrangentes da época se torne supérflua nem por um segundo, como de fato ficou bem claro no tempo em que as pessoas estavam celebrando o centenário de nascimento de Sartre por toda a Europa.

A partir da década de 1990 vários intelectuais renomados, como Immanuel Wallerstein, Pierre Bourdieu e Noam Chomsky, analisaram criticamente o chamado neoliberalismo e propuseram alternativas. É possível falar em uma renovação do pensamento crítico nas últimas décadas? Quais foram os principais frutos dessa renovação?


Não importa o quão forte e consistentemente nós lutemos contra o neoliberalismo; sua crítica continua sendo uma tarefa importante, por causa do poder político e econômico institucionalizado daqueles que apoiam a ideologia neoliberal, com a ajuda ativa da grande maioria dos governos de todo o mundo. Um dos principais artigos de fé do neoliberalismo é “afastar as fronteiras do Estado”. É irônico, porque o envolvimento mais ativo do Estado em apoio ao capital nunca foi maior do que é hoje, com total aceitação dos partidários do neoliberalismo, os quais jamais se envergonham de se contradizer. Os intelectuais que você menciona fizeram sua parte no necessário processo de desmistificação a esse respeito. Mas outros precisam se juntar a eles, dada a desproporcional relação com as forças favoráveis ao neoliberalismo patrocinado pelo Estado. A necessária renovação do pensamento crítico só pode ser resultado de uma grande e coletiva operação intelectual da qual, infelizmente, ainda estamos muito longe.

Parte desse pensamento crítico encontrou lugar de expressão no Fórum Social Mundial. Recentemente Alex Callinicos, um dos coordenadores do Fórum Social Europeu, criticou a perspectiva fragmentária deste, os impasses e a ausência de alternativas que têm lhe caracterizado. Em sua opinião, quais devem ser os caminhos do anticapitalismo contemporâneo?

O Fórum Social Mundial certamente pode olhar para trás e ver sucessos notáveis. Seu slogan, “outro mundo é possível”, encontrou respostas simpáticas em diferentes partes do mundo. Mas, novamente, seria ingenuidade imaginar que os eventos anuais do Fórum Social Mundial – alguns dias em um país, e alguns dias do ano seguinte em um outro país – conseguiriam solucionar os problemas aos quais os debates são dedicados. Sobre esse assunto, vale apenas citar as palavras do presidente Hugo Chávez, que atentou para a possibilidade de aqueles poucos dias se transformarem em um tipo de celebrado “evento folclórico”. Com certeza “um outro mundo” é possível e necessário. Mas as mudanças necessárias que essas palavras implicam só podem ser realizadas se os 365 dias entre um evento anual do Fórum Social Mundial e o próximo, um ano depois, puderem ser usados para mobilizar uma ampla massa de pessoas, em todos os países, na pressão por transformações profundas. Espero que esse tipo de reorientação do Fórum Social Mundial em direção a uma atividade contínua durante o ano aconteça algum dia, ainda que sujeita ao aprofundamento das crises da ordem social em que vivemos, e pelo domínio das condições históricas, como as guerras genocidas travadas por grandes poderes cinicamente em nome da “democracia” e da “liberdade”.

A economia contemporânea passa neste momento por um período crítico no qual o fim da bolha financeira inflada pela especulação imobiliária nos Estados Unidos ameaça a estabilidade dos mercados. O marxismo tem condições de explicar essa crise?

A crise econômica testemunhada recentemente – que começou nos Estados Unidos – é apenas a ponta do iceberg. Isso porque nós vivemos sob a permanente crise estrutural do sistema do capital, em contraste com a crise conjuntural periódica do passado. Eu discuti esses problemas em detalhes no meu livro Para além do capital, publicado no Brasil [pela Boitempo] há alguns anos. Naturalmente, estamos falando aqui sobre um problema estrutural fundamental, que requer remédios estruturais apropriados. Mas que tipo de respostas nós testemunhamos por parte dos governos capitalistas mais poderosos? Na Grã-Bretanha, por exemplo, onde um monumental colapso financeiro do sistema bancário estava no horizonte devido ao fracasso catastrófico da então poderosa empresa bancária e de financiamento chamada “Northern Rock” (“rocha do norte”, que na realidade estava mais para “Northern Sand” – “areia do norte” –, pois era construída com areia, e até com a costumeira “quick-sand” especulativa), apenas uma intervenção massiva do Estado, por meio do Banco da Inglaterra e do próprio governo do Partido Trabalhista, poderia salvar as coisas por algum tempo. E a fantasia neoliberal de “afastar as fronteiras do Estado” foi rapidamente transformada em aplausos neoliberais. No entanto, todas essas medidas de resgate não são remédios reais. Elas apenas empurram os problemas para debaixo do tapete, esperando que assim eles sejam esquecidos para sempre. Todavia, as personificações econômicas e políticas do capital no neoliberalismo deveriam saber que é muito difícil lidar com icebergs reais, mesmo embaixo dos maiores tapetes.

Até mesmo na revista The Economist Marx é festejado como um fino analista do capitalismo. Afirma-se, entretanto, sua incapacidade de compreender a política. Na sua opinião, essa imagem procede?

A revista semanal The Economist, que tem sede em Londres, mas inspiração nos Estados Unidos, é o típico órgão de propaganda do neoliberalismo, sem nenhuma real substância teórica. Seus editores estão dispostos a se contradizer de uma semana para outra – em uma semana patrocinando a “economia de escala” e na seguinte pregando a “não-economia de escala”, por exemplo – sem lembrar, e muito menos admitir publicamente, que uma semana antes a sua sabedoria editorial sustentava o exato oposto de sua última descoberta. O jeito que eles têm de elogiar “Marx, o economista”, enquanto condenam seu entendimento político do “mundo real do capitalismo”, não pode ser levado a sério nem por um momento. É sabido que todos os principais trabalhos de Marx tiveram como título ou subtítulo “a crítica da economia política”. A ciência econômica do tempo de seu nascimento, no século 18, era inseparável da política. Por isso era corretamente chamada de economia política. Apenas no século 20 algumas pessoas tentaram divorciar radicalmente a economia da política, com resultados patéticos.

O modo como Marx lida com os problemas econômicos é totalmente ilegível sem sua concepção de (e estratégia sobre) política. A ideia de opor uma e outra em um tipo de elogio protetor esquerdista é totalmente autocontraditória. Vamos deixar The Economist ficar feliz com suas costumeiras autocontradições. É a única forma de eles continuarem coerentes: em seu consistente neoliberalismo autocontraditório, Marx não será afetado pelo “elogio” deles, de maneira alguma.

Seu próximo livro a ser publicado no Brasil, intitulado O Desafio e o Fardo do Tempo Histórico (Boitempo), é dedicado à memória de Antonio Gramsci (1891- 1937), Attila József (1905-1937) e Che Guevara (1928-1967). Qual a relevância desses três personagens para compreender nosso século?

Meu novo livro é dedicado à memória de Gramsci, Attila József e Che Guevara porque contra todas as dificuldades e consequências trágicas que tiveram de sofrer, eles encararam os desafios permanentes de uma era despedaçada pela sucessão de crises extremas, e carregaram o peso de seus tempos históricos até o limite. Eles estavam totalmente conscientes da intensidade sem precedentes da crise que estava começando a ameaçar a sobrevivência da humanidade. Primeiro, durante a violenta tentativa nazi-fascista de redefinir a política e as relações militares internacionais, e depois, nos anos finais de Che Guevara, pelo novo plano agressivo de dominar a ordem mundial de forma permanente por parte do imperialismo hegemônico global dos Estados Unidos.

Os três perceberam que apenas a mais radical transformação social, que estabelecesse oferecer uma saída para a perigosa sucessão de crises. Tal mudança de época tornou-se necessária porque a ordem estabelecida continuava produzindo destruição por todo o mundo, sem que houvesse um fim em vista para o devastador choque de interesses. Nem mesmo o terrível derramamento de sangue das duas Guerras Mundiais parecia capaz de fazer a menor diferença para os antagonismos estruturais. Desde a época de suas mortes a crise estrutural da nossa ordem social não diminuiu. Até agora nós evitamos uma Terceira Guerra Mundial apenas porque ela certamente traria a aniquilação da humanidade. Mas quem pode garantir que o perigo foi embora para sempre? Assim, o peso da responsabilidade inseparável do nosso próprio tempo histórico é tão grande quanto foi para Gramsci, József e Che Guevara em seus respectivos tempos. Portanto, a postura deles continua sendo exemplar para nosso próprio presente e futuro.



RUY BRAGA
 é professor livre-docente do Departamento de Sociologia da USP



RICARDO ANTUNES é professor titular de sociologia do IFCH/Unicamp

 




Fonte: Site Revista Cult. Disponível em:
https://revistacult.uol.com.br/home/istvan-meszaros-e-sua-ardorosa-defesa-da-humanidade/
. Acesso em 28 de mar. 2022.

quarta-feira, 23 de março de 2022

THOMAS MALTHUS

 


            Thomas Robert Malthus – Nascido em Rookery, perto de Guildford no condado de Surrey em 13 ou 14 de fevereiro de 1766 e falecido em Bath, condado de Somerset na Inglaterra. Foi um economista britânico, matemático, sociólogo, iluminista e clérigo anglicano inglês. É considerado o pai da demografia por sua teoria para o controle de aumento populacional, conhecida como malthusianismo, que afirmava que, enquanto os meios de subsistência crescem em progressão aritmética, a população cresce em progressão geométrica, e a melhoria da humanidade seria impossível sem limites rígidos para a reprodução.


       Malthus foi filho de um rico fazendeiro de terras, terminou os estudos no Jesus College (Cambridge) de 1784 a 1791, onde obteria um posto de professor em 1793. Malthus tornou-se pastor anglicano em 1797 e casou-se em 1804. Seu pai, Daniel Malthus, era amigo do filósofo David Hume e seguidor de Jean-Jacques Rousseau, utilizou a obra “Emile” para influenciar na educação de Thomas Malthus, educado domiciliarmente até ingressar na Jesus College (Cambridge). No ano de 1797, quando tornou-se sacerdote da Igreja Anglicana foi influenciado decisivamente para escrever sua obra “Ensaio Sobre a População”, e, dois anos depois participou de uma turnê europeia com William Otter, Edward Daniel Clarke e John Marten Cripps, utilizando a viagem para observar e coletar dados populacionais.

 

Malthualismo

Malthus e seus “Ensaios”

          Em 1805, foi nomeado professor de história e economia política num Colégio da Companhia das Índias (East India Company College), em Haileybury. Expôs suas ideias em dois livros conhecidos como “Primeiro Ensaio” e “Segundo Ensaio”. No primeiro, de 1798, denominado “Na Essay on Population”, de 1798, o qual necessitou também de uma outra edição ampliada e revisada em 1802 e subsequentemente 1806, 1807, 1817, 1826, ele especificou: “Foi um economista britânico, e é considerado o pai da demografia, por suas teorias”, onde “Um ensaio sobre o princípio da população na medida em que afeta o melhoramento futuro da sociedade, com notas sobre as especulações de Mr. Godwin, M. Condorcet e outros escritores”.

            Além disso, Malthus ofereceu um importante modelo teórico do sistema de casamento na Inglaterra do início do século XIX, chamando a atenção para duas hipóteses básicas: a primeira abordando a necessidade do alimento para a existência do homem, e a segunda em que o desejo de intercurso sexual motiva fortemente a humanidade.


            Essas duas leis, desde que se obteve conhecimento da humanidade, aparecem como sendo leis fixas de nossa natureza e, até agora, não há evidências de nenhuma alteração, não existindo certeza que elas nunca deixarão de ser o que são agora, sem uma ação imediata do poder supremo.

            Já o segundo “Ensaio”, de 1803 foi descrito como: “Um ensaio sobre o princípio da população ou uma visão de seus efeitos (...) passados e presentes na felicidade humana, com uma investigação das nossas expectativas quanto à remoção ou mitigação futura dos males que ocasiona”.

 

Malthus e o Casamento

            Malthus desenvolve, a partir da segunda edição de seu livro, a ideia de controles preventivos: as reflexões morais que os indivíduos civilizados fariam antes de contraírem matrimônio. Entre essas, tem-se a análise dos custos do matrimônio em função do contexto social e econômico. A união matrimonial pressupunha um custo adicional na vida das pessoas, que seriam obrigadas a abandonar hábitos sociais. Suas anotações estavam dispostas da seguinte maneira:

“Casar: filhos (se Deus consentir); constante companhia que se interessará pela gente (uma companheira na velhice); objeto de amor e distração; etc. Permanecer solteiro: liberdade de ir para onde quiser; escolher a vida social, e pouco dela; conversas com homens inteligentes nos clubes; não ser forçado a visitar parentes e a envolver-se com ninharias; etc. Os custos reais, custos dos filhos, custos de uma esposa, são, assim, contrapostos às vantagens da companhia e do conforto. Tais desvantagens tornariam a vida menos confortável e haveria com certeza uma perda de tempo e lazer.”

 

           O casamento, portanto, não era automático e universal, arranjado por outros e ocorrendo como qualquer evento natural, mas algo a ser escolhido, ponderado todos os prós e contras. Era uma decisão que poderia ser tomada cedo na vida, adiada ou mesmo afastada e apresentava para ele um contexto econômico da Inglaterra, por ser uma nação de negociantes que se empenhavam por lucros e riquezas através da indústria e do comércio. 


Teorias Demográficas a partir da Malthusiana

            No contexto histórico do fim da Segunda Guerra Mundial, surge a ONU, havendo um consenso entre os participantes acerca da diminuição das desigualdades econômicas no planeta, desenvolvendo-se a teoria demográfica neomalthusiana como uma tentativa de explicar a ocorrência de fome nos países subdesenvolvidos. Para os neomalthusianos quanto maior o número de habitantes de um país, menor a renda per capita e a disponibilidade de capital a ser distribuído pelos agentes econômicos. Verifica-se que essa teoria, embora com postulados totalmente diferentes daqueles utilizados por Malthus, chega à mesma conclusão: o crescimento populacional é o responsável pela ocorrência da miséria. Entretanto, eram favoráveis ao uso de métodos anticoncepcionais e propunham a sua difusão em massa nos países subdesenvolvidos.

            Já na teoria mais atual, denominada ecomalthusiana, o crescimento populacional e os recursos naturais estão em desequilíbrio, o elevado crescimento gera a exploração dos recursos naturais, gerando impactos sobre o ambiente natural.

 


 

Fonte: Wikipédia. Disponível em: https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Thomas_Malthus.Acesso em 31 de jan. 2022.

 

O BARDO WILLIAM SHAKESPEARE

 

 


            William Shakespeare – Nascido em Stratford-upon-Avon, condado de Warwickshire, ao sul de Birmingham, Inglaterra no ano de 1564, sendo batizado no dia 26 de abril deste ano e falecido no mesmo local em 23 de abril de 1616. Foi um poeta, dramaturgo e ator inglês, tido como o maior escritor do idioma inglês e o mais influente dramaturgo do mundo. É chamado frequentemente de poeta nacional da Inglaterra e de “Bardo do Avon” (ou simplesmente “The Bard”, “O Bardo”[1]). De suas obras, incluindo aquelas em colaboração, restaram até os dias de hoje 38 peças, 154 sonetos, dois longos poemas narrativos, e mais alguns versos esparsos, cujas autorias, no entanto, são ainda disputadas. Suas peças foram traduzidas para todas as principais línguas modernas e são mais encenadas que as de qualquer outro dramaturgo. Muito de seus textos e temas permanecem vivos até nossos dias, sendo revisitados com frequência, especialmente no teatro, na televisão, no cinema e na literatura.

            Shakespeare nasceu e foi criado em Stratford-upon-Avon. Aos 18 anos casou-se com Anne Hathaway, com quem teve três filhos: Susanna e os gêmeos Hamnet e Judith. Entre 1585 e 1592, William começou uma carreira bem-sucedida em Londres como ator, escritor e um dos proprietários da companhia de teatro chamada LordChamberlain’sMen, (em português: Homens do Lorde Camareiro), mais tarde conhecida com King’sMen. Acredita-se que ele tenha retornado a Stratford em torno de 1613, morrendo três anos depois. Restaram poucos registros da vida privada de Shakespeare, e existem muitas especulações sobre assuntos como a sua aparência física, sexualidade, crenças religiosas, e se algumas das obras que lhe são atribuídas teriam sido escritas por outros autores.

            Shakespeare produziu a maior parte de sua obra entre 1590 e 1613. Suas primeiras peças eram principalmente comédias e obras baseadas em eventos e personagens históricos, gêneros que ele levou ao ápice da sofisticação e do talento artístico ao fim do século XVI. A partir de então escreveu apenas tragédias até por volta de 1608, incluindo Hamlet, Rei Lear e Macbeth, consideradas algumas das obras mais importantes na língua inglesa. Na sua última fase, escreveu um conjunto de peças classificadas como tragicomédias ou romances, e colaborou com outros dramaturgos. Diversas de suas peças foram publicadas, em edições com variados graus de qualidade e precisão, durante sua vida. Em 1623, John Hemingesand Henry Condell, dois atores e antigos amigos de Shakespeare, publicaram o chamado “First Folio”, uma coletânea de suas obras dramáticas que incluía todas as peças (com exceção de duas) reconhecidas atualmente como sendo de sua autoria.

            Shakespeare foi um poeta e dramaturgo respeitado em sua própria época, mas sua reputação só viria atingir o nível em que se encontra nos dias atuais no século XIX. Os românticos, especialmente, aclamaram a genialidade de Shakespeare, e os vitorianos idolatraram-no como um herói, com uma reverência que George Bernard Shaw chamava de “bardolatria”. No século XX sua obra foi adotada e redescoberta repetidamente por novos movimentos, tanto na academia quanto na performance. Suas peças permanecem extremamente populares hoje em dia e são estudadas, encenadas e reinterpretadas constantemente, em diversos contextos culturais e políticos, por todo o mundo. 

Identidade

            Está envolta em grande polêmica, muito continua ainda por saber sobre William Shakespeare – quem foi, por onde andou ou com quem se dava. Não faltam teorias – uns dizem que era Francis Bacon, a Rainha Elizabeth I disfarçada e até um francês chamado Jacques Pierre. Mas, se não o virmos como tendo uma vida própria, a mais credível é que seria um pseudônimo de Christopher Marlowe. Pois, este último, que era igualmente um poeta e dramaturgo seu contemporâneo, que emprega nos seus versos um estilo ou estrutura muito similar, parece ter sido provado que terá trabalhado na composição de algumas peças de teatro atribuídas a Shakespeare.

            Tal como era uso da época, há evidências de uma nova fonte da qual ele terá retirado ideias e até frases de um livro escrito no final de 1500 por George North, uma figura presente na corte inglesa, denominado “A Brief Discourse of Rebellion and Rebels” (“Um Breve Discurso de Rebelião e Rebeldes”). 

Vida

Primeiros anos

            William Shakespeare era filho de John Shakespeare, um bem-sucedido luveiro e subprefeito de Stratford (depois comerciante de lãs), vindo de Snitterfild, e Mary Arden, filha afluente de um rico proprietários de terras. Embora a sua data de nascimento seja desconhecida, admite-se a de 23 de abril de 1564 com base no registro de seu batizado, a 26 do mesmo mês, devido ao costume, à época, de se batizarem as crianças três dias após o nascimento. Shakespeare foi o terceiro filho de uma prole de oito e o mais velho a sobreviver.

            Muitos concordam que William foi educado em uma excelente grammar schools da época, um tipo de preparação para a universidade. No entanto, Park Honan conta, em “Shakespeare, Uma Vida”, que John foi obrigado a tirá-lo desta escola, quando William deveria ter quinze ou dezesseis anos (algumas fontes citam doze anos). Na década de 1570, John passou a ter um declínio econômico que o impossibilitou junto aos credores e da sociedade. Acredita-se que, por causa disso, o jovem Shakespeare possuiu uma formação colegial incompleta. Segundo certos biógrafos, Shakespeare precisou trabalhar cedo para ajudar a família, aprendendo, inclusive, a tarefa de esquartejar bois e até abater carneiros.

           Em 1582, aos 18 anos de idade, casou-se com Anne Hathaway, uma mulher de 26 anos, que estava grávida. Há fontes que dizem que Shakespeare queria ter uma vida mais favorável ao lado de uma esposa rica. O casal teve uma filha, Susanna, e dois anos depois, os gêmeos Hamnet e Judith.

        Após o nascimento dos gêmeos, há pouquíssimos vestígios históricos a respeito de Shakespeare, até que ele é mencionado com parte da cena teatral de Londres em 1592. Devido a isso, estudiosos referem-se aos anos de 1586 a 1592 como os “Anos Perdidos de Shakespeare”.

            As tentativas de explicar por onde andou William Shakespeare durante esses seis anos foram motivo pelo qual surgiram dezenas de anedotas envolvendo o dramaturgo. Nicholas Rowe, o primeiro biógrafo de Shakespeare, conta que ele fugiu de Stratford para Londres devido a uma acusação envolvendo o assassinato de um veado numa caça furtiva, em propriedade alheia (provavelmente de Thomas Lucy). Outra história do século XVIII é a de que Shakespeare começou uma carreira teatral com os Lord Chaberlains. 

Londres e a Carreira Teatral

            Foi em Londres onde se atribuiu a Shakespeare seus momentos de maiores oportunidades para destaque. Não se sabe de exato quando Shakespeare começara a escrever, mas alusões contemporâneas e registros de performances mostram que várias de suas peças foram representadas em Londres em 1592. Neste período, o contexto histórico favorecia o desenvolvimento cultural e artístico, pois a Inglaterra vivia os tempos de ouro sob o reinado da rainha Elizabeth I. O teatro deste período, conhecido como teatro elisabetano, foi de grande importância e primor para os ingleses da alta sociedade. Na época, o teatro também era lido, e não apenas assistido e encenado. Havia companhias que compravam obras de autores em voga e depois passava a vender o repertório às tipografias. As tipografias imprimiam os textos e vendiam a um público leitor que crescia cada vez mais. Isso fazia com que as obras ficassem em domínio público.

            Biógrafos sugerem que sua carreira deve ter começado em qualquer momento a partir de meados dos anos 1580. Ao lado do The Globe, haveria um matadouro, onde aprendizes do açougue deveriam trabalhar. Ao chegar em Londres, há uma tradição que diz que Shakespeare não tinha amigos, dinheiro e estava pobre, completamente arruinado. Segundo um biógrafo do século XVIII, ele foi recebido pela companhia, começando num serviço pequeno, e logo fora subindo de cargo, chegando provavelmente à carreira de ator. Há referências que apresentam Shakespeare como um cavalariço. Ele dividiria seu emprego entre tomar conta dos cavalos dos espectadores do teatro, atuar no palco e auxiliar nos bastidores. Segundo Rowe, Shakespeare entrou no teatro como ponto, encarregado de avisar os atores o momento de entrarem em cena. O então cavalariço provavelmente tinha vontade mesmo era de atuar e de escrever.

      Seu talento limitante como ator teria o inspirado a conhecer como funcionava o teatro e seu poeta interior foi floreando, floreando, foi lembrando dos textos dos mestres dramáticos da escola, e começou a experimentar como seria escrever para o teatro. Desde 1594, as peças de Shakespeare foram realizadas apenas pelo Lorde Chamberlain’s Men. Com a morte de Elizabeth I, em 1603, a companhia passou a atribuir uma patente real ao novo rei, James I da Inglaterra, mudando seu nome para King’s Men.

    Todas as fontes marcam o ano de 1599 como o ano da fundação oficial do Globe Theatre. Fundado por James Burbage, ostentava uma insígnia de Hércules sustentando o globo terrestre. Registros de propriedades, compras, investimentos de Shakespeare o tornou um homem rico. William era sócio do Globe, um edifício que tinha forma octogonal, com abertura no centro. Não existia cortina e, por causa disso, os personagens mortos deveriam ser retirados por soldados, como mostra-se em Hamlet. Inclusive, todos os papéis eram representados pelos homens, sendo os mais jovens os encarregados de fazerem papéis femininos. Em 1597, fontes dizem que ele comprou a segunda maior casa em Stratford, a New Place. De 1601 a 1608, especula-se que ele esteve motivado para escrever Hamlet, Otelo e Macbeth. Em 1613, O GlobeTheatre foi destruído pelo fogo. Alguns biógrafos dizem que foi durante a representação da peça Henry VIII.

            Shakespeare teria estado bem cansado e por esse motivo resolveu desligar-se do Globe e voltar para Stratford, onde a família o esperava. 

Últimos Anos e Morte 

           Após 1606 e 1607, Shakespeare escreveu peças menores, que jamais são atribuídas como suas. Após 1613, suas últimas três obras foram colaborações, talvez com John Fletcher, que sucedeu-lhe com o cargo de dramaturgo no King’s Men. Escreveu a sua última peça, “A Tempestade” terminada somente em 1613.

            Então, Rowe foi o primeiro biógrafo a dizer que Shakespeare teria voltado para Stratford algum tempo antes de sua morte: mas a aposentadoria de todo o trabalho era rara naquela época; e Shakespeare continuou a visitar Londres. Em 1612, foi chamado como testemunha em processo judicial relativo ao casamento de sua filha Susanna. Em março de 1613, comprou uma casa no priorado de Blackfriars (Frades Negros); a partir de novembro de 1614, ficou várias semanas em Londres ao lado de seu genro John Hall.

            William Shakespeare morreu em 23 de abril de 1616, mesmo dia do seu aniversário. Susanna havia se casado com um médico, John Hall, em 1607, e Judith tinha se casado com Thomas Quiney, um vinificador, dois meses antes da morte do pai. A morte de Shakespeare segue misteriosa ainda nos dias de hoje. No entanto, é óbvio que existam diversas anedotas. A que mais se propagou é a de que Shakespeare estaria com uma forte febre, causada pela embriaguez. Recebendo a visita de Bem Jonson e de Michael Drayton, Shakespeare bebeu demais e, segundo diversos biógrafos, seu estado se agravou.

 

          Admite-se que Shakespeare deixou como herança sua segunda melhor cama para a esposa. Sabe-se, entretanto, que a “Second bestbed”, no testamento, é simplesmente a cama de casal, sendo a melhor cama, conforme os costumes da época, a do quarto de hóspedes. Ao que parece, o testamento não teria sido redigido pelo dramaturgo, que só assinou; certas expressões religiosas fizeram recentemente descobrir-se que se trata de uma fórmula legal, então em uso e até prescrita. Em sua vontade, ele deixou a maior parte de sua propriedade à sua filha mais velha, Susanna. Essa herança intriga biógrafos e estudiosos porque, afinal, como Anne Hathaway aguentara viver mais ou menos vinte anos cuidando de seus filhos, enquanto Shakespeare fazia fortuna em Londres? O escritor Anthony Burgess tem uma explicação ficcional sobre o assunto. Em “Nada como o Sol”, um livro de sua autoria, ele cita Shakespeare espantado em um quarto diante de seu irmão Richard e de sua esposa Anne: estavam nus e abraçados.

        Os restos mortais de Shakespeare foram sepultados na igreja da Santíssima Trindade (Holy Trinity Church) em Stratford-upon-Avon. Seu túmulo mostra uma estátua vibrante, em pose de literário, mais vivo que nunca. A cada ano, na comemoração de seu nascimento, é colocada uma nova pena de ave na mão direita da estátua. Acredita-se que Shakespeare temia o costume em sua época, em que provavelmente havia a necessidade de esvaziar as sepulturas mais antigas para abrir espaços às novas e, por isso, há um epitáfio na sua lápide, que anuncia a maldição de quem mover seus ossos:


“Bom amigo, por Jesus,

Abstém-te de profanar o corpo aqui enterrado

Bendito seja o homem que respeite estas pedras,

E maldito o que remover meus ossos.”

(Epitáfio na tumba de Shakespeare)

 

       Após a morte de Shakespeare, a Inglaterra passou por alguns importantes momentos políticos e religiosos. Jaime I morreu em 27 de março de 1625, em Theobalds House, e tão logo sua morte foi anunciada, Carlos I seu filho com Ana da Dinamarca, assumiu o reinado. É válido lembrar que, com a morte de Elizabeth I, Shakespeare e os demais dramaturgos da época não foram prejudicados. Jaime I, o sucessor da rainha, contribuiu para o florescimento artístico e cultural inglês; era um apaixonado por teatro.

    Em 1649, a Câmara dos Comuns cria uma corte para o julgamento de Carlos I. Era a primeira vez que um monarca seria julgado na história da Inglaterra. No dia 29 de janeiro do mesmo ano, Carlos I foi condenado à morte por decapitação. Ele foi decapitado no dia seguinte. Foi enterrado no dia 7 de fevereiro na Capela de Saint George do Castelo de Windsor em uma cerimônia privada.

            Nota: é bem conhecida a coincidência das datas de morte de dois dos grandes escritores da humanidade, Miguel de Cervantes e William Shakespeare (ambos com data de falecimento em 23 de abril de 1616). Porém, é importante notar que o Calendário Gregoriano já era utilizado na Espanha desde o século XVI, enquanto que na Inglaterra sua adoção somente ocorreu em 1751.

 

Peças

   Os estudiosos costumam dividir em quatro períodos a carreira de dramaturgia de Shakespeare. Até meados de 1590, escreveu principalmente comédias influenciados por modelos das peças romanas e italianas. O segundo período iniciou-se em 1595, com a tragédia “Romeu e Julieta” e terminou com “A Tragédia de Júlio César”, em 1599. Durante esse tempo, escreveu o que são consideradas suas grandes comédias e histórias. De 1600 a 1608, o que chamam de “período sombrio”, Shakespeare escreveu suas mais prestigiadas tragédias: “Hamlet”, “Rei Lear” e Macbeth. E de aproximadamente 1608 a 1613, escrevera principalmente tragicomédias e romances.

         Os primeiros trabalho encenados de Shakespeare são “Ricardo III” e as três partes de “Henry V”, escritas em 1590, adiantados durante uma moda para o drama histórico. É difícil datar as primeiras peças de Shakespeare, mas estudiosos de seus textos sugerem que “A Megera Domada”, “A Comédia de Erros” e “Titus Andronicus” pertencem também ao primeiro período. Suas primeiras histórias, parecem dramatizar os resultados destrutivos e fracos ou corruptos do Estado e têm sido interpretadas como uma justificação para as origens da dinastia Tudor. Suas composições foram influenciadas por obras de outros dramaturgos isabelinos, especialmente Thomas Kyd e Christopher Marlowe, pelas tradições do teatro medieval e pelas peças de Sêneca. A “Comédia dos Erros” também foi baseada em modelos clássicos.

           As clássicas comédias de Shakespeare, contendo plots (centro da ação, o núcleo da história) duplos e sequências cênicas de comédia, cederam, em meados de 1590, para uma atmosfera romântica em que se encontram suas maiores comédias. “Sonhos de uma Noite de Verão” é uma mistura de romance espirituoso, fantasia, e envolve também a baixa sociedade. A sagacidade das anotações de “Muito Barulho por Nada”, a excelente definição da área rural de “Como Gostais”, e as alegres sequências cênicas de “Noite de Reis” completam essa sequência de ótimas comédias. Após a peça lírica “Ricardo II”, escrito quase inteiramente em versículos, Shakespeare introduziu em prosa as histórias depois de 1590, incluindo Henry VI, parte I e II, e Henry V.

            Seus personagens tornam-se cada vez mais complexos e alternam entre o cômico e o dramático ou o grave, ou o trágico, expandindo, dessa forma, suas próprias identidades. Esse período entre essas tais alternações começa e termina com duas tragédias: “Romeu e Julieta”, sem dúvida alguma sua peça mais famosa e a história sobre a adolescência, o amor e a morte; e “Júlio César”. O “período trágico” durou de 1600 a 1608, embora durante esse interregno ele tenha escrito também a peça cômica “Medida por Medida”. Muitos críticos acreditam que as maiores tragédias de Shakespeare representam o pico de sua arte. Seu primeiro herói, Hamlet, provavelmente é o personagem shakespeariano mais discutido do que qualquer outro, em especial pela sua frase “Ser ou não ser, eis a questão”. Ao contrário do reflexivo e pensativo Hamlet, os heróis das tragédias que se seguiram, em especial “Otelo” e “Rei Lear”, são precipitados demais e mais agem do que pensam. Essa precipitações sempre acabam por destruir o herói e frequentemente aqueles que ele ama. Em “Otelo”, o vilão Iago acaba assassinando sua mulher inocente, por que é apaixonado. Em “Rei Lear”, o velho rei comete o erro de abdicar de seus poderes provocando cenas que levam ao assassinato de sua filha e à tortura e a cegueira do Conde de Glócester. Segundo o crítico Frank Kermode, “a peça não oferece nenhum personagem divino ou bom, e não supre da audiência qualquer tipo de alívio de sua crueldade”. Em “Macbeth”, a mais curta e compacta tragédia shakespeariana, a incontrolável ambição de Macbeth e sua esposa, Lady Macbeth, de assassinar o rei legítimo e usurpar seu trono, até à própria culpa de ambos diante deste ato, faz com que os dois se destruam. Portanto, Hamlet seria seu personagem mais admirado. Hamlet reflete antes da ação em si, é inteligente, perceptivo, observador, profundamente proprietário de uma grande sabedoria diante dos fatos. Suas últimas e grandes tragédias, “Antônio e Cleópatra” e “Coriolano” contêm algumas das melhores poesias de Shakespeare e foram consideradas as tragédias de maior êxito pelo poeta e crítico T.S. Eliot.


 
         No seu último período, Shakespeare centrou-se na tragicomédia e no romance completando suas três mais importantes peças dessa fase: “Cimbelino”, “Conto de Inverno” e “A Tempestade”, e também “Péricles, Príncipe de Tiro”. Menos sombrias do que as tragédias, essas quatro peças revelam um tom mais grave da comédia que costumavam produzir na década de 1590, mas seus personagens terminavam com reconciliação e o perdão dos seus erros. Certos comentadores veem essa mudança de estilo como uma forma de visão da vida mais serena por parte de Shakespeare. Shakespeare colaborou com mais dois trabalhos, “Henry VIII” e “Dois Parentes Nobres”, provavelmente com John Fletcher.

 

Performances

            Ainda não está claro para as companhias as datas exatas de quando Shakespeare escreveu suas primeiras peças. O título da página da edição de 1594 de “Titus Andronicus” revela que a peça havia sido encenada por três diferentes companhias. Após a peste negra de 1592 a 1593, as peças shakespeariana foram realizadas por sua própria empresa no The Theatre e no The Curtain em Shoreditch, onde as multidões londrinas foram ver a primeira parte de “Henry IV”. Depois de uma disputa com o caseiro, o teatro foi desmantelado e a madeira usada para a construção do Globe Theatre, a primeira casa de teatro construída por atores para atores. A maioria das peças shakespearianas pós-1599 foram escritas para o Globe, incluindo “Hamlet”, “Otelo” e “Rei Lear”.

            Quanto a Lord Chamberlain’s Men, mudou seu nome para King’s Men, em 1603, eles cultivaram uma relação especial com o novo rei, James I. Embora as performances realizadas serem díspares, o King’s Men realizou sete peças shakespearianas perante à corte, entre 1º de novembro de 1604 e 31 de outubro de 1605, incluindo duas performances de “O Mercador de Veneza”. Depois de 1608, ele a realizaram no teatro Blackfriars Theatre. A mudança interior, combinada com a moda jacobina de aprimorar a montagem dos palcos e cenários, permitiu com que Shakespeare pudesse introduzir uma fase com dispositivos e recursos mais elaborados. Em “Cibelino”, por exemplo, “Júpiter desce em trovão e relâmpagos, sentado em uma águia e lança um raio”.

           Os atores da empresa de Shakespeare incluem o famoso Richard Burbage, William Kempe, Henry Condell e John Heminges. Burbage desempenhou um papel de liderança em muitas performances das peças de Shakespeare, incluindo “Richard III”, “Hamlet”, “Otelo” e “Rei Lear”. O popular ator cômico Will Kempe encenou o agente Peter em “Romeu e Julieta” e também encenou em “Muito Barulho Por Nada”. Kempe fora substituído na virada do século XVI por Robert Armin, que desempenhou papéis como a de Touchstone em “Como Gostais” e os palhaços no “Rei Lear”. Sabe-se que em 1613, sir Henry Wotton encenou “Henry VIII” e foi nessa encenação que o Globe foi devorado por um incêndio causado por um canhão. Imagina-se que Shakespeare, já retirado em Stratford-upon-Avon, retornou para auxiliar na recuperação do prédio.

 

Imortalidade

            Em 1623, John Heminges e Henry Condell dois amigos de Shakespeare no King’s Men, publicaram uma compilação póstuma das obras teatrais de Shakespeare, conhecida como “First Folio”. Contém 36 textos, sendo que 18 impressos pela primeira vez. Não há evidências de que Shakespeare tenha aprovado a edição, que o “First Folio” define como “stol’n and surreptitious copies” (“cópias roubadas e clandestinas”). No entanto, é nele em que se encontram um material extenso e rico do trabalho de Shakespeare.

            As peças shakespearianas são peculiares, complexas, misteriosas e com um fundo psicológico espantoso. Uma das qualidades do trabalho de Shakespeare foi justamente sua capacidade de individualizar todos seus personagens, fazendo com que cada um se tornasse facilmente identificado. Shakespeare também era excêntrico e se adaptava a gêneros diferentes. Trabalhando com o sombrio e com e com o divertido ou cômico, Shakespeare conseguiu chegar perto da unanimidade.

     Estima-se que as obras de Shakespeare influenciaram pelos menos 20 mil peças musicais que vão de óperas, canções e outros ritmos. Shakespeare é também o dramaturgo mais consis-tentemente adaptado nos palcos, em todo o século XX, havendo mais de 50 mil produções e adaptações em todo o globo. Em termos de tradução, vendas e estudos Shakespeare só perde para a Bíblia, e fica à frente de tópicos como comunismo, islamismo e judaísmo. Um artigo publicado diz que as três figuras mais estudadas na história são Jesus, Napoleão e Hamlet.

            Diversos filósofos e psicanalistas estudaram as obras de Shakespeare e a maioria encontrou uma riqueza psicológica e existencial. Entre eles, Arthur Schopenhauer, Freud e Goethe são os que mais se destacam. No Brasil, Machado de Assis foi muito influenciado pelo dramaturgo. Diversas fontes alegam que Bentinho, de “Dom Casmurro”, seja a versão tropical de “Otelo”. A revolta dos canjicas, em “O Alienista”, é provavelmente outra versão da revolta fracassada do Jack Cade, descrita em “Henry IV. Na introdução de “A Cartomante”, Machado de Assis utiliza a frase “há mais coisas entre o céu e a terra do que supõe vossa vã filosofia”, frase que pode ser encontrada em “Hamlet”. 

Poemas


            Em 1593 e 1594, quando os teatros foram fechados por causa da peste, Shakespeare publicou dois poemas eróticos, hoje conhecidos como “Vênus e Adônis” e “O Estupro de Lucrécia”. Ele os dedica a Henry Wriothesley, o que fez com que houvesse várias especulações a respeito dessa dedicatória. Em “Vênus e Adônis”, um inocente Adônis rejeita os avanços sexuais de Vênus (mitologia greco-romana); enquanto que o segundo poema descreve a virtuosa esposa Lucrécia que é violada sexualmente. Ambos os poemas, influenciados pela obra “Metamorfoses”, do poeta latino Ovídio, demonstram a culpa e a confusão moral que resultam numa determinada volúpia descontrolada. Ambos tornaram-se populares e foram diversas vezes republicados durante a vida de Shakespeare. Uma terceira narrativa poética, “A Lover’s Complaint” (“A Reclamação de uma Amante”) em que uma jovem lamenta sua sedução por um persuasivo homem que a cortejou, fora impresso na primeira edição do “Sonetos” em 1609. A maioria dos estudiosos hoje em dia aceitam que fora Shakespeare quem realmente escreveu o soneto “A Lover’s Complaint”. Os críticos consideram que suas qualidades são finas e dirigidas por efeitos.

 

“Sonetos”

           Publicado em 1609, a obra “Sonetos” foi o último trabalho publicado de Shakespeare sem fins dramáticos. Os estudiosos não estão certos de quando cada um dos 154 sonetos da obra foram compostos, mas evidências sugerem que Shakespeare as escreveu durante toda sua carreira para leitores particulares.

            Ainda fica incerto se estes números todos representam pessoas reais ou se abordam a vida particular de Shakespeare, embora Wordsworth acredite que os sonetos abriram suas emoções. A edição de 1609 foi dedicada a “Mr. WH.” Creditado como o único procriados dos poemas. Não se sabe se isso foi escrito por Shakespeare ou pelo seu editor Thomas Thorpe, cuja sigla aparece no pé d pagina da dedicação; nem se sabe que foi Mr. WH., apesar de inúmeras teorias terem surgido a respeito.

            Os críticos elogiam os sonetos e comentar que são uma profunda meditação sobre a natureza do amor, a paixão sexual, a procriação, a morte e o tempo.

 


  Wikipédia. Disponível em:

https://pt.m.wikipedia.org/wiki/William_Shakespeare.

Acesso em 2 de fev. 2022.


[1]Bardo – Também chamado de Aedo, na Europa Antiga, era uma pessoa encarregada de transmitir histórias, mitos, lendas e poemas de forma oral, cantando as histórias do seu povo em poemas recitados Era simultaneamente músico, poeta, historiador e acessoriamente moralista. Mais tarde seriam designados de trovadores e as tradições musicais e literárias que transmitiam às gerações sucessivas dão origem ás canções de gesta. O bardo usava frequentemente um alaúde para tocar suas melodias e músicas, que contavam com na maioria das vezes uma história triste ou poemas épicos, com acompanhamento de liras, crwth (é uma lira curvada, um tipo de instrumentos de cordas, associado particularmente à música galesa arcaica, mas antigamente muito tocada na Europa) ou de arpas. A música tradicional irlandesa tem nos bardos a sua principal raiz. Também se encontram vestígios de sua arte entre os cantadores ou cantores de gwerziou (música folclórica) bretões e nos eisteddfodau (da cultura galesa, é um festival com várias competições classificadas, inclusive de poesia e música, o termo é formado a partir de eistedd, que significa sentar e fod, que significa ser, de acordo com HywelTeifi Edwards, significa sentar-se juntos, definindo um encontro competitivo entre bardos e menestréis, no qual o vencedor era escolhido por um nobre ou patrono real) do País de Gales. Fonte: Wikipédia. Disponível em: https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Bardo. Acesso em 18 de fev. 2022.


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