Em tempos de acirramento das lutas
ideológicas, podemos encontrar no romance O
Cortiço de Aluísio Azevedo, uma luta, mais sociológica que ideológica, que
muito tem de igual aos dias atuais.
Com os mesmos ódios arraigados, com a
mesma divisão dentro da mesma classe social (a baixa) e com a mesma ignorância
baseando as razões irracionais de cada lado.
É nesse pano de fundo que ocorre a luta
entre os “carapicus” e os “cabeça de gato”, duas hordas que se defrontam sem
ter razão nem por quê.
Vejamos alguns trechos dessa
competição:
Agora,
na mesma rua, germinava outro cortiço ali perto, o “Cabeça de Gato”. Figurava
como seu dono um português que também tinha venda, mas o legítimo proprietário
era um abastado conselheiro, homem de gravata lavada, a quem não convinha, por
decoro social, aparecer em semelhantes gêneros de especulações. E João Romão,
estalando de raiva, viu que aquela nova república da miséria prometia ir adiante
e ameaçava fazer-lhe à sua, perigosa concorrência. (p.181)
Sempre existe um interessado por essa
briga dentro das classes e não a verdadeira luta de classes:
(João Romão) (...) pela sorrelfa plantava no espírito dos seus inquilinos um
verdadeiro ódio de partido, que os incompatibilizava com a gente do “Cabeça de
Gato”. Aquele que não estivesse disposto a isso ia direitinho para a rua, “que
ali se não admitia meias medidas a tal respeito! (...) a parte contrária lançou
mão igualmente de todos os meios para guerrear o inimigo, não tardando que
entre os moradores das duas estalagens rebentasse uma tremenda rivalidade, dia
a dia agravada por pequenas brigas e rezingas, em que as lavadeiras se
destacavam sempre com questões de freguesia de roupa. No fim de pouco tempo os
dois partidos estavam já perfeitamente determinados; os habitantes do “Cabeça de
Gato” tomaram por alcunha o título do seu cortiço, e os de “São Romão”, tirando
o nome do peixe que a Bertoleza mais vendia à porta da taverna, foram batizados
por “Carapicus”. Quem se desse com um “carapicu” não podia entreter a mais
ligeira amizade com um “cabeça de gato”; mudar-se alguém de uma estalagem para
a outra era renegar ideias e princípios e ficava apontado a dedo; denunciar a
um contrário o que se passava, fosse o que fosse, dentro do círculo oposto, era
cometer traição, tamanha, que os companheiros a puniam a pau. (p.181)
E como nos dias atuais surge uma
bandeira Amarela contra a Vermelha.
Em meio do pátio do “Cabeça de Gato” arvorava-se uma bandeira amarela; os “carapicus”
responderam logo levantando um pavilhão
vermelho. E as duas cores olhavam-se
no ar como um desafio de guerra.
A batalha era inevitável. Questão de tempo. (p.182)
Até que um dia... A luta acontece e só
tem perdedores, ou quase só perdedores, porque alguém, no caso o João Romão (em
sua ascensão para a nova classe capitalista) ganha com a desgraça alheia:
(...)
o rolo a ferver lá fora, cada vez mais inflamado com um terrível sopro de
rivalidade nacional. Ouviam-se, num clamor de pragas e gemidos, vivas a
Portugal e vivas ao Brasil. (pp.227 – 228)
Mal os “carapicus” sentiram a aproximação
dos rivais, (...) Um só impulso os impelia a todos; já não havia ali
brasileiros e portugueses, havia um só partido que ia ser atacado pelo partido
contrário; os que se batiam ainda há pouco, emprestaram armas uns aos outros,
limpando com a costa da mão o sangue das feridas (...) (p. 228)
O final da luta se dá quando uma
moradora maluca e metida com bruxarias põe fogo no cortiço. Quando se vê o fogo
pegando, para a luta, os “Cabeças de Gato” voltam para seu território, “os
carapicus” esbaldam-se para apagar o fogo e salvar seus minguados caraminguás,
enquanto a polícia (os urbanos) só observa.
Observando tal acontecimento fictício,
seria de bom tom tentar não deixar o fogo alastrar...
Cláudio
Maffei
Citações
retiradas do livro:
AZEVEDO,
Aluísio. O Cortiço. Edição Renovada a partir da 3.ª edição de 1920. São Paulo,
Editora FTD S.A., 2011.
Desenhos retirados do (irmão) Blog: O Cortiço Opiniões. Disponível
em: http://ocorticoemopinioes.blogspot.com/p/blog-page.html.
Acesso em 16 de maio de 2022.
Ver também no Blog do Maffei: Aluísio Azevedo. Entendendo O Cortiço.
Ver também no Blog do Maffei: O Cortiço de Aluísio Azevedo. Um Romance Naturalista.
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