Muitas já foram as definições que
procuraram capturar uma essencialidade da natureza humana, a começar da mais
clássica e conhecida: o Homem é um animal racional. Essa sentença, marcada por
uma aparência de obviedade e repetida à exaustão (com certo ar triunfal), foi
expressa por Aristóteles (384-322
a.C.) no século IV a.C. e, muito embora a maioria das
pessoas não conheça sua origem, faz parte do senso comum. Antes dele, seu
mestre Platão (427-347 a.C.)
houvera definido o Homem como um bípede implume e, no início do século XX, o
grande poeta português Fernando Pessoa (1888-1935) elaborou uma definição um
pouco mórbida, mas tecnicamente bem precisa: o Homem é um cadáver adiado!
O que há de comum entre essas três ideias?
A tentativa de identificar o humano e dar-nos uma identidade, isto é, nos
diferenciar do restante da realidade de modo que nela nos localizemos; ao mesmo
tempo, é a procura de uma definição (do latim finis, limite, fronteira) daquilo
que é nosso contorno, que nos circunscreve, nos contém, ou seja, marca nosso
lugar.
Esse é um dos mais antigos temas que a
humanidade vem-se colocando no decorrer de séculos. Por mais abstratas que
pareçam, perguntas como Por que estamos aqui neste mundo? Quem o que o fez? Por
que nós? De onde viemos e para onde vamos? Por que existe alguma coisa e não
nada? Têm sido cruciais. De uma ou outra forma, individualmente ou nos grupos
sociais, essas dúvidas são objeto de reflexões, temores, confrontos, desesperos
etc.
A indagação sobre nós mesmos, a razão
de sermos e de nossa origem e destino, isto é, o sentido de nossa existência, é
de fato, um tema presente em toda a História; mesmo em tempos atuais, quando a
Ciência atingiu patamares impressionantes de inventividade e variedade, a
resposta parece, contraditoriamente, afastar-se cada vez mais.
Aliás, essa é uma das características
do conhecimento: quanto mais se sabe, mais se ignora; (é conhecida a máxima
socrática: “Só sei que nada sei”; no entanto, Sócrates (469 – 399 a.C.) não a enunciou como
uma expressão de ceticismo e sim como indicadora da impossibilidade humana de
esgotar o processo de conhecimento), afinal, só é possível supor que o
conhecimento vá sendo progressivamente revelado, até atingir um estágio final,
se ele for concebido como uma descoberta e não como uma construção.
Qual, então, o nível atual de
Conhecimento que a Ciência, como forma mais precisa e eficaz de investigação da
realidade, nos aponta quanto ao lugar do humano?
Eis, em termos bastante gerais, uma
síntese das conclusões provisórias e ainda submetidas a controvérsias:
·
Estamos em um dos universos possíveis,
ele é finito e tem provavelmente o formato cilíndrico (em função da curvatura
do espaço entre si mesmo);
·
Esse universo surgiu aproximadamente 15
bilhões de anos, a partir de uma grande explosão inicial apelidada de "big
bang" e se extinguirá daqui a outros tantos bilhões de anos, em função do
esvaecimento da matéria e energia nele existentes;
·
Dessa explosão original resultou uma
expansão (que ainda continua), em escala inimaginável, e que se concentrou,
basicamente, em grandes massas estelares que, por sua vez, se agruparam em 100
bilhões de galáxias;
·
Uma dessas galáxias é a nossa Via Láctea,
que contém 100 bilhões de estrelas;
·
Nessa galáxia, há 4,6 bilhões de anos,
originou-se o nosso sistema solar;
·
O sol, uma das 100 bilhões de estrelas da
galáxia, é relativamente pequeno (de 5ª grandeza), e tem, girando à sua volta,
9 já conhecidos planetas (do grego planetès, vagabundo, errante);
·
Um desses planetas é a terra, o quinto em
tamanho e distante 150 milhões de quilômetros do Sol;
·
Na terra há vida e, até pouco, supunha-se
que só nela;
·
Estima-se que nosso planeta tenha entre três
e 30 milhões de espécies de vida diferentes, embora apenas 1,4 milhão tenham
sido classificadas (750.000 insetos, 41.000 vertebrados, 250.000 plantas e o
restante de outros invertebrados, fungos, alga e micro-organismos);
·
Uma dessas espécies é a nossa, em sua
forma mais recente (35.000 anos para cá), chamada de Homo Sapiens-Sapiens;
·
A espécie humana tem, no momento, sete
bilhões de indivíduos;
·
Um deles sou eu.
De forma caricatural (mas não falsa),
assim se poderia responder à questão Quem sou eu? Sou apenas um indivíduo entre
outros sete bilhões, pertencente a uma espécie entre outras 30 milhões
diferentes, vivendo em um planetinha, que gira em torno de uma estrelinha entre
outras 100 bilhões, que compõem uma mera galáxia em meio a outras 100 bilhões,
presentes em um dos universos existentes...
Fonte:
A
escola e o conhecimento: Fundamentos epistemológicos e políticos.
Mario
Sergio Cortella.
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