Se você
buscar por imagens de manifestações políticas na Ucrânia desde 2010 irá encontrar flâmulas e quadros
de Stepan Bandera. Esse homem hoje é
pintado como herói pela direita ucraniana e seu pensamento possui profunda
influência na política do país e nos grupos paramilitares neonazistas como o Batalhão
Azov. Para entender a figura de Stepan
Bandera, conversamos com Rodrigo Ianhez,
especialista no período soviético formado pela Universidade Estatal de Moscou.
Stepan Bandera nasceu em
1909 na região da Galícia[1], hoje um território pertencente à Ucrânia, mas
que passou por períodos de dominação do Império Austro-Húngaro e da Polônia. No
fim dos anos 20, ele ingressa na Organização dos Nacionalistas Ucranianos
(OUN), uma organização ativista pela formação de um estado independente.
“A OUN e Bandera organizaram diversas ações
contra os poloneses na região da Galícia, que à época estava sob controle da
Polônia”, explica Rodrigo
Ianhez. A região onde hoje fica Lviv – principal cidade do
oeste ucraniano – fazia parte do território polonês.
Após o
exército nazista invadir a Polônia e expandir suas operações militares a leste,
quebrando o tratado Molotov-Ribbentrop, Bandera viu a oportunidade de
conseguir apoio dos nazistas para conquistar a independência da Ucrânia.
“Depois do avanço dos nazistas a leste,
Bandera se tornou um colaboracionista do nazismo. Ele foi recrutado pela
inteligência alemã para auxiliar na tomada da Galícia. Durante as primeiras
semanas da ocupação, cerca de 7 mil judeus foram mortos apenas na cidade de
Lvov. Bandera também foi o responsável pela criação de dois batalhões da SS”,
afirma Rodrigo
Ianhez.
Após
apoiar os nazis e colaborar com a implantação do sistema de genocídio no
território ucraniano, Bandera cresceu suas aspirações para tentar transformar
seu país em uma república independente. “De
orientação fascista, é claro”, pontua Rodrigo Ianhez. Mas a empreitada não
deu muito certo. “Ele foi preso pelos
nazistas e foi levado para campos de concentração. Seu tratamento não foi o
mesmo dado para os outros presos”, afirmou.
Enquanto
Bandera estava detido, os batalhões da SS e o exército insurgente ucraniano –
ambos apoiados por Bandera e pelos nazistas – avançavam com as tropas e, em
1941, tomavam Kiev. Foram as forças inspiradas pela OUN e pelos nazistas que
causaram o massacre de Babi Yar, onde 33 mil judeus foram assassinados em dois
dias.
Após anos
preso, Bandera retorna ao front. “Quando
os soviéticos avançavam em direção a Oeste e começaram a libertar a Ucrânia, ele foi
chamado novamente para colaborar com os nazistas e aceitou”, conta o
historiador.
As tropas
do Exército Vermelho ganham dos nazistas e Bandera se torna um foragido. De
acordo com Rodrigo
Ianhez, o nacionalista se esconde com apoio de seguranças da SS
e existem até suspeitas de que ele teria recebido auxílio do serviço secreto
britânico. “Esse período de sua vida é
obscuro”, explica. Em 1959, Stepan é assassinado pela KGB.
“Vale ressaltar que Bandera foi um dos
agentes do Holocausto e seu pensamento era supremacista, contra os judeus,
contra os moscovitas – como ele se referia aos russos -, contra os poloneses e até
contra os húngaros”, pontua Rodrigo
Ianhez.
A
influência de Bandera na Ucrânia de hoje
O então presidente Volodymyr
Zelensky anunciou a proibição de 11 partidos ucranianos
por serem “pró-Rússia”. Entre eles,
estavam diversas organizações de esquerda. Já partidos políticos com orientação
pró-neonazista, como o Praviy Sektor – de extrema inspiração banderista – se
mantiveram intactos dentro do estamento político ucraniano. Mas esse processo
não começou agora.
“Foi em 2010, no governo Yushchenko que esse
processo começou. Ele decretou que Stepan Bandera ganhasse o título de Herói
Nacional. A medida causou grande polarização na sociedade ucraniana, que não
concordava com um colaboracionista do nazismo sendo alçado a esse posto”,
segundo Rodrigo Ianhez.
“Houve um processo de revisionismo e
falsificação histórica. Hoje, os nacionalistas afirmam que a associação de
Bandera ao nazismo foi ‘invenção soviética’ e que ele não colaborou com o
nazismo, o que é mentira”, explica.
Desde
então, a figura de Bandera começou a ser utilizada por nacionalistas ucranianos
amplamente. No Euromaidan, sua imagem começou a ser mais replicada. “Os aniversários de Bandera começaram a se
transformar em atos públicos. Uma estátua foi construída para ele Lviv, mas foi
destruída pouco tempo depois”, afirma o historiador. E o apoio à figura
também varia geograficamente.
“Hoje, no Oeste da Ucrânia, ele se tornou uma
figura realmente importante. Quadros com seu rosto estão em gabinetes de
políticos, em prédios públicos. No Donbass e na Crimeia isso não ocorre”. Rodrigo Ianhez
reforça que é importante mostrar que a influência de Bandera e do nazismo no
nacionalismo ucraniano é crucial: “Não
podemos não falar sobre o elefante na sala. Falar sobre isso não é ser
pró-Kremlin”.
O
historiador reforça o papel de Volodymyr Zelensky – que é judeu – nesse
processo. “Zelensky é conhecido por fazer
concessões à extrema-direita, mas tenta se afastar da figura de Bandera”. A
comunidade judaica ucraniana denuncia a tempos e combate o revisionismo
histórico sobre o colaboracionista e sobre a participação dos nacionalistas no
Holocausto.
E com a invasão russa, a tendência é que a figura desse nazista
ganhe ainda mais força nas mãos da direita ucraniana. “É certo que a guerra irá aumentar esse sentimento nacionalista e isso é
preocupante”, conclui o historiador.
(Entrevista
feita em 23 de março de 2022 por Yuri Ferreira)
Fonte: Hypeness. Disponível em: https://www.hypeness.com.br/2022/03/stepan-bandera-quem-foi-o-colaboracionista-nazista-que-se-tornou-simbolo-da-direita-ucraniana/.
Acesso em 20 de jul. 2022.
[1] Galícia (Reino da Galícia e Lodoméria). Região histórica na Europa Oriental que
nos dias atuais é dividida entre a Polônia e a Ucrânia. O núcleo da Galícia
histórica consiste nas regiões modernas de Lviv, Ternopil e Ivano-Frankivsk na
Ucrânia Ocidental. Não confundir com a Galícia espanhola que é uma comunidade
autônoma no Noroeste da Espanha.
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