O que é Filosofia, professor?
Delamar José Volpato Dutra, UFSC
1. Da definição de Filosofia
A Filosofia é um ramo do conhecimento que pode ser
caracterizado de três modos: seja pelos conteúdos ou temas tratados, seja pela
função que exerce na cultura, seja pela forma como trata tais temas. Com
relação aos conteúdos, contemporaneamente, a Filosofia trata de conceitos tais
como bem, beleza, justiça, verdade. Mas, nem sempre a Filosofia tratou de temas
selecionados, como os indicados acima. No começo, na Grécia, a Filosofia
tratava de todos os temas, já que até o séc. XIX não havia uma separação entre
ciência e filosofia. Assim, na Grécia, a Filosofia incorporava todo o saber. No
entanto, a Filosofia inaugurou um modo novo de tratamento dos temas a que passa
a se dedicar, determinando uma mudança na forma de conhecimento do mundo até
então vigente. Isto pode ser verificado a partir de uma análise da assim
considerada primeira proposição filosófica.
Se dermos crédito a Nietzsche, a primeira proposição
filosófica foi aquela enunciada por Tales, a saber, que a água é o princípio de
todas as coisas [Aristóteles. Metafísica, I, 3].
Cabe perguntar o que haveria de filosófico na
proposição de Tales. Muitos ensaiaram uma resposta a esta questão. Hegel, por
exemplo, afirma: "com ela a Filosofia começa, porque através dela chega à
consciência de que o um é a essência, o verdadeiro, o único que é em si e para
si. Começa aqui um distanciar-se daquilo que é a nossa percepção
sensível". Segundo Hegel, o filosófico aqui é o encontro do universal, a
água, ou seja, um único como verdadeiro. Nietzsche, por sua vez, afirma:
"a filosofia grega
parece começar com uma ideia absurda, com a proposição: a água é a origem e a
matiz de todas as coisas. Será mesmo necessário deter-nos nela e levá-la a
sério? Sim, e por três razões: em primeiro lugar, porque essa proposição
enuncia algo sobre a origem das coisas; em segundo lugar, porque o faz sem imagem
e fabulação; e, enfim, em terceiro lugar, porque nela, embora apenas em estado
de crisália [sic], está contido o pensamento: ‘Tudo é um’. A razão citada em
primeiro lugar deixa Tales ainda em comunidade com os religiosos e
supersticiosos, a segunda o tira dessa sociedade e não o mostra como
investigador da natureza, mas, em virtude da terceira, Tales se torna o
primeiro filósofo grego".
O importante é a estrutura racional de tratamento das
questões. Nietzsche analisa esse texto, não sem crítica, e remarca a violência
tirânica como essa frase trata toda a empiria, mostrando que com essa frase se
pode aprender como procedeu toda a filosofia, indo, sempre, para além da
experiência.
A Filosofia representa, nessa perspectiva, a passagem
do mito para o logos. No pensamento mítico, a natureza é possuída por forças
anímicas. O homem, para dominar a natureza, apela a rituais apaziguadores. O
homem, portanto, é uma vítima do processo, buscando dominar a natureza por um
modo que não depende dele, já que esta é concebida como portadora de vontade.
Por isso, essa passagem do mito à razão representa um passo emancipador, na
medida em que libera o homem desse mundo mágico.
"De um sistema de explicações de tipo
genético que faz homens e coisas nascerem biologicamente de deuses e forças
divinas, como ocorre no mito, passa-se a buscar explicações nas próprias
coisas, entre as quais passa a existir um laço de causalidade e constâncias de
tipo geométrico [...] Na visão que os mitos fornecem da realidade [...]
fenômenos naturais, astros, água, sol, terra, etc., são deuses cujos desígnios
escapam aos homens; são, portanto, potências arbitrárias e até certo ponto
inelutáveis".
A ideia de uma arqué, que tem sentido amplo em
grego, indo desde princípio, origem, até destino, porta uma estrutura de
pensamento que a diferencia do modo de pensar anterior, mítico. Com Nietzsche,
pode-se concluir que o logos da metafísica ocidental visa desde o princípio à
dominação do mundo e de si. Se atentarmos para a estrutura de pensamento presente
no nascimento da Filosofia, podemos dizer que seu logos engendrou, muitos anos
depois, o conhecimento científico. Assim, a estrutura presente na ideia de
átomo é mesma que temos, na ciência atual, com ideia de partículas. Ou seja, a
consideração de que há um elemento mínimo na origem de tudo. A tabela periódica
também pode ser considerada uma sofisticação da ideia filosófica da
combinatória dos quatro elementos: ar, terra, fogo, água, da qual tanto tratou
a filosofia eleática.
Portanto, em seu início, a Filosofia pode ser
considerada como uma espécie de saber geral, omniabrangente. Um tal saber,
hoje, haja vista os desenvolvimentos da ciência, é impossível de ser atingido
pelo filósofo.
Temos, portanto, até aqui:
i] a Filosofia como conhecimento geral;
ii] a
Filosofia como conhecimento específico;