Hoje acabei de ler 1889, muito bom. Recomendo. Sem sombras de dúvidas o Laurentino é uma porta que se abre para estudarmos vários assuntos da História Brasileira.
Após a leitura aproveitei para ver a entrevista do autor no roda viva no seguinte endereço:
http://youtu.be/FFIXmVuWd9U
Notem que esse é o Bloco um, tem mais três.
domingo, 22 de setembro de 2013
domingo, 1 de setembro de 2013
1889 - E JÁ LI
Já comprei, estou lendo e de primeira mão, já estou recomendando. Muito bom!
Gostei do que o Laurentino escreveu nas paginas 26 e 27:
"Durante décadas, o brasileiro relutou, com certa razão, a se identificar com a sua tortuosa história republicana, permeada de golpes militares, ditaduras, intervenções e mudanças bruscas nas instituições e brevíssimos períodos de exercício da democracia. A boa notícia é que essa história mal-amada talvez esteja finalmente mudando. O Brasil exibe hoje ao mundo quase três décadas de exercício continuado da democracia, sem rupturas. Isso nunca aconteceu antes. É a primeira vez que todos os brasileiros estão sendo, de fato, chamados a participar da construção nacional. Apesar das dificuldades óbvias do presente, as promessas republicanas começam a ser postas em prática na forma de mais educação, mais saúde, mais trabalho e mais oportunidades para todos.
"É curioso observar que este momento de transformação coincide também com um outro fenômeno inteiramente novo na sociedade brasileira. É o interesse pelo estudo da História do Brasil. Ele pode ser observado no mercado editorial de livros, que nunca vendeu tantas obras sobre o tema, e no grande número de títulos de revistas, sites de internet e outras publicações dedicadas ao assunto. Por que História se tornou um tema popular nos últimos anos? Existem várias respostas possíveis, mas uma delas é seguramente que os brasileiros estão olhando o passado em busca de explicações para o país de hoje. Dessa maneira, procuram também se aparelhar mais adequadamente para a construção do futuro. Isso também é uma excelente notícia. Uma sociedade que não estuda História não consegue entender a si própria porque desconhece suas raízes e razões que a trouxeram aqui. E, se não consegue entender a si mesma, provavelmente também não estará preparada para construir o futuro de forma organizada. O estudo de história é hoje, talvez até mais do que qualquer outra disciplina, uma ferramenta fundamental na construção do Brasil dos nossos sonhos em um novo ambiente de democracia."
Concordo com o Laurentino e tenho convicção que suas obras, 1808, 1822 e, agora, este 1889, contribuíram e contribuirão muito para esse retorno as nossas raízes.
O SISTEMA OLIGÁRQUICO DA REPUBLICA VELHA
O regime republicano inaugurado a 15 de novembro de
1889 correspondeu à necessidade de prover-se hegemonia política ao grupo que,
desde a segunda metade do século XIX, vinha se afirmando como economicamente
dominante: os cafeicultores. O poder político, já na década de 1890,
concentrou-se em suas mãos, dentro da dinâmica da ‘política dos governadores’
inaugurada por Campos Sales. Esse esquema de dominação, que alijava os demais
grupos do centro decisório, pôde manter-se graças a um sistema eleitoral que
permitia manipulações, desde a fraude à violência física.
O setor agroexportador engendrou uma fórmula política que refletia sua
estrita dependência em relação ao sistema capitalista internacional. O
liberalismo era o manancial ideológico desse poder. Os princípios de livre
concorrência, de superioridade da economia de mercado justificavam a divisão
internacional do trabalho — que nos reservara o papel ‘natural’ de produtores
de matérias-primas — e a dominação do setor agroexportador sob o conjunto da
economia nacional. Ao mesmo tempo, o liberalismo impedia qualquer forma de
intervenção estatal, garantindo a autonomia dos Estados, que de certa forma se
manifestava, juridicamente, na própria Federação. A descentralização
administrativa legitimava a hegemonia dos grupos oligárquicos de maior
expressão econômica, enquanto os demais grupos se articulavam a estes, unidos
por uma identidade fundamental: a propriedade da terra. Mantinha-se, assim, o
equilíbrio político a nível nacional, pois não havendo antagonismos profundos
entre os proprietários de terra, a autonomia federativa garantia os interesses
de cada oligarquia em seu âmbito específico. Os atritos e dissidências
ocorridos no período apenas retrataram divergências imediatas, conflitos de
ambições eleiçoeiras, ou, então, nos momentos de crise, prejuízos dos grupos
não vinculados ao café, pelas medidas de defesa do produto.
A própria manutenção da hegemonia dos cafeicultores,
entretanto, ao permitir lucros crescentes, implicou no desenvolvimento
econômico, na urbanização, na acumulação de capital pelos excedentes da
exportação e no incentivo à produção industrial. Surgiram, então, forças
econômicas e sociais que iriam, gradualmente, reivindicar participação política
e contestar o regime vigente.
O sistema político e econômico estruturado pela oligarquia cafeeira era,
porém, muito rígido. Nele não cabiam canais de representação para os novos
grupos, nem mecanismos que pudessem neutralizar os efeitos crescentes das
flutuações econômicas internacionais. O sistema de defesa do café,
primeiramente apoiado na desvalorização de nossa moeda e depois na compra e
estocagem do produto, implicava em custo social geral. Em momentos de crise
aguda, os grupos sociais não vinculados ao setor tornavam-se antagônicos e a
insatisfação crescia nos setores urbanos.
Em geral, porém, até a década de 1920, as camadas médias urbanas, os
operários e os trabalhadores urbanos foram mantidos à margem da expressão
política. As camadas médias urbanas constituíam um aglomerado heterogêneo,
incapaz de articular contestações além das reivindicações de contenção do custo
de vida, de melhores moradias ou de ‘verdade eleitoral’. Os trabalhadores
rurais, mantidos na ignorância e dentro do rígido círculo do controle
coronelístico, não ultrapassavam os limites da violência social expressa no
banditismo ou no fanatismo religioso. O operariado urbano, pressionado por
baixos salários, por castigos corporais, pela ausência de qualquer proteção,
lentamente se articulava.
O desenvolvimento da urbanização e da industrialização, subjacentes ao
progresso do setor cafeeiro, faziam, entretanto, avançar a diferenciação
social. O aumento gradativo das camadas intermediárias urbanas e,
conseqüentemente, seu maior peso político, ao lado do crescimento da capacidade
de organização e de mobilização do operariado, evidenciaram as limitações do
sistema oligárquico, nos anos vinte. Os setores urbanos, a partir de então,
manifestaram-se ativamente, aliando-se às dissidências oligárquicas, apoiando o
movimento tenentista e reivindicando efetiva participação política.
O movimento operário crescia e não era mais possível ignorar sua
importância, por mais desarticuladas e descontínuas que fossem suas
manifestações. A indústria, nascida à sombra dos cafezais, estimulada e nutrida
pelos capitais cafeeiros, organizava-se.
A hegemonia oligárquica entrava em crise. O que fora novo em velho se
tornara, ultrapassado pelo desenvolvimento do setor que ele mesmo criara. Era
preciso redefinir o pacto social e dissolver o acordo político que sustentava o
regime. Era fundamental encontrar saídas para a economia agroexportadora,
afogada pela superprodução e pelo desequilíbrio do mercado. Era inadiável
atender à questão social e absorver suas reivindicações, regulamentando as
relações entre capital e trabalho. A crise interna caminhava, assim, para a
redefinição do papel do Estado e para a formulação de soluções que pudessem
combater a crise econômica, que se delineava.
Apoiado pela manipulação do voto rural, o sistema oligárquico não podia
adaptar-se à estrutura social e econômica do país, que caminhava
para a industrialização. O poder dos cafeicultores estava ferido de morte. O
sistema partidário que lhe garantira sustentação estava esgotado e as
dissidências, agora, eram profundas.
A República oligárquica desabava. Velha, sentia-se sua incapacidade em
assimilar as mudanças internas. Débil, era pressionada pela crise econômica
mundial. Não era um fim violento, dramático. Era a destruição paulatina de um
sistema político-econômico, desencadeada a partir de suas contradições internas
e acelerada pela crise mundial.
Desde 1922 o processo de contestação do regime tinha, em sua vanguarda, o
movimento tenentista. Este, se não era, essencialmente, um movimento coeso e de
ideologia precisa, representava, de qualquer forma, renovação. E suas
manifestações em favor de um regime mais representativo foram endossadas pelas
facções descontentes e pela maioria da população urbana.
A solução tenentista não era, porém, a única vertente revolucionária do
fim da década de 20. Várias eram as propostas políticas que se articulavam para
modificar a estrutura de dominação em vigor. Revolução era o tema principal do
Partido Democrático de São Paulo e revolução era a aspiração dos setores
operários em ascensão.
O processo que culminou
com a deposição de Washington Luís, em 1930, foi a revolução vencedora,
articulada pelas elites dissidentes. Cabia a estas o papel de reorganizar a
sociedade, controlar a crise, neutralizar as forças sociais em conflito
questões cruciais que marcarão indelevelmente o quadro histórico aberto com a
Revolução de 1930” .
José Jobson de Andrade
Arruda
ANÁLISE DE FRIEDRICH ENGELS SOBRE O PAPEL DO TRABALHO NA TRANSFORMAÇÃO DO HOMEM
O Papel do Trabalho
na Transformação do Macaco em Homem
Friederich Engels
1876
Escrito em: 1876
1ª Edição: Neue Zeit, 1896.
Origem da presente transcrição: edição soviética de
1952, de acordo com o manuscrito, em alemão. Traduzido do espanhol.
O trabalho é a fonte de toda riqueza, afirmam os
economistas. Assim é, com efeito, ao lado da natureza, encarregada de fornecer
os materiais que ele converte em riqueza. O trabalho, porém, é muitíssimo mais
do que isso. É a condição básica e fundamental de toda a vida humana. E em tal
grau que, até certo ponto, podemos afirmar que o trabalho criou o próprio
homem.
Há muitas centenas de milhares de anos, numa
época, ainda não estabelecida em definitivo, daquele período do desenvolvimento
da Terra que os geólogos denominam terciário, provavelmente em fins desse
período, vivia em algum lugar da zona tropical — talvez em um extenso
continente hoje desaparecido nas profundezas do Oceano Indico — uma raça de
macacos antropomorfos extraordinariamente desenvolvida. Darwin nos deu uma
descrição aproximada desses nossos antepassados. Eram totalmente cobertos de
pelo, tinham barba, orelhas pontiagudas, viviam nas árvores e formavam manadas.
É de supor que, como conseqüência direta de seu
gênero de vida, devido ao qual as mãos, ao trepar, tinham que desempenhar
funções distintas das dos pés, esses macacos foram-se acostumando a prescindir
de suas mãos ao caminhar pelo chão e começaram a adotar cada vez mais uma
posição ereta. Foi o passo decisivo para a transição do macaco ao homem.
Todos os macacos antropomorfos que existem hoje
podem permanecer em posição ereta e caminhar apoiando-se unicamente sobre seus
pés; mas o fazem só em casos de extrema necessidade e, além disso, com enorme
lentidão. Caminham habitualmente em atitude semi-ereta, e sua marcha inclui o
uso das mãos. A maioria desses macacos apóia no solo os dedos e, encolhendo as
pernas, fazem avançar o corpo por entre os seus largos braços, como um
paralítico que caminha com muletas. Em geral, podemos ainda hoje observar entre
os macacos todas as formas de transição entre a marcha a quatro patas e a
marcha em posição ereta. Mas para nenhum deles a posição ereta vai além de um
recurso circunstancial.
E posto que a posição ereta houvesse de ser para
os nossos peludos antepassados primeiro uma norma, e logo uma necessidade, dai
se depreende que naquele período as mãos tinham que executar funções cada vez
mais variadas. Mesmo entre os macacos existe já certa divisão de funções entre
os pés e as mãos. Como assinalamos acima, enquanto trepavam as mãos eram
utilizadas de maneira diferente que os pés. As mãos servem fundamentalmente
para recolher e sustentar os alimentos, como o fazem já alguns mamíferos
inferiores com suas patas dianteiras. Certos macacos recorrem às mãos para construir
ninhos nas árvores; e alguns, como o chimpanzé, chegam a construir telhados
entre os ramos, para defender-se das inclemências do tempo. A mão lhes serve
para empunhar garrotes, com os quais se defendem de seus inimigos, ou para
bombardeá-los com frutos e pedras. Quando se encontram prisioneiros realizam
com as mãos várias operações que copiam dos homens. Mas aqui precisamente é que
se percebe quanto é grande a distância que separa a mão primitiva dos macacos,
inclusive os antropóides mais superiores, da mão do homem, aperfeiçoada pelo
trabalho durante centenas de milhares de anos. O número e a disposição geral
dos ossos e dos músculos são os mesmos no macaco e no homem, mas a mão do
selvagem mais primitivo é capaz de executar centenas de operações que não podem
ser realizadas pela mão de nenhum macaco. Nenhuma mão simiesca construiu jamais
um machado de pedra, por mais tosco que fosse.
Por isso, as funções, para as quais nossos
antepassados foram adaptando pouco a pouco suas mãos durante os muitos milhares
de anos em que se prolongam o período de transição do macaco ao homem, só
puderam ser, a princípio, funções sumamente simples. Os selvagens mais
primitivos, inclusive aqueles nos quais se pode presumir o retorno a um estado
mais próximo da animalidade, com uma degeneração física simultânea, são muito
superiores àqueles seres do período de transição. Antes de a primeira lasca de
sílex ter sido transformada em machado pela mão do homem, deve ter sido
transcorrido um período de tempo tão largo que, em comparação com ele, o
período histórico por nós conhecido torna-se insignificante. Mas já havia sido
dado o passo decisivo: a mão era livre e podia agora adquirir cada vez mais
destreza e habilidade; e essa maior flexibilidade adquirida transmitia-se por
herança e aumentava de geração em geração.
Vemos, pois, que a mão não é apenas o órgão do
trabalho; é também produto dele. Unicamente pelo trabalho, pela adaptação a
novas e novas funções, pela transmissão hereditária do aperfeiçoamento especial
assim adquirido pelos músculos e ligamentos e, num período mais amplo, também
pelos ossos; unicamente pela aplicação sempre renovada dessas habilidades
transmitidas a funções novas e cada vez mais complexas foi que a mão do homem
atingiu esse grau de perfeição que pôde dar vida, como por artes de magia, aos
quadros de Rafael, às estátuas de Thorwaldsen e à música de Paganini.
Mas a mão não era algo com existência própria e
independente. Era unicamente um membro de um organismo íntegro e sumamente
complexo. E o que beneficiava à mão beneficiava também a todo o corpo servido
por ela; e o beneficiava em dois aspectos.
Primeiramente, em virtude da lei que Darwin
chamou de correlação do crescimento. Segundo essa lei, certas formas das
diferentes partes dos seres orgânicos sempre estão ligadas a determinadas
formas de outras partes, que aparentemente não têm nenhuma relação com as
primeiras. Assim, todos os animais que possuem glóbulos vermelhos sem núcleo e
cujo occipital está articulado com a primeira vértebra por meio de dois côndilos,
possuem, sem exceção, glândulas mamárias para a alimentação de suas crias.
Assim também, a úngula fendida de alguns mamíferos está ligada de modo geral à
presença de um estômago multilocular adaptado à ruminação. As modificações
experimentadas por certas formas provocam mudanças na forma de outras partes do
organismo, sem que estejamos em condições de explicar tal conexão. Os gatos
totalmente brancos e de olhos azuis são sempre ou quase sempre surdos. O
aperfeiçoamento gradual da mão do homem e a adaptação concomitante dos pés ao
andar em posição ereta exerceram indubitavelmente, em virtude da referida
correlação, certa influência sobre outras partes do organismo. Contudo, essa
ação se acha ainda tão pouco estudada que aqui não podemos senão assinalá-la em
termos gerais.
Muito mais importante é a ação direta — possível
de ser demonstrada — exercida pelo desenvolvimento da mão sobre o resto do
organismo. Como já dissemos, nossos antepassados simiescos eram animais que
viviam em manadas; evidentemente, não é possível buscar a origem do homem, o
mais social dos animais, em antepassados imediatos que não vivessem
congregados. Em face de cada novo progresso, o domínio sobre a natureza, que
tivera início com o desenvolvimento da mão, com o trabalho, ia ampliando os
horizontes do homem, levando-o a descobrir constantemente nos objetos novas
propriedades até então desconhecidas. Por outro lado, o desenvolvimento do
trabalho, ao multiplicar os casos de ajuda mútua e de atividade conjunta, e ao
mostrar assim as vantagens dessa atividade conjunta para cada indivíduo, tinha
que contribuir forçosamente para agrupar ainda mais os membros da sociedade. Em
resumo, os homens em formação chegaram a um ponto em que tiveram necessidade de
dizer algo uns aos outros. A necessidade criou o órgão: a laringe pouco
desenvolvida do macaco foi-se transformando, lenta mas firmemente, mediante
modulações que produziam por sua vez modulações mais perfeitas, enquanto os
órgãos da boca aprendiam pouco a pouco a pronunciar um som articulado após
outro.
A comparação com os animais mostra-nos que essa
explicação da origem da linguagem a partir do trabalho e pelo trabalho é a
única acertada. O pouco que os animais, inclusive os mais desenvolvidos, têm
que comunicar uns aos outros pode ser transmitido sem o concurso da palavra
articulada. Nenhum animal em estado selvagem sente-se prejudicado por sua
incapacidade de falar ou de compreender a linguagem humana. Mas a situação muda
por completo quando o animal foi domesticado pelo homem. O contato com o homem
desenvolveu no cão e no cavalo um ouvido tão sensível à linguagem articulada
que esses animais podem, dentro dos limites de suas representações, chegar a
compreender qualquer idioma. Além disso, podem chegar a adquirir sentimentos
antes desconhecidos por eles, como o apego ao homem, o sentimento de gratidão,
etc. Quem conheça bem esses animais dificilmente poderá escapar à convicção de
que, em muitos casos, essa incapacidade de falar é experimentada agora por eles
como um defeito. Desgraçadamente, esse defeito não tem remédio, pois os seus
órgãos vocais se acham demasiado especializados em determinada direção.
Contudo, quando existe um órgão apropriado, essa incapacidade pode ser superada
dentro de certos limites. Os órgãos vocais das aves distinguem-se em forma
radical dos do homem e, no entanto, as aves são os únicos animais que podem
aprender a falar; e o animal de voz mais repulsiva, o papagaio, é o que melhor
fala. E não importa que se nos objete dizendo-nos que o papagaio não sabe o que
fala. Claro está que por gosto apenas de falar e por sociabilidade o papagaio
pode estar horas e horas repetindo todo o seu vocabulário. Mas, dentro do marco
de suas representações, pode chegar também a compreender o que diz. Ensinai a
um papagaio dizer palavrões (uma das distrações favoritas dos marinheiros que
regressam das zonas quentes) e vereis logo que se o irritardes ele fará uso
desses palavrões com a mesma correção de qualquer verdureira de Berlim. E o
mesmo ocorre com o pedido de gulodices.
Primeiro o trabalho, e depois dele e com ele a
palavra articulada, foram os dois estímulos principais sob cuja influência o
cérebro do macaco foi-se transformando gradualmente em cérebro humano — que,
apesar de toda sua semelhança, supera-o consideravelmente em tamanho e em
perfeição. E à medida em que se desenvolvia o cérebro, desenvolviam-se também
seus instrumentos mais imediatos: os órgãos dos sentidos. Da mesma maneira que
o desenvolvimento gradual da linguagem está necessariamente acompanhado do
correspondente aperfeiçoamento do órgão do ouvido, assim também o
desenvolvimento geral do cérebro está ligado ao aperfeiçoamento de todos os
Órgãos dos sentidos. A vista da águia tem um alcance muito maior que a do
homem, mas o olho humano percebe nas coisas muitos mais detalhes que o olho da
águia. O cão tem um olfato muito mais fino que o do homem, mas não pode captar
nem a centésima parte dos odores que servem ao homem como sinais para
distinguir coisas diversas. E o sentido do tato, que o macaco possui a duras
penas na forma mais tosca e primitiva, foi-se desenvolvendo unicamente com o
desenvolvimento da própria mão do homem, através do trabalho.
O desenvolvimento do cérebro e dos sentidos a
seu serviço, a crescente clareza de consciência, a capacidade de abstração e de
discernimento cada vez maiores, reagiram por sua vez sobre o trabalho e a
palavra, estimulando mais e mais o seu desenvolvimento. Quando o homem se
separa definitivamente do macaco esse desenvolvimento não cessa de modo algum,
mas continua, em grau diverso e em diferentes sentidos entre os diferentes
povos e as diferentes épocas, interrompido mesmo às vezes por retrocessos de
caráter local ou temporário, mas avançando em seu conjunto a grandes passos,
consideravelmente impulsionado e, por sua vez, orientado em um determinado
sentido por um novo elemento que surge com o aparecimento do homem acabado: a
sociedade.
Foi necessário, seguramente, que transcorressem
centenas de milhares de anos — que na história da Terra têm uma importância
menor que um segundo na vida de um homem(1) — antes que a
sociedade humana surgisse daquelas manadas de macacos que trepavam pelas
árvores. Mas, afinal, surgiu. E que voltamos a encontrar como sinal distintivo
entre a manada de macacos e a sociedade humana? Outra vez, o trabalho. A manada
de macacos contentava-se em devorar os alimentos de uma área que as condições
geográficas ou a resistência das manadas vizinhas determinavam. Transportava-se
de um lugar para outro e travava lutas com outras manadas para conquistar novas
zonas de alimentação; mas era incapaz de extrair dessas zonas mais do que
aquilo que a natureza generosamente lhe oferecia, se excetuarmos a ação
inconsciente da manada ao adubar o solo com seus excrementos. Quando foram
ocupadas todas as zonas capazes de proporcionar alimento, o crescimento da
população simiesca tornou-se já impossível; no melhor dos casos o número de
seus animais mantinha-se no mesmo nível Mas todos os animais são uns grandes
dissipadores de alimentos; além disso, com freqüência, destroem em germe a nova
geração de reservas alimentícias. Diferentemente do caçador, o lobo não
respeita a cabra montês que lhe proporcionaria cabritos no ano seguinte; as
cabras da Grécia, que devoram os jovens arbustos antes de poder desenvolver-se,
deixaram nuas todas as montanhas do pais. Essa “exploração rapace” levada a
efeito pelos animais desempenha um grande papel na transformação gradual das
espécies, ao obrigá-las a adaptar-se a alimentos que não são os habituais para
elas, com o que muda a composição química de seu sangue e se modifica toda a
constituição física do animal; as espécies já plasmadas desaparecem. Não há
dúvida de que essa exploração rapace contribuiu em alto grau para a humanização
de nossos antepassados, pois ampliou o número de plantas e as partes das
plantas utilizadas na alimentação por aquela raça de macacos que superava todas
as demais em inteligência e em capacidade de adaptação. Em uma palavra, a alimentação,
cada vez mais variada, oferecia ao organismo novas e novas substâncias, com o
que foram criadas as condições químicas para a transformação desses macacos em
seres humanos. Mas tudo isso não era trabalho no verdadeiro sentido da palavra.
O trabalho começa com a elaboração de instrumentos. E que representam os
instrumentos mais antigos, a julgar pelos restos que nos chegaram dos homens
pré-históricos, pelo gênero de vida dos povos mais antigos registrados pela
história, assim como pelo dos selvagens atuais mais primitivos? São
instrumentos de caça e de pesca, sendo os primeiros utilizados também como
armas. Mas a caça e a pesca pressupõem a passagem da alimentação exclusivamente
vegetal à alimentação mista, o que significa um novo passo de sua importância
na transformação do macaco em homem. A alimentação cárnea ofereceu ao
organismo, em forma quase acabada, os ingredientes mais essenciais para o seu
metabolismo. Desse modo abreviou o processo da digestão e outros processos da
vida vegetativa do organismo (isto é, os processos análogos ao da vida dos
vegetais), poupando, assim, tempo, materiais e estímulos para que pudesse
manifestar-se ativamente a vida propriamente animal. E quanto mais o homem em
formação se afastava do reino vegetal, mais se elevava sobre os animais. Da
mesma maneira que o hábito da alimentação mista converteu o gato e o cão
selvagens em servidores do homem, assim também o hábito de combinar a carne com
a alimentação vegetal contribuiu poderosamente para dar força física e
independência ao homem em formação. Mas onde mais se manifestou a influência da
dieta cárnea foi no cérebro, que recebeu assim em quantidade muito maior do que
antes as substâncias necessárias à sua alimentação e desenvolvimento, com o que
se foi tomando maior e mais rápido o seu aperfeiçoamento de geração em geração.
Devemos reconhecer — e perdoem os senhores vegetarianos — que não foi sem ajuda
da alimentação cárnea que o homem chegou a ser homem; e o fato de que, em uma
ou outra época da história de todos os povos conhecidos, o emprego da carne na
alimentação tenha chegado ao canibalismo (ainda no século X os antepassados dos
berlinenses, os veletabos e os viltses, devoravam os seus progenitores) é uma
questão que não tem hoje para nós a menor importância.
O consumo de carne na alimentação significou
dois novos avanços de importância decisiva: o uso do fogo e a domesticação dos
animais. O primeiro reduziu ainda mais o processo da digestão, já que permitia
levar a comida à boca, como se disséssemos, meio digerida; o segundo
multiplicou as reservas de carne, pois agora, ao lado da caça, proporcionava
uma nova fonte para obtê-la em forma mais regular. A domesticação de animais
também proporcionou, com o leite e seus derivados, um novo alimento, que era
pelo menos do mesmo valor que a carne quanto à composição. Assim, esses dois
adiantamentos converteram-se diretamente para o homem em novos meios de
emancipação. Não podemos deter-nos aqui em examinar minuciosamente suas
conseqüências.
O homem, que havia aprendido a comer tudo o que
era comestível, aprendeu também, da mesma maneira, a viver em qualquer clima.
Estendeu-se por toda a superfície habitável da Terra, sendo o único animal
capaz de fazê-lo por iniciativa própria. Os demais animais que se adaptaram a
todos os climas — os animais domésticos e os insetos parasitas — não o
conseguiram por si, mas unicamente acompanhando o homem. E a passagem do clima
uniformemente cálido da pátria original para zonas mais frias, onde o ano se
dividia em verão e inverno, criou novas exigências, ao obrigar o homem a
procurar habitação e a cobrir seu corpo para proteger-se do frio e da umidade.
Surgiram assim novas esferas de trabalho, e com elas novas atividades, que
afastaram ainda mais o homem dos animais.
Graças à cooperação da mão, dos órgãos da
linguagem e do cérebro, não só em cada indivíduo, mas também na sociedade, os
homens foram aprendendo a executar operações cada vez mais complexas, a
propor-se e alcançar objetivos cada vez mais elevados. O trabalho mesmo se
diversificava e aperfeiçoava de geração em geração, estendendo-se cada vez a
novas atividades. A caça e à pesca veio juntar-se a agricultura, e mais tarde a
fiação e a tecelagem, a elaboração de metais, a olaria e a navegação. Ao lado
do comércio e dos ofícios apareceram, finalmente, as artes e as ciências; das
tribos saíram as nações e os Estados. Apareceram o direito e a política, e com
eles o reflexo fantástico das coisas no cérebro do homem: a religião. Frente a
todas essas criações, que se manifestavam em primeiro lugar como produtos do
cérebro e pareciam dominar as sociedades humanas, as produções mais modestas,
fruto do trabalho da mão, ficaram relegadas a segundo plano, tanto mais quanto
numa fase muito recuada do desenvolvimento da sociedade (por exemplo, já na
família primitiva), a cabeça que planejava o trabalho já era capaz de obrigar
mãos alheias a realizar o trabalho projetado por ela. O rápido progresso da
civilização foi atribuído exclusivamente à cabeça, ao desenvolvimento e à
atividade do cérebro. Os homens acostumaram-se a explicar seus atos pelos seus
pensamentos, em lugar de procurar essa explicação em suas necessidades
(refletidas, naturalmente, na cabeça do homem, que assim adquire consciência
delas). Foi assim que, com o transcurso do tempo, surgiu essa concepção
idealista do mundo que dominou o cérebro dos homens, sobretudo a partir do
desaparecimento do mundo antigo, e continua ainda a dominá-lo, a tal ponto que
mesmo os naturalistas da escola darwiniana mais chegados ao materialismo são
ainda incapazes de formar uma idéia clara acerca da origem do homem, pois essa
mesma influência idealista lhes impede de ver o papel desempenhado aqui pelo
trabalho.
Os animais, como já indicamos de passagem,
também modificam com sua atividade a natureza exterior, embora não no mesmo
grau que o homem; e essas modificações provocadas por eles no meio ambiente
repercutem, como vimos, em seus causadores, modificando-os por sua vez. Nada
ocorre na natureza em forma isolada. Cada fenômeno afeta a outro, e é por seu
turno influenciado por este; e é em geral o esquecimento desse movimento e
dessa interação universal o que impede a nossos naturalistas perceber com
clareza as coisas mais simples. Já vimos como as cabras impediram o
reflorestamento dos bosques na Grécia; em Santa Helena, as cabras e os porcos
desembarcados pelos primeiros navegantes chegados à ilha exterminaram quase por
completo a vegetação ali existente, com o que prepararam o terreno para que
pudessem multiplicar-se as plantas levadas mais tarde por outros navegantes e
colonizadores. Mas a influência duradoura dos animais sobre a natureza que os
rodeia é inteiramente involuntária e constitui, no que se refere aos animais,
um fato acidental. Mas, quanto mais os homens se afastam dos animais, mais sua
influência sobre a natureza adquire um caráter de uma ação intencional e
planejada, cujo fim é alcançar objetivos projetados de antemão. Os animais
destroçam a vegetação do lugar sem dar-se conta do que fazem. Os homens, em
troca, quando destroem a vegetação o fazem com o fim de utilizar a superfície
que fica livre para semear trigo, plantar árvores ou cultivar a videira,
conscientes de que a colheita que irão obter superará várias vezes o semeado
por eles. O homem traslada de um pais para outro plantas úteis e animais domésticos,
modificando assim a flora e a fauna de continentes inteiros. Mais ainda: as
plantas e os animais, cultivadas aquelas e criados estes em condições
artificiais, sofrem tal influência da mão do homem que se tornam
irreconhecíveis.
Não foram até hoje encontrados os antepassados
silvestres de nossos cultivos cerealistas. Ainda não foi resolvida a questão de
saber qual o animal que deu origem aos nossos cães atuais, tão diferentes uns
de outros, ou às atuais raças de cavalos, também tão numerosos. Ademais, compreende-se
de logo que não temos a intenção de negar aos animais a faculdade de atuar em
forma planificada, de um modo premeditado. Ao contrário, a ação planificada
existe em germe onde quer que o protoplasma — a albumina viva — exista e reaja,
isto é, realize determinados movimentos, embora sejam os mais simples, em
resposta a determinados estímulos do exterior. Essa reação se produz, não
digamos já na célula nervosa, mas inclusive quando ainda não há célula de
nenhuma espécie. O ato pelo qual as plantas insetívoras se apoderam de sua
presa aparece também, até certo ponto, como um ato planejado, embora se realize
de um modo totalmente inconsciente. A possibilidade de realizar atos
conscientes e premeditados desenvolve-se nos animais em correspondência com o
desenvolvimento do sistema nervoso e adquire já nos mamíferos um nível bastante
elevado. Durante as caçadas organizadas na Inglaterra pode-se observar sempre a
infalibilidade com que a raposa utiliza seu perfeito conhecimento do lugar para
ocultar-se aos seus perseguidores, e como conhece e sabe aproveitar muito bem
todas as vantagens do terreno para despistá-los. Entre nossos animais
domésticos, que chegaram a um grau mais alto de desenvolvimento graças à sua
convivência com o homem podem ser observados diariamente atos de astúcia,
equiparáveis aos das crianças, pois do mesmo modo que o desenvolvimento do
embrião humano no ventre materno é uma réplica abreviada de toda a história do
desenvolvimento físico seguido através de milhões de anos pelos nossos antepassados
do reino animal, a partir do estado larval, assim também o desenvolvimento
espiritual da criança representa uma réplica, ainda mais abreviada, do
desenvolvimento intelectual desses mesmos antepassados, pelo menos dos mais
próximos. Mas nem um só ato planificado de nenhum animal pôde imprimir na
natureza o selo de sua vontade. Só o homem pôde fazê-lo.
Resumindo: só o que podem fazer os animais é
utilizar a natureza e modificá-la pelo mero fato de sua presença nela. O homem,
ao contrário, modifica a natureza e a obriga a servir-lhe, domina-a. E ai está,
em última análise, a diferença essencial entre o homem e os demais animais,
diferença que, mais uma vez, resulta do trabalho.
Contudo, não nos deixemos dominar pelo
entusiasmo em face de nossas vitórias sobre a natureza. Após cada uma dessas
vitórias a natureza adota sua vingança. É verdade que as primeiras
conseqüências dessas vitórias são as previstas por nós, mas em segundo e em
terceiro lugar aparecem conseqüências muito diversas, totalmente imprevistas e
que, com freqüência, anulam as primeiras. Os homens que na Mesopotâmia, na
Grécia, na Ásia Menor e outras regiões devastavam os bosques para obter terra
de cultivo nem sequer podiam imaginar que, eliminando com os bosques os centros
de acumulação e reserva de umidade, estavam assentando as bases da atual aridez
dessas terras. Os italianos dos Alpes, que destruíram nas encostas meridionais
os bosques de pinheiros, conservados com tanto carinho nas encostas
setentrionais, não tinham idéia de que com isso destruíam as raízes da
indústria de laticínios em sua região; e muito menos podiam prever que,
procedendo desse modo, deixavam a maior parte do ano secas as suas fontes de
montanha, com o que lhes permitiam, chegado o período das chuvas, despejar com
maior fúria suas torrentes sobre a planície. Os que difundiram o cultivo da
batata na Europa não sabiam que com esse tubérculo farináceo difundiam por sua
vez a escrofulose. Assim, a cada passo, os fatos recordam que nosso domínio
sobre a natureza não se parece em nada com o domínio de um conquistador sobre o
povo conquistado, que não é o domínio de alguém situado fora da natureza, mas
que nós, por nossa carne, nosso sangue e nosso cérebro, pertencemos à natureza,
encontramo-nos em seu seio, e todo o nosso domínio sobre ela consiste em que,
diferentemente dos demais seres, somos capazes de conhecer suas leis e
aplicá-las de maneira adequada.
Com efeito, aprendemos cada dia a compreender
melhor as leis da natureza e a conhecer tanto os efeitos imediatos como as
conseqüências remotas de nossa intromissão no curso natural de seu
desenvolvimento. Sobretudo depois dos grandes progressos alcançados neste
século pelas ciências naturais, estamos em condições de prever e, portanto, de
controlar cada vez melhor as remotas conseqüências naturais de nossos atos na
produção, pelo menos dos mais correntes. E quanto mais isso seja uma realidade,
mais os homens sentirão e compreenderão sua unidade com a natureza, e mais
inconcebível será essa idéia absurda e antinatural da antítese entre o espírito
e a matéria, o homem e a natureza, a alma e o corpo, idéia que começa a
difundir-se pela Europa sobre a base da decadência da antigüidade clássica e
que adquire seu máximo desenvolvimento no cristianismo.
Mas, se foram necessários milhares de anos para
que o homem aprendesse, em certo grau, a prever as remotas conseqüências
naturais no sentido da produção, muito mais lhe custou aprender a calcular as
remotas conseqüências sociais desses mesmos atos. Falamos acima da batata e de
seus efeitos quanto à difusão da escrofulose. Mas que importância pode ter a
escrofulose, comparada com os resultados que teve a redução da alimentação dos
trabalhadores a batatas puramente sobre as condições de vida das massas do povo
de países inteiros, com a fome que se estendeu em 1847 pela Irlanda em
conseqüência de uma doença provocada por esse tubérculo e que levou à sepultura
um milhão de irlandeses que se alimentavam exclusivamente, ou quase
exclusivamente, de batatas e obrigou a que emigrassem para além-mar outros dois
milhões? Quando os árabes aprenderam a destilar o álcool, nem sequer
ocorreu-lhes pensar que haviam criado uma das armas principais com que iria ser
exterminada a população indígena do continente americano, então ainda
desconhecido. E quando mais tarde Colombo descobriu a América não sabia que ao
mesmo tempo dava nova vida à escravidão, há muito tempo desaparecida na Europa,
e assentado as bases do tráfico dos negros. Os homens que nos séculos XVII e
XVIII haviam trabalhado para criar a máquina a vapor não suspeitavam de que
estavam criando um instrumento que, mais do que nenhum outro, haveria de
subverter as condições sociais em todo o mundo e que, sobretudo na Europa, ao
concentrar a riqueza nas mãos de uma minoria e ao privar de toda propriedade a
imensa maioria da população, haveria de proporcionar primeiro o domínio social
e político à burguesia, e provocar depois a luta de classe entre a burguesia e
o proletariado, luta que só pode terminar com a liquidação da burguesia e a
abolição de todos os antagonismos de classe. Mas também aqui, aproveitando uma
experiência ampla, e às vezes cruel, confrontando e analisando os materiais
proporcionados pela história, vamos aprendendo pouco a pouco a conhecer as
conseqüências sociais indiretas e mais remotas de nossos atos na produção, o
que nos permite estender também a essas conseqüências o nosso domínio e o nosso
controle.
Contudo, para levar a termo esse controle é
necessário algo mais do que o simples conhecimento. É necessária uma revolução
que transforme por completo o modo de produção existente até hoje e, com ele, a
ordem social vigente.
Todos os modos de produção que existiram até o
presente só procuravam o efeito útil do trabalho em sua forma mais direta e
Imediata. Não faziam o menor caso das conseqüências remotas, que só surgem mais
tarde e cujos efeitos se manifestam unicamente graças a um processo de
repetição e acumulação gradual. A primitiva propriedade comunal da terra
correspondia, por um lado, a um estádio de desenvolvimento dos homens no qual
seu horizonte era limitado, em geral, às coisas mais imediatas, e pressupunha,
por outro lado, certo excedente de terras livres, que oferecia determinada
margem para neutralizar os possíveis resultados adversos dessa economia
primitiva. Ao esgotar-se o excedente de terras livres, começou a decadência da
propriedade comunal. Todas as formas mais elevadas de produção que vieram
depois conduziram à divisão da população em classes diferentes e, portanto, no
antagonismo entre as classes dominantes e as classes oprimidas. Em
conseqüência, os interesses das classes dominantes converteram-se no elemento
propulsor da produção, enquanto esta não se limitava a manter, bem ou mal, a
mísera existência dos oprimidos.
Isso encontra sua expressão mais acabada no modo
de produção capitalista, que prevalece hoje na Europa ocidental. Os
capitalistas individuais, que dominam a produção e a troca, só podem ocupar-se
da utilidade mais imediata de seus atos. Mais ainda: mesmo essa utilidade —
porquanto se trata da utilidade da mercadoria produzida ou trocada — passa
inteiramente ao segundo plano, aparecendo como único incentivo o lucro obtido
na venda.
* * *
A ciência social da burguesia, a economia
política clássica, só se ocupa preferentemente daquelas conseqüências sociais
que constituem o objetivo imediato dos atos realizados pelos homens na produção
e na troca. Isso corresponde plenamente ao regime social cuja expressão teórica
é essa ciência. Porquanto os capitalistas isolados produzem ou trocam com o
único fim de obter lucros imediatos, só podem ser levados em conta,
primeiramente, os resultados mais próximos e mais imediatos. Quando um
industrial ou um comerciante vende a mercadoria produzida ou comprada por ele e
obtém o lucro habitual, dá-se por satisfeito e não lhe interessa de maneira
alguma o que possa ocorrer depois com essa mercadoria e seu comprador. O mesmo
se verifica com as conseqüências naturais dessas mesmas ações. Quando, em Cuba,
os plantadores espanhóis queimavam os bosques nas encostas das montanhas para
obter com a cinza um adubo que só lhes permitia fertilizar uma geração de
cafeeiros de alto rendimento pouco lhes importava que as chuvas torrenciais dos
trópicos varressem a camada vegetal do solo, privada da proteção das arvores, e
não deixassem depois de si senão rochas desnudas! Com o atual modo de produção,
e no que se refere tanto às conseqüências naturais como às conseqüência sociais
dos atos realizados pelos homens, o que interessa prioritariamente são apenas
os primeiros resultados, os mais palpáveis. E logo até se manifesta estranheza
pelo fato de as conseqüências remotas das ações que perseguiam esses fins serem
multo diferentes e, na maioria dos casos, até diametralmente opostas; de a
harmonia entre a oferta e a procura converter-se em seu antípoda, como nos
demonstra o curso de cada um desses ciclos industriais de dez anos, e como
puderam convencer-se disso os que com o “crack” viveram na Alemanha um pequeno
prelúdio; de a propriedade privada baseada no trabalho próprio converter-se necessariamente,
ao desenvolver-se, na ausência de posse de toda propriedade pelos
trabalhadores, enquanto toda a riqueza se concentra mais e mais nas mãos dos
que não trabalham; de [...](2)
Notas:
(1)
Notas Sir William Thomson. grande autoridade na matéria, calculou em pouco mais
de cem milhões de anos o tempo transcorrido desde o momento em que a Terra se
esfriou o suficiente para que nela pudessem viver as plantas e os animais.
(Nota de Engels) Engels
refere-se à crise econômica de 1873/1874. (N. da R)
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