Hannah Arendt – escritora
e pensadora alemã de origem judaica, nascida na Alemanha e radicada nos EUA,
nasceu como o nome de Johanna Arendt, na cidade de Linden-Limmer, Reino de
Hanôver, Império Alemão em 14 de outubro de 1906, e faleceu em Nova Iorque, nos
Estados Unidos em 4 de dezembro de 1975, com 69 anos. Foi também uma filosofa política, uma das mais influentes do século XX na área de Filosofia Política,
Filosofia Continental e Fenomenologia, escrevendo em diversas áreas de seu
interesse como: Teoria Política, Religião, Judaísmo, Ideias Notáveis,
Banalidade do Mal, As Origens do Totalitarismo (livro de 1951), A Condição
Humana (livro de 1958), Da Revolução (livro de 1963) e Eichmann em Jerusalém
(livro de 1963).
Foi influenciada por:
Sócrates, Platão, Aristóteles, Paulo, Duns Escoto, Santo Agostinho, Maquiavel,
Montesquieu, Edmund Burke, Kant, Tocqueville, Kierkegaard, Karl Marx, Friedrich
Nietzsche, Heidegger, Russel, Jaspers e Walter Benjamin.
E influenciou: Jügen
Habermas, Maurice Merleau-Ponty, Giorgio Agamben, Seyla Benhabib, Cornelius
Castoriadis, Claude Lefort, Elisabeth Young-Breuehl, Reinhart Koselleck, Hanna
Pitkin, Michael Marrus, Quentin Skinner, J.G.A. Pocock, Phillip Pettit, Alain
Finkielkraut, Juskia Kristeva, Richard Sennett, Charles Taylor e Robert
Pogue Harrison.
Alma mater: Universidade
de Berlin, Universidade de Marburgo, Universidade de Freiburg, Universidade de
Heidelberg (PhD em 1929).
A privação de direitos e a
perseguição de pessoas de origem judaica ocorrida na Alemanha a partir de 1933,
assim como um breve encarceramento neste ano, fizeram-na decidir por emigrar. O
regime nazista retirou-lhe a nacionalidade em 1937, o que a tornou apátrida até
conseguir a nacionalidade estado-unidense em 1951.
Trabalhou, entre outras
atividades, como jornalista e professora universitária e publicou obras
importantes sobre filosofia política. Contudo, recusava a ser classificada como
“filósofa” e também se distanciava do termo “filosofia política”, preferia que
suas publicações fossem classificadas dentro da “teoria política”.
Arendt defendia um
conceito de “pluralismo” no âmbito político. Graças ao pluralismo, o potencial
de uma liberdade e igualdade política seria gerado entre as pessoas. Importante
é a perspectiva da inclusão do “Outro”. Em acordos políticos, convênios e leis,
devem trabalhar em níveis práticos pessoas adequadas e dispostas. Como frutos
desses pensamentos, Arendt situava de forma crítica ante a democracia
representativa e preferia um sistema de conselhos ou formas de democracia
direta. Entretanto, ela continua sendo estudada como filósofa, em grande parte
devido a suas discussões críticas de filósofos como Sócrates, Platão,
Aristóteles, Immanuel Kant, Martin Heidegger e Karl Jaspers, além de
representantes importantes da filosofia moderna como Maquiavel e Montesquieu.
Justamente graças ao seu pensamento independente, a Teoria do Totalitarismo
(Theorie der Totalen Herrschaft) seus trabalhos sobre filosofia existencial e
sua reivindicação da discussão política livre, Arendt tem um papel central nos
debates contemporâneos.
Como fontes de suas
investigações Arendt usa, para além de documentos filosóficos, políticos e
históricos, biografias e obras literárias. Esses textos são interpretados de
forma literal e confrontados com seus pensamentos. Seu sistema de análise –
parcialmente influenciado por Heidegger – a converte em uma pensadora original
situa da entre diferentes campos de conhecimento e especialidades
universitárias. O seu devenir pessoal e o de seu pensamento mostram um
importante grau de coincidência.
Vida e Obra
Infância e Juventude
Hannah Arendt nasceu em
1906 no seio de uma família de judeus secularizados em Linden, hoje bairro de
Hanôver. Seus antepassados vieram de Königsberg, na Prússia (a cidade russa de
Kaliningrado), para onde voltaram seu pai, o engenheiro Paul Arendt, que sofria
de sífilis, sua mãe Martha (de nome de solteira Cohn) e ela, quando Hannah
tinha somente três anos. Depois da morte de seu pai, em 1913, foi educada de
forma bastante liberal por sua mãe, que tinha tendências social-democratas. Nos
círculos intelectuais de Königsberg nos quais se criou a educação de meninas
era comum. Através dos seus avós, conheceu o judaísmo reformista. Não pertencia
a nenhuma comunidade religiosa, mas sempre se considerou judia, inclusive
participando do movimento sionista.
Aos quatorze anos, já
havia lido a “Crítica da Razão Pura” de Kant e a “Psicologia das Concepções do
Mundo” de Jaspers. Aos 17 anos é obrigada a abandonar a escola por problemas
disciplinares, indo então, sozinha, para Berlim, onde, sem haver concluído sua
formação, teve aulas de teologia cristã e estudou pela primeira vez a obra de Søren Kierkegaard. De volta a
Königsberg em 1924, foi aprovada no exame de maturidade (Abitur).
Vida Acadêmica e
Atividade Política
Em
1924, começa seus estudos na Universidade de Marburg e durante um ano assiste
aulas de filosofia de Martin Heidegger e de Nicolai Hartmann e as de teologia
protestante de Rudolf Bultmann, além de estudar grego.
Heidegger,
pai de família de 35 anos, e Arendt, estudante, dezessete anos mais jovens que
ele, foram amantes, ainda que tivessem de manter em segredo a relação. No
começo de 1926, por não suportar mais tal situação, decidiu trocar de
universidade, indo para Universidade Albert Ludwig de Freiburg para estudar sob
a orientação de Edmund Husserl. Ela também estudou filosofia na Universidade de
Heidelberg e se formou em 1928, sob a tutoria de Karl Jaspers, com a tese “O
Conceito de Amor em Santo Agostinho”. A amizade com Jaspers duraria até a morte
do filósofo.
Arendt
havia levado uma vida muito recatada em Marburg, como consequência do segredo
de sua relação com Heidegger. Mantinha amizade apenas com outros alunos, como
Hans Jonas, e com seus amigos de Königsberg. Em Heidelberg, ampliou seu círculo
de amigos ao qual pertenceu Karl Frankestein, que em 1928, apresentou uma
dissertação histórico-filosófica, Erich Neumann, seguidor de Jung, e Erwin
Loewenson, um ensaísta expressionista. Nonas também se mudou para Heidelberg e
realizou alguns trabalhos sobre Santo Agostinho.
Em
Berlim, no ano de 1929, Arendt reencontra Günther Stern (que se chamaria mais
tarde Günther Anders), que conhecera em Marburg. Pouco mais tarde, mudou para
viver com ele, algo que foi mal visto pela sociedade da época. Nesse mesmo ano,
casaram-se. O casamento duraria até 1937. Depois de um curto tempo em
Heidelberg, o casal passou um ano em Frankfurt. Arendt escrevia para o jornal
Frankfurter Zeitung e participava de seminários de Paul Tilich e Karl Mannheim,
de cujo livro “Ideologia e Utopia” elaborou uma resenha crítica. Ao mesmo
tempo, estudava a obra de Rahel Varnhagen, uma intelectual judia assimilada,
convertida ao cristianismo, que viveu entre os séculos XVIII e XIX.
Quando
ficou claro que a tese de Stern não seria aceita por Theodor Adorno, os dois
voltaram para Berlim. Lá, Arendt começou a elaborar uma tese sobre a obra de
Rahel Varnhagen. Depois de uma avaliação positiva de Jaspers, que também
conseguiu outras de Heidegger e de Martin Dibelius, Arendt obteve uma bolsa de
estudos na Notgemeinschaft der Deutschen Wissenschaft (Associação de Ajuda para
a Ciência Alemã), Arendt começou a se interessar cada vez mais por questões
políticas. Leu Marx e Trotsky e estabeleceu contatos na Hochschule für Politik
(Escola Superior de Política). Analisou a exclusão social dos judeus, apesar da
assimilação, com base no conceito de “pária”, empregado pela primeira vez por
Max Weber para falar dos judeus. A este termo, ela opôs outro – “arrivista” –,
inspirada pelos escritos de Bernard Lazare. Em 1932, publicou na revista
Geschichte der Juden in Deutschland (História dos Judeus na Alemanha) o artigo
“Aufklärung und Judenfrage” (“O Iluminismo e a Questão Judaica”), no qual expõe
suas ideias sobre a independência do judaísmo, contrapondo-as com as dos
iluministas Gotthold Ephraim Lessing e Moses Mendelssohn e o precursor do
Romantismo, Johann Gottfried Herder.
Também
em 1932, escreve uma crítica do livro “Das Frauenproblem in der Gegenwart” (“O
Problema da Mulher na Atualidade”) de Alice Rühle-Gerstel no qual comenta a
emancipação da mulher na vida pública, mas também discute suas limitações –
sobretudo no casamento e na vida profissional. Constata o “menosprezo fático”
que sofre a mulher na sociedade e critica os deveres que não são compatíveis
com sua independência. Em troca, Arendt contempla o feminismo à distância. Por
um lado, insiste que as frentes políticas são “frentes de homens” e, por outro,
considera “questionáveis” os movimentos feministas, assim como os movimentos
juvenis, porque ambos – com estruturas que trespassam as classes sociais – têm
que fracassar em seu intento de criar partidos políticos influentes.
Pouco
antes da ascensão de Hitler ao poder, Karl Jaspers tenta convencê-la em várias
cartas de ela devia considerar-se alemã. Ela rebate, escrevendo: “Para mim,
Alemanha é a língua materna, a filosofia e a poesia”. No mais, sentia-se
distante. Em especial critica a expressão “o ser (Wesen) alemã” empregada por
Jaspers. Este respondeu: “Estranho que você, como judia, queira diferenciar-se
dos alemães”. Ambos também manteriam estas posições após a Guerra.
Em
1932, Arendt já pensava na emigração, mas inicialmente ficou na Alemanha quando
seu marido emigrou para Paris, em março de 1933, e começou sua atividade
política. Por recomendação de Kurt Blumenfeld, trabalhou para uma organização
sionista, estudando a perseguição dos judeus, que estava no começo na Alemanha
Nazista. Sua casa serviu de estação de trânsito para refugiados. Em julho de
1933, ela foi detida durante oito dias pela Gestapo. A Günter Gaus comentou-se
suas razões: “Se te atacam como judeu, deves defender-te como judeu”.
Já
em 1933, Arendt defendia a postura de que se devia lutar ativamente contra o
nacional-socialismo. Essa posição contrária à de muitos intelectuais alemães,
inclusive alguns de origem judaica, que pretendiam se aproximar do
nacional-socialismo, subestimando a ditadura e inclusive elogiando os novos
donos do poder. Na entrevista com Gaus, ela expressa seu desprezo pela
“Gleichschaltung” (“adaptação” ao novo governo) da maioria dos intelectuais. A
questão repugnava Arendt e ela não queria ter nada em comum com esses eruditos
de manada, oportunistas ou mesmo entusiastas.
Desse
pensamento surgiu sua disputa com Leo Strauss, cujo pensamento conservador
rejeitava. O ingresso de Heidegger no NSDAP
[1]
causou o rompimento de sua relação com ele, a qual não foi retomada até 1950.
Também finalizou a amizade com Benno Von Wiese quando este se aproximou do
nazismo e ingressou no NSDAP, em 1933.
Essa
experiência de profundo afastamento de seus amigos é descrita várias vezes em
suas obras e em sua correspondência. Ela partia da convicção de que se tratava
de decisões voluntárias, pelas quais o indivíduo era responsável. Pouco antes
de sua morte sustentou que muitos pensadores fracassaram frente ao nacional-socialismo
quando se comprometeram com o regime. Arendt não exigia deles uma oposição
ativa. Reconhecia já o silêncio como uma recusa ao totalitarismo.
Outro
círculo de amigos se abriu graças à sua amizade com Benno Von Wiese e seus
estudos com Friedrich Gundolf, que lhe havia recomendado Jaspers. Sua amizade
com Kurt Blumenfeld, diretor e porta-voz do movimento sionista alemão, cujos
estudos tratavam da chamada questão judaica e da assimilação cultural também
foi importante. Hannah Arendt agradeceu-lhe em uma carta de 1951 o seu próprio
entendimento da situação dos judeus.
Ainda
em 1933 (ano da tomada do poder por Hitler) Arendt, por ser judia, foi proibida
de defender uma segunda tese (sobre Rahel Varnhagen), que lhe daria o acesso à
docência nas universidades alemãs. O seu crescente envolvimento com o sionismo
levá-la-ia a colidir com o antissemitismo do Terceiro Reich – o que a
conduziria, seguramente, à prisão. Deixou a Alemanha, passando por Praga e
Genebra antes de chegar a Paris, onde trabalhou nos seis anos seguintes com
crianças judias expatriadas e tornou-se amiga do crítico literário e filósofo
marxista Walter Benjamin. Quando a França foi ocupada pelos alemães, Arendt foi
presa juntamente com seu segundo marido, o filósofo “marxista crítico” Heinrich
Blücher e ficou internada no campo de concentração de Gurs. Em 1941 conseguiu
escapar e fugir para os Estados Unidos, através da Espanha e Portugal, com a
ajuda do jornalista estado-unidense Varian Fry.
Hannah
Arendt chegou a Lisboa em janeiro de 1941, após ter casado pela segunda vez com
o poeta Heinrich Blücher escapando in extremis da França ocupada pelos nazis
com o seu marido e sua mãe. Conseguiu passar as fronteiras mediante documentos
falsos obtidos pelo grande economista e historiador das ideias Albert Hirschman
que tinha lutado pelos republicanos na Guerra Civil Espanhola.
Hannah
Arendt chegou a Lisboa devastada pela notícia da morte de seu amigo Walter
Benjamin, que se suicidara uns meses antes ao não conseguir atravessar a
fronteira entre França e Espanha com destino a Lisboa. Hannah e o marido
transportavam o manuscrito das Teses sobre a Filosofia da História que Benjamin
escrevera no início do ano anterior e que lhes enviara por segurança. Do pouco
que se sabe que Hannah Arendt fez em Lisboa, além de lutar contra a depressão e
esperar por papéis e passagens para Nova Iorque, foi ler o ensaio de Walter
Benjamin, assumindo a responsabilidade de fazê-lo publicar nos EUA.
Segundo
Rui Tavares, a estada paralisante de Hannah Arendt em Lisboa, pelo seu peso
emocional e pelo desespero surdo, reflete-se principalmente no seu
extraordinário ensaio “Nós Refugiados” que publicou e que lhe permitiu
entender, como pessoa refugiada e apátrida, que a cidadania é o primeiro dos
direitos, “o direito a ter direitos” segundo ela, e que esteve na origem da sua
relevante filosofia dos direitos humanos.
Hannah
trabalhou nos Estados Unidos em diversas editoras e organizações judaicas,
tendo escrito para o Weekly Aufba.
Depois
da Guerra, Arendt ainda regressaria à Alemanha e reencontraria o seu antigo
mentor Martin Heidegger, que estava afastado do ensino, devido as suas
simpatias pelo nazismo. Envolver-se-ia, pessoalmente na reabilitação do
filósofo alemão, o que lhe valeria severas críticas das associações judaicas
americanas. Do relacionamento de ambos, ao longo de décadas (inclusive durante
o exílio nos Estados Unidos), seria publicado um livro marcante “Lettres et
Autres Documents, 1925 – 1975, Hannah Arendt, Martin Heidegger”, com edição
alemã e tradução francesa da responsabilidade das édition Gallimard.
Em
1963, Hannah Arendt é contratada como professora da Universidade de Chicago,
onde ensina até 1967, ano em que se muda para Nova Iorque e passa a lecionar na
New School for Social Research, instituição em que permanece até a sua morte em
1975.
Hannah
Arendt faleceu em 4 de dezembro de 1975, uma quinta-feira, e atualmente está
sepultada em Bard College, Annandale-on-Hudson, Nova York, nos Estados Unidos.
Pensamento
Banalidade do Mal
Um
dos principais conceitos de Hannah Arendt é conhecido por ter sido estabelecido
enquanto a autora cobria jornalisticamente os julgamentos de ex-oficiais
nazistas, que tiveram início em 1961, na cidade de Jerusalém, quando escreveu
sua importante obra “Eichmann em Jerusalém”. O conceito de “banalidade do mal”
trata sobre o que ela chama de “desenraizamento” das experiências humanas em
relação à realidade, da amoralidade, da subserviência à ordens, do acriticismo.
Uma citação do libro “As Origens do Totalitarismo”, que fala sobre a estrutura
do movimento totalitário, dá luz à ideia: “os membros fanatizados são
intangíveis pela experiência e pelo argumento; a identificação com o movimento
e o conformismo total parecem ter destruído a própria capacidade de sentir,
mesmo que seja algo tão extremo como a tortura ou o medo da morte”.
O
conceito de banalidade do mal, postulado no fim da obra “Eichmann em
Jerusalém”, causou certo mal estar e polêmica na comunidade intelectual da
época, pois Arendt tratou de assuntos delicados como a participação e
colaboração de judeus, através dos Conselhos Judaicos, com os nazistas para seu
extermínio. Daí a ideia de que a banalidade do mal estaria ligada a um “colapso
moral” tanto dos que perseguiam, quanto das vítimas.
O
alvoroço também girou em torno de seu postulado, com questiona Luciano
Oliveira: “qualificar de banal um mal da dimensão do nazismo não seria diminuir
sua enormidade?” O fato é que o termo banalidade surge em meio à sua
interpretação da figura de Eichmann, que seria, nesse sentido, um “sujeito
normal”. Arendt chega a dizer que “não se pode extrair profundidade diabólica
ou demoníaca em Eichmann” e ainda coloca que ele não era um “monstro”. Daí o
sentido de banalidade estar ligado com um indivíduo que apenas cumpria e
executava ordens advindas de uma burocracia com hierarquias rigidamente
estabelecidas. Ao mesmo tempo, aponta Oliveira, para Hannah Arendt o sujeito
banal descrito teria de “sacrificar suas convicções, honra e dignidade humana”
para que se pudesse aceitar o nazismo. Ao fim de sua obra, a autora coloca o
que seria central para o entendimento do conceito, a saber, a incapacidade de
reflexão e empatia, ou melhor, a “hipótese de que o mal talvez esteja
intimamente relacionado com a ausência de pensamento naquele que o pratica”.
Ideologia
Na
concepção de Arendt, a ideologia ou o pensamento ideológico possui três
elementos fundantes:
Primeiro: A característica dos
movimentos totalitários de sempre terem uma explicação total sobre a História,
em termos de passado, presente e futuro. Ou seja, fala sobre o quanto as
ideologias, seja a racista no hitlerianismo, ou a marxista no stalinismo,
orientam-se pelo “devir”, pelo “movimento” não analisam o passado segundo “um
conjunto de postulados acerca do que é, (...) mas de um processo que está em
constante mudança”.
Segundo: Trata sobre a propaganda,
conspirações e doutrinação. Arendt dá exemplos de doutrinação, como as escolas
nazistas para formar exércitos, as Ordensburgen, e as escolas soviéticas do
Comintern. Mas, mais importante para o conceito, fala sobre o quanto as
ideologias têm a capacidade de “emancipar” as pessoas da realidade em que
vivem.
Terceiro: Arendt explica através da
filosofia, como são e quais são os métodos utilizados pelo totalitarismo para
distanciar as pessoas da experiência empírica ou da realidade. Os processos de
“movimento” e de “emancipação da realidade” descritos anteriormente se dão
através da dedução, que parte de uma ou mais premissas axiomáticas. Seria o
racionalismo prevalecendo completamente sobre o empirismo. E, a partir do
momento que o sujeito adentra em tal “movimento”, tudo o que é anterior seria
esquecido.
Daí,
a ideia de que a Ideologia estaria ligada com uma prática de esquecimento,
descrita por ela em outras obras. Tal elemento conclui, trata tanto de uma
prática persuasiva dos líderes e representantes do movimento, em seus
discursos, quanto de seus slogans e propagandas. Ao mesmo tempo, Arendt propõe
certa crítica e reconhece que há uma “substância” na base do marxismo que, com
as ideologias, ficou esquecido, com é o caso da exploração do proletariado. Ou
seja, até mesmo princípios importantes do marxismo foram deixados de lado em
prol da “camisa de força da lógica”.
Formas ou Tipos de
Governo
Governo Tirânico
Hannah
Arendt explica cada tipo de governo através da organização política interna e
as técnicas de administração. O que ela chama de Tirania remete aos tipos de
governos fundados nas ideias trazidas por Platão, em “A República”, onde
existia a política de “um contra todos” feita por um líder, ou seja, “os
‘todos’ que ele oprime são iguais, a saber, igualmente desprovidos de poder”.
Este líder seria fonte da Lei e governaria de acordo com as suas próprias
vontades. A metáfora por ela utilizada é a de uma pirâmide que possui baionetas
que suspendem o topo apoiadas em sua base, onde na base se encontram indivíduos
“cuidadosamente isolados, desintegrados e completamente iguais”.
Governo
Autoritário
No
tipo de governo Autoritário, Arendt também utiliza a metáfora da pirâmide, mas
esta é descrita de tal modo: “a sede do poder se localiza em seu topo, do qual
a autoridade e o poder se filtram para a base de maneira tal que cada camada
consecutiva possua alguma autoridade”. “(...) estes diferentes níveis se
‘interrelacionam como raios convergentes cujo ponto focal comum é o topo da
pirâmide, bem como a fonte transcendente de autoridade acima dela”. Importante
notar que a fonte de autoridade neste tipo específico são os códigos e leis,
como a nossa constituição, “o direito natural os mandamentos divinos”.
Governo
Totalitário
Ao
descrever o tipo de governo Totalitário, Arendt recorre à pouco conhecida
metáfora da cebola: “cujo centro, em uma espécie de espaço vazio, está o líder;
o que quer que ele faça – integre o organismo
político como em uma hierarquia autoritária, ou oprima seus súditos como
um tirano – ele o faz de dentro, e não de fora ou de cima”. Cada nível hierárquico
se interrelaciona, de um lado, montando uma fachada de uma realidade externa
sem caos e, de outro, realizando o papel de um “extremismo radical”, no que a
autora conclui que tal estrutura “torna o sistema organizacionalmente à prova
de choque contra a factualidade do mundo real”. Ou seja, há a suspensão
completa da realidade do mundo e dos fatos quando está em vigência no aparelho
burocrático do Estado o regime totalitário. E, diferente do tipo tirânico no
qual a fonte da Lei é o próprio líder, o ditador totalitário se coloca como executor
de “leis mais altas”.
Autoridade
Arendt
fala sobre o conceito de autoridade se referindo às instituições, aos modos de
vida e às tradições políticas do Ocidente. Ela explica que não existe
autoridade se o Estado ou outro ator social qualquer usar a força, ou seja, de
“meios externos de coerção” para conter ou controlar a população, por exemplo,
o uso da força policial em manifestações públicas. Ao mesmo tempo, adverte que
a autoridade também não existe se esta se valer de meios de convencimento ou “persuasão”,
pois ela “pressupõe igualdade e argumentação”.
Nesse sentido, Arendt se refere
ao aparelhamento da propaganda nazista ministrada por Joseph Goebbels, que
através de várias técnicas discursivas, como a repetição incessante de mentiras
e o uso do status científico como instrumento de poder, convenceram as massas
alemãs à adesão aos pressupostos e projetos do nacional-socialismo. Ou seja,
não houve confiança política da população, pois ela teve de ser convencida e
fanatizada. A título de exemplo do que pode ser considerada autoridade em
termos de tradição, Arendt diz que “o sintoma mais significativo da crise de
autoridade, a indicar sua profundeza e seriedade, é ela ter se espalhado em
áreas pré-políticas, tais como a criação dos filhos e a educação”.
Deste
modo, quer dizer que quando estes elementos se tornam um questionamento na
sociedade, provavelmente isto significa dizer que a política perdeu seu poder
de autoridade e, deste modo, de confiança.
Solidão e
Isolamento
A
diferença entre solidão e isolamento é uma excelente fonte de explicação para a
forma como a organização totalitária moldava e controlava a população e assim,
se mantinha no poder. Uma citação em particular resume a ideia: “o que chamamos
de isolamento na esfera política é chamado de solidão na esfera dos contatos
sociais. (...) Posso estar isolado – numa situação em que não posso agir porque
não há ninguém para agir comigo – sem estar solitário; e posso estar solitário
– numa situação em que me sinto completamente abandonado da companhia humana –
sem estar isolado” (“Origens do Totalitarismo”).
Assim,
o isolamento seria “impotência”, “incapacidade básica de agir”, ou seja,
estaria ligada a uma incapacidade comum das pessoas de se unirem em prol de
questões ou motivações políticas. O exemplo, situado na história do Brasil – a
supressão e perseguição de sindicatos e partidos Comunistas pelo ditador
Getúlio Vargas no Golpe de 1937 e o fechamento do Congresso Nacional pelo
Estado Novo. Como diz Arendt, as características humanas da “ação e poder são
frustradas” e, junto a isso, ela afirma que tais pressupostos estão atrelados à
forma tirânica de governar. Não obstante, a ideia de solidão está conectada com
a noção de vida privada ou de “vida humana como um todo”. A noção de solidão
está ligada com o importante conceito de banalidade do mal, pois ele contempla
as ideias de “superfluidade” e “desarraigamento”, no que ela identifica o
segundo, a ausência de raiz, como “não ter no mundo um lugar garantido e
reconhecido pelos outros” e o primeiro com a ideia de não pertencimento ao
mundo, ou seja, ambos ligam-se à noção de direitos humanos, o primeiro sobre o
direito de ter garantias ou o direito de ter direitos, e o segundo sobre o
direito de pertencer a um país, nação, pátria. É fundamental ressaltar que em
sua conceituação de totalitarismo, a noção de solidão seria novidade, ou seja,
seria um paradigma novo na ciência política da época e que descreve o fenômeno
totalitário.
Crítica a Marx
De acordo com Camargo, Hannah estabelece uma
diferenciação que fica compreensível e entendível no conceito de Labor e
Trabalho. Proporcionando um melhor entendimento acerca do tema e das condições
do sujeito para o sujeito, seja para sobrevivência própria direta (labor) ou
pra seu sustento no que tange a questão capitalista financeira. Com relação à
crítica que exerce à Marx no conceito trabalho, Hannah entende haver a
possibilidade de o trabalho ser produtivo ou improdutivo, ambos possibilitando
o entendimento e produzindo objetos, matéria, pela simples ação do sujeito. Já
Marx considera apenas o trabalho produtivo, como se apenas produzisse resultado
quando o trabalho é convalido como “status” de concluído na fase que se
encontra. Arendt também estabelece uma espécie de crítica à concepção marxista
de violência em seu ensaio “Religião e Política”, dizendo que, para Karl Marx e
o marxismo, todo o discurso e o debate existentes seriam de alguma forma “ideológicos”
e por isso a única ação política genuína seria a não-discursiva, ou seja, a
política seria “intrinsecamente violenta”. Ela também comenta, em outro ensaio
chamado “Compreendendo o Comunismo”, de 1953, que trata, exatamente como o
ensaio mencionado acima, sobre o assunto que estava em voga nas ciências
sociais da época: a função e finalidade dos fenômenos sociais, ou seja, o que
acontece em consequência a eles e não necessariamente o que e como eles são.
Arendt fala sobre o quanto a crítica de Marx à religião como ideologia seria
equivalente ao próprio marxismo, ou seja, coloca ambas como ideológicas e como
ideias que preenchem “necessidades sociais básicas” dos seres humanos, ainda
dentro do método sociológico vigente.
Livros
O
trabalho filosófico de Hannah Arendt abarca temas como a política, a
autoridade, o totalitarismo, a educação, a condição laboral, a violência e a
condição feminina.
Seu
primeiro livro leva o título “O Conceito do Amor em Santo Agostinho: Ensaio de
uma Interpretação Filosófica”. Trata-se de sua tese, editada em 1929 em Berlim,
na qual ela enlaça elementos da filosofia de Martin Heidegger com os de Karl
Jaspers e enfatiza a importância do nascimento, tanto para o indivíduo como
para seu próximo. Com isso, ela se afasta de seu professor Heidegger, que
entende a vida como um “avançar” para a morte. A obra foi resenhada em
importantes publicações filosóficas e literárias. Criticou-se o fato de que
Arendt considerasse Santo Agostinho como filósofo e não como sacerdote, além do
fato de não ter citado a literatura teológica mais recente.
Em “As Origens do
Totalitarismo” (1951) consolida o seu prestígio como uma das figuras maiores do
pensamento político ocidental. Arendt assemelha de forma polêmica o nazismo e o
stalinismo, como ideologias totalitárias, isto é, com uma explicação
compreensiva da sociedade, mas também da vida individual, e mostra como a via
totalitária depende da banalização do terror, da manipulação das massas, do
acriticismo face à mensagem do poder. Hitler e Stalin seriam duas faces da
mesma moeda, tendo alcançado o poder por terem explorado a solidão organizada
das massas.
Sete
anos depois publica “A Condição Humana”, obra onde adota a clássica tripartição
grega e enfatiza a importância da política como ação e com processo, dirigida à
conquista da liberdade: “Com a expressão ‘vita activa’, pretendo designar três
atividades humanas fundamentais: labor, trabalho e ação. (...) O labor é a
atividade que corresponde ao processo biológico do corpo humano (...). A
condição humana do labor é a própria vida. O trabalho é a atividade
correspondente ao artificialismo da existência humana (...). O trabalho produz
um mundo “artificial” de coisas, nitidamente diferente de qualquer ambiente
natural. A condição humana do trabalho é a mundanidade. A ação, única atividade
que se exerce diretamente entre os homens sem a mediação das coisas ou da
matéria, corresponde à condição humana da pluralidade, ao fato de que os homens
– e não o Homem – vivem na Terra e habitam o mundo. Todos os aspectos da
condição humana têm alguma relação com a política; mas esta pluralidade é
especificamente ‘a’ condição (...) de toda a vida política”.
Publica
depois “Sobre a Revolução” (1963), onde examina a Revolução Francesa e a
Revolução Americana, mostrando o que têm de comum e de diferente, defendendo
que a preservação da liberdade só é possível se as instituições
pós-revolucionárias interiorizarem e mantiverem vivas as ideias
revolucionárias. Lembraria aos seus concidadãos estado-unidense (entretanto
adquirira a nacionalidade dos EUA) que se se distanciassem dos ideais que
tinham inspirado a Revolução Americana perderiam o seu sentido de pertencer e
de identidade.
Ainda,
em 1963, lançaria “Eichmann em Jerusalém”, que reúne os cinco artigos que
escreveu sobre o julgamento de Eichmann, que cobriu para a The New Yorker. Nesse
livro Eichmann não é retratado como um demônio (como o descreviam os ativistas
judeus), mas alguém terrível e horrivelmente normal. Um típico burocrata que se
limitara a cumprir ordens, com zelo, por amor ao dever, sem considerações
acerca do bem e do mal. No livro, Arendt aponta ainda a cumplicidade das
lideranças judaicas com os nazistas. Esta perspectiva valer-lhe-ia criticas
virulentas das organizações judaicas, além da ameaça de ser excluída da
universidade.
[1] NSDAP – Sigla do Partido Nazista,
oficialmente Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães em
alemão:Nationalsozialistsche Deutsche Arbeiterpartei – NSDAP). Fonte:
Wikipedia. Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Nazi_Party.
Acesso em 12 de maio 2022.