Perto de completar seis anos, com mais de 300.000 mortos, o tabuleiro das alianças no conflito
sírio sofreu grandes transformações. A principal facção armada
de oposição em 2011, o Exército Livre da Síria, se tornou uma das mais fracas,
perdendo militantes em uma progressiva islamização e atomização do grupo
rebelde. A crescente interferência de atores externos complica a definição de
uma solução militar, além de exigir uma saída política negociada em diferentes
níveis: nacional, regional e internacional. As negociações com o Irã marcam um
evidente retrocesso na rivalidade Teerã-Riad, cujas consequências ainda estão
por vir. Os avanços das Unidades de Proteção Popular curdas contra o Estado Islâmico (EI), apoiadas pelos Estados Unidos, preocupam Ankara, que
realiza a sua própria guerra contra os turcos no sul da Turquia. No plano
internacional, a Síria se torna o novo tabuleiro de rivalidades na Guerra Fria
renovada travada pelos Estados Unidos e Rússia. Ao mesmo tempo, o vertiginoso
avanço do EI e sua internacionalização com os atentados
em Paris conseguiram reunir sobre o território sírio os atores que
se enfrentam em nível internacional em uma nova e prioritária luta contra o
terrorismo.
Estes são os atores que participam do conflito
sírio, dentre os quais ainda falta definir quais farão parte da relação de
negociadores e quem engrossará a dos grupos terroristas, condição para que se
imponham uma trégua defendida pelas Nações
Unidas e um roteiro para as próximas
negociações de Genebra propostas para o final desta semana.
Médicos Sem Fronteiras 2013 |
GRUPOS SÍRIOS
Exército Árabe Sírio
O presidente Bashar al-Assad dirige o Exército sírio desde que
substituiu seu pai, Hafez al-Assad, na presidência do país em junho de 2000.
Conta com algo entre 178.000 e 220.000 membros. Controla as maiores cidades do
país, como Damasco, Homs, Latakia, Tartus, Hama e parte de Alepo, assim como as
estradas que conectam umas às outras.
Forças Nacionais de Defesa
Criadas pelo
Governo sírio em 2012, são consideradas um braço do Exército sírio integrado
por voluntários e soldados da reserva, remunerados e armados pelo Governo
sírio. Diferentemente dos Comitês Populares, essas forças atuam nas operações
bélicas. Possuem entre 80.000 e 100.000 combatentes.
Comitês Populares
Surgiram
durante a guerra civil síria para proteger os bairros nos
territórios sob controle do regime de Damasco. Trata-se, geralmente, de
moradores armados, treinados e remunerados pelo regime alocados nos controles
de passagem erguidos nas áreas onde vivem as minorias cristãs, drusas e
alauitas. Eles existem também nas zonas sunitas.
ALIADOS REGIONAIS
Hezbolá (Partido de Deus)
É um partido-milícia xiita libanês criado
inicialmente com apoio sírio durante a guerra civil libanesa em 1982 para
enfrentar as tropas israelenses. Posteriormente, passou a ser financiado e
apoiado pelo Irã e dirigido por Hassan Nasrallah. Em suas fileiras, combatem de
8.000 a 10.000 milicianos. Tem forte presença na faixa ocidental que faz
fronteira com o Líbano, em Alepo, em Latakia, na periferia de Damasco e no sul
do país.
Partido Social Nacionalista Sírio (SSNP)
Partido
secular fundado em 1932 no Líbano, com ramificações na Síria e no Iraque.
Ideologicamente, defende a unidade da Grande Síria. Conta com algo entre 6.000
e 8.000 homens na frente de batalha da faixa ocidental da fronteira com o
Líbano, em Alepo, em Latakia e no sul do país.
República Islâmica do Irã
Firme aliado
de Damasco, presta apoio econômico e militar, fornecendo armamentos a Damasco.
Também contaria com vários milhares de homens da Guarda Republicana iraniana no
terreno, sob a forma de apoio tático e militar. Estes coordenariam também a
seção iraquiana que combate na Síria ao lado das tropas regulares.
Os grupos
insurrectos, especialmente os islamistas e jihadistas,
recebem financiamento dos países do Golfo, principalmente do Catar e da Arábia
Saudita. A Turquia se mostrou essencial para o transporte e a logística desses
grupos até que células terroristas começaram a atuar no seu território.
ALIADOS INTERNACIONAIS
Militares Russos |
Federação da Rússia
Moscou se
mostrou um aliado consistente do Governo de Damasco desde o início do conflito,
em 2011, mantendo um apoio político e diplomático que remonta à Guerra Fria.
Trata-se do principal fornecedor de armas para o Exército sírio. Segundo os
especialistas, o país conta com milhares de homens no terreno, entre
especialistas, conselheiros e militares uniformizados. Desde setembro de 2015,
sua força aérea vem bombardeando posições do EI e de outras facções insurrectas
em território sírio ao lado do Exército regular. Contaria com uma presença
militar aérea em Damasco, Homs, Latakia e, mais recentemente, em Hassake. Além
da presença marítima na localidade litorânea de Tartus.
APOIOS DAS MINORIAS DA SÍRIA
Unidades de Proteção Popular curdas (YPG, na sigla em curdo)
Milícia
armada que atua sob o comando do Comitê Supremo Curdo na região de Rojava
(Curdistão sírio, ao norte do país, na fronteira com Turquia e Iraque).
Trata-se de um movimento de esquerda conhecido pela ampla participação de
mulheres, tanto no partido quanto no seu braço armado.
Recebe
treinamento militar e armamentos do Partido dos Trabalhadores do Curdistão da
Turquia (PKK), assim como dos Estados Unidos. Apesar dos crescentes
enfrentamentos com o Exército sírio, colaborou com ele na luta contra o EI em
regiões como Hassake, no nordeste do país. Compõe a principal força das Forças
Democráticas Sírias, criadas em outubro do ano passado para expulsar o EI e que
reúnem também combatentes árabes sunitas e cristãos, bem como assírios e
turcomanos. São também aliados do Conselho Militar Assírio, criado em 2013 para
proteger áreas assírias de Hassake contra os jihadistas.
Contam com algo entre
40.000 e 50.000 combatentes. Desde outubro de 2014, cerca de 400 combatentes
internacionais teriam se somado ao YPG, na brigada internacional Os Leões de
Rojava.
Palestinos
A Síria conta
com uma população de entre 400.000 e 500.000 palestinos. A grande maioria apoia
o Governo de Damasco, gozando de status e direitos quase idênticos aos dos
cidadãos sírios.
Frente Popular para a Libertação da Palestina – Comando Geral (FPLP-CG)
Criada em
1968 sob a liderança de Ahmed Jibril, possui um braço armado que combate nos
campos de refugiados palestinos ao lado do regime sírio. Comanda a luta no
campo de Yarmouk, na periferia sul de Damasco. Os palestinos da Síria formam um
ramo especial do Exército sírio denominado Exército de Libertação da Palestina,
que combate junto às tropas regulares.
Aknaf Bait al-Maqdis
Milícia insurgente palestina que inicialmente
lutou contra o Exército sírio e a FPLP-CG em Yarmouk, para mais tarde somar-se
a estes últimos contra a investida da Al Qaeda e do Estado Islâmico (EI).
Drusos
A Síria tem uma
população drusa de meio milhão de pessoas, principalmente na província de
Sueida, no sul do país. Assim como os cristãos, a maioria dos líderes
religiosos apoia o Governo de Damasco. O xeque Walid al-Balous foi o único que
levantou a voz contra os rebeldes e também contra as forças do regime, propondo
uma terceira via. Foi assassinado em 2015 em um atentado com carro-bomba.
GRUPOS INSURGENTES
Divididos em
uma variedade de organizações, controlariam entre 10% e 25% do território
sírio.
Exército Livre da Síria (ELS)
Um grupo de
oficiais desertores do Exército regular, com o coronel Riad al-Asaad no
comando, proclamou a criação do ELS em 29 de julho de 2011. Após cerca de cinco
anos de conflito, o ELS deixou de ser a primeira força de oposição armada. Seus
combatentes passaram a integrar outras facções insurgentes num processo de
islamização motivado pelo financiamento estrangeiro, sobretudo de países do
Golfo. Restariam 27 facções sob o comando do general Abdul-Ilah al-Bashir.
Entre elas, destaca-se a Frente Sul, formada por 29 brigadas presentes em
Deraa, epicentro das revoltas sírias, e em Quneitra.
Ahrar al-Sham (Homens Livres do Levante)
Coalizão de
vários grupos islamistas e salafistas liderada por Abu Yahia al-Hamawi e uma
das principais forças armadas insurgentes. Entre 10.000 e 20.000 milicianos
lutam em suas fileiras. Têm uma forte presença e controlam zonas de Idlib, onde
lideram a coalizão da Frente da Conquista com seus aliados da Al Qaeda.
Jaysh al-Islam (Exército do Islã)
Reunião de
vários grupos islamistas e salafistas. É a principal força de oposição na
periferia de Damasco. Combate tanto as tropas do regime como as do ELS. Após o
recente assassinato de seu líder Zahran Alloush, o comando passou para Mohammed
Alloush. Possui entre 20.000 e 25.000 combatentes. Entre seus bastiões,
destacam-se Duma e Guta Oriental, na periferia de Damasco.
Jaysh al-Fatah (Exército da Conquista)
Aliança
operacional entre diversas facções insurgentes que inclui moderados do ELS,
islamistas como Ahrar al-Sham e jihadistas como Al Nusra. Foi criado em março
de 2015 na província de Idlib para coordenar as operações, com apoio logístico
e envios de armas fornecidos pela Turquia, Catar e Arábia Saudita.
Frente al-Nusra
Braço local
da Al Qaeda na Síria. Presente nas listas de grupos
terroristas dos Estados Unidos e
da ONU, posiciona-se sobretudo no noroeste sírio após ter sido expulso por seu
rival ideológico, EI, na parte oriental do país
Estado Islâmico (EI)
Em 30 meses,
o EI havia conseguido conquistar entre 50% e 55% do território sírio, boa parte
dele em zona desértica, na faixa oriental do país, praticamente despovoada. O
atual grupo terrorista sofreu uma mutação desde que foi criado no Iraque como
Jama’at al-Tawhid wal Jihad (Organização do Monoteísmo e da Jihad) em 1999 e
seu posterior crescimento durante a invasão das tropas norte-americanas em
2003. Com a divisão da Al Qaeda, o Estado Islâmico do Iraque e do Levante
(ISIL, na sigla em inglês) passou a se chamar Estado Islâmico com a proclamação
do califado por Abu Bakr
al-Baghdadi, o “califa Ibrahim”, em junho de 2014, em Mossul (norte do Iraque).
O EI
desenvolveu um importante aparato de propaganda e captação de recursos baseado
em novas tecnologias cujo conteúdo é traduzido a mais de vinte idiomas. Também se nutre de contrabando de
petróleo e peças arqueológicas e
de extorsão através de taxas. Possui entre 25.000 e 40.000 jihadistas em suas
fileiras, dos quais pelo menos 15.000 são estrangeiros de 80 nacionalidades.
Cerca de 4.500 provêm da Europa (cerca de 20%, mulheres). O EI controla amplas
áreas do noroeste da Síria até o noroeste do Iraque. Também está presente a
leste de Alepo e mantém núcleos de simpatizantes em Idlib.
COALIZÃO CONTRA O EI
Os Estados
Unidos lideram uma coalizão internacional contra o EI formada por países do
Golfo e aliados ocidentais, dos quais nove (Austrália, Bahrein, Canadá, França,
Jordânia, Arábia Saudita, Turquia, Emirados Árabes Unidos e Reino Unido)
participam dos bombardeios na Síria. Os ataques teriam provocado a morte de
cerca de 22.000 jihadistas, segundo dados de Washington, assim como de centenas
de civis, embora não haja cifras exatas. Os EUA também teriam formado, treinado
e armado cerca de 100 milicianos opositores.
Em setembro
passado, a aviação russa lançava a Operação Destruição Total, somando-se aos
bombardeios contra objetivos do EI em território sírio e atingindo outros
objetivos considerados terroristas por Moscou e Damasco. Os ataques teriam
eliminado cerca de 1.000 jihadistas e outros 1.000 combatentes rebeldes, além
de centenas de civis.
OPOSIÇÃO AO REGIME SÍRIO
Conselho
Nacional Sírio (CNS)
Formado seis meses depois do início das revoltas de março de
2011, pretendia constituir-se como o governo alternativo no exílio. A Irmandade
Muçulmana síria é uma parte importante do CNS. Tem sua base na Turquia, mas os
analistas o consideram desconectado da realidade no terreno e com pouca
influência sobre os grupos armados.
Coalizão Nacional para as Forças Sírias Revolucionárias e Opositoras
Foi formada
em novembro de 2012, absorvendo o CNS, com o objetivo de criar um governo de
transição sírio. O CNS abandonaria a coalizão em protesto contra sua
participação nas conversações de Genebra, às quais mais tarde enviou vários de
seus membros.
Alto Comitê de Negociações (HNC, na sigla em inglês)
Essa
comissão, criada com o patrocínio de Riad, aglutina vários representantes da
oposição síria para mediar as negociações de Genebra. Teria entre 30 e 40
membros, incluindo representantes da Coalizão Nacional Síria, veteranos
opositores, da Irmandade Muçulmana síria, de grupos islamistas como Jaysh
al-Islam e rebeldes como o Exército Livre da Síria.
Oposição interna
O Governo
sírio designou uma lista de 38 opositores com quem se deve negociar, incluindo
opositores de partidos laicos e democráticos.
Fonte: El País,
28/01/2016