Manifesto: Frente Antifascista pelas Liberdades Democráticas
Para: sociedade
civil
A ideia
do presente manifesto é, em primeiro lugar, entender as atuais manifestações de
ódio e intolerância e, num segundo momento, identificar a dimensão e as
consequências desse modo de agir para, ao final, manifestar-se contra estas
práticas perniciosas e fascistas, as quais corroem as relações sociais.
A partir
dessa ideia – existência de um ódio incontido e irracional – é possível
perceber na vivência cotidiana, em especial nos centros urbanos brasileiros,
importantes demandas sociais, decorrentes das transformações produzidas pelas
novas estruturas sociais e a consequente e radical polarização social.
O Brasil
tem vivido nos últimos anos, em especial desde meados de 2013, um acelerado
processo de polarização política e ideológica em que as históricas
características autoritárias e antidemocráticas de elitismo e exclusão passam a
ser bandeiras desfraldadas por segmentos ultraconservadores da sociedade
brasileira.
Do ponto
de vista histórico é necessário dizer que o advento da modernidade industrial e
suas consequentes transformações permitiram o estabelecimento de novas formas
de produção e relações sociais entre os indivíduos. E é exatamente nesta
efervescência de transformações sociais, umbilicalmente ligada à produção de
desigualdades, que vai se caracterizar o sujeito atual pela marca do
individualismo, justamente porque os interesses do grande capital
intensificaram a perversa e excludente política social e humanitária,
danificando sobremaneira os ideais revolucionários da modernidade.
Em todos
os cantos do planeta, crescem as manifestações de intolerância, de ódio ao
diferente e às diferenças, de preconceito racial, religioso, de gênero,
cultural, comportamental, sexual. A alteridade é negada, o “outro” é
invisibilizado, o diálogo é substituído por verdades naturalizadas presentes no
senso comum que aparecem como absolutas e incontestáveis. A prática
democrática, que exige respeito ao outro diferente e reconhecimento a sua
existência social e política, é abandonada e toda a diferença e dissensão são
consideradas uma ameaça ao pensamento autoritário destes segmentos que passam a
ocupar o espaço público.
O
ambiente social vivido no Brasil neste quadro de polarização indica o avanço de
um senso comum “fascistizante”, o que foi chamado pelo pensador Boaventura de
Sousa Santos de “fascismo societal”, como uma das marcas das sociedades
contemporâneas em crise. E tal ambiente social produz práticas de violência e
ódio que impossibilitam o diálogo político e, portanto, o exercício das
práticas democráticas.
O
estreitamento de práticas democráticas alarga, de outro lado, as margens da
intolerância, do preconceito e do ódio, enfim, de todo o medo daquilo que lhe é
desconhecido. Em verdade, é a partir de um modelo de sociedade perpassado pelos
graves problemas do desemprego em massa, da pobreza, dos preconceitos racial,
religioso e sexual e, fundamentalmente, da xenofobia, visualizada pela
intolerância ao fluxo de pessoas (imigração) que deixam seus países por conta
das guerras, miséria e catástrofes naturais, para se abrigar em diversos outros
países da Europa e América do Sul, em especial no Brasil, que produz o medo da
existência do outro e o sentimento social da necessidade de exclusão e
separação das pessoas.
A imagem
desse terror social produz uma espécie de necessidade de ação disciplinar,
própria dos estados totalitários, a qual garante a manutenção dessa massa de
indesejados e diferentes, desempregados e “subempregados” – consequências
diretas do capitalismo globalizado – preferencialmente longe dos centros
urbanos, tanto por meio do sistema de justiça criminal como, de outro lado,
pelas práticas fascistas, justamente para manter distante as classes sociais
“subalternas”, produzindo, cada vez mais, as guetificações sociais.
É a
retomada do “Estado punitivo” e do “Estado Primitivo”, com o predomínio do
vazio, da indiferença e ignorância em relação ao “outro”, pois ao não conseguir
ver o mundo com a lógica da alteridade, não se consegue pensar o mundo fora da
lógica do consumo.
Este não
reconhecimento da existência do outro está a produzir certa incapacidade de
perceber e reconhecer os mais variados tipos de violência e buscar soluções
possíveis ao problema, isto porque a massificação das cenas de violência tem
causado menos indignação e, em certa medida, a naturalização torna estas
violências em profundas violações à dignidade, sem que isto seja percebido como
tal. São as situações mais comuns e as paisagens quase obrigatórias nos centros
urbanos que produzem, ao fim e ao cabo, as práticas fascistas tão corriqueiras
de nosso cotidiano.
É
preciso, portanto, atentarmo-nos ao fascismo que habita nosso dia a dia e
lembrar que determinadas práticas cotidianas não podem ser banalizadas, pois
apenas fragilizam as relações, exacerbando o indivíduo enquanto uma mônada (organismo ou unidade orgânica diminuta e muito simples)
antissocial, práticas estas impregnadas de reatividade àquilo que o retira de
sua zona de indefectividade, justamente porque o equipara àquele “outro”
indesejável e desconhecido. Nesta experiência reside o inexorável: não desejar
o desconhecido, isto é, a racionalidade do irracional. As práticas fascistas
são repletas de irracionalidade, sobretudo porque, na atual quadra de conflitos
e demandas sociais, as classes sociais subalternas, as diferenças sexuais,
religiosas, raciais e, principalmente, posturas ideologias e políticas
partidárias, estão subjugadas pela violência e pelo ódio, ao invés da
convivência respeitosa e pacífica.
Quando se
fala de direita no Brasil não significa que ela não existisse ou que estivesse
escondida, antes de 2013. Na era neoliberal, a direita brasileira está representada
nos meios de comunicação e nas instituições políticas. A novidade, a partir de
2013, é a consolidação de um segmento de extrema direita nas classes médias,
defendendo propostas fascistas de forma aberta, sem ter vergonha de suas
posições retrógradas e assumindo uma postura quase caricata.
O
acirramento dos conflitos políticos e ideológicos se deu, no caso brasileiro,
por uma conjugação de fatores. Por um lado, alguns avanços relativos no campo
dos direitos sociais, resultado das lutas dos movimentos populares e de algumas
políticas públicas de inclusão de segmentos historicamente explorados,
oprimidos, marginalizados e excluídos (população pobre; trabalhadores da cidade
e do campo; população negra; população indígena; mulheres; homossexuais etc.).
As mudanças ocorridas no país na última década, mesmo com suas limitações
reais, incorporaram cerca de 40 milhões de brasileiros à uma existência de
reconhecimento e melhoria das condições de vida (bolsa família; políticas de
ação afirmativa; ampliação do direito à educação; direitos trabalhistas para as
empregadas domésticas etc.). Por outro lado, a presença nos espaços públicos de
direitos de milhões de pessoas que antes eram consideradas subalternas mexeu
nas estruturas seculares de classes e privilégios da sociedade brasileira. Tais
transformações, com a presença de população negra nas universidades, de
população pobre em espaços antes vedados à sua presença, como no mercado de
bens de consumo e serviços, nos shoppings centers, usando o transporte aéreo (a
síndrome do “aeroporto que virou rodoviária”), entre outras coisas, acirraram
os ânimos.
Por fim,
outro fator importante para a polarização política e ideológica foi o longo e
persistente papel desempenhado pelos meios de comunicação social, especialmente
por meio dos grandes jornais e revistas semanais e grupos televisivos.
Constantemente, de forma irresponsável, os meios de comunicação social buscam
desprestigiar todas as políticas públicas de inclusão social e de ampliação de
direitos, como também de estimulam nos segmentos mais conservadores das
tradicionais classes médias um clima de medo e de oposição irracional a toda e
qualquer conquista de direitos e bem-estar social.
A
conjuntura aberta com o resultado das eleições de 2014 e com o novo Congresso
representou um retrocesso com a apresentação e aprovação de uma série de
propostas retrógradas, como a terceirização das relações de trabalho, a redução
da maioridade penal para 16 anos de idade, privatização do sistema
penitenciário e das instituições de medidas socioeducativas para crianças e
adolescentes, projeto de lei sobre assédio ideológico, aumento da influência
política e legislativa das bancadas conservadoras no Congresso Nacional –
bancada punitivista da bala, bancada ligada aos interesses do agronegócio, etc.
Assim, o
contexto atual, no Brasil e no mundo, é de retrocesso, de presença de
concepções ultraconservadoras e de soluções antidemocráticas e de ameaça às
conquistas civilizatórias que se acumularam a partir do Século XVIII com as
lutas sociais de ampliação de direitos e democratização da existência.
O avanço
das forças de direita, especialmente da ultradireita, exige a criação de
organizações de defesa dos direitos humanos em sua plenitude (direitos civis e
políticos; direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais), dos espaços
de liberdades democráticas e da ampliação dos direitos de todos os setores
oprimidos, explorados ou excluídos da sociedade, garantindo as práticas
democráticas, a democratização da informação, e a justiça social.
Portanto,
diante de todas estas inúmeras práticas fascistas que corroem as atuais
relações sociais cotidianas, é fundamental a criação de uma Frente Antifascista
que garanta as Liberdades Democráticas com o firme propósito de congregar a
diversidade dos segmentos sociais, das entidades, dos cidadãos e instituições
que lutam por uma sociedade mais solidária, igualitária, democrática, fundada
nos princípios de direitos humanos, respeito e reconhecimento da alteridade, da
diversidade e da pluralidade sociocultural.