INTRODUÇÃO
Peste Negra ou Morte Negra é o nome pela qual ficou
conhecida uma das mais devastadoras pandemias [1] na história humana,
resultando na morte de 75 a 200 milhões de pessoas na Eurásia. Somente no
continente Europeu, estima-se que tenha vitimado pelo menos um terço da
população em geral, sendo o auge da peste entre 1346 e 1353. A doença é causada
pela bactéria Yersinia pestis, transmitida ao ser humano através das pulgas
(Xenopsylla cheopis) dos ratos ou outros roedores.
Acredita-se que a peste tenha surgido nas planícies áridas
da Ásia Central e foi se espalhando principalmente pela rota da seda [2],
alcançando a Crimeia em 1343. No total, a praga pode ter reduzido a população
mundial de cerca de 450 milhões de pessoas para 350 ou 375 milhões de pessoas
em meados do século XIV. A população humana não retornou aos níveis pré-peste
até o século XVII. A Peste Negra continuou a aparecer de forma intermitente e
em pequena escala pela Europa até praticamente desaparecer do continente no começo
do século XIX.
As populações de alguns roedores viviam em altíssimos
números em enormes conjuntos de galerias subterrâneas que comunicavam umas com
as outras nas comunidades urbanas. O número de indivíduos nestas comunidades
permitia à peste estabelecer-se porque, com o constante nascimento de crias,
havia sempre número suficiente de novos hospedeiros continuamente para a
manutenção endêmica.
Naturalmente as populações de ratos e de humanos nas
pequenas cidades da Baixa Idade Média [3] nunca tiveram a massa crítica
contínua de indivíduos suscetíveis para se manterem. Nessas comunidades, a
peste infectava todos os indivíduos suscetíveis até só restarem os mortos e os
imunes. Só após uma nova geração não imune surgir e se tornar a maioria, a
peste regressava nestas mesmas comunidades, portanto, a peste atacava em ondas
de epidemias [4].
A Peste Negra gerou vários impactos e consequências
religiosas, sociais e econômicas, afetando drasticamente o curso da história
europeia.
INFECÇÃO INICIAL
A condição inicial para o estabelecimento da peste foi a
invasão da Europa pelo rato preto indiano Rattus rattus (hoje raro). O rato
preto não trouxe a peste para a Europa, mas os seus hábitos mais domesticados e
mais próximos das pessoas criaram condições para a rápida transmissão da
doença. A sua substituição pelo Rattus novegicus, cinzento e muito mais tímido,
foi certamente importante para o declínio das epidemias de peste na Europa a
partir do século XVIII.
A peste foi possivelmente disseminada pelos mongóis [5], que
criaram um império na estepe no final do século XIII. Gêngis Khan com suas
hordas de nômades mongóis conquistou toda a estepe da Eurásia setentrional, da
Ucrânia até a Manchúria. Teriam sido os mongóis que, após conquista da China,
foram infectados na região sul dos Himalaias pela peste, já que essa região
alberga um dos mais antigos reservatórios de roedores infectados endemicamente.
Os guerreiros mongóis teriam infectado as populações de
roedores das planícies da Eurásia, da Manchúria à Ucrânia, cujos reservatórios
de roedores infectados endemicamente existem até nos dias atuais. Os ratos
pretos das cidades e do campo da Europa Ocidental não são suficientemente
numerosos ou aglomerado em grandes comunidades para serem afetados
endemicamente, e terão sido afetados pela epidemia do mesmo modo que as
pessoas, morrendo em grandes quantidades até acabarem os indivíduos
suscetíveis, ocorrendo nova epidemia quando surgia uma nova geração. Logo, os
ratos, foram apenas os mediadores da infecção, entre os mongóis e os roedores
infectados da sua estepe e os europeus.
Deste modo explica-se que, ao contrário de qualquer época
precedente, a peste tenha surgido em quase todas as gerações na Europa após o
século XIV: estava estabelecido um reservatório da infecção logo às portas, na
Ucrânia (onde de fato foram as epidemias mais frequentes, até à última que aí
se limitou). Também é por esta razão explicado o fato da peste ter atingido
simultaneamente a Europa, a China e o Médio Oriente, já que as caravanas da
Rota da Seda facilmente comunicaram a doença a estas regiões limítrofes da
estepe.
A PESTE NA EUROPA
A peste responsável pela epidemia do século XIV surge
durante o cerco à colônia genovesa de Caffa, na Crimeia pelos mongóis da Horda
Dourada [6] comandados por Kan Jani Beg. Após dois anos de cerco, surgiu uma
epidemia de peste entre os sitiantes, que os obrigou a retirar, mas antes disso
catapultaram cadáveres infectados para o interior das muralhas. Na cidade
morreram tantos habitantes que tiveram de ser queimados em piras, já que não
havia pessoas suficientes para enterrá-los. Vários navios genoveses fugiram da
peste, chegando a diversos portos europeus com os porões cheios de cadáveres de
marinheiros. A transmissão teria sido feita pelos ratos pretos de Caffa, que
transmitiram as suas pulgas infectadas aos ratos destas cidades. Assim se
explica que apesara de algumas cidades terem recusados os navios tenham sido
infectadas igualmente, já que os ratos escapavam pelas cordas da atracagem.
A primeira cidade infectada pelos navios genoveses foi
Constantinopla, em maio de 1347. Seguiu-se Messina, no fim de setembro, Gênova
e Marselha em novembro. A epidemia chega à Pisa em 1 de janeiro de 1348 e nesse
mesmo mês atinge Spalato (Split), Sebenico (Sibenik) e Ragusa (Dubrovnil), de
onde passa para Veneza, onde chega a 25 de janeiro. Em menos de um ano todas as
cidades da costa mediterrânicas estavam infectadas.
Assim descreve Boccaccio [7] os sintomas:
“Apareciam, no começo, tanto em homens como nas
mulheres, ou nas virilhas ou nas axilas, algumas inchações. Algumas destas
cresciam como maçãs, outras como um ovo; cresciam umas mais, outras menos;
chamava-as o povo de bubões. Em seguida o aspecto da doença começou a
alterar-se; começou a colocar manchas de cor negra ou lívidas nos enfermos.
Tais manchas estavam nos braços, nas coxas e em outros lugares do corpo. Em
algumas pessoas as manchas apareciam grande e esparsas; em outras eram pequenas
e abundantes. E, do mesmo modo como, a princípio, o bubão fora e ainda era indício
inevitável de morte, também as manchas passaram a ser mortais”.
Continuando Boccaccio nos demonstra que uma das maiores
dificuldades era dar sepultura aos mortos:
“Para dar sepultura à grande quantidade de corpos
já não era suficiente a terra sagrada junto às igrejas; por isso passaram-se a
edificar igrejas nos cemitérios; punham-se nessas igrejas, às centenas, os
cadáveres que iam chegando; e eles eram empilhados como as mercadorias nos
navios”.
Em Avinhão, na França, vivia Guy de Chauliac, o mais famoso
cirurgião dessa época, médico do papa Clemente VI, que sobreviveu à peste e
deixou o seguinte relato:
“A grande mortandade teve início em Avinhão em
janeiro de 1348. A epidemia se apresentou de duas maneiras. Nos primeiros dois
meses manifestava-se com febre e expectoração sanguinolenta e os doentes
morriam em três dias; decorrido esse tempo manifestou-se com febre contínua e
inchação nas axilas e nas virilhas e os doentes morriam em cinco dias. Era tão
contagiosa que se propagava rapidamente de uma pessoa para a outra; o pai não
ia ver seu filho nem o filho a seu pai; a caridade desaparecera por completo.
(...) Não se sabia qual a causa desta grande mortandade. Em alguns lugares
pensava-se que os judeus haviam envenenado o mundo e por isso os mataram.”
No meio de tanto desespero e irracionalidade, houve alguns
episódios edificantes. Muitos médicos se dispuseram a atender os pestilentos
com risco da própria vida. Adotavam para isso roupas e máscaras especiais.
Alguns dentre eles evitavam aproximar-se dos enfermos. Prescreviam à distância
e lancetavam os bubões com facas de até 1,80 m de comprimento.
RECORRÊNCIA
A doença voltou a cada geração à Europa até ao início do
século XVIII. Cada epidemia matava os indivíduos suscetíveis, deixando os
restantes imunes. Só quando uma nova geração não imune crescia é que havia
novamente suficiente número de pessoas vulneráveis para a infecção se propagar.
No entanto, nenhuma destas epidemias foi tão mortal como a primeira, devido às
modificações de comportamento e à eliminação dos genes que davam especial
suscetibilidade aos seus portadores. Epidemias notáveis foram a Peste Espanhola
de 1596 – 1602, que matou quase um milhão de espanhóis, a Peste Italiana de
1629-1631, a Grande Praga de Londres de 1664 – 1665 e a Peste de Viena em 1679.
A peste londrina foi a última naquela cidade. O Grande Fogo
de Londres logo no ano seguinte, em 1666 queimou completamente as casas de
madeiras e telhados de colmo, comuns até então, e novos materiais como a pedra,
os tijolos e as telhas foram usados na construção de novas casas, contribuindo
para afastar os ratos das habitações. O mesmo processo, aliado a melhores
condições de higiene e à substituição do rato preto pelo rato cinzento (Rattus
norvegicus, que evita as pessoas), e a resistência genética crescente das
populações contribuíram para o declínio contínuo das epidemias de peste na
Europa.
A PESTE NA CHINA
As primeiras descrições da peste na China relatam os casos
ocorridos em 1334, na província de Hubei, aparentemente casos limitados. Entre
1353 e 1354, com a China sob domínio dos mongóis, uma epidemia muito mais
extensa ocorreu, nas províncias de Hubei, Jiangxi, Shanxi, Hunan, Guangdong
(Cantão), Guagxi e Hena. Os autores da época estimaram, talvez exageradamente,
que de um terço a dois terços da população da China tenha sucumbido, em algumas
regiões mais de 90% da população.
A PESTE NO MÉDIO ORIENTE
A doença entrou na região pelo sul da estepe, atual Rússia,
em 1347, as tropas que regressavam à Bagdá após campanha militar no Azerbaijão.
No final de 1348 já está no Egito, Palestina e Antióquia, espalhando a morte.
Meca foi infectada em 1349, sendo a doença trazida pelos peregrinos durante o
Hajj e depois o Iêmen em 1351. Morreu cerca de um quarto da população da época.
A TERCEIRA EPIDEMIA
A terceira epidemia ocorreu no século XIX, mas a sua
disseminação foi efetivamente travada pelos esforços das equipes sanitárias.
Iniciou-se provavelmente na estepe da Manchúria, onde as
marmotas infectadas foram caçadas em grandes números pelos imigrantes chineses
que as vendiam aos ocidentais para produzir casacos. A partir de 1855
espalhou-se por toda a China, ameaçando os europeus de Hong-Kong em 1894, o que
levou ao envio de equipes de médicos e bacteriologistas para a região. No
entanto foi impossível evitar a sua disseminação por navios para portos em todo
o mundo, incluindo os da Europa e na Califórnia, Estados Unidos. Sendo neste
momento também os roedores selvagens das pradarias americanas e do Brasil
também infectados. Esta pandemia matou 12 milhões de pessoas na China e na
Índia.
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TRADUÇÃO
A Peste Negra
- Tragam seus mortos!!
- Ainda não estou morto!
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FONTE: Wikipédia portuguesa
GLOSSÁRIO:
[1] PANDEMIAS – Uma pandemia
(do grego pan = tudo/todos + demos = povo) é uma epidemia de doença infecciosa
que se espalha entre a população localizada em uma grande região geográfica
como, por exemplo, um continente ou mesmo o planeta. De acordo com a
Organização Mundial da Saúde (OMS), uma pandemia pode começar quando se reúnem
três condições; 1) o aparecimento de uma nova doença à população; 2) o agente
infecta humanos, causando doença séria e, 3) o agente espalha-se fácil e
sustentavelmente entre humanos. Uma doença ou condição, não pode ser
considerada uma pandemia somente por estar difundindo ou matar grande número de
pessoas; deve também ser infecciosa. Por exemplo, câncer é responsável por um
número grande de mortes, mas não é considerada uma pandemia porque a doença não
é contagiosa.
[2] ROTA DA SEDA – Era uma
série de rotas interligadas através da Ásia do Sul, usadas no comércio da seda
entre o oriente e a Europa. Assim, os carregamentos eram transportados por
caravanas e embarcações oceânicas que ligavam comercialmente o Extremo Oriente
e a Europa. Provavelmente esses percursos foram estabelecidos a partir do
oitava milênio a. C. – os antigos povos do Saara possuíam animais domésticos
provenientes da Ásia – e foram fundamentais para as trocas entre estes
continentes até a descoberta do caminho marítimo para a Índia. A rota da seda
conectava Chang’na (atual Xi’na) na República Popular da China até Antióquia na
Ásia Menor. Sua influência expandiu-se até a Coreia e o Japão. Formava a maior
rede comercial do Mundo Antigo.
[3] BAIXA IDADE MÉDIA – A
Idade Média ou Medievo é um período da história da Europa entre os séculos V e
XV. Inicia-se com a Queda do Império Romano do Ocidente e termina durante a
transição para a Idade Moderna. A Idade Média é o período intermédio da divisão
clássica da história ocidental em três períodos: a Antiguidade; a Idade Média
e, a Idade Moderna, sendo a Idade Média frequentemente dividida em Alta e Baixa
Idade Média. Durante a Baixa Idade Média, iniciada depois do ano 1000,
verifica-se na Europa um crescimento demográfico muito acentuado e um
renascimento do comércio, à medida que inovações técnicas e agrícolas permitem
uma maior produtividade de solos e colheitas. É durante este período que se
iniciam e consolidam as duas estruturas sociais que dominam a Europa até ao
Renascimento: o senhoralismo – a organização de camponeses em aldeias que pagam
renda e prestam vassalagem a um nobre – e o feudalismo – uma estrutura política
em que cavaleiros e outros nobres de estatuto inferior prestam serviço militar
aos seus senhores, recebendo como compensação uma propriedade senhorial e o
direito de cobrar impostos em determinado território. As Cruzadas, anunciadas
pela primeira vez em 1095, representam a tentativa da cristandade em recuperar
dos muçulmanos o domínio sobre a Terra Santa, tendo chegado a estabelecer
alguns estados cristãos no Médio Oriente. A vida cultural foi dominada pela
escolástica, uma filosofia que procurou unir a fé à razão, e pela fundação das
primeiras universidades. A obra de Tomás de Aquino, a pintura de Giotto, a
poesia de Dante e Chaucer, as viagens de Marco Polo e a edificação das
imponentes catedrais góticas estão entre as mais destacadas façanhas deste
período. Os dois últimos séculos da Baixa Idade Média ficaram marcados por
várias guerras, adversidades e catástrofes. A população foi dizimada por
sucessivas carestias e pestes. O Grande Cimas do Ocidente no seio da Igreja
Católica teve consequências profundas na sociedade e foi um dos fatores que
estiveram na origem de inúmeras guerras entre Estados. Assistiu-se também a
diversas guerras civis e revoltas populares dentro dos próprios reinos. O
progresso cultural e tecnológico transformou por completo a sociedade europeia,
concluindo a Idade Média e dando início a Idade Moderna.
[4] EPIDEMIA – Uma epidemia
é a concentração de determinados casos de uma doença em um mesmo local e época,
claramente em excesso em relação ao que seria teoricamente esperado. A palavra
vem do grego, onde epi = sobre + demos = povo e sabe-se ter sido utilizado por
Hipócrates no século VI a.C. Um surto epidêmico ocorre quando há um grande
desequilíbrio com o agente (ou surgimento de um), sendo este posto em vantagem.
Este desequilíbrio é comum quando uma nova estirpe do organismo aparece
(mutação) ou quando o hospedeiros é exposto pela primeira vez ao agente.
[5] MONGÓIS – Os mongóis
forma um grupo étnico que habita as estepes da Ásia Central. Sua existência é
documentada desde o século VIII. Os mongóis formaram sociedades complexas na
Idade Média, especialmente no Império Mongol e, depois, sob Tamerlão. A partir
do século XVI, os mongóis passara a adotar o budismo tibetano e foram
subjugados à Dinastia Qing chinesa. Com o colapso desta dinastia, no século XX,
o Estado soberano da Mongólia, foi criado. Os mongóis vivem também na região autônoma
chinesa da Mongólia Interior e no sul da Rússia. Kublai Khan foi o quinto
Kaghan ou Khan do Império Mongol de 1260 a 1294, e o fundador da Dinastia Yuan,
que dominou grande parte da Ásia Oriental.
[6] HORDA DOURADA – O Canato
da Horda Dourada, também conhecido como Horda de Ouro, foi um dos quatro
canatos originários da fragmentação do Império Mongol e o mais duradouro de
todos eles. Abrangia, em seu apogeu, grande parte da atual Rússia Europeia,
Cazaquistão, Ucrânia, parte da Bielorrússia, norte do Uzbequistão, Sibéria
Ocidental e uma parte da Romênia. Fazia fronteiras com os reinos da Polônia e
Hungria a oeste, o Oceano Ártico ao norte, o Licanato ao sul, o canato de
Djaghatai a sudeste e o Grão-Canato a leste. No seu conjunto era formado pela
Horda Azul de Batu e a Horda Branca de Orda.
[7] BOCACCIO – Giovanni
Boccaccio, nasceu em Florença em 1313 e faleceu em Certaldo em 1375. Foi um
poeta e crítico literário italiano especializado na obra de Dante Alighieri.
Filho de um mercador, Boccaccio não se dedicou ao comércio como era o desejo do
seu pai, preferindo cultivar o talento literário que se manifestou desde muito
cedo. Foi um importante humanista, autor de um número notável de obras,
incluindo Decamerão, o poema alegórico, este fez de Boccaccio o primeiro grande
realista da literatura universal.
[8] HAJJ – Hadj ou Haje, é o
nome dado à peregrinação realizada à cidade de Meca pelos muçulmanos. É
considerada como o último dos “Cinco Pilares do Islamismo” (Arkan), sendo
obrigatória, pelo menos uma vez na vida, para todo muçulmano adulto, desde que
este disponha dos meios econômicos e tenha saúde. Cerca de três milhões de
pessoas de todos os pontos do planeta realizam anualmente o Hajj. O Hajj só
pode ser efetuada uma vez por ano, entre o oitavo e o décimo terceiro dia do mês
de Dhu al-Hijja, o último mês do calendário islâmico.