quarta-feira, 16 de março de 2022

MIKHAIL ALEKSANDROVICH BAKUNIN - МИХАИЛ АЛЕКСАНДРОВИЧ БАКУНИН

 



Mikhail Aleksandrovich Bakunin (em russo, Михаил Александрович Бакунин) – Nascido em 30 de maio de 1814 em Premukhimo (localidade russa na província de Tver, à noroeste de Moscou) e falecido em Berna, na Suiça em 1º de julho de 1876), também aportuguesado de Bakunine ou Bakúnine. Foi um teórico político, sociólogo, filósofo e revolucionário anarquista. É considerado uma das figuras mais influentes do anarquismo e um dos principais fundadores da tradição social anarquista. O enorme prestígio de Bakunin como ativista o tornou um dos ideólogos mais famosos da Europa e sua influência foi substancial entre os radicais da Rússia e da Europa.

            Bakunin cresceu em Premukhimo e morou em uma propriedade familiar localizada em Tver Governorate, para onde se mudou com a intenção de estudar filosofia. Em Tver ele passou a ler as enciclopédias francesas, entusiasmando-se particularmente com a filosofia de Fichte. A partir de Fichte, Bakunin conheceu as obras de Hegel, o pensador mais influente entre os intelectuais alemães da época. Em 1840, aos 26 anos, Bakunin viajou para São Petersburgo e Berlim com a intenção de se preparar para a cátedra de filosofia ou história na Universidade de Moscou. Em 1842, Bakunin mudou-se para Dresden. Posteriormente viajou para Paris, onde conheceu Pierre-Joseph Proudhon e Karl Marx.


            O radicalismo crescente de Bakunin – incluindo sua oposição ao imperialismo russo – pôs fim às esperanças de uma carreira na docência. Ele foi deportado da França por militar contra a opressão russa exercida na Polônia. Em 1849, Bakunin foi interrogado em Dresden por conta de sua participação na rebelião Tcheca de 1848 e acabou levado à Rússia, onde foi preso na Fortaleza de São Pedro e São Paulo em São Petersburgo. Ele permaneceu preso até 1857, quando acabou exilado em um campo de trabalho na Sibéria. Conseguindo fugir para o Japão, passou pelos Estados Unidos e finalmente chegou em Londres, onde trabalhou com Alexander Herzen no jornal Kolokol (O Sino). Em 1863 ele deixou o Reino Unido com a intenção de se juntar à insurreição na Polônia, mas ele não conseguiu chegar a seu destino.



            Em 1868, Bakunin se juntou à Associação Internacional dos Trabalhadores, uma federação de sindicatos e trabalhadores que possuía filiais espalhadas por muitos países europeus, bem como pela América Latina, norte da África e Oriente Médio. A influência “Bakuninista” rapidamente se expandiu, especialmente pela Espanha. Bakunin envolveu-se numa contenda com Karl Marx, que era uma figura-chave no Conselho Geral da Associação Internacional dos Trabalhadores. O Congresso de Haia de 1872 foi dominado por uma luta entre os seguidores de Marx, que defendiam o uso do Estado para provocar o socialismo e a facção anarquista de Bakunin, que argumentava em prol da substituição do Estado por federações locais de trabalhadores autônomos. Bakunin não pôde participar do congresso, pois não conseguiu chegar à Holanda a tempo. Diante da ausência do líder, a facção anarquista acabou perdendo e Bakunin foi expulso por Marx e o Conselho Geral da AIT, sob a alegação de manter uma organização internacional secreta.

            No entanto, os anarquista persistiam na ideia de que o congresso não foi representativo. O grupo Bakuninista, muito maior em número, ultrapassou o pequeno grupo rival marxista, que se mantinha isolado em New York. Essa vitória contribuiu muito para a disseminação global do anarcossocialismo. Durante esses debates, bem como em seus escritos teóricos, Bakunin articulou e combinou as ideias básicas do sindicalismo e do anarquismo, e desenvolveu uma análise estratégica do anarquismo. Bakunin abandonou, então, o nacionalismo anti-imperialista que adotara durante a juventude. Entre 1870 e 1876, Bakunin escreveu algumas de suas obras mais, como o “Estatismo e Anarquia” e “O Império Knuto-Germânico e a Revolução Social”, cujo texto “Deus e o Estado” é um trecho desta obra. Mesmo exercendo intensa atividade intelectual, Bakunin permaneceu participando ativamente dos movimentos sociais e revolucionários como militante.

Biografia

            No dia 18 de maio, no meio da primavera do ano de 1814, nascia Mikhail Alexandrovich Bakunin na pequena cidade de Premukhimo, entre Torzhok e Kuvshinovo, na província de Tver, no noroeste de Moscou.

            Nasceu numa família de linhagem nobre, formada por grandes proprietários de terra. Era um dos sete filhos de Alexander Michailowitsch Bakunin e Varvara A. Bakunin (nascida Varvara Muravyov). Durante a infância de Mikhail seu pai Alexander, que se identificava com o liberalismo europeu e a Revolução Francesa, apresentou a sua família as ideias em torno deste movimento e ofereceu aos seus filhos uma educação primária baseada nestes mesmos ideais.

            No entanto, depois dos levantes dezembrista, Alexander Bakunin, horrorizado com a violência e temeroso que aos ideias liberais lhes causassem problemas, tornou-se um leal czarista a defender os benefícios da aristocracia russa, na época quase toda composta por famílias da nobreza daquele país. Nesta mesma época, Alexander decidiu mandar Mikhail para São Petersburgo para que ele se tornasse um oficial de artilharia. Aos 14 anos de idade, Mikhail Bakunin deixou a casa de sua família em Premukhimo para ir para a Universidade de Artilharia em São Petersburgo. Lá, o jovem Bakunin completou seus estudos em 1832, e em 1834 foi promovido a oficial júnior da Guarda Imperial Russa. Seu pai imediatamente exigiu que ele fosse transferido para o exército regular. Após a transferência de cargo, a bateria na qual Bakunin estava alistado foi enviada a Minsk e Gardinas, na Lituânia.

            Deprimido e insociável, em meio ao inverno rigoroso e preso em uma pequena aldeia congelada, o jovem Bakunin passaria a negligenciar seu deveres, mentindo para passar os dias envolto em pele de carneiro. Diante da incontinência, o oficial em comando lhe deu duas opções, retomar suas funções regulares ou desligar-se do exército. Bakunin escolheria a segunda, retornando para casa no início da primavera.

            Diante do seu retorno, a relação com o pai se tornaria cada vez mais conflituosa. No verão seguinte, tomou parte em uma briga familiar assumindo o lado de sua irmã, que se rebelara contra o pai, a defender um casamento no qual sua filha se sentia infeliz. Em 1835, Mikhail Bakunin partiu para Moscou com o objetivo de estudar filosofia. A escolha se contrapunha frontalmente ao projeto de vida defendido por seu pai: tornar-se um grande oficial de carreira militar.

 

Interesse por Filosofia

            Em Moscou, Bakunin tornou-se amigo de um grupo de estudantes universitários engajados no estudos sistemático de filosofia idealista, agrupados em torno da figura do poeta Nikolay Stankevich, “o arrojado pioneiro que expôs ao pensamento russo o vasto e fértil continente da metafísica alemão” (E.H.Carr). A filosofia de Kant inicialmente era central neste círculo de estudos, mas depois o grupo partiu para Schelling, Fichte e Hegel. No outono de 1838, Bakunin decidiu formar um círculo de estudos filosóficos em sua cidade natal de Premukhino; um espaço passional onde jovens se reuniam não só para o estudo de filosofia. Neste círculo de estudos, VissarionBelinskii se apaixonaria por uma das irmãs de Bakunin. No início de 1836, retornou a Moscou, onde publicou algumas traduções de “Algumas Leituras Acerca da Vocação Escolar” e “O Caminho da Vida Abençoada”, de autoria de Fichte. Este havia se tornado seu livro favorito. Com Stankevich, ele também leria Goethe, Schiller e E.T.A. Hoffman.

            Ele se tornou amplamente influenciado pelo pensamento de Hegel e foi o autor da primeira tradução de sua obra para o idioma russo. Durante esse período ele conheceu os eslavófilos Konstantin Aksakov, Piotr Tschaadaev e os socialistas Aleksandr Herzen e Nikolay Ogarev. Nessa época, começou a desenvolver uma perspectiva pan-eslávica. Depois de longas discussões com seu pai, Bakunin foi para Berlim em 1840. Inicialmente, tinha planos para tornar-se um professor universitário (um “sacerdote da verdade”, tal qual imaginavam ele e seus amigos), mas logo encontrou-se e tomou parte de um coletivo de estudantes denominados a “Esquerda Hegeliana”, e uniu-se ao movimento socialista de Berlim. Em seu ensaio de 1842, “A Reação na Alemanha”, ele argumentava em favor da ação revolucionária da negação, resumida na frase: “(...) a paixão pela destruição é uma paixão criativa”.

            Depois de três semestres em Berlim, Bakunin foi para Dresden, onde tornou-se amigo de Arnold Ruge. Ele também havia lido o ensaio de Lorenz von Stein “Der Sozialismus und Kommunismus des Heutigen Frankreich” (“Socialismo e Comunismo na França Hoje”) e, à época, era considerado um socialista fervoroso. A esse tempo, havia abandonado seu interesse por um carreira acadêmica, devotando mais e mais seu tempo a promoção da revolução. Preocupado com seu radicalismo, o governo imperial russo ordenou que ele retornasse à Rússia. Diante da recusa, todas as suas propriedades em território russo foram confiscadas em dezembro de 1844. Nesta mesma época, Bakunin foi para a cidade suíça de Zurique com Georg Herwegh.

 

Suíça, Bruxelas, Praga, Dresden e Paris

 

           Durante seis meses, Bakunin permaneceu em Zurique, tornando-se muito próximo de Wilhelm Weitling. Até o ano de 11848, seguiu tendo boas relações com os comunistas alemães, ocasionalmente se autoproclamando um comunista e escrevendo artigos sobre o comunismo no periódico Schweitzerische Reppublikaner (Republicanos Suíços). Acabou por mudar-se para Genebra, no oeste suíço, após a prisão de Weitling. Seu nome aparecia frequentemente na correspondência de Weitling apreendida pela polícia. Este fato fez com que relatórios a seu respeito circulassem entre a polícia suíça e o Império Russo. Não demorou para que o embaixador russo em Berna ordenasse o retorno de Bakunin à Rússia. Este não obedeceu aos ditames do Estado Russo, ao invés disso foi para Bruxelas, onde se encontrou com oradores do nacionalismo e do progressismo polonês, como Joachim Lelewel, membro da Associação Internacional dos Trabalhadores junto com Karl Marx e Friedrich Engels.

            Lelewel teve grande influência sobre Bakunin. No entanto, não demorou para que este último rompesse com os nacionalistas poloneses frente às suas demandas pela restauração de uma Polônia histórica baseada nas fronteiras de 1776 (antes da divisão da Polônia), somado ao fato de que também sua defesa ao direito de autonomia das populações não polonesas nestes territórios era paulatinamente desconsiderada. Bakunin também não apoiava o clericalismo reinante entre os nacionalistas da Polônia, e também estes não demonstraram qualquer apoio à defesa da emancipação do campesinato propalada por ele.

           Em 1844, Bakunin foi a Paris, que então era considerada um dos principais centros do pensamento progressista revolucionário europeu. Nessa cidade estabeleceu contato com o comunista Karl Marx e o anarquista Pierre-Joseph Proudhon. Este último lhe impressionou prontamente e, com ele, Bakunin estabeleceu fortes laços pessoais. Em dezembro de 1844, o imperador Nicolau I da Rússia lançou um decreto refutando os privilégios de Bakunin, destituindo-o de seu título de nobre bem como de quaisquer direitos civis, confiscando suas posses na Rússia, e condenando-o ao exílio para o resto de sua vida na Sibéria caso as autoridades russas alguma vez conseguissem pegá-lo.

            Bakunin prontamente respondeu o decreto com a longa carta “La Réforme”, denunciando o czar como um déspota e fazendo um chamado para a democracia na Rússia e na Polônia. Em março de 1846, em outra carta, intitulada “Constitutionel”, Bakunin defendeu a Polônia da repressão orquestrada nesse país pelos católicos. Alguns refugiados poloneses da Cracóvia, que se instalaram na França após a derrota do levante de Cracóvia, convidaram-no para discursar num de seus encontros em novembro de 1847, em comemoração ao Levante de Novembro de 1830.

            Em seu discurso, Bakunin fez um chamado por uma aliança entre as populações russa e polonesa contra o imperador, em prol do “colapso definitivo do despotismo na Rússia”. Em consequência deste chamado, foi expulso da França e se dirigiu para Bruxelas. Lá, Bakunin faria um apelo para que Aleksandr Herzen e Vissarion Belinsky se envolvessem em uma ação conspiratória em favor da revolução social na Rússia. No entanto, nenhum dos dois daria ouvidos a ele. Também em Bruxelas, Bakunin restabeleceu contato com poloneses revolucionários e voltou a encontrar com Karl Marx. Em um encontro organizado por Lelewel, em fevereiro de 1848, ele discursou sobre o grande futuro reservado aos eslavos, cujo destino era rejuvenescer a Europa Ocidental. Por essa época, na embaixada russa, circulavam rumores de que Bakunin era um agente russo que havia excedido suas ordens. Frente ao fim do movimento revolucionário de 1848, Bakunin não continha seu desapontamento frente aos parcos resultados alcançados na Rússia. Ainda assim, junto aos revolucionários do Governo Provisório – Ferdinand Flocon, Louis Blanc, Alexandre Auguste Ledru-Rollin e Albert L’Ouvrier –, havia obtido algum recurso com o objetivo de fomentar a criação de uma Federação Eslava, cuja finalidade seria libertar as populações que permaneciam sob o controle da Prússia, do Império Austro-Húngaro e da Turquia. Partiu para a Alemanha viajando de Baden até Frankfurt e Köln.

            Bakunin apoiou a Legião Democrática Alemã liderada por Herwegh e não poupou esforços tentando vinculá-la à insurreição de Friedrich Hecker em Baden. Posteriormente, ele romperia com Marx com relação ao criticismo de Herwegh. Muito mais tarde em 1871 – Bakunin escreveria:


“Eu preciso admitir abertamente que nessa controvérsia, Marx e Engels estavam certos. Com sua insolência característica, eles atacaram pessoalmente Herwegh quando ele não estava lá para defender. No confronto cara a cara, eu calorosamente defendi Herwegh, e nossa desavença mútua aí teve seu início”.

 

            Em Berlim, foi impedido pela polícia de chegar a Posen, onde estava acontecendo uma insurreição popular. À época, essa cidade compunha os territórios poloneses tomando pelo Reino da Prússia nas Divisões da Polônia. Frente ao impedimento, foi para Leipizig e Breslau, de lá para Praga, onde participou do Primeiro Congresso Pan-eslávico. O congresso foi seguido por uma insurreição malfadada que buscou promover e intensificar mas que, por fim, foi violentamente suprimida. Retornando a Breslau, ficou sabendo que Marx havia alegado publicamente que ele era um agente imperial. Face à acusação, exigiu que George Sand apresentasse suas evidências. Marx se retrataria depois que o próprio George Sand veio em defesa de Bakunin.

            No outono de 1848, Bakunin publicou seu “Apelo aos Eslavos”, no qual propunha que os revolucionários eslavos se unissem com os revolucionários húngaros, italianos e alemães para derrubar as três maiores autocracias da Europa, O Império Russo, o Império Austro-húngaro e o Reino da Prússia.

            Mikhail Bakunin teve um papel de destaque no Levante de Maio em Dresden, em 1849, ajudando a organizar a defesa das barricadas contra as tropas prussianas com Richard Wagner e Wilhelm Heine. Wagner escreveria em sua biografia sobre a atuação do grande anarquista em Dresden e Praga, bem como sobre a aura revolucionária que emanava de suas ações:

Richard Wagner
“Por anos havia cruzado com seu nome nos jornais, e sempre sob espetaculares circunstâncias extraordinárias. Ele voltou a Paris para um encontro polonês, mas ainda que fosse um russo, ele declarou que pouco importava ser um homem russo ou polaco, o que ele desejava ser era um homem livre, isso era tudo que importava. Ouvi mais tarde de Georg Herwegh, que ele havia renunciado a toda sua riqueza enquanto membro de uma influente família russa, e que um dia, quando toda sua fortuna consistia em dois francos, ele a entregou para um mendigo no bulevar, porque isso lhe causava irritação, estar preso por suas posses, suas preocupações estavam no amanhã. Fui informado de sua presença em Dresden por Rockel, e que mais tarde ele se tornaria um fervoroso republicano. Ele havia levado o russo para sua casa, e me convidou para ir lá conhece-lo. Naquela época, Bakunin estava sendo perseguido pelo governo da Áustria por sua participação nos eventos que ocorreram em Praga no verão de 1848, e porque ele era membro do Congresso Eslavo que precedeu aqueles acontecimentos. Em decorrência desta perseguição, ele teve que procurar refúgio em nossa cidade, mas de forma que não desejava permanecer muito longe da fronteira com a Boêmia. A sensação extraordinária que ele criou em Praga advinha do fato que, quando os tchecos buscaram a proteção da Rússia contra a temerosa polícia germanizada da Áustria, ele conjurou-os eles próprios a defender-se com fogo e espada contra aqueles mesmos russos, e também contra quaisquer outras pessoas que vivessem sob o mando de um despotismo como aquele dos czares”.

            Bakunin seria capturado pelos saxões em Chemnitz e trancafiado pro treze meses antes de ser condenado à morte pelo governo da Saxônia; uma vez que os governos da Rússia e Áustria também estavam atrás dele, sua sentença de morte compulsória, seria comutada para prisão perpétua. Finalmente em maio de 1851, Bakunin foi enviado para as autoridades russas.

 Aprisionamento, “Confissão” e Exílio

            Bakunin foi levado à notória prisão da Fortaleza de Pedro e Paulo. No início de sua sentença, o conde Orlov, um emissário do czar, visitou Bakunin e disse a ele que o imperador requisitava uma confissão por escrito, esperando que a confissão pudesse encaminhar Bakunin espiritual e fisicamente frente ao poder do Estado russo. Uma vez que todos seus atos eram conhecidos, ele não possuía segredos a serem revelados, e decidiu a escrever ao imperador:

“Você quer minha confissão; mas você precisa saber que um criminoso penitente não é obrigado a implicar ou revelar as ações de outrem. Guardo apenas a honra e a consciênciade que jamais traí quem quer que tivesse confiado em mim, e é por esse motivo que não lhe entregarei nenhum nome”.

 

          Ao ler a carta, o czar Nicolau I teria dito: “Ele é um bom rapaz, cheio de espírito, mas é um homem perigoso e não devemos jamais deixar de vigiá-lo”. A confissão seria publicada muito posteriormente, após ser descoberta em meio aos arquivos imperiais.

            Depois de três anos em uma pequena cela da Fortaleza de São Pedro e São Paulo, ele passaria outros quatro trancafiado nas masmorras subterrâneas do castelo de Shlisselburg. Lá, ele sofreria com o escorbuto e todos seus dentes cairiam com resultado da aterradora dieta. Mais tarde, Bakunin diria que ele encontrou algum alento ao rememorar mentalmente a lenda de Prometeu. Seu contínuo aprisionamento nessas terríveis condições fizeram com que ele pedisse ao seu irmão que lhe trouxesse veneno para que desse um fim ao seu sofrimento.

           Após a morte de Nicolau I, o novo imperador Alexandre II exigiu que o nome de Bakunin ficasse fora da lista de anistia. No entanto, em fevereiro de 1857, sua mãe fez um apelo ao imperador que resultou na deportação do libertário ao exílio permanente na cidade de Tomsk, na Sibéria Ocidental. Após um ano de sua chegada em Tomsk, Bakunin casou com Antonia Kwiatkowska, a filha de um mercador polonês. Anteriormente, ele havia ensinado francês a ela. Em agosto de 1858, Bakunin recebeu a visita do seu primo Nikolay Muravyov-Amursky, que fora governador-geral da Sibéria Ocidental por dez anos.

            Muravyov era um liberal e Bakunin, enquanto seu parente, tornou-se seu primo favorito. Na primavera de 1859, Muravyov ajudou Bakunin com um emprego na Agência de Desenvolvimento de Amur o que permitiu que ele e sua companheira se mudassem para Irkutsk, a capital da Sibéria Oriental. Esta mudança possibilitou que Bakunin fizesse parte do círculo de discussões políticas centrado no quartel-general da colônia de Maravyov.

Pietr Kropotkin
            A administração regional estava ressentida com o tratamento dispendido à colônia pela burocracia de São Petersburgo, que lhe destinava o caráter de colônia penal para criminosos e descontentes. Neste ambiente, emergiu a proposta para a criação de um Estados Unidos da Sibéria, independente da Rússia e confederado junto a um novo Estados Unidos da Sibéria e América, seguindo o exemplo dos Estados Unidos. O círculo incluía o jovem chefe do Estado-maior, Kukel – o qual, relatava Kropotkin, tinha, em sua posse, a obra completa de Aleksandr Ivanovitch Herzen – o governador civil Izvolsky, que permitiu que Bakunin utilizasse seu endereço para correspondência, e o eventual vice de Muravyov, seu provável sucessor, o general Alexander Dondukov-Korsakov.

Nikolay Muravyov-Amursky
            Quando Herzen criticou Muravyov em “O Sino”, Bakunin escreveu uma resposta vigorosa na defesa de seu patrono. Cansado de seu emprego como viajante comercial, ainda que agradecido pela influência de Muravyov, Bakunin havia conseguido alguns benefícios (recebia 2 mil rublos por ano) sem ter que pagar nenhum imposto. No entanto, Muravyov seria forçado a se aposentar de seu cargo de governador-geral, em parte por sua conduta liberal, em parte pelo temor de que ele pudesse levar a Sibéria a um movimento de independência.

            Muravyov seria substituído por Korsakov, que por sua vez também era parente de Bakunin. O irmão de Bakunin, Paulo, havia casado com sua prima. Tomando a palavra de Bakunin, o novo governador-geral deu-lhe uma carta permitindo a ele passagem em todos os barcos que circulassem no rio Amur e seus tributários desde que voltasse para Irkutsk antes do retorno do gelo.

            Em 5 de junho de 1861, Bakunin deixou Irkutsk para supostamente tratar de negócios da companhia, aparentemente empregado por um mercador siberiano para fazer uma viagem até Nilolaevsk. Em 17 de julho, ele estava a bordo do navio de guerra Strelok indo para Kastri. No entanto, no porto de Olga, Bakunin conseguiu convencer um capitão americano da nau S.S. Vickery a leva-lo a bordo. A bordo, para sua surpresa se deparou com o cônsul russo, mas ainda assim passou despercebido e partiu navegando sob o nariz da Marinha Imperial Russa. Em 6 de agosto, chegou a Hakodate, na ilha de Hokkaido, no extremo norte do arquipélago do Japão, e logo estava em Yokohama.

            No Japão, Bakunin por acaso encontrou com Wilhelm Heine, um de seus camaradas de armas de Dresden. Ele também conhecia o botânico alemão Philipp Franz von Viebold, que estava envolvido na abertura do Japão aos Europeus (particularmente aos russos e holandeses) e era um amigo do patrono de Bakunin, Muraviev. O filho de Von Siebold escreveria 40 anos mais tarde:

“Naquele porto de Yokohama nós encontramos um fora da lei do oeste selvagem de Heine, provavelmente tão bem quanto tantos outros convidados interessantes. A presença do revolucionário russo Michael Bakunin, recém-chegado da Sibéria, foi tão longe quanto alguém pudesse ver em um piscar de olhos das autoridades. Ele estava muito bem amparado com dinheiro, e nenhum dos que vieram a conhece-lo deixaram de demonstrar por ele seu respeito”.

 

Joseph Heco
           Ele deixou o Japão a partir de Kanagawa no S.S. Carrington, como um dos dezenove passageiros incluindo Heine, o reverendo P.F. Koe e Joseph Heco. Heco era um nipo-americano, que oito anos mais tarde teria um papel importante ao assessorar politicamente Kido Takayoshi e Ito Hirobumi durante o levante revolucionário que derrubou o shogunata feudal de Tokugawa.

            Chegaram a San Francisco em 15 de outubro. Antes das ferrovias transcontinentais terem sido completadas, a forma mais rápida de ir para New York era através do canal do Panamá. Bakunin subiu a bordo do Orizaba para o Panamá, onde, depois de esperar por duas semanas, subiu na embarcação Champion em direção a New York.

Alexander Herzen

            Em Boston, Bakunin visitou Karol Foster, uma partisan de Ludwik Mieroslawski durante a revolução de Paris de 1848, que fora apanhada junto com outros quarenta e oito veteranos das revoluções 1848 na Europa entre eles Friedrich Kapp. Depois, ele navegou para Liverpool, aportando em 27 de dezembro. Imediatamente, Bakunin foi a Londres para ver Herzen. Naquela noite, ele irrompeu na sala de jantar onde a família comia sopa. “O que! Você está sentado aí comendo ostras! Bem” Conte-me sobre as novidades. O que está acontecendo, e onde?!”.

 

Na Itália

           Tendo retornado ao oeste europeu, imediatamente Bakunin mergulhou nos movimentos revolucionários. Em 1860, enquanto ainda estava em Irkutsk, Bakunin e seus associados políticos tinham muito se impressionado com Giuseppe Garibaldi e sua expedição à Sicília, na qual declarou-se ditador em nome de Vitor Emanuel II. Após o retorno a Londres, ele escreveu para Garibaldi em 31 de janeiro de 1862:

“Se você pudesse ver como eu vi o entusiasmo apaixonado de toda a cidade de Irkutsk, a capital da Sibéria Ocidental, frente às notícias de sua marcha triunfal através das terras do louco rei de Nápoles, você teria dito como eu disse que já não existem distâncias ou fronteiras”.

 

            Bakunin pediu para Garibaldi que participasse de um movimento abrangendo italianos, húngaros e eslavos do sul contra os Estados do Império Austríaco e do Império Otomano. Garibaldi estava então engajado nas preparações para a Expedição contra Roma. Por maio, a correspondência de Bakunin focava a possibilidade de estabelecer proximidade entre os italianos, os eslavos e progressistas da Polônia. Em junho, ele resolveu se mudar para a Itália, mas estava esperando que sua esposa se unisse a ele. Em agosto, ele partiu para a Itália. Giuseppe Mazzini escreveu para Maurizio Quadrio, um de seus apoiadores-chave, dizendo que Bakunin era uma pessoa boa e confiável. No entanto, diante das novas da derrota na Batalha de Aspromonte, Bakunin parou em Paris, onde estabeleceu um contato breve com Ludwik Mieroslawski.


            No entanto, frente ao chauvinismo de Mieroslawski e de sua recusa em garantir concessões aos camponeses, Bakunin dele se afastou, retornando à Inglaterra e focando sua atenção nas questões referentes à Polônia. Quando a insurreição polonesa irrompeu em janeiro de 1863, ele navegou para Copenhagen, onde esperava se reunir com a Legião Polonesa. Eles planejavam navegar através do Báltico no S.S. Ward Jackson para se juntarem à insurreição. A tentativa, no entanto, falhou, e Bakunin encontrou com sua esposa em Estocolmo antes de retornar a Londres. Sua atenção voltou-se novamente à Itália, para onde decidiu retornar. Seu amigo AurelioSaffi lhe escreveu  cartas de introdução para Florença, Turim e Milão. Mazzini escreveu cartas de recomendação para Frederico Campanella em Gênova e Giuseppe Dolfi em Florença. Bakunin deixou Londres em novembro de 1863 viajando via Bruxelas, Paris, Vevey (Suíça), chegando na Itália em 11 de janeiro de 1864. Foi lá que, pela primeira vez, ele se autodeclarou anarquista e expôs suas ideias enquanto tal.

            Lá, ele concebeu o plano para formar uma organização secreta de revolucionários para levar à frente o trabalho de propaganda e prepararem-se para a ação direta. Ele recrutou italianos, franceses, escandinavos e eslavos ara uma irmandade Internacional também chamada de Aliança dos Socialistas Revolucionários. Até então, o termo “socialismo” se relacionava com diferentes formas de superação da sociedade de classes. Posteriormente, com a popularização do marxismo e com a experiência soviética, o termo “socialismo” ganhou a conotação de um molde político específico de transformação através da ditadura do proletariado.

Herzen e Ogarev
            Em julho de 1866, Bakunin escrevia para Herzen e Ogarev os bons resultados de seus esforços em relação aos últimos dois anos. Sua sociedade secreta, então possuía, então, membros na Suécia, Noruega, Dinamarca, Bélgica, Inglaterra, França, Espanha e Itália, bem como também membros da Rússia e da Polônia. Em seu “Catecismo de um Revolucionário” de 1866, ele se opunha tanto à religião quanto ao Estado, defendendo a“absoluta rejeição a toda autoridade, incluindo aquela que sacrifica a liberdade em nome da conveniência do Estado”.

            Durante o período entre os anos de 1867 e 1868, respondendo ao chamado de Emile Acollas, Bakunin envolveu-se na Liga de Paz e Liberdade (LPF), para a qual ele escreveu o longo ensaio “Federalismo, Socialismo e Antiteísmo”. Neste escrito, ele defendia o socialismo federalista, baseado no trabalho de Proudhon. Ele apoiava a liberdade de associação e o direito de secessão para cada unidade da federação, mas enfatizava que essa liberdade deveria dar conjuntamente com o socialismo, já que: “Liberdade sem socialismo é privilégio e injustiça; socialismo sem liberdade é brutalidade e escravidão”.

            Bakunin desempenhou um importante papel na Conferência de Genebra em setembro de 1867, e juntou-se ao comitê central. Participaram, desta conferência fundacional, em torno 6 mil pessoas. Bakunin se ergueu para falar:

“(...) o grito passava de boca em boca: Bakunin! Garibaldi, que estava sentado, se levantou, avançou uns poucos passos e o abraçou. Este encontro solene de dois velhos e experientes guerreiros da revolução produziu uma impressão estonteante... todos se levantaram e houve um prolongado e entusiasmado bater de palmas”.

            No Congresso de Berna de 1868, ele e outros libertários (Élisée Reclus, Aristide Rey, Victor Jaclard, Giuseppe Fanelli, Nicholas Joukovsky, Valerian Mroczkovsky e outros) encontraram-se em minoria. Eles romperam com a Liga, estabelecendo outra organização: Aliança Internacional de Democracia Socialista, que adotou o programa socialista revolucionário. 


Nechayev e o Niilismo

            Entre os anos de 1869 e 1870, Bakunin esteve envolvido com o revolucionário russo Sergey Nechayev em um número significativo de projetos clandestinos. Em conjunto, os dois teriam escrito os livretos “Palavra à Juventude – Princípios da Revolução” e “Catecismo de um Revolucionário”, obras consideradas, por muitos, um exemplo de frieza maquiavélica.

            No entanto, um pouco mais tarde, Bakunin revê esta posição e rompe com Nechayev devido aos seus métodos “jesuítas”, como o próprio Bakunin posteriormente definiria. Desde então, passa a criticar a ideia de Nechayev de que todos os meios são justificáveis para atingir os fins revolucionários.

 

A Primeira Internacional


            Em 1868, Bakunin participou da seção de Genebra da Primeira Internacional, na qual ele permaneceu sendo muito ativo até sua expulsão por Karl Marx e seus seguidores no Congresso de Haia em 1872. Bakunin foi um importante articulador no estabelecimento de núcleos da Internacional na Itália e na Espanha.


           Em 1869, a Aliança Internacional de Democracia Socialista foi impedida de entrar na Primeira Internacional. O argumento era que esta também era uma organização internacional por si mesma, e apenas organizações nacionais eram permitidas enquanto membros na Internacional. A Aliança foi dissolvida e os vários grupos que a formavam uniram-se à Internacional separadamente.

            As discordâncias entre Bakunin e Marx, que resultaram na expulsão da Internacional de 1872 pela votação dominada pelos seguidores de Marx no Congresso de Haia, ilustram a crescente divergência entre as seções “antiautoritárias” da Internacional que advogavam a ação e organização dos trabalhadores de forma a abolir o Estado e o capitalismo, e as seções social-democratas aliadas de Marx que defendiam a conquista do poder político pela classe trabalhadora.

 

           Ainda que Bakunin aceitasse a análise de classe de Marx e suas teorias econômicas relacionadas ao capitalismo, reconhecendo sua genialidade, ele considerava Marx um arrogante, bem como que seus métodos poderia comprometer a revolução social. Bakunin criticava de forma efusiva o que chamava de “socialismo autoritário” (que associava sobretudo ao marxismo) e o conceito de “ditadura do proletariado”, o qual refutava abertamente: “Se você pegar o mais ardente revolucionário, e investi-lo de poder absoluto, dentro de um ano ele seria pior que o próprio czar”.

            As palavras de Bakunin evidenciando a falha da estratégia marxista soam um tanto proféticas com relação aos acontecimentos do século XX:

“Assim, sob qualquer ângulo que se esteja situado para considerar esta questão, chega-se ao mesmo resultado execrável: o governo da imensa maioria das massas populares se faz por uma minoria privilegiada. Esta minoria, porém, dizem os marxistas, compor-se-á de operários. Sim, com certeza, de antigos operários, mas que, tão logo se tornem governantes ou representantes do povo, cessarão de ser operários e pôr-se-ão a observar o mundo proletário de cima do Estado; não mais representarão o povo, mas a si mesmos e suas pretensões de governá-lo. Quem duvida disso não conhece a natureza humana”.

 

            As seções antiautoritárias expulsas da Primeira Internacional por Marx e seus seguidores criaram seu próprio Congresso Internacional em Saint-Imier. Agregando grupos libertários de vários países, e importantes pensadores anarquistas – entre estes os irmãos Élisée e Élie Reclus, Piotr Kropotkin, Errico Malatesta –, esta organização internacional seria responsável por um novo fôlego à tradição antiautoritária, mutualista e de caráter descentralizado do anarquismo nas próximas décadas, não sem algum teor de dissenso.

 

As Comunas de Lyon e Paris

            Em 1870, Bakunin atuou como articulador de um levante na cidade francesa de Lyon, chamando a população a se rebelar em resposta ao colapso do governo francês durante a Guerra Franco-Prussiana, procurando transformar um conflito imperialista em revolução social. Este levante que efetivamente fracassou mostrou-se um importante precedente da Comuna de Paris, com a qual compartilhou princípios e modelos. Em suas “Cartas para um Francês Sobre a Presente Crise”, ele defendeu uma aliança revolucionária entre a classe trabalhadora e o campesinato e apresentou sua formulação daquilo que, mais tarde, ficou conhecido como propaganda pelo ato: “(...) precisamos difundir nossos princípios, não com palavras mas com ações, esta é a mais popular, mais potente e mais irresistível forma de propaganda”.

            Bakunin foi um forte apoiador da Comuna de Paris de 1871, movimento revolucionário que foi brutalmente suprimido pelo governo francês.  O movimento brutal das comunas foi compreendido por Bakunin como uma “rebelião contra o Estado e os privilégios de classes”. Bakunin elogiou os homens e mulheres que, posteriormente, ficaram conhecidos como communards por rejeitarem não só o Estado mas também uma “ditadura revolucionária”.

            Em uma série de panfletos enérgicos em resposta a um artigo do nacionalista italiano Giuseppe Mazzini, Bakunin não só defenderia a Comuna como a Primeira Internacional contra seus ataques. Dessa forma, o pensador russo conseguiria conquistar muitos republicanos italianos tanto para a Internacional quanto com relação à necessidade de transformação social através da revolução.

 

Últimos Anos e Morte


            Bakunin retirou-se para a cidade suíça de Lugano em 1873. Passou a morar numa pequena vila chamada Baronata, em uma casa adquirida por seu amigo e colaborador Carlo Cafiero, na primavera daquele ano. Mesmo doente, com alguns estudantes e intelectuais, nesse mesmo ano funda uma editora na qual grande parte de seus livros são publicados sob o título de “Estadismo e Anarquia” (“Staatlichkeitund Anarchie”).

            Bakunin ainda participaria no ano seguinte, 1874, de uma tentativa de revolta na cidade italiana de Bolonha. Esta, no entanto, não alcançou êxito, fazendo com que o velho revolucionário retornasse para Lugano. Lá, passou seus últimos anos, época em que a vida de aventuras e estadias na prisão cobraram seu último quinhão. Em seu texto, “Lembrando Bakunin”, Errico Malatesta rememorou os últimos dias do revolucionário por ocasião dos cinquenta anos de sua morte.

“Há cinquenta anos morria Bakunin. Há quase cinquenta anos, eu o vi pela última vez em Lugano, já mortalmente atacado pela enfermidade e reduzido à sua própria sombra (ele me dizia, meio sério, meio irônico: ‘Meu caro, assisto à minha dissolução’). Entretanto, o simples fato de pensar nele ainda reconforta meu coração e enche-o de entusiasmo juvenil.

 

           Em 1876, com a saúde muito deteriorada, Bakunin é levado por um amigo para um hospital em Berna. Lá, encontrou seu fim, falecendo em 1º de julho de 1876. Seu corpo foi enterrado no túmulo 68, no bloco 9.201, no cemitério de Bremgarten, na cidade de Berna. Seu túmulo mantido graças às doações de um suíço anônimo, é visitado por anarquistas vindos de todo o mundo. Segundo o diretor, não é incomum que, em algumas noites, grupos de jovens entrem no cemitério e se reúnam para beber junto ao túmulo de Bakunin. Este túmulo permanece sendo o mais visitado daquele cemitério.

 

Ideias e Reflexões

           Em sua perspectiva política, Bakunin rejeitou os sistemas de governo fossem qual fosse o seu formato. Questionou qualquer governabilidade baseada na escolha divina, bem como toda forma de autoridade externa, que fizesse prevalecer sobre as demais vontades, a vontade de um soberano, ou de elites cuja ascensão possa ser favorecida pela implementação de um sufrágio universal. Em “Deus e o Estado” (“Dieu et L’Etat”), publicado postumamente em 1882 ele escreveu:

“A liberdade do homem consiste tão somente nisso, de que ele obedeça as leis da natureza as quais ele por si próprio reconhece enquanto tais, e não porque elas foram impostas externamente sobre ele por qualquer vontade exterior, humana ou divina, coletiva ou individual”.

            De forma similar, Bakunin rejeitou a noção de quaisquer posições ou classes privilegiadas, desde que “esta é a peculiaridade do privilégio e de qualquer posição privilegiada: matar o intelecto e o coração do homem. O homem privilegiado, seja ele privilegiado politicamente ou economicamente, é um homem depravado em intelecto e coração”.

            O entendimento político de Bakunin estava baseado em uma série de conceitos inter-relacionados: 1) liberdade; 2) socialismo; 3) federalismo; 4) ateísmo; e 5) materialismo. Ele também desenvolveu uma crítica ao marxismo que alguns consideram profética, prevendo que, se os marxistas tivessem êxito em ocupar o poder, eles iriam criar uma ditadura de partido “em tudo mais perigosa porque ela se apresentaria como uma falsa expressão da vontade do povo”.

 

Conceito de Liberdade de Bakunin

            Por “liberdade”, Bakunin não se referia a um ideal abstrato, mas a uma realidade concreta baseada na liberdade simétrica de outros. Liberdade consiste no “desenvolvimento pleno de todas as faculdades e poderes de cada ser humano, pela educação, pelo conhecimento científico, e pela prosperidade material”. Tal concepção de liberdade é “eminentemente social, porque só pode ser concretizada em sociedade”, não em isolamento. Em um sentido negativo, liberdade é “a revolta do indivíduo contra todo tipo de autoridade, divina, coletiva ou individual”.

 

Anarquismo Coletivista

            A forma de socialismo tal qual a concebia Bakunin era conhecida como “anarquismo coletivista”, condição na qual os trabalhadores poderiam administrar diretamente os meios de produção através de suas próprias associações produtivas. Assim, haveria “modos igualitários de subsistência, fomento, educação e oportunidade para cada criança, menino ou menina, até a maturidade, e recursos e infraestrutura análoga na idade adulta para dar forma ao seu próprio bem estar através do próprio trabalho”.

 

Federalismo


            Por federalismo, Bakunin entendia a organização da sociedade “da base até o topo – da circunferência ao centro – de acordo com os princípios de livre associação e federação”. Consequentemente a sociedade poderia ser organizada “com base na liberdade absoluta dos indivíduos, das associações, todas as comunas, todas as regiões, todas as nações” tendo “o direito absoluto da autodeterminação, de se associar ou não, aliar-se com quem quer que desejassem”.

 

Ateísmo

            Bakunin defendia que “a ideia de Deus implicava a abdicação da razão humana e justiça; esta é a mais decisiva negação da liberdade humana, e necessariamente termina na escravidão da humanidade, na teoria e na prática”. Consequentemente, Bakunin invertia o aforismo de Voltaire de que “se Deus não existisse, seria necessário inventa-lo”, afirmando que “se Deus realmente existisse, seria necessário aboli-lo”.

 

Materialismo

            Bakunin refutava a ideia religiosa de livre-arbítrio e defendia uma explicação material dos fenômenos naturais: “as manifestações de vida orgânica, propriedades químicas e reações, eletricidade, luz, calor e atração natural de corpos físicos, constituem, na nossa perspectiva, tantas formas diferentes, mas interdependentes da totalidade de elementos reais daquilo que chamamos matéria” (“Escritos Selecionados”). A “missão da ciência é, por observação das relações gerais, compreender os fatos verídicos, e estabelecer as leis gerais inerentes as desenvolvimento de um fenômeno no mundo físico e social”.

            Bakunin, no entanto, rejeitava a noção de “socialismo científico”, escrevendo em “Deus e o Estado” que um “corpo científico, tão logo a ele seja confiado o governo da sociedade, acabaria rapidamente por dedicar-se, não mais para a ciência, mas se envolveria em outro assunto... em sua eterna perpetuação, tomando a sociedade que se confiou aos seus cuidados, tornando-a cada vez mais estúpida e, consequentemente, mais necessitada de seu governo e direção”.

 

Críticas ao Marxismo

            A disputa entre Mikhail Bakunin e Karl Marx realçaram as diferenças entre o anarquismo e o marxismo. Os argumentos de Bakunin se contrapunham aos ideais defendidos por um número considerável de marxistas de que nem todas as revoluções precisavam ser necessariamente violenta. Ele também rejeitou fortemente o conceito marxista de “ditadura do proletariado”, que os seguidores de Marx na atualidade, traduzem em termos modernos por “democracia dos trabalhadores”, mas que mantém o poder concentrado no Estado até a futura transição ao comunismo. Bakunin, “que havia abandonado ideais de ditadura revolucionária”, insistia que revoluções deveria ser lideradas pelo povo diretamente enquanto qualquer “elite iluminada” só deveria exercer influência discreta... jamais impondo-se na forma de uma ditadura a outrem... e nunca se aproveitando de qualquer direitos oficiais, em termos de benefício ou significância. Bakunin defendia que o Estado deveria ser imediatamente abolido, porque todas as formas de governo eventualmente levariam à opressão.

“Eles (os marxistas) defendem que nada além de uma ditadura – a ditadura deles, é claro – pode criar o desejo das pessoas, enquanto nossa resposta para isso é: Nenhuma ditadura pode ter qualquer outro objetivo para além de sua autoperpetuação, ela pode apenas levar à escravidão o povo que tolerá-la; a liberdade só pode ser criada através da liberdade, isto é, por uma rebelião universal de parte das pessoas e organização livre das multidões de trabalhadores de baixo para cima” (Mikhail Bakunin – “Estadismo e Anarquismo”).

 

            Enquanto os anarquistas sociais e os marxistas compartilham o mesmo objetivo final, a criação de uma sociedade livre e igualitária, sem classes sociais ou Estado, eles discordaram amplamente em como alcançar o objetivo. Anarquistas acreditam que uma sociedade sem classes ou Estado deveria ser estabelecida através da ação direta das massas em organizações e espaços não hierárquicos, culminando na revolução social, e refutam qualquer estágio intermediário como uma “ditadura do proletariado”, argumentando que, desde seu início, tal ditadura teria, como objetivo, sua autoperpetuação. Para Bakunin, esta é a contradição fundamental dos marxistas, “anarquismo ou liberdade é a meta, enquanto no marxismo o Estado e a ditadura é o meio, então logo, com o objetivo de libertar as massas, elas devem antes serem escravizadas”.

            Apesar da oposição veemente à proposta marxista de revolução autoritária, Bakunin sempre conferiu valor à análise de Marx acerca do capitalismo. Bakunin considerava as análises econômicas apresentada por Marx extremamente importantes, tanto que foram o próprio Bakunin o tradutor do “O Capital” para o idioma russo.

            Já Marx, quando escreveu sobre a insurreição de Dresden de 1848, afirmou que “no refugiado russo Michael Bakunin, eles (os rebeldes de Dresden) encontraram um líder capaz e de cabeça fresca”. Marx também escreveria, em uma de suas cartas para Engels, sobre o encontro com Bakunin em 1864, depois de sua fuga da Sibéria: “No geral ele é um dos poucos, penso eu, que não retrocedeu após estes 16 anos, pelo contrário, avançou ainda mais”.

            Mikhail Bakunin foi talvez o primeiro teórico da “nova classe” de intelectuais e administradores componentes de um aparato burocrático estatal. Bakunin afirmava que:

“O Estado sempre foi e sempre será patrimônio de alguma classe privilegiada: uma classe sacerdotal, uma classe aristocrática, uma classe burguesa. E finalmente, quando todas as outras classes terem se exaurido, o Estado então se tornará o patrimônio da classe burocrática e então cairá – se preferir, se erguerá – à posição de uma máquina”.

 

Educação Integral

            Tendo, como base de reflexão, a ideia de educação politécnica sugerida por Proudhon, Bakunin também esboçou, em seus escritos, uma proposta educacional visando romper com a divisão educacional no século XIX e vigente até a atualidade que, de um lado, dispensa uma educação técnica e manual aos trabalhadores visando formar a mão de obra a ser explorada, e do outro oferece uma educação intelectual para reproduzir uma elite exploradora que se sobrepõe aos trabalhadores e detém o poder. 

“Tomando a educação no sentido mais amplo desta palavra, incluindo nela não somente a instrução e as lições de moral, mas ainda e sobretudo os exemplos que dão às crianças todas as pessoas que as cercam, a influência de tudo o que ela entende do que ela vê, e não somente a cultura de seu espírito, mas ainda o desenvolvimento de seu corpo, pela alimentação, pela higiene, pelo exercício de seus membros e de sua força física, diremos com plena certeza de não podermos ser seriamente contraditados pro ninguém: que toda criança, todo adulto, todo jovem e finalmente todo homem maduro é o puro produto do mundo que o alimentou e o educou em seu seio, um produto fatal, involuntário, e consequentemente, irresponsável”. 


Concepção de Revolução Social

            Os métodos defendidos por Bakunin em seu programa revolucionário estavam em consonância com seus ideais e princípios. Os trabalhadores do campo e da cidade iriam se organizar em uma base federalista, “criando não só as ideias, mas também os fatos do futuro eles próprios”. Os sindicatos e organizações operárias poderiam “tomar em sua posse todas as ferramentas de produção bem como prédios e recursos”. Os camponeses “ocupariam a terra e colocariam para fora aqueles senhores de terra que vivem do esforço de outros”. Em sua perspectiva, “as multidões”, somente as massas de pessoas pobres e exploradas, assim como o chamado “lumpemproletariado”, seriam capazes de “inaugurar e levar ao triunfo a Revolução Social”, uma vez que estes eram os setores sociais “quase não corrompidos pela civilização burguesa”.

 

Críticas ao Pensamento de Bakunin

            Dentro do âmbito do movimento, Bakunin foi, posteriormente, criticado pela concepção de revolução violenta que defendia. Alguns dos seus críticos afirmam que sua defesa da conspiração revolucionária e aprovação da ação direta violenta contra agentes do aparato repressor estatal resultaram no niilismo na Rússia e em atentados individuais (no que, mais tarde, de uma perspectiva legalista, viria a ser chamado de terrorismo) que serviram apenas com elemento de propaganda e motivo de repressão empreendidos pelas forças reacionárias contra os anarquistas. Também com base nesses atos de violência, a propaganda reacionária no final do século XIX difundira a ideia equívoca de anarquia como sinônimo de caos e assassinato sem sentido.

           Ainda no século XIX, outro grande pensador libertário russo, Piotr Kropotkin, apresentou importantes críticas às ideias de Bakunin. Frente à ideia de Bakunin de que a revolução deve acontecer necessariamente de maneira violenta e espontânea, Piotr Kropotkin escreve em 1891: “Um edifício baseado em alguns anos de história não se destrói com alguns quilos de explosivo”.

            Em contraposição à revolução violenta, Kropotkin aponta para o papel fundamental que poderia exercer a educação na transformação de uma sociedade. “Nenhuma revolução social pode triunfar se não for precedida de uma revolução nas mentes e nos corações do povo”.

            Estas ideias influenciaram os movimentos de educação libertária do século XIX e início do século XX, entre eles o movimento de Escolas Modernas idealizadas pelo pedagogo catalão Francisco Ferrer.

            Em 1898, Kropotkin propôs a fundação de um Comitê Pró-Ensino, do qual fizeram parte o anarquista cristão Leon Tostói, Jean Grave, Charles Malato e os irmãos Réclus, dentre outros grandes pensadores do movimento anarquista da época. Neste contexto, a ideia de revolução pela violência de Bakunin foi deixada de lado em prol da transformação através da educação libertária.

 

Noção de “Ditadura Invisível”

            Bakunin foi também acusado de ser um autoritário enrustido. Em sua carta para Albert Richard, ele escreveu que: “(...) existe apenas um poder e uma ditadura que enquanto organização é salutar e plausível: é aquela que é uma ditadura coletiva e invisível, daqueles que estão aliados em nome do nosso princípio”.

            No entanto, tal qual defendido pelos apoiadores de Bakunin, essa “ditadura invisível” não é uma ditadura no sentido convencional da palavra e, esta crítica decorre de um recorte textual que não considera o fato de esta ser uma linguagem figurativa a rebater posições defendidas por Richard em outras ocasiões. O próprio Bakunin fora cuidadoso em explicitar que os membros desta ditadura não poderiam exercer nenhum poder político institucional, nem contarem com quaisquer privilégios: “(...) essa ditadura será ainda mais salutar e efetiva se não estiver investida de qualquer poder oficial ou de caráter extrínseco”.

 

Pan-eslavismo e Eurocentrismo

            O historiador anarquista Max Nettlau descreveu o pan-eslavismo de Bakunin com sendo o resultado de uma psicose nacionalista da qual poucos estavam livres. A publicação de suas “Confissões” de 1851, escritas enquanto Bakunin era prisioneiro do czar na fortaleza de Pedro e Paulo, foram utilizadas para atacar Bakunin porque, nelas, ele pedia o imperador por perdão por seus pecados e implorava a ele para que se colocasse à frente dos eslavos tanto como redentor quanto como pai.

            Seu eurocentrismo teve, como manifestação: um apelo seu pela constituição dos Estados Unidos da Europa; seu suporte ao colonialismo russo, em particular defendido por seu parente e patrono conde Nikolay Muravyov-Amursky; e sua indiferença ao Japão e aos camponeses japoneses durante e depois de sua breve estadia em Yokohama (o Japão era considerado o pais mais proeminente e revolucionário da Ásia durante a Restauração Meijii de 1866 a 1869). Estes aspectos de seu pensamento, no entanto, datam de antes de ele se tornar um anarquista. A identificação de Bakunin com o anarquismo não aconteceu antes de 1865, portanto, alguns anos depois de seu exílio na Sibéria e de sua fuga ao Japão.

 

Antissemitismo

            Devido a algumas de suas colocações com relação ao judaísmo, Bakunin tem sido considerado um antissemita. Este posicionamento, que nada tem a ver com o anarquismo, tem sido bastante criticado pelos libertários das gerações seguintes, identificando estas características como uma falha de caráter mais ou menos comum entre parte dos anarquistas e socialistas da Europa do século XIX, entre estes também Proudhon.

            Durante algumas discussões com Karl Marx, Bakunin apresentou comentários antissemitas comuns entre os preconceitos europeus com relação aos judeus, tratando-os como uma nação sem território. Está fora descrita por Bakunin como:

“(...) um secto de exploradores, um povo de sanguessugas, um único parasita devorador estreita e intimamente ligado, não só através das fronteiras nacionais, mas também em todas as divergências de opinião política... cuja paixão mercantil constitui um dos principais traços de seu caráter nacional”.

 

            Pode-se afirmar que Bakunin era contra toda e qualquer forma de autoridade imposta pela religião ou Estado, conforme trecho do livro “Deus e o Estado”. Seria muito simplista ou equivocado afirmar que era somente contra o povo semita.

 

Legado

Inspirador de Revoluções

           Diversos acontecimentos políticos do século XX tiveram grande influência das ideias de Bakunin. Tanto a insurreição anarquista de 1918 no Rio de Janeiro quanto a Revolução Espanhola de 1936 tiveram, como inspiração, ideias como a rede invisível e conspirações secretas contra o poder.

            Na cidade de Barcelona durante a Revolução Espanhola, o quartel, de Bruc, em Pedralbes, que fora libertado das forças golpistas pelos republicanos pela ação da Confederação Nacional do Trabalho, teve seu nome mudado para Quartel Bakunin. Lá, se encontravam diversas colunas revolucionárias, e também naquele espaço foram alojados centenas de caminhões blindados, que, a seu tempo, se tornaram símbolo de movimentação.

            A obra e a vida de Bakunin influenciaram diversos movimentos também após os anos 1960, como os grupos ambientalistas, que utilizavam a tática de ação direta descrita em toda a sua obra. Movimentos cooperativistas, de ocupação e reforma urbana, grupos e locais de trabalho autogestionados, também carregam em si, o germe da ideologia anarquista e o pensamento célebre de Bakunin.

 

Ícone da Revolta

            Para além de seu legado político e filosófico propriamente dito, Bakunin tornou-se ele próprio, um símbolo do antiautoritarismo no ocidente. Uma figura lendária que inspirou inúmeros personagens literários ficcionais e pseudônimos de pensadores reais, alguns deles levando seu nome.

            O grande escritor libertário chinês Ba Jin retirou seu nom de plume (pseudônimo) da primeira sílaba de Bakunin e da última sílaba de Kropotkin. Domingos Passos, por sua vez ficou conhecido como Bakunin brasileiro entre os anarquistas do Brasil no início do século XX. O apelido se deveu tanto por sua audácia e determinação ao enfrentar o patronato, como pelos seu discursos marcados em igual medida pela agressividade e coerência.

            Assim com Lênin, Marx e Trotsky, Bakunin é um dos sobrenomes de um dos personagens existentes no romance de ficção científica de Aldous Huxley “Admirável Mundo Novo”. Bakunin também empresta nome e história a um dos personagens da trilogia de peças de Tom Stoppard de 2002, “The Coast of Utopia”.

            De forma semelhante a Karl Marx e Che Guevara em relação ao marxismo e à Revolução Cubana, a imagem de Bakunin segue servindo de ícone do anarquismo e da revolta, reproduzido em grafites nas ruas de grandes centros urbanos ou impresso em revistas, camisetas e zines, em grande medida entre os adeptos da subcultura anarco-punk.

 


Monumentos, Pinturas e Murais

            Na cidade de Moscou, existe um monumento erigido aos “precursores” do pensamento socialista: juntamente com nomes dos “socialistas utópicos” Saint-Simon, Charles Fourier e Jean Jaurès, figura o nome do anarquista Bakunin.

            Bakunin aparece representado no mural “Del Porfirismo a la Revolución” do artista plástico mexicano David Alfaro Siqueiros, marchando ao lado de Ricardo Flores Magón e Pierre-Joseph Proudhon.

            O artista gráfico e têxtil Flávio Costantini também dedicou uma de suas obras à figura de Bakunin. Numa delas, Bakunin aparece subindo uma escadaria com um jornal em uma de suas mãos.

            Em abril de 2009, o artista plástico Enrico Baj expôs, na Mostra de Arte Contemporânea, na cidade de Roma, uma de suas obras criadas em 1996, denominada “Monumento a Bakunin”.

           

No Cinema, na Televisão e na Música

            O livro “O Patriotismo” de Bakunin é aquele atirado na lama por Mallory (James Coburn) como resultado de uma discussão com Juan Miranda (Rod Steiger) no filme italiano de Sergio Leone de 1971, “Giùla Testa” (“Abaixo da Cabeça”).

            No filme “La Patagonia Rebelde”, de 1974, uma foto de Bakunin junto com imagens de Kropotkin e Proudhon é exibida atrás da mesa na cena da assembleia dos trabalhadores reunidos na sede da Sociedad Obrera.

            Depois da primeira aparição da banda Sex Pistols no programa de televisão Granada, em agosto de 1976, a reação imediata do apresentador Tony Wilson à performance de “Anarchy in the U.K.” foi: “Bakunin adoraria isso”.

            Um dos personagens da série de tv Lost é um russo cujo nome é Mikhail Bakunin (junto a um lista de diversos personagens que também recebem nomes de filósofos e/ou cientistas).

            Uma das frases mais famosas de Bakunin é citada na canção “Stray Bullet” da banda KMFDM, de seu álbum Symbols: “se alguma vez Deus tivesse mesmo existido, seria necessário aboli-lo”. Bakunin também é nominalmente citado em uma lista de outra figuras políticas históricas na letra da canção niilista “Nothing” da banda Fugs: “Karlos Marx nothing! Engels nothing! Bakunin, Kropotkin nothing! Leon Trotsky, lost of nothing! Stalin lessthanothing!”


           Uma breve biografia de Bakunin é cantada na canção “Bakunin” da banda de ska/punk Against All Authority. Outra banda punk, a Rancid, traz várias citações famosas de Bakunin em seu álbum “Life Won’t Wait”, como forma de demonstrar sua filiação aos ideais anarquistas. Há também uma banda de pós-rock chamada Bakunin’s Bum.

“Distribuiremos os meios de produção

Entre os produtores

Associações urbanas de trabalhadores

Com a ciência ao nosso lado

Desaparecerão hierarquias

A mão paternal do velho Estado

Caminharemos ombro a ombro

A devorar estrelas

A consumir a copa do conhecimento

Juntos, iguais, avançando.

Camarada Bakunin”

(Trecho da canção Camarada Bakunin da banda Aviador Dro)

 

            A banda eletro-punk espanhola Aviador Dro faz sua homenagem ao velho revolucionário na música “Camarada Bakunin”, assim como o músico italiano Alessio Lega na canção “La Tomba di Bakunin”, que fala do fantasma do velho revolucionário a observar entristecido, de junto de sua tumba, as desigualdade e absurdos da sociedade atual.

 

Investigação Policial Pós-Morte


            Em 2014, duzentos anos após nascer, Bakunin volta a aparecer na Mídia. Graças aos esforços realizados pela Polícia Civil do Rio de Janeiro e a partir de um telefonema interceptado de uma manifestante professora universitária, Mikhail Bakunin passou a figura na “lista de suspeitos de praticar atos violentos nas manifestações”, segundo a Revista Fórum em uma reportagem sobre os movimentos contra a Copa do Mundo FIFA de 2014.

 

Fonte: Wikipédia. Disponível em: https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Mikhail_Bakunin. Acesso em 2 de fev. 2022.

 


 


sábado, 12 de março de 2022

COMUNA DE PARIS

 



         A Comuna de Paris eclodiu em 18 de março de 1871, foi uma das mais importantes insurreições populares do século XIX. A capital francesa foi evacuada assim que as massas populares a tomaram. Esse evento foi o resultado de diversos fatores específicos do período: a crise nacional do regime bonapartista, que começava a declinar, o abalo provindo da Guerra Franco-Prussiana; e, principalmente a ascensão da ideologia e do desenvolvimento político de ideais socialistas entre o proletariado europeu, expressos pela expansão da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT).


O Governo da Comuna de Paris

         Em 18 de março de 1871, na capital francesa, aconteceu o evento da Comuna de Paris: a primeira tentativa da história de um governo regido pelo proletariado, que eclodiu em forma de insurreição social contra a burguesia parisiense, o governo francês e os ataques inimigos dos exércitos alemães que lutavam na Guerra Franco-Prussiana (1870 a 1871). A Comuna de Paris, porém, só seria oficialmente proclamada no dia 28 de março, após eleições – realmente universais – realizadas dois dias antes pelo povo, que resultaram na ruptura do governo parisiense com o governo de Versalhes.


         As tropas da Guarda Nacional (composta por neojacobinos, blanquistas e internacionalistas) comandadas por Montmartre e Chaumont impediram que o exército francês, a mando de Adolf Thiers e comandadas pelos generais republicanos Thomas e Lecomte, confiscassem os canhões de Paris na noite do evento da Comuna. A ocupação de Paris pela Guarda Nacional, cuja vanguarda era formada por homens que já carregavam uma ideologia popular, aconteceu e a cidade foi evacuada: governantes, nobres e funcionários civis fugiram. Logo, Paris pertencia ao povo revolucionário.


        As formações da Guarda Nacional ainda reprimiam os partidários de direita em contato com Thiers, que se manifestariam contra o Comitê Nacional em 21 de março. A partir de então, a França passou a ter duas capitais vigentes: Paris e Versalhes, cada uma com sua ideia de nação e de regime político apropriado para ser aplicado, dois centros políticos que competiam entre si.

         Em seu período de governo na cidade de Paris, a Comuna tomou variadas medidas em prol do povo parisiense: a primeira foi destituir a centralização do poder estatal, abolindo depois o poderio da igreja (posteriormente separada da escola e do plano educacional também), da polícia e do exército. Além disso, a burocracia estatal foi substituída pela autogestão social coletiva e uma previdência social foi instituída. A administração da Comuna de Paris introduziu ainda muito mais reformas:

·        O trabalho noturno foi extinto;

·        Oficinas que estavam fechadas foram reabertas para que cooperativas fossem instaladas;

·        Residências vazias foram desapropriadas e reocupadas;

·        Em cada bairro ou distrito residencial oficial foi instalado um comitê para organizar a ocupação de moradias;

·        Todos os descontos nos salários foram abolidos;

·        A jornada de trabalho foi reduzida, e chegou a propor a jornada de oito horas;

·        Os sindicatos foram legalizados;

·        Instituiu-se a igualdade entre os sexos;

·        Projetou-se a gestão operária das fábricas (sem, no entanto, implantá-la);

·        O monopólio da lei pelos advogados, o juramento judicial e os honorários foram abolidos;

·        Testamentos, adoções e contratação de advogados se tornaram gratuitos;

·        O casamento se tornou gratuito e simplificado;

·        A pena de morte foi abolida;

·        O cargo de juiz se tornou eletivo;

·        O calendário revolucionário foi novamente adotado.


         O advento da Comuna de Paris foi considerado por diversos historiadores o primeiro autogoverno de caráter proletário e popular dentro do contexto de ascensão do capitalismo, o que corroborou ao desenvolvimento de uma consciência de classe dos trabalhadores na França (e na Europa ocidental) no século XIX, algo que não havia ocorrido no século XVIII com a Revolução Francesa (apesar dos ideais jacobinos desenvolvidos neste acontecimento terem sido adotados durante o período da Comuna).

         Na descrição de Karl Marx:


“(...) a Comuna era composta de conselheiros municipais eleitos por sufrágio universal nos diversos distritos da cidade. Eram responsáveis e substituíveis a qualquer momento. A Comuna devia ser, não um órgão parlamentar mas uma corporação de trabalho, executiva e legislativa ao mesmo tempo. Em vez de continuar sendo um instrumento do governo central, a polícia imediatamente despojada de suas atribuições políticas e convertida num instrumento da Comuna, responsável perante ela e demissível a qualquer momento. O mesmo foi feito em relação aos funcionários dos demais ramos da administração. A partir dos membros da Comuna todos que desempenhavam cargos públicos deviam receber salários de operários (...) Como é lógico, a Comuna de Paris havia de servir de modelo a todos os grandes centros industriais da França. Uma vez estabelecido em Paris e nos centros secundários o regime comunal, o antigo governo centralizado teria que ceder lugar também nas províncias ao autogoverno dos produtores. No breve esboço de organização nacional que a Comuna não teve tempo de desenvolver, diz claramente que a Comuna devia ser a forma política inclusive das menores aldeias do país e que nos distritos rurais o exército permanente devia ser substituído por uma milícia popular, com um tempo de serviço extraordinariamente curto. As comunas rurais de cada distrito administrariam seus assuntos coletivos por meio de uma assembleia de delegados na capital do distrito correspondente a essas assembleias, por sua vez, enviariam deputados à delegação nacional em Paris (...)".

 

 

        A expansão do movimento socialista desde a atuação de Proudhon e publicação em 1840 de “O que é a Propriedade?”, passando pela publicação do “Manifesto Comunista” de Marx e Engels, “só os operários de Paris tinham a intenção bem definida, derrubando o governo, de derrubar o regime da burguesia”, ainda que “nem o progresso econômico do país nem o desenvolvimento intelectual das massas operárias francesas, contudo, tinham atingido ainda o grau que teria tornado possível uma reconstrução social”. Essa visão cada vez mais dissipada favoreceu questionamentos à República recém-instalada na França depois das derrotas na Guerra Franco-Prussiana, visto que o Estado francês se encontrava numa condição crítica e caótica, na qual os trabalhadores e camponeses era os mais prejudicados, ainda que houvesse também uma insatisfação da burguesia francesa com um governo que era meramente representativo.

Proudhon

        Apesar de ter durado apenas dois meses (18 de março até 28 de maio de 1871), a Comuna de Paris foi uma manifestação de grande importância para a história das lutas proletárias e seu futuro, mesmo que seja considerada como uma insurreição inacabada por alguns historiadores. Derrubada pelo exército francês e alemão, a Comuna foi colocada pelo próprio Engels como um exemplo do que seria a ditadura do proletariado, importante conceito da teoria marxista.


        
Já para Mikhail Bakunin, um dos fundadores do sindicalismo revolucionário e dirigente da ala federalista da AIT, que teve decisiva participação na Comuna de Lyon e de outros levantes populares na França entre 1870 e 1871:


“O socialismo revolucionário acaba de tentar uma primeira manifestação brilhante e prática na Comuna de Paris. Sou um partidário da Comuna de Paris, que, por ter sido esmagada, sufocada em sangue pelos verdugos da reação monárquica e clerical, não por isso deixou de se fazer mais vivaz, mais poderosa na imaginação e no coração do proletário da Europa; sou seu partidário em grande parte porque foi uma negação audaz, bem pronunciada, do Estado. É um fato histórico imenso que essa negação do Estado tenha se manifestado justamente na França, que foi até agora o país por excelência da centralização política, e que seja precisamente Paris, a cabeça e o criador histórico dessa grande civilização francesa, que tenha tomado essa iniciativa.”


“Paris, que abdica de sua coroa e proclama com entusiasmo sua própria decadência para dar liberdade e a vida à França, à Europa, ao mundo inteiro; Paris, que afirma de novo sua potência histórica de iniciativa ao mostrar a todos os povos escravos (a quais são as massas populares que não são escravas?) o único caminho de emancipação e de salvação; Paris, que dá um golpe mortal nas tradições políticas do radicalismo burguês e uma base real ao socialismo revolucionário; Paris, que merece de novo as maldições de toda gente reacionária da França e da Europa; Paris, que se envolve em suas ruínas para desmentir solenemente a reação triunfante; que salva com seu desastre a honra e o porvir da França e demonstra à humanidade consolada que se a vida, a inteligência e a força moral retiraram-se das classes superiores, conservaram-se enérgicas e cheias de porvir no proletariado; Paris, que inaugura a nova era, aquela da emancipação definitiva e completa das massas populares e de sua solidariedade de agora em diante completamente real, através e apesar das fronteiras dos Estados; Paris, que mata o patriotismo e funda sobre suas ruínas a religião da humanidade; Paris, que se proclama humanitária e ateia e substitui as ficções divinas pelas grandes realidades da vida social e a fé na ciência; as mentiras e as iniquidades da moral religiosa, política e jurídica pelos princípios da liberdade, da justiça, da igualdade e da fraternidade, estes fundamento eternos de toda moral humana; Paris heroica, racional e crente, que confirma sua fé enérgica nos destinos da humanidade pro sua queda gloriosa, por sua morte, e que a transmite muito mais enérgica e viva às gerações vindouras; Paris inundada no sangue de seus filhos mais generosos é a humanidade crucificada pela reação internacional coligada da Europa, sob a inspiração imediata de todas as igrejas cristãs e do grande sacerdote da iniquidade, o Papa; mas a próxima revolução internacional e solidária dos povos será a ressurreição de“Paris”.

 

         Os apoiadores da Comuna perceberam que não seria possível sustentar um autogoverno proletário sobre uma estrutura estatal burguesa. Com isso, e a fim de atender as necessidades da classe proletária, a Comuna foi obrigada a substituir essa estrutura por outro tipo de organização política. Essa foi a maior contribuição da insurreição para o movimento revolucionário proletário, a ideia de que uma reestruturação completa era necessária.

 

Antecedentes

 

        A França passou por diversas turbulências em sua época moderna, sendo a Revolução Francesa, que ocorreu em 1789, a mais simbólica delas. Durante a Revolução Francesa, entretanto, não existia ainda uma consciência de classe específica dos trabalhadores, que só surgiu entre 1815 e 1848, tanto na França quanto na Inglaterra.

        As bases agrárias francesas eram muito fortes e, por ser um país de artesãos, camponeses e comerciantes – ou seja, pequenos burgueses –, pode-se dizer que o capitalismo era pouco desenvolvido no Estado francês, se comparado com a Inglaterra, o que explica o surgimento tardio das agremiações proletárias.

       O próprio conceito de socialismo só surgiu na década de 1820. Na década de 1830, entretanto, já era possível notar a formação de uma consciência de classe operária – ainda que essa fosse muito menor quando comparada à consciência da burguesia – e, inclusive, aconteceram algumas revoltas representativas desse sentimento, como a insurreição dos trabalhadores têxteis de Lyon, em 1844.

         As chamadas Revoluções de 1848 já demonstravam essa tomada de consciência das classes proletárias. Porém para Engels:



“(...) nem o progresso econômico do país nem o desenvolvimento intelectual das massas operárias francesas, contudo, tinham atingido ainda o grau que teria tornado possível uma reconstrução social”.

 

         Com a derrota dos trabalhadores em 1848, a burguesia perdeu suas características progressistas e assumiu publicamente seu lado conservador e reacionário, projetando-se como classe dominante e admitindo um papel antagonista em relação aos trabalhadores. Nesse contexto, na década de 1860, foi criada a Associação Internacional dos Trabalhadores, ou Primeira Internacional, que tinha como objetivo ser um ponto central de comunicação e cooperação entre os operários de diferentes países.


         No campo político, esta época viu ascender ao poder Napoleão III: primeiramente, por vias democráticas; posteriormente, por um golpe, que instaurou seu Segundo Império. Sua posição como imperador foi muito questionada na década de 1870.

 

Guerra Franco-Prussiana

         Os acontecimentos políticos ligados à Guerra Franco-Prussiana revelam o caráter burguês do Estado francês, que foi o que levou ao processo revolucionário. Dessa forma, a Guerra Franco-Prussiana pode ser compreendida como um antecedente chave para entender a Comuna de Paris.



        A guerra eclodiu em 1870 e a França de Napoleão III foi duramente derrotada. O imperador foi preso e um governo provisório – a III República – foi estabelecido em 14 de setembro de 1870. No entanto, este governo se mostrou ineficaz, pois as insatisfações políticas que já existiam no governo de Napoleão III continuavam a se propagar e eram agora protagonizadas pelos trabalhadores. As massas estavam insatisfeitas com as condições da derrota e o governo falhou nas tentativas de acordo com os prussianos. Enquanto isso, tropas prussianas cercavam os portões de Paris.

         Quando as tropas prussianas começaram a ocupar a França em direção a Paris em 2 de setembro de 1870, foi iniciado o processo histórico que culminou na Comuna de Paris. O governo francês estava fragmentado e o povo se encontrava à mercê do exército de ocupação. A população exigiu a criação de uma Guarda Nacional formada pelas classes populares. O calendário revolucionário da década de 1790 foi novamente adotado; O Estado e a Igreja foram separados; a Igreja deixou de ser subvencionada pelo Estado e os espólios sem herdeiros passaram a ser confiscados pelo Estado revolucionário; A educação tornou-se gratuita, secular e compulsória. Escolas noturnas foram criadas e todas as escolas passaram a ser de sexo misto; Imagens santas foram derretidas e sociedades de discussão foram criadas nas igrejas; A igreja de Brea, erguida em memória de um dos homens envolvidos na repressão da Revolução de 1848 foi demolida. O confessionário de Luís XVI e a coluna Vendôme[1] também; A bandeira vermelha foi adotada com símbolo da Unidade Federal da Humanidade.

 

       Entretanto, por mais revolucionária que tenha sido toda a insurreição que resultou no regime da Comuna de Paris, desde o começo ela estava fadada ao fracasso. Isso se deu graças aos erros em questões estratégicas para a proteção militar da cidade parisiense contra as tropas de Adolf Thiers, que posteriormente, junto às tropas prussianas, derrubariam o governo proletário que havia se instituído na capital francesa.

         Quando as tropas prussianas começaram a ocupar a França em direção a Paris em 2 de setembro de 1870, foi iniciado o processo histórico que culminou na Comuna de Paris. O governo francês estava fragmentado e o povo se encontrava à mercê do exército de ocupação. A população exigiu a criação de uma Guarda Nacional formada pelas classes populares para que pudesse agir.

         Os trabalhadores, então, se armaram para a defesa das cidades e se recusaram a obedecer à rendição humilhante feita em Versalhes, através da qual a França cederia os territórios da Alsácia e Lorena à Prússia. As tropas prussianas ocuparam os fortes do leste de Paris, se convocaram eleições para uma nova Assembleia e o governo de defesa nacional foi convidado a renunciar. Os trabalhadores parisienses, por sua vez, não aceitavam largar as armas.

         A revolta da população diante das tropas prussianas se transformou em uma revolta social. Foi nesse contexto de organização independente dos trabalhadores para a defesa de Paris que surgiram a lideranças proletárias que conduziram o país à Comuna.

         Antes mesmo da Comuna, as mulheres tanto burguesas quanto operárias já haviam se levantado politicamente nas lutas revolucionárias de 1789. Porém ao contrário da Revolução Francesa, na Comuna de Paris as mulheres podiam empunhar armas e lutar nas linhas de frente.

        A proletarização das mulheres ocorreu, principalmente, através das indústrias têxteis, onde elas passaram a se organizar, participando de sindicatos e clubes políticos. Na Comuna, organizadas, as mulheres encontrariam maior voz para lutar pela igualdade, inclusive pela igualdade de gênero.

         Durante a Comuna as mulheres combateram – muitas vezes nas linhas de frente – as tropas prussianas e francesas, confeccionaram uniformes, cuidaram de feridos, prestaram assistência logística e fabricaram sacos que foram usados nas barricadas feitas pelo povo parisiense.

         Uma importante mulher presente na Comuna de Paris foi Louise Michel, uma professora humanista que se negou a declarar lealdade ao império de Napoleão III, e se engajou na luta pela República. Durante a Comuna ela foi tanto combatente como enfermeira, além de se unir ao movimento anarquista e se dispor para ir até Versalhes assassinar o presidente Thiers. Ela foi presa e deportada para Austrália em decorrência de suas ações.

         Como resultado da ativa participação das mulheres na Comuna de Paris, em seu governo foi anunciada a igualdade de direitos entre os gêneros, apesar ainda não ter sido instituído o sufrágio universal.

 

O Fim da Comuna

         O fim da Comuna de Paris decorreu de um erro crucial ocorrido logo no primeiro dia do acontecimento, em que o governo de Thiers evacuou a cidade de Paris. Esse foi o momento em que o Comitê Central deveria ter movimentado a Guarda Nacional sobre Versalhes, tendo em vista que as tropas do exército estavam indefesas e o movimento tinha forte apoio da população, nesse momento amplamente mobilizada. Outro motivo que auxiliou a derrocada da Comuna foi o abandono de Paris pelo exército regular. Isso tudo se deveu ao fato de que a Comuna acreditava ser possível chegar a um acordo com Thiers. Com o passar do tempo e o descuido em não ter atacado Versalhes, diversa tropas passaram a chegar a Paris vindas do interior da França e Thiers recebeu autorização da Alemanha para concentrar ainda mais tropas no local. Bismarck, com medo de uma possível vitória da Comuna, libertou por ordem de Thiers cerca de 60 mil soldados franceses presos pela Prússia e aumentou suas próprias tropas para 130 mil soldados. Com isso, a cidade de Paris foi cercada, e os communards tiveram de fugir, queimando, em protesto, tudo aquilo que deixavam para trás.

         Para Paris, a tática de guerra era realizar um combate de certa forma limpo, que respeitasse os princípios de Genebra, enquanto para Thiers se tratava de uma guerra “suja”, na qual não haveria misericórdia. Portanto, era comum que os exércitos inimigos da Comuna realizassem fuzilamentos, atirassem contra ambulâncias e promovessem outras ações violentas deste gênero. Estes exércitos enxergavam aos civis como um objeto de guerra, algo que ia contra os princípios de Genebra. A Comuna tinha um alto poder bélico, porém não tinha plano e nem comando definido. Com isso, Thiers respondeu rispidamente, bombardeando, simulando conciliações e promovendo outras diversas maneiras de sua “guerra suja”, usando de corrupção e até mesmo de falso patriotismo.

        Cisões começaram a surgir dentro da própria Comuna, tendo em vista que enquanto os jacobinos e os blanquistas queriam concentrar os poderes político-militares no Comitê de Salvação, os proudhonianos e marxistas, que eram muito poucos no momento, acreditavam estar sob domínio de uma nova ditadura. Esses desentendimentos internos eram externados através de manifestos em jornais. Diversas perdas se efetivaram ao fim da insurreição, através, por exemplo, de renúncias de indivíduos de altos cargos de comando e da falta de clareza na liderança do movimento. Paris foi ficando desastrosa, com inúmeros sinais de destruição e uma quantidade enorme de vítimas da guerra. Os combates eram completamente desproporcionais entre as forças oponentes, de modo que um exército extremamente forte e bem armado lutava contra alguns poucos soldados sem comando, desatentos e sem esperança. 


Consequências, Legado e História


 

        Os batalhões da Comuna haviam sido dizimados, se perderam diversos soldados – seja pela morte em guerra, por fuzilamento ou por terem sido levados prisioneiros. Diversas lojas foram saqueadas: os soldados destruíam as prateleiras, as mobílias, levavam diversas mercadorias e objetos de valor, como joias e bebidas e até itens de perfumaria. A força do exército francês, ligada à falta de organização da Comuna de Paris, resultou no fim desta. A “Semana Sangrenta”, como ficou conhecido o período entre 22 e 28 de maio, entrou para a história dessa batalha, com mais de 20 mil parisienses mortos. Ao fim da Comuna, 17 mil parisienses foram executados, mais de 40 mil foram feitos prisioneiros e mais de 13 mil condenações se efetivaram.


         Enquanto a Comuna ainda resistia, só pessoas denunciadas ou os federados haviam sido mortos. Após o fim da Comuna, os soldados franceses não viam diferença e passavam a matar civis com frequência, revistando casas e cadáveres e levando tudo o que tinham, ação que ficou conhecida como “O Último Confisco”. Portanto, qualquer pessoa desconhecida poderia ser fuzilada, de modo que as pessoas passaram a ficar mais desconfiadas e a angústia e o desespero aumentaram conforme mais histórias de fuzilamento iam se irradiando por Paris. Como não havia polícia e muito menos informações precisas, o exército assassinava qualquer pessoa que se referisse a outra com algum nome revolucionário e os soldados já fuzilavam os denunciados na ânsia de receber o prêmio pela sua cabeça. Diversas pessoas foram fuziladas baseadas apenas no fato de que se parecessem o mínimo com algum membro ou funcionário da Comuna. Paris quase ficou sem sapateiros, alfaiates, ferreiros, pedreiros e marceneiros, homens esses que tinha vestido o uniforme da Guarda Nacional em prol da Comuna. 

        Cresceu também, a onda de violência sobre a Europa. Republicanos e monarquistas, conservadores e liberais se uniram em uma aliança a fim de combater o proletariado revolucionário e principalmente combater a Internacional. Foi instaurada uma questão crucial: se a Comuna teria sido a primeira ou a última revolução proletária, já que pensadores como Franz Mehring a entendiam como o final de um ciclo, enquanto Engels e Marx falavam sobre como as consequências da derrota da Comuna resultaram na transferência do movimento operário para a Alemanha, proporcionando, portanto, a continuidade.

         A Comuna demonstrou que é possível realizar uma transição de um regime capitalista para um regime operário efetivo e a Paris dessa época é lembrada como a precursora de uma nova fase. Ela foi o berço de correntes ideológicas que ficaram fortes no anarquismo europeu nos anos seguintes, como o anarcossindicalismo, antes da onda de violência que se desenvolveu no cenário político europeu. Os ideais da Comuna repercutiram até em lugares distantes, como Portugal, Argentina, Brasil e México. No começo do século XX, os trabalhadores, camponeses e soldados da Rússia que constituíram os sovietes passaram a agir e a Revolução Russa ficou compreendida como uma modernização da Comuna de Paris, tendo em vista que utilizou da mesma como um instrumento teórico, porém adaptado a um outro contexto. A Comuna de Paris, falhando ou não, apareceu novamente em diversos momentos dos séculos XX e XXI, quando foi mencionada na Revolução Cultural da China e até mesmo durante o governo de Salvador Allende no Chile, quando continua a ser adotada a ideia de ascensão ao poder pela via revolucionária. A Comuna serviu de base e até de prova para a construção dos pensamentos anarquistas e marxistas, já que Marx e Bakunin a analisaram e conseguiram dela tirar diversas conclusões acerca da importância, ou não, do Estado para uma sociedade.

 

Fonte: Wikipédia. Disponível em: https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Comuna_de_Paris. Acesso em: 31 de jan. 2022.


 

 

 



[1] Coluna de Vendôme – É um monumento Parisiense situado na Praça de Vendôme, no 1º arrondissement de Paris (distrito administrativo). Ao longo dos anos fora denominada também Coluna de Austerlitz. Foi erigida por ordem de Napoleão Bonaparte em 1806 para celebrar a vitória na Batalha de Austerlitz, com uma estátua de si mesmo em traje de imperador romano na parte superior da dita coluna, que deveria chamar-se “Colonne de la Grande Armée em homenagem aos seus soldados. O acesso à praça dá-se a partir das estações de metrô de Madeleine, Tuileries e Opéra. O episódio mais marcante ocorre na época da insurreição da Comuna de Paris. O pintor Gustav Courbet após a Guerra Franco-Prussiana, na sequência de uma petição ao governo da Defesa Nacional de 14 de setembro de 1870, pede a demolição da coluna ou que deseja tomar a iniciativa, encarregando a administração do Museu da Artilharia, e fazendo transportar o material para o Hôtel des Monnaies. A sua intenção era reconstruir o Invalides. Porém a insurreição da Comuna de Paris ganha o poder e desta vez os propósitos são outros: “A Comuna de Paris considera que a Coluna de Vendôme é um monumento bárbaro, símbolo da força bruta e da falsa glória, uma afirmação do militarismo, a negação do direito internacional, um permanente insulto dos vencedores aos vencidos, um perpétuo ataque a um dos três princípios da República Francesa, a fraternidade, decretaria: A coluna de Vendôme será demolida”. Coubert, arrastado pela tempestade não pode reverter a decisão e, um pouco contra sua vontade, tornou-se historicamente responsável pela destruição da coluna. Em 16 de maio de 1871, a coluna foi demolida frente de uma multidão. Após a queda da Comuna, as placas de bronze foram recuperadas e a sua coluna reconstruída tal como está nos dias atuais. Coubert foi condenado a pagar os custos da reconstrução, mas morreu antes do termo da primeira parcela. Fonte: Wikipédia. Disponível em: https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Coluna_de_Vend%3%B4me. Acesso em 12 de fev. 2022.


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