István Mészáros e sua ardorosa defesa
da humanidade
1 Entrevista em 2 de out. de 2017
por Ruy Braga e Ricardo
Antunes
|
Georg Lukács |
O filósofo marxista
István Mészáros é um autor referencial para tantos que lutam contra a lógica
destrutiva que preside o mundo contemporâneo. Aluno e colaborador direto do
filósofo húngaro Georg Lukács, com quem trabalhou
diretamente na Universidade de Budapeste na primeira metade dos anos 1950,
tornou-se, dentre todos os antigos colaboradores de Lukács, o que mais efetivamente
contribuiu para a realização de uma obra original, crítica e devastadora em
relação a tantas mistificações hoje presentes.
Mészáros iniciou sua
vida como operário na Hungria. Quando chegou à Universidade, destacou-se pelo
brilhantismo, competência e radicalidade. Sempre calibrando a atuação na
Universidade com as necessidades vitais da humanidade e a busca de sua
transformação, tornou-se desde logo um espírito anticapitalista excepcional.
Dotado de erudição enciclopédica, domina economia política, filosofia e teoria
social como poucos. Sua obra dialoga criticamente com toda a produção relevante
desse século, navegando dos autores clássicos aos contemporâneos dotado de uma
força invejável.
Uma breve passagem
por sua ampla produção seria bom exemplo. Mas basta dizer que seus livros A Teoria da Alienação em Marx (1970), O Poder da Ideologia (1989)
e Para
além do Capital – Rumo a uma Teoria da Transição (1995) –
todos publicados pela Boitempo – apareceram em diversos países, do Norte ao Sul
do mundo, incluindo a China, a Índia, o Japão, Oriente Médio, sendo inúmeras
vezes reeditados.
István Mészáros é
Professor Emeritus da Universidade de Sussex (Inglaterra). Trabalhou também em
universidades na Escócia, Itália, Canadá, México, e sua obra ecoa em várias
partes do mundo, despertando sempre crescente interesse. Seria impossível,
nesta breve nota sobre sua trajetória, falar de tantas teses e proposições que
marcam a empreitada de István Mészáros. Destaco, então, três teses, das mais
originais em seu pensamento.
Em Para além do
capital empreendeu uma crítica devastadora às engrenagens que
caracterizam o sistema do capital. Desde logo o autor, fortemente inspirado em
Marx, em contraste com a totalidade da literatura sobre o tema, diferencia
capital e capitalismo. O primeiro antecede ao capitalismo e é a ele também
posterior.
O capitalismo é uma
das formas de realização do capital, a forma dominante nos últimos três
séculos. Mas, assim como existia capital antes do capitalismo, há capital após
o capitalismo (o que o autor denomina como capital pós-capitalista), vigente na
URSS e demais países do Leste Europeu, durante várias décadas do século 20.
Estes países, embora pós capitalistas, foram incapazes de romper com o domínio
do capital.
Isso porque, para
Mészáros, o sistema de metabolismo social do capital tem seu núcleo central
formado pelo tripé capital, trabalho assalariado e Estado, três dimensões
fundamentais e interrelacionadas, sendo impossível superar o capital sem a
eliminação do conjunto dos elementos que compreende esse sistema. Não basta,
portanto, eliminar um ou mesmo dois dos pólos do sistema do capital, mas é
preciso eliminar os seus três pólos. E essa tese tem uma força explicativa que
contrasta com tudo que se escreveu até o presente sobre o desmoronamento da
URSS.
Segunda tese: sendo
um sistema que não tem limites para a sua expansão, o capital acaba por
tornar-se incontrolável e essencialmente destrutivo. A produção e o consumo
supérfluos, a destruição ambiental em escala global, o desemprego e a precarização
do trabalho, ambos estruturais, para não falar da política bushiana da “guerra
permanente”, são exemplares. Expansionista, destrutivo e, no limite,
incontrolável, a forma dominante do sistema do capital é, então, a da crise
endêmica, cumulativa, crônica e permanente, o que (re)coloca, como imperativo
atual frente ao espectro da destruição global, a alternativa socialista. Mais
um claro contraste com quase tudo que conforma a mesmice do pensamento
dominante.
Terceira tese:
qualquer tentativa de superar esse sistema de metabolismo social que se
restrinja à esfera institucional e parlamentar está fadada à derrota. Só um
vasto movimento de massas, radical e extraparlamentar, pode ser capaz de
destruir o sistema de domínio social do capital e sua lógica destrutiva. Os
exemplos aqui são abundantes e bastaria lembrar a derrota cabal do PT e seu
governo.
Muitas outras teses
poderiam ser indicadas, mas o espaço aqui não permite. Fique a sugestão para
que os jovens aceitem o convite para ler uma das obras mais originais,
instigantes e críticas, elaboradas por um autor assumidamente de esquerda,
nesse período que (quase) se parece com o tempo das trevas. Até porque,
conforme o sugestivo título do novo livro de István Mészáros – O Desafio e o Fardo do Tempo Histórico – a humanidade não tem mais muito
tempo pela frente…
CULT – O senhor foi
aluno e colaborador do filósofo marxista húngaro Georg Lukács (1885-1971) e é,
reconhecidamente, um dos principais intérpretes de sua obra. Quais são as
principais idéias de Lukács que o senhor considera ainda válidas?
István Mészáros – Lukács teve uma longa atividade criativa e, de modo algum, foi um intelectual marxista o tempo todo. Ele começou a publicar em 1902
e, pouco antes de morrer, no verão de 1971, estava dando os toques finais em
seu livro Ontology
of Social Being. No entanto, ele era um pensador respeitado na
Europa, autor de muitos livros importantes, bem antes de ter abraçado o
marxismo, no final de 1918. Três desses livros merecem ser mencionados, pois
continuam sendo lidos e respeitados em sua área: Aesthetic Culture, Soul and Forms e A Teoria do Romance. O
famoso historiador da arte Max Dvorak (1874-1921) chamou esse último de “a
maior realização da Ciência do Espírito” (Geistwissenschaft).
Esses livros foram sucedidos
por um trabalho de transição, depois de Lukács ter se tornado um marxista.
Talvez esse volume de ensaios, escrito entre 1918 e o final de 1922, tenha sido
o que Lukács escreveu de mais influente em décadas. O título é História e
consciência de classe, publicado originalmente em 1923. Mas outros
trabalhos filosóficos, como sua avaliação crítica do irracionalismo e The young
Hegel têm mais validade a longo prazo. T.M. Knox, um
tradicional acadêmico hegeliano e um excelente tradutor do trabalho de Hegel
para o inglês, me disse certa vez – e não devido à simpatia política, porque
Knox era uma figura politicamente conservadora – que tinha aprendido mais
com The
young Hegel, de Lukács, do que com todos os outros livros sobre
Hegel juntos. Naturalmente, os estudos de Lukács sobre literatura e estética em
geral são de muito valor. E não se pode esquecer seu último livro, o
monumental Ontology
of social being, um grande trabalho de síntese que, fico feliz em
dizer, será publicado no Brasil em vários volumes nos próximos anos. Espero que
não demore a ser lançado no Brasil o seu magistral trabalho de estética, Die Eigenart
des Aesthetischen.
E quais ideias de
Lukács deveriam ser revisadas, na sua opinião?
O desenvolvimento
histórico claramente deixou Lukács para trás na sua aceitação da ideia de
“socialismo em um país”, ou seja, a União Soviética. Mesmo em 1968, quando
criticou muito Stalin – em seu pequeno livro Democratization –,
ele reafirmou sua fé nessa ideia. Simplesmente não pôde encarar o severo
problema de que “a queda do Estado capitalista” é uma condição insuficiente
para fazer a fundamental transformação da ordem social do capital. Porque tudo
o que pode ser politicamente derrubado também pode ser restaurado, como de fato
aconteceu com a ex-União Soviética. Felizmente, Lukács não teve que passar
pessoalmente pela experiência da restauração do capitalismo no Leste, o que
teria sido muito devastador para ele.
Em sua obra Para além do capital,
o senhor propõe uma importante distinção entre capital e capitalismo. Em que
sentido essa distinção é útil para compreender o destino das sociedades do
Leste Europeu?
Certamente
precisamos dessa distinção não apenas para uma avaliação adequada sobre o que
aconteceu na ex-União Soviética e no Leste Europeu, mas também para entendermos
nossos próprios problemas e possibilidades de desenvolvimento. Porque o capital
está no controle de todo o metabolismo social – enfaticamente caracterizado
pelo próprio Karl Marx (1818-1883)
nesse sentido, sendo chamado de sistema orgânico – e não apenas do metabolismo
das instituições políticas. No entanto, o problema grave é que um sistema
orgânico pode ser substituído com validade duradoura apenas pela alternativa
historicamente sustentável e abrangente de outro sistema orgânico. Porque se o
capital pode continuar no controle do processo de reprodução do metabolismo
social, então é apenas uma questão de tempo para que o capital retome também o
controle da dimensão política do sistema. A rapidez com que a restauração do
capitalismo aconteceu em todo Leste Europeu – e na União Soviética, depois de
setenta anos de Revolução Russa, com a transferência da propriedade do Estado
para os bolsos dos chamados “oligarcas” – fala por si mesma e oferece uma lição
óbvia para o futuro.
Na Hungria não
conseguimos encontrar em livrarias as obras de Lukács. A experiência do chamado
“socialismo real” bloqueou o desenvolvimento do pensamento crítico inspirado na
obra de Marx?
A ausência dos
trabalhos de Lukács nas livrarias da Hungria é, até certo ponto, um problema
conjuntural. Isso vai mudar em seu devido curso. Há muitos intelectuais na
Hungria que têm grande consideração pelos textos de Lukács e tentam fazer seu
próprio trabalho com espírito similar em relação a condições muito
diferentes. Mas, é claro, isso não significa que esse bloqueio paralisador
criado pela experiência negativa do chamado “socialismo real” será facilmente
superado. Longe disso, porque apenas um movimento social radical e amplo – que
não pode ser imaginado como algo confinado à Hungria – pode fazer real
diferença nessa questão. O bloqueio sobre o qual estamos falando é, ao mesmo
tempo, eficiente e negativo e, na realidade, não resolve nenhum dos problemas e
contradições das quais a impressionante maioria das pessoas sofre na Hungria e
em outros lugares. O tempo histórico não parou de se afirmar no passado
recente, e segue em frente de forma incansável. A grande crise estrutural de
nossa ordem estabelecida de reprodução metabólica social testemunha isso
eloquentemente, apesar das fantasias altamente promovidas, mas absurdas,
pregando o “fim da história”.
Em seu livro A Obra de Sartre: Busca da Liberdade, , o protagonista é
um intelectual que fala em nome dos interesses universais. Para Michel Foucault (1926-1984),
ao contrário, o papel dos intelectuais supõe engajar-se em um combate prático
munido de um conhecimento especializado, o “intelectual específico”, como ele
mesmo fez em sua campanha crítica do sistema prisional. Em sua opinião o
intelectual crítico hoje deveria espelhar-se em Jean-Paul Sartre (1905-1980) ou
em Foucault?
Mas por que
deveríamos escolher um ou outro? O que precisamos fazer é evitar a atitude de
usar a tese do Foucault para rejeitar a de Sartre, como de fato aconteceu no
passado. Porque se permitirmos que esse tipo de rejeição prevaleça, cedo ou
tarde vamos achar que nada é feito no espírito da teses de Foucault, como
também aconteceu há alguns anos depois de se adotar Foucault contra Sartre.
Vamos deixar aqueles intelectuais que se identificam com o tipo específico de
“micro-projetos” de Foucault se comprometerem com a realização crítica de suas
tarefas. Mas isso não fará com que a defesa que Sartre faz do
comprometimento radical com questões mais abrangentes da época se torne
supérflua nem por um segundo, como de fato ficou bem claro no tempo em que as
pessoas estavam celebrando o centenário de nascimento de Sartre por toda a
Europa.
A partir da década
de 1990 vários intelectuais renomados, como Immanuel Wallerstein, Pierre Bourdieu e
Noam Chomsky, analisaram criticamente o chamado neoliberalismo e propuseram
alternativas. É possível falar em uma renovação do pensamento crítico nas
últimas décadas? Quais foram os principais frutos dessa renovação?
Não importa o quão
forte e consistentemente nós lutemos contra o neoliberalismo; sua crítica
continua sendo uma tarefa importante, por causa do poder político e econômico
institucionalizado daqueles que apoiam a ideologia neoliberal, com a ajuda
ativa da grande maioria dos governos de todo o mundo. Um dos principais artigos
de fé do neoliberalismo é “afastar as fronteiras do Estado”. É irônico, porque
o envolvimento mais ativo do Estado em apoio ao capital nunca foi maior do que
é hoje, com total aceitação dos partidários do neoliberalismo, os quais jamais
se envergonham de se contradizer. Os intelectuais que você menciona fizeram sua
parte no necessário processo de desmistificação a esse respeito. Mas outros
precisam se juntar a eles, dada a desproporcional relação com as forças
favoráveis ao neoliberalismo patrocinado pelo Estado. A necessária renovação do
pensamento crítico só pode ser resultado de uma grande e coletiva operação
intelectual da qual, infelizmente, ainda estamos muito longe.
Parte desse
pensamento crítico encontrou lugar de expressão no Fórum Social Mundial.
Recentemente Alex Callinicos, um dos coordenadores do Fórum Social
Europeu, criticou a perspectiva fragmentária deste, os impasses e a
ausência de alternativas que têm lhe caracterizado. Em sua opinião, quais
devem ser os caminhos do anticapitalismo contemporâneo?
O Fórum Social
Mundial certamente pode olhar para trás e ver sucessos notáveis. Seu slogan,
“outro mundo é possível”, encontrou respostas simpáticas em diferentes partes
do mundo. Mas, novamente, seria ingenuidade imaginar que os eventos anuais do
Fórum Social Mundial – alguns dias em um país, e alguns dias do ano seguinte em
um outro país – conseguiriam solucionar os problemas aos quais os debates são
dedicados. Sobre esse assunto, vale apenas citar as palavras do presidente Hugo
Chávez, que atentou para a possibilidade de aqueles poucos dias se
transformarem em um tipo de celebrado “evento folclórico”. Com certeza “um
outro mundo” é possível e necessário. Mas as mudanças necessárias que essas
palavras implicam só podem ser realizadas se os 365 dias entre um evento anual
do Fórum Social Mundial e o próximo, um ano depois, puderem ser usados para
mobilizar uma ampla massa de pessoas, em todos os países, na pressão por
transformações profundas. Espero que esse tipo de reorientação do Fórum Social
Mundial em direção a uma atividade contínua durante o ano aconteça algum dia,
ainda que sujeita ao aprofundamento das crises da ordem social em que vivemos,
e pelo domínio das condições históricas, como as guerras genocidas travadas por
grandes poderes cinicamente em nome da “democracia” e da “liberdade”.
A economia
contemporânea passa neste momento por um período crítico no qual o fim da
bolha financeira inflada pela especulação imobiliária nos Estados Unidos
ameaça a estabilidade dos mercados. O marxismo tem condições de explicar
essa crise?
A crise econômica
testemunhada recentemente – que começou nos Estados Unidos – é apenas a ponta
do iceberg. Isso porque nós vivemos sob a permanente crise estrutural do
sistema do capital, em contraste com a crise conjuntural periódica do passado.
Eu discuti esses problemas em detalhes no meu livro Para além do
capital, publicado no Brasil [pela Boitempo] há alguns anos.
Naturalmente, estamos falando aqui sobre um problema estrutural fundamental,
que requer remédios estruturais apropriados. Mas que tipo de respostas nós
testemunhamos por parte dos governos capitalistas mais poderosos? Na
Grã-Bretanha, por exemplo, onde um monumental colapso financeiro do sistema
bancário estava no horizonte devido ao fracasso catastrófico da então poderosa
empresa bancária e de financiamento chamada “Northern Rock” (“rocha do norte”,
que na realidade estava mais para “Northern Sand” – “areia do norte” –, pois
era construída com areia, e até com a costumeira “quick-sand” especulativa),
apenas uma intervenção massiva do Estado, por meio do Banco da Inglaterra e do
próprio governo do Partido Trabalhista, poderia salvar as coisas por algum
tempo. E a fantasia neoliberal de “afastar as fronteiras do Estado” foi
rapidamente transformada em aplausos neoliberais. No entanto, todas essas
medidas de resgate não são remédios reais. Elas apenas empurram os problemas
para debaixo do tapete, esperando que assim eles sejam esquecidos para sempre.
Todavia, as personificações econômicas e políticas do capital no neoliberalismo
deveriam saber que é muito difícil lidar com icebergs reais, mesmo embaixo dos
maiores tapetes.
Até mesmo na revista
The Economist Marx é festejado como um fino analista do capitalismo. Afirma-se,
entretanto, sua incapacidade de compreender a política. Na sua opinião, essa
imagem procede?
A revista semanal
The Economist, que tem sede em Londres, mas inspiração nos Estados Unidos, é o
típico órgão de propaganda do neoliberalismo, sem nenhuma real substância
teórica. Seus editores estão dispostos a se contradizer de uma semana para
outra – em uma semana patrocinando a “economia de escala” e na seguinte
pregando a “não-economia de escala”, por exemplo – sem lembrar, e muito menos
admitir publicamente, que uma semana antes a sua sabedoria editorial sustentava
o exato oposto de sua última descoberta. O jeito que eles têm de elogiar “Marx,
o economista”, enquanto condenam seu entendimento político do “mundo real do
capitalismo”, não pode ser levado a sério nem por um momento. É sabido que
todos os principais trabalhos de Marx tiveram como título ou subtítulo “a
crítica da economia política”. A ciência econômica do tempo de seu nascimento,
no século 18, era inseparável da política. Por isso era corretamente chamada de
economia política. Apenas no século 20 algumas pessoas tentaram divorciar
radicalmente a economia da política, com resultados patéticos.
O modo como Marx
lida com os problemas econômicos é totalmente ilegível sem sua concepção de (e
estratégia sobre) política. A ideia de opor uma e outra em um tipo de elogio
protetor esquerdista é totalmente autocontraditória. Vamos deixar The Economist
ficar feliz com suas costumeiras autocontradições. É a única forma de eles
continuarem coerentes: em seu consistente neoliberalismo autocontraditório,
Marx não será afetado pelo “elogio” deles, de maneira alguma.
Seu próximo livro a
ser publicado no Brasil, intitulado O Desafio e o Fardo do Tempo Histórico (Boitempo), é dedicado à memória de Antonio Gramsci (1891- 1937), Attila József (1905-1937) e Che Guevara
(1928-1967). Qual a relevância desses três personagens para compreender nosso
século?
Meu novo livro é
dedicado à memória de Gramsci, Attila József e Che Guevara porque contra todas
as dificuldades e consequências trágicas que tiveram de sofrer, eles encararam
os desafios permanentes de uma era despedaçada pela sucessão de crises extremas,
e carregaram o peso de seus tempos históricos até o limite. Eles estavam
totalmente conscientes da intensidade sem precedentes da crise que estava
começando a ameaçar a sobrevivência da humanidade. Primeiro, durante a violenta
tentativa nazi-fascista de redefinir a política e as relações militares
internacionais, e depois, nos anos finais de Che Guevara, pelo novo plano
agressivo de dominar a ordem mundial de forma permanente por parte do
imperialismo hegemônico global dos Estados Unidos.
Os três perceberam
que apenas a mais radical transformação social, que estabelecesse oferecer uma
saída para a perigosa sucessão de crises. Tal mudança de época tornou-se
necessária porque a ordem estabelecida continuava produzindo destruição por
todo o mundo, sem que houvesse um fim em vista para o devastador choque de
interesses. Nem mesmo o terrível derramamento de sangue das duas Guerras
Mundiais parecia capaz de fazer a menor diferença para os antagonismos
estruturais. Desde a época de suas mortes a crise estrutural da nossa ordem
social não diminuiu. Até agora nós evitamos uma Terceira Guerra Mundial apenas
porque ela certamente traria a aniquilação da humanidade. Mas quem pode
garantir que o perigo foi embora para sempre? Assim, o peso da responsabilidade
inseparável do nosso próprio tempo histórico é tão grande quanto foi para
Gramsci, József e Che Guevara em seus respectivos tempos. Portanto, a postura
deles continua sendo exemplar para nosso próprio presente e futuro.
RUY BRAGA é professor livre-docente do Departamento de Sociologia da
USP
RICARDO
ANTUNES é professor titular de sociologia do IFCH/Unicamp
Fonte: Site Revista Cult. Disponível em: https://revistacult.uol.com.br/home/istvan-meszaros-e-sua-ardorosa-defesa-da-humanidade/. Acesso em 28 de mar. 2022.