CHARLES FOURIER
François
Marie Charles Fourier – Nascido em
Besançon em 7 de abril de 1772 e falecido em Paris no dia 10 de outubro de
1837. Foi um socialista francês da primeira parte do século XIX, um dos pais do
cooperativismo. Foi também um crítico ferino do economicismo e do capitalismo
de sua época, e adversário da industrialização, da civilização urbana, do
liberalismo e da família baseada no matrimônio e na monogamia.
O
caráter jovial com que Fourier realizou algumas de suas críticas fez dele um
dos grandes satíricos de todos os tempos. Propôs a criação de unidades de
produção e consumo – as Falanges ou Falanstérios – baseadas em uma forma de
cooperativismos integral e autossuficiente, assim como na livre perseguição do
que chamava paixões individuais e seu desenvolvimento, o que constituiria um
estado que chamava harmonia. Neste sentido antecipa a linhagem do socialismo
libertário dentro do movimento socialista, mas também em linhas críticas da
moral burguesa e cristã, restritiva ao desejo e do prazer – neste sentido,
sendo também um dos precursores da psicanálise. Em 1808, Fourier já argumentava
abertamente a favor da igualdade de gênero entre homens e mulheres, apesar da palavra
feminismo só ter surgido em 1837.
Entusiastas
de suas ideias estabeleceram comunidades intencionais nas três Américas. O
Falanstério do Saí em Santa Catarina e a Colônia Cecília no Paraná foram
experiência práticas inspiradas por Fourier no Brasil, assim como La Réunion no
Texas e a Falange Norte-americana em New Jersey, nos EUA.
Biografia
Charles
Fourier nasceu em Besançon, uma comuna francesa da região de
Borgonha-Franco-Condado, filho de um modesto homem de negócios, o jovem Fourier
estava mais interessado na arquitetura que nos negócios de seu pai. De fato,
queria converter-se em engenheiro, mas a Escola de Engenharia Militar aceitava
somente filhos da nobreza. Mais tarde Fourier se alegraria em não ter se
tornado um engenheiro, porque segundo ele, esta profissão lhe teria consumido
muito tempo, afastando-o de seu verdadeiro desejo: ajudar a humanidade. Em
julho de 1781, logo após a morte de seu pai, Fourier herda dois quintos de sua
fortuna, avaliada em 200 mil francos. Esta repentina riqueza lhe permite a
liberdade de viajar através da Europa por prazer. Em 1791, muda-se de Besançon
para Lyon, onde trabalha para o mercador M. Bousquet. Em suas viagens, vai
também a Paris onde trabalha como chefe de Oficina de Estatística por alguns
meses. Fourier não concordava com viajar para benefícios alheios. A fim de
obter conhecimentos em tudo o que pudesse, Fourier mudaria de emprego e
residência para experimentar novas coisas. Entre 1791 e 1816 trabalhou em
Paris, Ruão, Lyon, Marselha, e Bordeaux como viajante de negócios e agente dos
correios, período em que não dispunha de muito tempo para suas investigações.
Deixando-se “servir à vontade dos mercadores”. Em seus pensamentos havia três
elementos principais: as pessoas que conheceu como viajante de negócios, os
periódicos e a introspecção. Seu primeiro livro foi publicado em 1808.
Em
abril de 1834 Fourier muda-se para o apartamento de Paris onde morrerá mais
tarde, em outubro de 1837. Em 11 de outubro de 1837, às três horas da tarde,
tem início uma procissão da porta da sua casa até a igreja de Petits-Peres. A
cerimônia foi assistida por mais de quatrocentas pessoas de todos os lugares.
Crítica à
“Civilização”
Grande
parte das críticas de Fourier são voltadas contra as posições que justificam e
perpetuam o sofrimento humano como é o caso do cristianismo, do conservadorismo
ou do niilismo.
Nesse
sentido que identifica no centro do cristianismo a imagem do pecado original.
“Fourier encarna um momento único do pensamento ocidental; levando a crítica à
religião, elaborada pelo movimento filosófico, até as últimas consequências
lógicas, até o rechaço da moral da família e da hierarquia social e simboliza
todo um momento em que a reação pós-revolucionária estava em todo seu apogeu,
se sustentando ainda por muito tempo boa parte das conquistas intelectuais do
século XVIII”. Nesta mesma linha argumentativa vinculava a ideia de civilização
a um sentido pejorativo, reconhecendo nesta uma forma social contemporânea a
ser superada. Desta forma Fourier transcendia o economicismo de grande parte do
pensamento socialista de sua época e de momentos posteriores. Assim não só
criticava as estruturas econômicas do capitalismo, mas também a moral inteira
da sociedade contemporânea e seus costumes.
Através
de seu rechaço à moral pessimista e focada na dor, propunha assumir como foco à
felicidade entendida como satisfação dos sentidos, e também como prazer. Tudo
isto indo contra o que chamava de “o masoquismo mental”. Este elemento foi
fundamental em sua crítica à estrutura da família nuclear promovida pelo
cristianismo, as unidades camponesas e o capitalismo.
Dizia
que essa estrutura era ao mesmo tempo economicamente e passionalmente absurda.
A primeira se devia ao fato da família enquanto unidade econômica não seria
capaz de prover sua própria sustentação e necessitava de uma maior cooperação
entre um maior número de pessoas, assim como o trabalho cooperativo de um
número maior de indivíduos que seria desperdiçado às vezes no trabalho familiar
de pequenos grupos. A segunda era porque Fourier afirmava que viver com as
mesmas pessoas toda a vida e o tempo todo (e pior no caso de relações
amorosas/sexuais com a mesma pessoa por toda a vida) condenava os envolvidos à
monotonia e ao tédio, assim como o conformismo, impedindo um maior
desenvolvimento da personalidade se comparado às possibilidades existentes nas
relações mais múltiplas de duração diversa.
Nesta
perspectiva, a sociedade atual encontraria claramente seu fundamento na
hipocrisia ou numa estrutura basicamente hipócrita. Isto devido ao fato de se
ter uma constante contradição entre as palavras e as ações assim como entre os
deveres e as aspirações. As pessoas aspiram à realização de seus desejos, no
entanto, se reprimem e recorrem à moral para se auto-justificarem e reprimir os
que quiserem perseguir seus desejos, ou como diria Fourier “suas paixões”.
Contra
essa moral, a qual se atravessa tanto no âmbito da vida doméstica como nas
esferas do trabalho, da economia e da política, Fourier afirma abertamente que
as paixões não são nocivas, mas sim, ao contrário, parte fundamental da
natureza humana e assim mesmo elemento necessário para o desenvolvimento da
personalidade.
Fourier
também denunciou a exploração de que eram vítimas os trabalhadores, as mulheres
e crianças, e a desigualdade social de sua época. Foi o primeiro que chegou a
afirmar, por exemplo, que “o grau de emancipação das mulheres numa sociedade é
o termômetro geral do qual se mede a emancipação geral”.
As Paixões e
o Livre Desenvolvimento da Personalidade
Hakim Bey (pseudônimo de Peter Lamborn Wilson, estado-unidense, historiador, escritor
e poeta, pesquisador do Sufismo bem como da organização social dos piratas do
século XVII, teórico libertário cujos escritos causaram grande impacto no
movimento anarquista das últimas décadas do século XX e início do século XXI),
na seguinte citação, resume a crítica de Fourier à civilização:
“As misérias da civilização têm
desviado a Terra e a humanidade de seu próprio destino em um sentido
literalmente cósmico. A paixão, a qual temos aprendido a entender como ‘o mal’,
é de fato, virtualmente, o princípio divino. Os seres humanos são estrelas microscópicas,
e todas as paixões e desejos (incluindo os ‘fetiches’ e as ‘perversões’) são
por natureza não somente boas, mas sim necessárias para a realização dos
destinos dos humanos. No sistema de Harmonia de Fourier todas as atividades
criativas incluindo a indústria, o artesanato, a agricultura (etc.) surgiram da
libertação da paixão – este é a famosa teoria do ‘trabalho atraente’. Fourier
sexualiza o próprio trabalho: A vida do Falanstério é uma continua orgia do
sentimento intenso, do pensamento e da atividade, uma sociedade de amantes e
selvagens entusiastas. Quando a vida social da Terra é harmonizada, nosso
planeta voltará a ser incorporado ao universo da paixão e serão experimentadas
vastas transformações na forma do corpo humano, no tempo atmosférico, nos
animais e nas plantas, e mesmo nos oceanos”. (Hakim Bey – “O Oceano de Limonada
e os Tempos Modernos”, 1991).
Fourier afirmava que as paixões são impulsos e necessidades que podem ser desenvolvidas. Contra seus críticos que afirmavam que o desenfreio irracional das paixões poderia ser algo potencialmente suicida, Fourier advertia que um completo abandono às paixões só poderia se dar em harmonia e fazê-lo em civilização seria perigoso. Assim, mesmo contra os críticos que diziam que as paixões podem ser destrutivas dos outros ou malignas, ele decidiu fazer uma tendência de paixões ou instâncias passionais harmônicas e outras subversivas. As primeiras quando se realizam não ferem aos outros ou até podem ajudar-lhes a realizarem-se, enquanto as segundas podem ferir aos outros ou limitá-los. Fourier afirmava que na restrição se promovia a dívida e a escassez de oportunidades de autorrealização tendendo irremediavelmente ao conflito. Num estado de livre expressão da personalidade e de superação desta escassez o conflito irremediavelmente se reduz quando não é eliminado. Por outro lado, ele propõe um esquema no qual haveria algumas paixões “distributivas” que eliminam o conflito e também evitam o tédio.
O
Cooperativismo como Alternativa
“Não sacrificais a felicidade de hoje
em nome da felicidade futura. Desfrutai do momento, evitai toda associação de
matrimônio ou de interesse que não satisfaça vossas paixões no mesmo instante.
Porque trabalhar pela felicidade futura, se ela se sobrepõe aos vossos desejos,
e, na ordem combinada, tereis apenas um desprazer: o de não poder dobrar a
duração dos dias, a fim de que eles comportem o imenso círculo de gozos que
tereis a percorrer”. (Charles Fourier – Avisos aos Civilizados da Próxima
Metamorfose Social – 1808).
Diante deste panorama Fourier
propunha uma alternativa cooperativista. Se se permitisse às pessoas realizar
livremente suas inclinações ou paixões se produziria um estado de equilíbrio
entre todos, ou como o chamou, harmonia.
Como fundamento da tese de Fourier
estava a possibilidade de se estabeleceu uma sociedade verdadeiramente justa,
para a qual propôs a fundação de Falanstérios (comunidades); os benefícios
obtidos seriam repartidos entre os membros da Falange e os capitalistas que
houvessem investido dinheiro em sua construção. Uma das cooperativas mais
famosas idealizadas por Fourier foi a Coopérative dês Bijoutiers em Doré.
Fourier pretendia convencer os capitalistas a proporcionarem recursos
necessários para a construção de Falanstérios, no entanto, nenhum deles
aceitaria sua proposta.
A Falange e o Falanstério teriam as
seguintes características:
“No lugar
dos vastos centros que absorvem as populações, as aldeias, as casas,
construídas ao azar no mapa, mal distribuídos, mal traçados seus limites, tão
incoerentes em sua distribuição geral como sua organização particular, a
humanidade deve estar agrupada por ‘comunidades’, regulares pelo número de seus
habitantes, por sua ordem interior e pelas condições de equilíbrio na relação
com outras comunidades, obedecendo todas as leis análogas (ou seja, iguais ou
de teor semelhante). Na ordem combinada ou ‘societária’ estas comunidades
recebem o nome de ‘Falange’, palavra que significa uma ideia de conjunto, de
unidade, de vontade e de objeto. A Falange deve ser composta de 400 famílias
(1.600 ou 1.800 pessoas, com uma média de densidade das famílias de 4,5). As
bases desta associação são: 1º) Todos os habitantes da comunidade, ricos e
pobres, formarão parte da associação; o capital social constituirá os imóveis
de todos e os móveis e capitais investidos por cada um à sociedade. 2º) Cada
associado em troca de um investimento, receberá ações que representem o valor
exato do que haja investido. 3º) Toda a ação terá hipoteca sobre a parte dos
imóveis que represente e sobre a propriedade geral da sociedade. 4º) Todo o
associado (se é associado, ainda quando, não se possuem ações nem capital
algum) deve concorrer à exploração do bem comum, como o seu trabalho e com o
seu talento. 5º) As mulheres e as crianças entram na sociedade com o mesmo
título que os homens. 6º) O benefício anual, depois de satisfeitos os gastos
comuns, será repartido proporcionalmente segundo as três faculdades produtivas:
capital, trabalho e ‘talento’. Os fourieristas supunham que esta organização
produziria importantíssimas e fecundas consequências, pois, por exemplo, as 400
famílias reunidas levaria grandes vantagens em substituir seus 400 lugares, que
empregam 400 mulheres, por uma boa cozinha dirigida por umas quantas pessoas
hábeis na arte de cozinhar; seus 400 depósitos de grãos por um bom; suas 400
adegas por uma ampla e magnífica, etc. A “Falange, ou seja, a reunião de 400
casinhas, viria com o tempo a se reunir em um só edifício; com 400
departamentos com dependências comuns e particulares, e este grande edifício
unitário receberá o nome de ‘Falanstério’.” (Dicionário Enciclopédico
Hispano-Americano – verbete “Fourierismo”).
Principais Obras
·
“Teoria das
Trombetas de Buron” (“Théorie des Tromphèthes dês Buron”) de 1808;
·
“Teoria dos
Quatro Movimentos” (“Théorie des Quatre Movements’), também de 1808, Fourier divide
toda a história anterior em quatro fases: selvageria, barbárie, patriarcado e
civilização. Coincidindo esta última fase com o capitalismo burguês do século XIX
em cuja origem remonta Fourier ao século XVI e sobre a qual chegaria a afirmar
que esta “ordem civilizada eleva a uma forma complexa, ambígua, equivocada e
hipócrita todos aqueles vícios que a barbárie praticava em um meio da maior
ingenuidade”. Também afirma que: “Na civilização, a miséria brota da própria
abundância”;
·
“Tratado de
Associação Doméstica e Agrícola” (“Traité de L’associaciation Doméstique-agricole”)
de 1822;
·
“O Novo Mundo Industrial
e Societário” (“Le Nouveau Monde Industriel et Societaire”) de 1829;
·
“A Falsa
Indústria” (“La Fausse Industrie”) de 1835 e 1836;
·
“O Novo Mundo
Amoroso” (“Le Nouveau Monde Amoureux”), nunca chegou a ser levada à imprensa
por Fourier, sendo editada postumamente, só em 1967. Nela descrevia um momento
da sociedade em que as paixões de alguns indivíduos se combinam com as paixões
de outros com o qual deixariam de ser perversões. Nesta sociedade seria abolido
o comércio, câncer da economia e causa do desperdício e do parasitismo. A
indústria se reorientaria; o trabalho organizaria em pequenas comunidades e se
distribuiria sobre a base das aptidões e desejos individuais harmonizados com a
coletividade através da serialização dos grupos. Toda a indústria teria como
objetivo prover a maior felicidade social possível, e se organizaria de acordo
com os princípios da educação harmoniosa: em grupos e séries ordenados de modo
a satisfazer o jogo das paixões e caracteres sempre de forma prazerosa (segundo
os princípios do “trabalho atraente”) satisfazendo as necessidades industriais
da população, a começar pela alimentação, que é muito mais que nutrição em
Harmonia – sobre a Gastrosofia (apreciação dos alimentos – ciência da
alimentação), ela compreende desde o cultivo dos gêneros alimentícios, passando
pela conserva, preparação, refeição, degustação, até a própria medicina
atraente ou natural que se basearia no conhecimento detalhado “dos 810
caracteres alimentares” assim, como dos gêneros alimentícios análogos a eles.
Influência
Nas Revoltas do Século XIX e Fundação dos
Falanstérios
|
Victor Considérant |
As ideias de Fourier tiveram
influência nas revoluções populares de 1848 conhecidas como “Primavera dos
Povos” através de seguidores como Victor Considérant. A essa época na América
do Norte e na América do Sul foram fundadas diversas comunidades intencionais
por seguidores, geralmente imigrantes europeus. Entre outros, no Brasil
surgiram o “Falanstério do Saí” em Santa Catarina e a “Colônia Cecília” no
Paraná, enquanto nos EUA foram erguidos “A Utopia” em Ohio, “La Réunion” no
Texas, e a “Falange Norte-Americana” em Nova Jersey.
Os escritos de Fourier foram
incluídos pela Igreja Católica no “Index Librorum Prohibitorum”, listas das
publicações que a Igreja Católica catalogo como livros perniciosos para a fé. O
propósito desta lista era prevenir a leitura de livros ou trabalhos imorais que
contivessem erros teológicos ou morais e prevenir da corrupção seus fiéis.
Marxismo e o Rótulo de Socialismo Utópico
Não tardaria para que uma vertente do
pensamento progressista se levantasse em crítica ao Fourierismo. Já em seu
‘Manifesto do Partido Comunista’ os jovens Marx e Engels buscariam de todas as
maneiras diferenciar sua proposta de socialismo daquela elaborada por
pensadores como Saint-Simon, Charles Fourier, Louis Blanc e Robert Owen,
considerada por eles fantasiosa uma vez que buscavam transformar radicalmente a
sociedade sem uma ênfase no conflito entre as classes, e através da boa vontade
e participação de todos. Neste mesmo sentido os marxistas conferiram ao seu
próprio projeto um suposto cunho científico (comunismo científico) que não
estaria presente na obra daqueles que rotularam de socialistas utópicos.
Como resultado dessa desqualificação, não só
de Fourier como de outros pensadores considerados utópicos, seus trabalhos
foram deixados de lado por gerações de marxistas, banidos por essa corrente de
pensamento que, em sua suposta cientificidade, se comportava de forma análoga à
Igreja Católica com seu Index Librorum Prohibitorum. Somente muito tempo
depois, na década de 1960, setores marginais do pensamento marxista, a partir
da influência dos escritos de Herbert Marcuse, resgatariam a obra de Fourier
enquanto fonte de reflexões a ser considerada.
“Fourier,
de ti eles zombaram, mas não haverá remédio a se tomar mais dia menos dia que a
tua medicina” (André Breton, “Ode à Charles Fourier, 1947).
Século XX
Na metade do século XX, as ideias de
Fourier interessaram diversos intelectuais socialistas que se encontraram fora
do mainstream[1] marxista. Depois que os surrealistas romperam com o Partido Comunista Francês,
André Breton escreveu o poema “Ode a Charles Fourier” em 1947. No livro
clássico de freudo-marxismo de Herbert Marcuse da década de 1950, “Eros e a
Civilização”, Fourier é mencionado como representante importante da tradição
hedonista.
“Não é por
acidente que o trabalho de Fourier está se convertendo em tópico outra vez
dentro da intelligentsia avant-garde (vanguarda intelectual) das esquerdas.
Como Marx e Engels aceitaram, Fourier foi o primeiro a fazer clara diferença
qualitativa entre a sociedade livre e a não livre. E nisto ele jamais
retrocedeu, como Marx todavia o fez, ao falar de uma sociedade possível, na
qual o trabalho se converte em jogo, uma sociedade na qual até o trabalho
socialmente necessário pode ser organizado em harmonia com as necessidades
liberadas genuínas do homem”. (Herbert Marcuse, na Conferência Da Ende der
Utopie, 1967).
Em 1969, Raoul Vaneigem – um dos
principais membros da Internacional Situacionista – inspirado no texto de
Fourier “Aviso aos Civilizados a Respeito da Próxima Metamorfose Social” dava
forma a seu próprio texto “Aviso aos Civilizados a Respeito da Autogestão Generalizada”,
no qual defendia enquanto proposta política a radicalização do modelo
fourierista.
“A
assembleia toda é através de seus representantes, com suas tendências, a que se
deve estar presente na hora de decidir. Se bem que a destruição do Estado
impede essencialmente que se repita o engano do Soviete Supremo, é necessário
mais que a simplicidade de organização para garantir a impossibilidade de
aparição de uma burocracia. Já que, precisamente, a riquezadas técnicas de
comunicação, pretexto para mantimento ou retorno dos especialistas, permite o
controle permanente dos delegados pela base, a confirmação, a correção ou a
desaprovação imediatas de suas decisões a todos os níveis. Telex, computadores,
televisões, pertencem, portanto, sem que se possam ceder, às assembleias de
base. Realizam sua onipresença. Na composição de um conselho se distinguirá,
sem dúvida, conselhos locais, urbanos, regionais, internacionais – o correto
será que a assembleia possa eleger e controlar uma seção de equipamento
destinada a recolher as demandas de abastecimento, a levantar as possibilidades
de produção, a coordenar estes dois setores: uma seção de informação,
encarregada de manter uma relação constante com a vida dos outros conselhos;
uma seção de coordenação a que incumbe, na mesma medida que as necessidades da
luta a permitam, enriquecer as relações intersubjetivas, radicalizar o projeto
fourieristas, encarregar-se das demandas de satisfação passional, equiparar
desejos individuais, oferecer o necessário para os experimentos e aventuras,
harmonizar as disponibilidades lúdicas da organização dos trabalhos
obrigatórios e gratuitos (serviço de limpeza, cuidar de crianças, educação,
concurso de cozinha, etc.); uma seção de autodefesa. Cada seção é responsável
ante a assembleia plenária dos delegados (revogáveis e submetidos ao princípio
de rotação vertical e nominal) que se reúnem e prestam regularmente seus
informes”. (“Aviso aos Civilizados a Respeito da Autogestão Generalizada”,
1969, Raoul Vaneigem).
Na Contemporaneidade
Contemporaneamente pode-se constatar a grande
influência do pensamento de Fourier nos escritos intelectuais libertários como
Hakim Bey, Paul Goodman, Bob Black e P.M - Hans Widmer, autor suíço nascido em
1947, responsável pelo livro Bolo’bolo (1983) e Akiba (2007).
Em diversas passagens de sua obra, mas
principalmente em seu artigo “O Oceano de Limonada e os Tempos Modernos”,
Hakim Bey traz à tona reflexões acerca das experiências fourieristas na
constituição de estratégias de comunalismo libertário.
“A nova Pantarquia
Universal e o novo Falanstério Norte-americano será inicialmente uma sociedade
experimental de investigação (ainda assim, de homenagem e recriação, fiel ao
empoeirado estilo do século XIX!) – mas também, e quem sabe, mais importante,
este feito pode converter em um núcleo de associação. Planejemos fazer
excursões ao lugares originais de “Modern Times” (“Tempos Modernos”) e de
outros Falanstérios; pretendemos ressuscitar a tradição fourierista dos
banquetes; pensamos construir um templo de honra a Fourier e ao Pantarca: pode
ser inclusive que cheguemos longe o suficiente para produzir outro boletim de
notícias! (...) E talvez nossas investigações realmente nos levem a tempos e
espaços livres escavados nas muralhas da Babilônia – autonomia, criativa e
camaradagem nas zonas proibidas, locais onde o poder terá ‘desaparecido’ – E
(quem sabe?) pode ser que até mesmo nossas vidas se rendam a este ímpeto de
mudança... Um excêntrico? Sim, sou um excêntrico: um pequeno dispositivo que
causa revoluções!” (Hakim Bey. “O Oceano de Limonada e os Tempos Modernos”,
1991).
Também é possível perceber a
influência de Fourier nos escritos de Gustav Wyneken, Guy Davenport (em sua
obra de ficção “Maçãs e Peras”), bem como na obra do geógrafo David Harvey, no
apêndice de seu livro “Espaços de Esperança” denominado “Edilia”, ou “faça tudo
o que quiser” que oferece uma visão utópica pessoal do futuro muito próxima das
ideias de Fourier.
No filme Metropolitan de Whit
Stillman, o personagem Tom, descrito como um fourierista, debate com outro
personagem o sucesso do experimento social conhecido como Brook Farm (Fazenda
Brook), inspirado nas ideias de Fourier.
Fonte:
Wikipédia: Disponível em: https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Charles_Fourier.
Acesso em: 08 de fev. 2022.
[1] Mainstream – Conceito que expressa uma
tendência ou moda principal e dominante. A tradução literal de mainstream é
“corrente principal”, Em inglês, main significa principal, enquanto stream
significa fluxo ou corrente. Fonte: Significados.com: Disponível em: HTTPS://www.significados.com.br/mainstream/.
Acesso em: 24 de fev. 2022.
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