segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

GEORG WILHELM FRIEDRICH HEGEL (VIDA E OBRA)

 


A VIDA DE HEGEL




         A situação da Alemanha na passagem do século XVIII para o XIX é, frequentemente, definida pelos historiadores como caótica. O despotismo de alguns governantes fazia-se sentir sobre a nação que, fragmentada, era submetida a inúmeros despotismos de segunda ordem e que competiam entre si. Formado pela Áustria e pela Prússia, pelos príncipes eleitores, por 94 príncipes eclesiásticos, por 103 barões, quarenta prelados e 51 cidades imperiais, o país compunha-se de aproximadamente trezentos territórios independentes. O governo central não possuía um único soldado e sua renda chegava, quando muito, a alguns milhares de florins. Não havia jurisdição centralizada, predominava ainda a servidão e a censura era aplicada drasticamente: qualquer leve indicação de tomada de consciência era reprimida com rigor. Uma testemunha contemporânea resume a situação: “Sem lei ou justiça, sem proteção contra a taxação arbitrária, incertos quanto à vida de nossos filhos e quanto à liberdade e aos nossos direitos, vítimas impotentes do poder despótico, faltando à nossa existência unidade e espírito nacional... está é a situação da nossa nação”.

           A poucos quilômetros desse cenário político e social, o panorama era muito diferente. A França emergia da revolução que aboliu a monarquia absoluta, destruiu a ordem feudal e estabeleceu o predomínio da sociedade burguesa. O acontecimento saudado pelos círculos intelectuais alemães como o alvorecer de uma nova era na história da humanidade, mas sua perspectiva da revolução era muito diferente da maneira de ver, de sentir e de agir dos franceses. Os antagonismos que explodiam na França eram muito mais profundos do que na Alemanha, em virtude, principalmente, do lento desenvolvimento econômico deste país, muito atrasado em relação à França e à Inglaterra. “A classe média alemã”, diz Marcuse, “fraca e dispersada em numerosos territórios com interesses divergentes, dificilmente poderia projetar uma revolução. Os poucos empreendimentos industriais existentes eram como que ilhas dentro de um sistema feudal que se eternizava. O indivíduo, em sua existência social, ou era escravizado ou escravizava seus semelhantes”. Apesar disso, esse indivíduo podia ao menos perceber, enquanto ser pensante, o contraste entre a realidade miserável que existia por toda parte e as potencialidades humanas que a Revolução Francesa liberava, e, como pessoa moral, poderia preservar a dignidade e a autonomia humanas, pelo menos na sua vida privada. Assim, enquanto a Revolução Francesa começou por assegurar a realização da liberdade, à Alemanha coube apenas se ocupar com a ideia de liberdade. Suas classes “educadas”, por não exercerem nenhuma ocupação prática, encontravam-se incapacitadas para tentar a reforma da sociedade. O mundo da ciência, da arte, da filosofia e da religião, não só lhes oferecia satisfação, como também tornara-se, para elas, a “verdadeira realidade”, transcendentes às miseráveis condições da sociedade. A cultura era, então, essencialmente idealística, ocupada com a ideia das coisas, mais do que com as próprias coisas.


            Assim, antes que legítimos teóricos da Revolução Francesa, como usualmente se diz, melhor seria dizer, Herbert Marcuse (1898 a 1979), que a filosofia clássica alemã (Kant, Fichte, Schelling, Hegel) construiu grandes sistemas “em resposta ao desafio vindo da França à reorganização do Estado e da sociedade em bases racionais, de modo que as instituições sociais e políticas se ajustassem à liberdade e aos interesses do indivíduo”. Ainda, segundo Marcuse, entre esses sistemas, o de Hegel constitui “a última grande expressão desse idealismo cultural, a última grande tentativa para fazer do pensamento o refúgio da razão e da liberdade”. 


O Jovem Hegel 

          Filho de Georg-Ludwig, chefe da chancelaria do ducado, e de Maria-Magdalena, Georg Wilhelm Friedrich Hegel nasceu em Stuttgart, a 27 de agosto de 1770. Depois de ter cursado o ginásio da cidade ingressou em 1788, no seminário de teologia protestante de Tübingen. Entre seus companheiros de estudos estavam Schelling (1775 a 1854) e Hölderlin (1770 a 1843), aos quais se ligou por estreitas relações de amizade.

            Característica marcante da geração que frequentava a Universidade Teológica de Tübingen era a profunda preocupação com a miserável condição do Reich, em contraposição aos ideais humanistas propalados pelo imperador Frederico Guilherme II (1744 a 1797). Durante os últimos anos de seu reinado Frederico Guilherme II começa a introduzir as ideias do iluminismo nas escolas e universidades, mas os estudantes, embora entoassem canções revolucionárias, traduzissem a Marselhesa e clamassem contra seus tiranos, estavam perfeitamente cônscios de que seu protesto, quando muito, levaria à reforma constitucional, que talvez viesse a equilibrar a balança do poder na Alemanha. Entre os entusiastas dos ideais de liberdade e dignidade do homem achavam-se Hegel e Schelling.


 

          No ano de 1790, Hegel obteve o título de magister philosophiae. Três anos depois, embora concluísse com êxito os exames finais, renunciou à profissão de pastor devido à falta de vocação. Durante os três anos seguinte (1793 a 1796), permaneceu em Berna, trabalhando como preceptor. Nessa cidade, ocupou-se intensamente com a literatura da ilustração.

            Depois de Berna, Hegel, ainda como preceptor, mudou-se para Frankfurt-sobre-o-Meno, onde residiu até 1800.

           Em 1799, com a morte de seu pai, Hegel recebeu uma pequena herança e transferiu-se para Jena, em cuja universidade tornou-se livre-docente, em 1801, com a tese “Sobre as Órbitas dos Planetas”, escrita em latim. Quatro anos depois, graças à recomendação de Goethe (1749 a 1832) seria nomeado “professor extraordinário” da Universidade de Jena. Durante todos esses anos, Hegel e Schelling pareciam amigos inseparáveis. Mas esse relacionamento constante continha um germe de ruptura que se cristalizaria, definitivamente, em 1806. O comum entusiasmo revolucionário juvenil bifurcou-se, conforme as sucessivas inflexões do processo revolucionário francês, filtrado pela “ideologia” alemã. Num extremo, Schelling, liquidando seu passado jacobino e “racionalista”, caminhou no sentido da reação romântica e nacionalista, que preparou a contrarrevolução de 1848; no outro extremo, Hölderlin, cujo rigorismo moral impediu de resignar-se com a queda de Robespierre e compreender a necessidade do declínio do ideário helenista de que se nutria a utopia sans-culotte; a meio caminho, Hegel, que reconheceu na ruína política da Montanha, na reação termidoriana e nas guerras napoleônicas a sequência das etapas necessárias à consolidação da nova ordem social.

 

A Maturidade 

          O ano de 1807 assinala, na Alemanha, a libertação dos servos e o início de reformas do Exército e da administração prussianas. No dia 13 de outubro de 1806, Napoleão anexou Jena e o acontecimento causou profunda impressão em Hegel: “Vi o imperador – esta alma do mundo – cavalgar pela cidade, em visita de reconhecimento: suscita, verdadeiramente, um sentimento maravilhoso a visão de tal indivíduo, que abstraído em seu pensamento, montado a cavalo, abraça o mundo e o domina”. Essas palavras revelam o clima em que se encontrava o autor, quando escreveu sua primeira obra de grande porte, a “Fenomenologia do Espírito”, em cujo prólogo declarava seu rompimento com Schelling. Sua publicação data de 1807. Nessa obra estão resumidas particularmente as meditações hegelianas sobre o problema político que será o centro das preocupações do filósofo. Como assinala o comentador francês Bernard Bourgeois, Hegel se dedicará a esse tema enquanto “o infortúnio e a irracionalidade da história moderna não tiverem sido dissipados, enquanto a razão não se tornar soberana do tempo, vale dizer, enquanto não o tiver superado como um de seus momentos”. Nesse sentido, “A Fenomenologia” representa a primeira elaboração de um julgamento filosófico a respeito da história. Em 1808, Hegel tornou-se professor no Liceu de Nuremberg e, posteriormente, passou a dirigir esse estabelecimento. Em Nuremberg, publicou a “Ciência da Lógica”, a primeira parte em 1812 e a segunda em 1816. 

          Em 1816, foi nomeado professor titular de uma cadeira de filosófica na Universidade de Heidelberg. Um ano depois, publicou a primeira edição da “Enciclopédia das Ciências Filosóficas”. Com a indicação para a cadeira de filosofia da Universidade de Berlim, em 1818, Hegel atingiu o ápice de sua carreira universitária. Esse cargo coincidiu com o fim de seu desenvolvimento filosófico, mas Hegel, em 1821, ainda publicaria os “Princípios da Filosofia do Direito”, obra que despertaria violenta crítica de Marx. Durante o período de Berlim, o filósofo proferiu cursos sobre história da filosofia, sobre estética, sobre filosofia da religião e, finalmente, sobre filosofia da história. Esses cursos foram recolhidos, ordenados e só vieram à luz postumamente. Em 1829, Hegel foi eleito reitor da universidade. Dois anos depois, acometido de cólera, faleceu a 11 de novembro de 1831.


 

O Cenário Filosófico


 
          A resposta dada por Hegel aos desafios sociais e políticos de seu tempo não pode ser compreendida se não se levar em consideração o fato de que seus conceitos básicos constituem, ao mesmo tempo, uma culminação de toda a tradição filosófica ocidental. Analisando as relações de Hegel com essa tradição, Lukács afirma que a filosofia racionalista moderna, partindo da dúvida metódica, do "cogito ergo sum" de Descartes, passando por Hobbes, Espinosa, Leibniz, perfaz “um caminho de desenvolvimento retilíneo, cujo motivo decisivo, presente em múltiplas variações, é a ideia de que o objeto do conhecimento pode ser compreendido por nós e na medida em que for produzido por nós mesmos”. Ao lado disso, o racionalismo estabelece também que esse conhecimento é necessário e universal. Isso coloca de imediato um problema, que Herbert Marcuse traz à luz: “Seria possível construir-se uma ordem racional universal, fundada na autonomia do indivíduo?” Ao responder afirmativamente, o idealismo alemão visava a um princípio unificador que preservasse os ideais de uma sociedade individualística e não sucumbisse a seus antagonismos.


           Em contraposição ao racionalismo, os empiristas ingleses haviam demonstrado que nem sequer um único conceito ou lei da razão poderia aspirar à universalidade, e que a unidade da razão era apenas uma unidade conferida pelo hábito ou pelo costume, unidade que aderia aos fatos sem jamais os governar. Segundo os idealistas alemães, a unidade e a universalidade não podiam ser encontradas na realidade empírica; não eram fatos. Se o homem não conseguisse criar a unidade e a universalidade por meio de sua razão autônoma, contrariando embora os fatos, teria de expor, não somente sua existência intelectual, como também sua existência material, às pressões e processos determinados pelo tipo de vida empírica dominante. O problema não era, pois, um problema meramente filosófico, mas ligava-se ao destino histórico da humanidade.

Johann Gottlieb Fichte
            Na interpretação de Marcuse, os idealistas alemães reconheceram as manifestações históricas concretas do problema, o que se evidencia pelo fato de haverem, sem exceção, ligado a razão teórica à razão prática. 


“Há uma transição necessária, entre a análise da consciência transcendental, em Kant, e sua exigência de comunidade de um Império Mundial; entre o conceito do 'Eu Puro' de Fichte e sua construção de uma sociedade totalmente unificada e regulada; e, finalmente, entre a ideia de razão, de Hegel, e sua definição do Estado como união dos interesses comuns e individuais, como a realização da razão”.


 

Immanuel Kant
           A razão fora minada em seus fundamentos pelos empiristas, que acabaram por confinar o homem àquilo que é dado, à ordem existente nas coisas e acontecimentos. Kant, despertado de seu “sono dogmático” pelos empiristas, partiu do princípio de que todo o conhecimento humano tem início na experiência, fonte da matéria, para os conceitos da razão. Nesse sentido, como o conhecimento estaria sempre voltado para as impressões, coordenadas pelas formas a priori da sensibilidade, Kant concluiu que não é possível conhecer-se o fundamento daquelas impressões, isto é, não se conhece como são, ou o que são, as “coisas em si”, que produziram aquelas impressões. Hegel considera que esse elemento cético da filosofia de Kant invalida sua tentativa de defender a razão contra os severos ataques empiristas. Para ele, enquanto as “coisas em si” estiverem fora do alcance da razão, esta continuará a ser o princípio subjetivo, privado de poder sobre a estrutura objetiva da realidade, e o mundo se separa em duas partes: a subjetividade e a objetividade, o pensamento e a existência. Se o homem não conseguisse reunir as partes separadas de seu mundo, e trazer a natureza e a sociedade para dentro do campa de sua razão, estaria para sempre condenado à frustração. O papel da filosofia, nesse período de desintegração geral, deveria ser o de evidenciar o princípio que restauraria a perdida unidade e totalidade. “A necessidade da filosofia surge quando o poder da unificação desapareceu da vida dos homens, e quando as contraposições perderam sua relação e sua interação vivas”. Assim, a forma verdadeira da realidade, para Hegel, é a razão, onde todas as contradições sujeito-objeto se integram, constituindo, desse modo uma unidade e uma universalidade genuínas.

            As raízes dessas considerações hegelianas, principalmente as que se referem à unicidade e à universalidade, desdobram-se: sócio-historicamente, encontram-se nas ideias progressistas da Revolução Francesa: filosoficamente, constituem a interação entre essas ideias e as correntes filosóficas da época. Com os eventos de 1789, todos os homens haviam sido declarados livres e iguais; todavia, ao agir de acordo com seu conhecimento e em função de seus interesses, os homens haviam criado e experimentado uma ordem de dependência, de injustiça e de crises periódicas. A competição geral entre sujeitos economicamente livres não havia estabelecido uma comunidade racional que pudesse salvaguardar e satisfazer as necessidades e os interesses de todos os homens. A vida dos homens fora sacrificada aos mecanismos econômicos de um sistema social que relacionara os indivíduos uns aos outros como compradores e vendedores isolados de mercadorias. Essa ausência, de fato, de uma comunidade racional era responsável pela busca filosófica da unidade e da universalidade na razão. Todos esses impasses filosóficos, cujas origens eram, simultaneamente, históricas e filosóficas, encontraram na filosofia hegeliana uma resposta.

 

A Verdade da Política

            Segundo Bourgeois, “a filosofia de Hegel coloca a filosofia como sendo a verdade da política”. Nessa ordem de ideias a reflexão hegeliana pode ser caracterizada através de dois momentos maiores: o primeiro, referente ao jovem Hegel, prolonga-se até 1807 (quando foi publicada a “Fenomenologia”) e é marcado pela nítida predominância da política sobre a filosofia; o segundo, que se estende de 1807 até 1821, evidência a subordinação da política à especulação filosófica. Esse itinerário é interpelado de maneiras divergentes pelos estudiosos de Hegel. Lukács, por exemplo, considera que a reflexão hegeliana da maturidade não seria mais que uma compensação idealista oriunda da decepção política, porque o mundo sócio-político alemão não oferecia para que se concretizasse o projeto político hegeliano da juventude. Bourgeois discorda desta interpretação. Para ele, “o que conduz Hegel à vida filosófica como solução absoluta não é a impossibilidade de uma solução política alemã, mas a insuficiência da solução política do problema que o preocupa”. Assim, não teria sido o caráter negativo da realidade política alemã que remeteu Hegel do interesse pela política para a vida especulativa, mas ao contrário, a presença nele de um projeto que somente a vida filosófica poderia satisfazer é que deveria levá-lo a compreender que, mesmo em sua positividade cumprida, a esfera política era negativa quanto à possibilidade de realizar esse projeto.

            Não obstante a diversidade dessas interpretações, elas deixam à mostra que a filosofia de Hegel se vincula intimamente a política, de tal forma que ao se falar da política de Hegel se está falando de sua filosofia e vice-versa. Isso não significa porém, que o pensamento hegeliano constitua uma filosofia essencialmente política, no sentido estrito desse termos. “O projeto fundamental de Hegel”, assinala Bourgeois, “é um projeto do homem total” e “deve realizar-se em todas as dimensões da vida humana, e portanto também na dimensão estritamente política; não se trata, inclusive, da realização desse projeto senão na medida em que essas diversas dimensões perdem sua independência, umas em relação às outras... e são, por conseguinte, integradas em uma totalidade orgânica da existência”.

            Nesse sentido, poder-se-ia definir o hegelianismo como “a intenção e a realização de uma vida racional”. “A vida que interessará sempre a Hegel”, mostra Bourgeois, “não é a vida da interioridade subjetiva, fechada sobre si mesma, do formalismo psicológico, mas a vida enquanto ela é a contradição entre a vida substancial e a subjetividade do vivente guiada e conduzida pela primeira, a vida do mundo”. Assim, existiria em Hegel um antissubjetivismo profundo e uma recusa do psicologismo prático, atitude esta que mutila o Eu, eliminando a preocupação com o Universo. Por essa razão, Hegel, que na maturidade afirmava ser a leitura dos jornais uma verdadeira oração da manhã, voltou-se, jovem ainda, para o universal, cuja objetividade efetiva, em seu entender, era o mundo político.
 

           Na juventude, Hegel almejava à instauração de um mundo político com vitalidade análoga à da polis grega; a cidade antiga era para ele o modelo para a realização de seu ser, total e harmoniosamente. Permeando esse ideal político, encontra-se o ideal de liberdade. Esta, porém, não deveria ser determinada de maneira exterior ao homem, pois tal determinação seria, precisamente o contrário da liberdade: a destruição da unidade, a própria deformação daquele ideal. A liberdade, para Hegel, deve nascer do interior, antecipando-se como sentido de liberdade.

           Esse projeto político, no entanto, exigia, no pensamento do jovem Hegel, que se estabelecesse uma mediação entre o indivíduo e o ideal da polis. Essa mediação deveria ser encontrada numa religião do povo, pois, pensava o filósofo, na existência religiosa é que se encontraria o ser mais profundo do homem. Necessário, portanto, que a religião se voltasse para a razão e a liberdade, ou seja, para a vida enquanto universalidade e totalidade; somente dessa maneira poderia operar a educação do povo. Essas considerações acabaram por conduzir Hegel ao exame da religião tal como existia de fato, exame que, por sua vez, levou-o à proclamar a necessidade de transformação da religião privada, consagradora da vida separada dos indivíduos, em uma religião pública ou popular. Em seu modo de ver, a eliminação da religião do despotismo e a instauração da religião da liberdade possibilitariam o retorno da totalidade grega, que encontrava na primeira um grande obstáculo.

            O entusiasmo que a totalidade da polis grega despertava no jovem Hegel refere-se, principalmente, ao período de Türbingen (1788 a 1793). Em seguida, seu entusiasmo enfrenta, em Berna (1793 a 1796), o racionalismo abstrato de um Eu. “A Vida de Jesus”, escrita em Berna, em 1795, constitui, talvez, o fator mais representativo desse segundo momento, em que Hegel refuta, mediante o Cristo, o cristianismo aliado ao despotismo. Em Frankfurt (1797 a 1800), aquele Eu se desdobra: de início, opõe-se ao mundo cristão da alienação, em seguida, afirmando-se e afirmando-o, constitui uma síntese com o mesmo mundo cristão, que pode ser traduzida por seu racionalismo concreto. A consequência maior deste último, já visível em Frankfurt, seria desenvolvida nos escritos de Jena (1801 a 1807), nos quais Hegel descreve o aparecimento de uma totalidade ético-política mediatizada pelos indivíduos, cuja liberdade subjetiva (cristã) é reconhecida definitivamente. Para Hegel, esses indivíduos não presenciam a realização de suas verdades na esfera da vida política, mas em uma esfera superior, a da interioridade.

 

O Real e o Racional

            Na base dos primeiros escritos de Hegel (do chamado jovem Hegel) encontram-se já implícitas suas ideias da filosofia enquanto teoria do conhecimento. Essa ideias vieram à luz mais claramente na “Enciclopédia das Ciências Filosóficas”, publicada em 1817; nela Hegel redefine filosofia diante do problema das relações entre o pensamento e a objetividade, analisando três posições que, para ele, representam atitudes alternativas contemporâneas e possuem encadeamento sistemático e histórico. “A primeira posição é a da experiência imediata, ingênua, que, sem ainda ter consciência da oposição do pensamento em si e consigo mesmo, contém a crença de que por meio da reflexão pode chegar a conhecer a verdade; em outros termos, a posição da experiência imediata contém a crença de que a consciência pode representar, verdadeiramente, o que são as coisas. Segundo essa crença, o pensamento marcha diretamente aos objetos, reproduz o conteúdo das sensações e intuições, fazendo-o conteúdo do pensamento, e se mostra satisfeito tanto consigo mesmo quanto com a verdade”. Essa posição, no entanto, segundo Hegel, revela inconsciência de suas oposições internas, podendo, inclusive, estar detida ante determinações finitas do próprio pensamento; em suma, estaria paralisada em antíteses não resolvidas. Seu exemplo mais concreto encontra-se na metafísica clássica, um dos alvos principais da crítica hegeliana, sobretudo Leibniz (1646 a 1716) e Christian Wolff (1679 a 1754). Referindo-se à metafísica clássica, Hegel afirma que ela “se converte em dogmatismo, pois, acompanhando a natureza das determinações finitas, deve admitir que de duas afirmações opostas... uma tem que ser verdadeira, e a outra falsa.

            A segunda posição do pensamento em relação à objetividade compreenderia, de um lado, o empirismo, e, de outro, o idealismo crítico kantiano. O empirismo elogiado por Hegel porque nele se encontra um princípio fundamental, ou seja, “o que é verdade deve estar na realidade e conhecer-se por meio da percepção”: além disso, o empirismo contém o princípio da liberdade, segundo o qual o homem pode perceber por si mesmo os conhecimentos possuidores de real valor. Apesar desses aspectos positivos, o empirismo, segundo Hegel, pecaria por negar o suprassensível ou, pelo menos, a possibilidade de se conhecê-lo, reduzindo todo o pensamento à abstração e à generalidade e identidade formais. “A ilusão fundamental do empirismo”, diz Hegel, “consiste em que sempre faz uso das categorias metafísicas de matéria, força, unidade, multiplicidade, universal, etc., e com ditas categorias raciocina, e desse modo pressupõe e aplica as formas do raciocínio, sem saber que admite um conhecimento metafísico; o que equivale a empregar e ligar essas categorias sem discernimento crítico e de modo inconsciente”.

 

           A filosofia crítica de Kant também é, inicialmente, elogiada por Hegel, que reconhece o fato de ela submeter a uma investigação prévia o valor dos conceitos intelectuais empregados na metafísica. Mas Hegel reprova o autor da “Crítica da Razão Pura” por não ter penetrado no conteúdo e na relação que aquelas determinações têm em si, considerando-as apenas segundo a oposição entre subjetividade e objetividade. “Essa oposição”, diz Hegel, “como é tomada aqui, refere-se à diferença dos elementos dentro do círculo da experiência. Chama-se objetividade, nessa doutrina, ao elemento de universalidade e necessidade, ou seja, o elemento das determinações que integram o pensamento, o chamado a priori. Mas a filosofia crítica aumenta a oposição, de tal modo que reúne na subjetividade o conjunto da experiência, isto é, os dois elementos mencionados, e diante deles não permanece senão a coisa em si”.

           Finalmente, a terceira posição do pensamento diante de seu objeto diz respeito ao saber imediato. Segundo Hegel, aquilo que se chama fé e saber imediato é o que, em outros casos, é chamado de inspiração, revelação do coração, conteúdo com que a natureza impressionou os homens; de uma maneira mais particular, o saber imediato e a fé constituem o intelecto são (sadio) e o senso comum. Todas essas formas fundamentam seu princípio na imediatidade pela qual se encontra um conteúdo na consciência. O que o saber imediato “sabe”, segundo Hegel, é que o infinito, o eterno, Deus, os quais se encontram na representação, existem também e que à representação se une imediata e inseparavelmente a consciência de seu ser. Assim, os adeptos do saber imediato esposam a tese de que: se o objeto do conhecimento é Deus ou a verdade, o infinito ou o incondicionado; e, se o pensamento só compreende um objeto, quando este é colocado sob a forma de conceitos os quais convertem o referido objeto em algo condicionado e mediatizado; então o conhecimento dos ditos objetos só se dá graças a um saber imediato. Hegel, porém, discorda dessa conclusão. Para ele, essas considerações não levam à imediatidade do saber. Para refutar os defensores dessa conclusão, Hegel desenvolve sua argumentação em dois níveis: o primeiro refere-se à união entre o saber imediato e a mediação que o precedeu, o segundo trata da conexão entre a existência imediata e sua mediação. Como ilustração do primeiro argumento, Hegel toma a matemática, na qual as soluções, embora possam se apresentar de maneira imediata, na verdade seriam obtidas através de considerações complicadas e grandemente mediatizadas: essas soluções, segundo o filósofo, só surgem imediatamente àqueles que estão familiarizados com elas. Exemplo para elucidar o segundo nível da argumentação é encontrado por Hegel no fato de que, embora possam constituir uma existência imediata em relação aos filhos, os pais também foram engendrados; assim, enquanto existentes, os pais “são imediatos”, apesar de mediação anterior que está ligada à própria existência imediata.

            Da análise crítica das três posições referentes à relação entre o pensamento e o seu objeto, Hegel conclui que a ideia, como mero pensamento subjetivo ou como um mero ser por si (um ser que não é ideia), não se constitui como verdade: “Só a ideia por meio do ser e, ao contrário, só o ser por meio da ideia, é a verdade”. Isso significa que Hegel construiu uma filosofia que pretende se apresentar como a própria expressão da realidade, eliminando a distinção tradicional entre a ideia e o real. Ambos seriam facetas de uma mesma coisa: o que é real é racional e o que é racional é real.

 

A Dialética

           A tarefa da filosofia, explica Hegel na “Filosofia do Direito”, é compreender aquilo que é, uma vez que aquilo que é, é a razão. E o filósofo acrescenta: “Aconteça o que acontecer, cada indivíduo é filho de seu tempo; da mesma forma, a filosofia resume no pensamento o seu próprio tempo”. Contudo, para Hegel, a filosofia surge, apenas muito tarde na história dos povos e, assim, não pode pronunciar-se a respeito do que o mundo deva ser: ela é como a coruja de Minerva que, em seu voo crepuscular, toma consciência das coisas, mas não se pronuncia sobre elas. Hegel critica as filosofias normativas dos reformadores do mundo. Para ele, “o conteúdo da filosofia não é outro senão o que originariamente, se produziu e se produz no domínio do espírito, o qual vive no mundo exterior e interior da consciência; seu conteúdo é a realidade.

      Assim, Hegel apresentou-se como o pensador que procurou reconciliar a filosofia com a realidade, estabelecendo acordo entre as duas. “Esse acordo”, diz Hegel, “pode ser considerado como uma prova, ao menos extrínseca, da verdade de uma filosofia; assim como se pode considerar que o fim supremo da filosofia seja produzir, mediante a consciência desse acordo, a conciliação entre a razão consciente de si mesma, a razão tal qual ela é imediatamente a realidade”.

            Desse modo, para que o homem possa aceitar e ter como verdadeiro certo conteúdo da experiência, ele deve ser capaz de encontrá-lo em seu próprio interior, e esse conteúdo deve concordar com a certeza que ele tem de si mesmo e estar unido a ela. Disso deriva que, em Hegel, o conteúdo problemático da experiência é transposto para o plano do pensamento conceitual; o conceito é a atividade do sujeito e, como tal, a forma verdadeira da realidade. De acordo com a opinião do senso comum, o conhecimento torna-se tanto mais irreal quanto mais se abstrair da realidade. Para Hegel, o contrário disso é que é verdadeiro. A formação do conceito pede que se faça abstração da realidade, mas isso não torna o conceito mais pobre do que a realidade, e sim mais rico: a formação do conceito vai dos fatos ao conteúdo essencial deles. A verdade não pode ser colhida entre os fatos enquanto o sujeito ainda não estiver neles vivendo e, ao contrário, contra eles se colocar. O mundo dos fatos não é racional, mas tem que ser trazido à razão, isto é, a uma forma na qual a realidade corresponda efetivamente à verdade.

           À mola motora do conceito – tanto como dissolvente, quanto como produtivo da especificação do universal -, Hegel denomina Dialética. “A mais alta dialética do conceito”, explica o próprio Hegel, “é produzir e conceber a determinação, não como oposição e limite simplesmente, mas compreender e produzir por si mesma o conteúdo e o resultado positivos, na medida em que, mediante esse processo, unicamente ela é desenvolvimento e progresso imanente. Essa dialética não é ... senão a alma própria do conteúdo, que faz brotar, organizadamente, seus ramos e seus frutos”. Nesse sentido, a legitimidade de um sistema filosófico só se instaura como tal desde que, nesse sistema, incluam-se o negativo e o positivo do objeto, e na medida em que tal sistema reproduza o processo pelo qual o objeto se torna falso para, em seguida, voltar à verdade. Uma vez que a dialética é um processo desse tipo, ela pode ser considerada um autêntico método filosófico. 
           O método dialético de Hegel sintetiza-se em algumas proposições, das quais as mais notórias são duas, famosas, sobretudo pelo escândalo que provocaram. A primeira afirma: “O que é racional é real e o que é real é racional”. Essa fórmula não expressa a possibilidade de que a realidade seja penetrada pela razão, mas a necessária, total e substancial identidade entre a razão e a realidade. A segunda proposição estabelece que “o ser e o nada são uma só e mesma coisa”. De acordo com esse princípio, não há uma única coisa no mundo que não abrigue em si a copertinência do ser e do nada. Cada coisa só é na medida em que, a todo momento de seu ser, algo que ainda não é vem a ser, e algo, que agora é, passa a não ser. Em outros termos essa segunda proposição da dialética põe à mostra o caráter “processual” de toda a realidade.

 

A Razão na História

           A primeira aparição do método dialético em Hegel remonta ao período de Frankfurt. Nessa cidade, Hegel teria apreendido a conexão dos momentos do tempo, que faz deste último um processo criador irreversível, uma história. Embora Hegel admitia que a história, dentro de certa perspectiva, possa se constituir como um amontoado de fatos contingentes, mutáveis e sem significação, isso só se verifica do ponto de vista de um intelecto finito, ou seja, do indivíduo, o qual encara a história sob a óptica de seus ideais individuais, não sabendo como superar essas limitações. “O grande conteúdo da história do mundo”, afirma Hegel, “é racional, e deve ser racional”.

            

         A história do mundo pretende “que o espírito alcance o saber do que é verdadeiramente e objetive esse saber, o realize, fazendo dele um mundo existente, e se manifeste objetivamente a si mesmo: os princípios dos espíritos dos povos, em uma necessária e gradual sucessão, não passam de momentos do único espírito universal, o qual através deles, na história, se eleva e finaliza em uma totalidade autocompreensiva”.

            A soberania do espírito do mundo, tal como Hegel a descreve, comenta Marcuse, revela os traços sombrios de um mundo controlado pelas forças da história, em lugar de as controlar. Enquanto aquelas forças ainda ocultarem sua verdadeira essência, em sua esteira virão a miséria e a destruição. A história aparece então como o “patíbulo onde foram sacrificadas a felicidade dos povos, a sabedoria dos Estados, e a virtude dos indivíduos”. Ao mesmo tempo, porém, Hegel exalta o sacrifício da felicidade individual e geral que daí resulta. Ele chamou esse sacrifício de “ardil da razão”. Os indivíduos levam uma vida infeliz, trabalham arduamente e morrem; entretanto, embora jamais realizem seus desígnios, seu sofrimento e seu fracasso são os meios mesmos de sustentação da verdade e da liberdade. Um homem jamais colhe os frutos de seu trabalho; eles sempre ficam para as gerações futuras. As paixões e os interesses dos indivíduos não se apagam, porém – são dispositivos que amarram os homens ao serviço de um poder superior e de um interesse superior: “Pode-se achar a isso “ardil da razão”, que ela ponha as paixões a seu serviço, enquanto aquele que vive em tais impulsos paga o preço e sobre os danos”. É o triunfo da ideia, cuja significação mais profunda reside na identificação entre a razão e a história. A confiança nessa identificação induz Hegel a tentar estabelecer os traços principais do Estado racional, ou seja, ideal. Em um manuscrito de 1802, referente portanto ao período de Jena, Hegel desenvolve pela primeira vez a racionalidade daquilo que, mais tarde, denominará espírito objetivo, do qual o Estado constituiria a realização e o verdadeiro fundamento. No manuscrito intitulado “Sistema da Vida Ética” (ou “da Eticidade”), ao contrário do que ocorria em “A Constituição da Alemanha” (1799 a 1802), onde era afirmada a coexistência abstrata entre a força (pública) e a liberdade (privada), Hegel reparte as duas últimas em Estados sociais, Classes que estão intimamente ligadas em suas diferenças, pois é o mesmo Todo que se exprime nelas, em suas funções organicamente unidas. A liberdade privada econômica realiza-se na segunda classe, à burguesia, que vela pela subsistência material da primeira classe, a nobreza, a qual encarna força do Estado pelo trabalho universal da guerra, onde comanda a terceira classe, o campesinato. Enquanto organismo, porém, o Estado não possui apenas uma estrutura, tem também uma vida: tomando assim em seu movimento, ele é o governo que se articula em um centro fixo do movimento (governo absoluto), e nas direções desse movimento (governo universal). A história do mundo não seria mais do que “a sucessão de normas estatais, que constituem momentos de um devir absoluto”. Os três momentos dessa história, o mundo oriental, o mundo greco-romano e o mundo germânico, seriam os três momentos da realização da liberdade do espírito. Por outro lado, segundo Hegel, a vontade do indivíduo está em íntima relação com a vontade da comunidade e essa relação assumiu historicamente três formas: a democracia grega, a monarquia moderna e a moralidade. 


A Consciência Feliz



            Estreitamente vinculada à teoria da história e do Estado elaborada por Hegel, encontra-se sua teoria da alienação, cujo primeiro esboço data do período de Berna (1793 a 1796). Nessa época, surgiu em seu pensamento a noção de “positividade”, a qual continha um germe, no entender de Lukács, “o conceito filosófico central da “Fenomenologia do Espírito”, a alienação. Em Berna, Hegel recusou as ramificações sociais e culturais de todo poder político que fosse incompatível com a autonomia do sujeito moral; essas ramificações foram designadas por ele pela expressão “positividade”, tomada no sentido depreciativo como algo estranho, hostil, petrificado. Posteriormente, a positividade seria vista por Hegel como etapa histórica inelutável (contra o que não se pode vencer ou lutar) do processo de socialização, isto é, como alienação da consciência, tema central da “Fenomenologia do Espírito”. Nessa obra, a consciência, como se fosse protagonista de um romance do século XIX, faz o duro aprendizado do mundo: vai se enriquecendo com as ilusões que perde e a repetição desses desenganos sucessivos cristaliza-se numa espécie de sabedoria final a respeito da sociedade e da história. Nesse processo contínuo, a consciência se aliena, perdendo-se no mundo da cultura que ela própria vai moldando, sendo modificada e formada por ele. A positividade, que no pensamento hegeliano anterior oprimia a consciência como um destino enigmático, na “Fenomenologia” é experimentada como suporte social de sua própria realização.

            No processo de alienação da consciência, as instituições que o homem funda e a cultura que ele cria, diz Marcuse, interpretando Hegel, “acabam por desenvolver leis próprias, e a liberdade do homem tem que se submeter a elas. O homem é dominado pela riqueza em expansão de seu meio econômico, social e político, e vem a esquecer que seu livre desenvolvimento é a meta final de todas essas obras: em vez disso, rende-se a seu império. Os homens sempre procuram perpetuar uma cultura estabelecida; assim fazendo, perpetuam sua própria frustração”.

 

A Herança Hegeliana

 

           Sem humor negro, Hegel via nesse rosário de frustrações o avesso necessário de reconciliação com a realidade social. Na mesma medida em que a razão “astuciosa”, ao urdir a trama da história, põe a realização dos interesses particulares a serviço da reprodução da sociedade, ela entrava o livre curso das aspirações e ideais do indivíduo isolado. Esse realismo desabusado é a contrapartida irrecusável do otimismo que inspira a noção de “ardil da razão”. De resto, eles são indissociáveis, pois o processo de alienação do sujeito, sendo também o de sua formação, encerra a promessa de sua própria supressão: ponto de equilíbrio entrevisto por Hegel no funcionamento da sociedade sob a égide de um Estado Racional.
 
           Logo após a morte de Hegel, sua obra foi saudada entusiasticamente por alguns e violentamente criticada por outros. O primeiro sinal de divisão entre seus próprios adeptos encontra no livro de David Friedrich Strauss (1808 a 1874), “A Vida de Jesus”, publicada em 1835, quatro anos após a morte do filósofo. A partir daí, dividiram-se os hegelianos em direita ortodoxa e esquerda radical. A primeira cristalizou-se, adotando o conteúdo doutrinário do hegelianismo, sobretudo a tese política de que o Estado é a mais alta realização do espírito absoluto. Os velhos hegelianos (como também são conhecidos os representantes da direita) desenvolveram-se em sentidos diversos, mas sempre partindo dos conceitos básicos formulados por Hegel. Deles se costuma aproximar o grupo dos moderados que se dedicaram, principalmente, a trabalhos de história da filosofia. Tanto uns quanto outros, no entanto, são considerados em geral como ortodoxos e conservadores. O pensador Karl Ludwig Michelet (1801 a 1893), por exemplo, considerava Hegel um filósofo irrefutável e procurou investigar as possibilidades de aplicação do sistema hegeliano às ciências empíricas. Michelet afirmava que a filosofia de seu mestre poderia concordar com o cristianismo e, nesse sentido, equiparou a tríade dialética hegeliana (tese, antítese e síntese) à Trindade.

Ludwig Feuerbach
            A esquerda hegeliana adotou o método dialético e aplicou-o à análise dos problemas políticos, invertendo o conteúdo das doutrinas de Hegel e opondo-se ao regime dominante da Alemanha da época. Entre os jovens hegelianos destacam-se, além de David Friedrich Strauss, Bruno Bauer (1809 a 1872), Max Stirner (1806 a 1856), Arnold Ruge (1802 a 1880) e Ludwig Feuerbach (1804 a 1872), Feuerbach, o mais conhecido representante da esquerda hegeliana, considerou necessário desmascarar (em sua própria expressão) a teologia especulativa de Hegel, pois, em seu entender, o fantasma da teologia percorre todo o pensamento hegeliano. Dever-se-ia denunciar, sobretudo, a suposta objetivação do espírito por meio da religião. Diante da tese de que o mundo é um produto do espírito (tese hegeliana a seu ver), Feuerbach sustenta que o espírito não é senão a palavra que designa o conjunto dos fenômenos históricos, o universo, a natureza. E esta é que seria a realidade primária. Por outro lado, Feuerbach, como outros hegelianos de esquerda, caminhou no sentido de substituir a teologia hegeliana por uma antropologia, tese que desenvolveu, principalmente, em “A Essência do Cristianismo”. Foi a partir de Feuerbach que Engels (1820 a 1895) e Karl Marx (1818 a 1883) desenvolveram a dialética materialista e o materialismo histórico.

            Por outro lado, a diversificação da escola hegeliana e o progressivo ceticismo com relação às pretensões absolutistas dos sistema idealistas alemães provocaram forte reação anti-hegeliana. Alguns, como Kierkegaard (1813 a 1855) e Nietzsche (1844 a 1900), salientaram o caráter existencial do homem frente à unilateralidade da razão e da abstração hegelianas; outros atacaram o caráter especulativo da filosofia de Hegel e defenderam uma visão materialista e naturalista, ou uma filosofia fundada na análise do caráter científico.

            Apesar de todos esses ataques, o hegelianismo difundiu-se por todo o ocidente em diversas tendências. Na França, a escola de Victor Cousin (1792 a 1867) baseou-se em Hegel para chegar ao ecletismo espiritualista. Na Inglaterra, o hegelianismo estendeu-se amplamente como movimento oposto ao empirismo e à filosofia do senso comum, ligando-se à linha platônica do pensamento inglês. Mas foi sobretudo na Itália que o hegelianismo de orientação “direitista” ou moderada deitou raízes mais profundas, inúmeros foram os representantes desse neo-hegelianismo, cabendo, cabendo destaque especial a Giovanni Gentile (1875 a 1944) e a Benedetto Croce (1866 a 1952). Nos Estados Unidos surgiram vários representantes do pensamento de Hegel, sobretudo em torno da Sociedade Filosófica de Saint Louis. O nome mais importante da filosofia estado-unidense que se costuma aproximar de Hegel é o de Josiah Royce (1855 a 1916). Na Rússia, desde a morte de Hegel, surgiram vários adeptos de seu pensamento; também aí a corrente hegeliana dividiu-se em direita e esquerda, em função de posições políticas.


 
        Além desses grupos e nomes principais, muitos outros, de uma forma ou de outra, vinculam-se ao hegelianismo. A diferenciação do legado hegeliano levou Merleau-Ponty(1908 a 1961) a afirmar que existem vários Hegel, de tal modo que dar uma interpretação de seu pensamento “é tomar partido sobre todos os problemas filosóficos, políticos e religiosos de nosso século” (no caso, o XX).




The End



Cronologia

1770

Em Stutgart, a 27 de agosto, nasce Georg Wilhelm Friedrich Hegel

1776

Proclamação da Independência dos Estados Unidos da América do Norte;

1789

Com a Tomada da Bastilha, eclode a Revolução Francesa;

1790

Hegel obtém o grau de Magister Philosophiae no Seminário Teológico de Tübingen;

1795

Publica “A Vida de Jesus”;

1797

Schelling publica as “Ideias para uma Filosofia da Natureza”;

1804

Napoleão torna-se o primeiro imperador dos franceses;

1805

Recomendado por Goethe, Hegel é nomeado professor extraordinário em Jena;

1806/1807

Publicação da “Fenomenologia do Espírito” de Hegel;

1811

Casa-se com Marie Von Tucher;

1816

É nomeado para a cátedra de filosofia da Universidade de Heidelberg;

1817

Publica a “Enciclopédia das Ciências Filosóficas”;

1818

Torna-se catedrático de filosofia na Universidade de Berlim. Nasce Karl Marx;

1819

Surge “O Mundo como Vontade e Representação”, de Schopenhauer;

1820

Nasce Friedrich Engels;

1821

São publicados os “Princípios da Filosofia do Direito”, de Hegel;

1826

Mendelssohn compõe “Sonho de uma Noite de Verão”;

1830

Queda de Carlos X; Luís Filipe é o novo rei da França;

1831

Acometido de cólera, morre Hegel.

 

HEGEL, George Wilhelm Friedrich. Coleção “Os Pensadores”. 3ª Edição. Consultoria Paulo Eduardo Arantes. Traduções de Henrique Cláudio de Lima Vaz, Orlando Vitorino e Antônio Pinto de Carvalho. Abril S/A Cultural. São Paulo, 1985 – pp. VIII – XX.

Textos contido nesta obra:

1.     A Fenomenologia do Espírito;

2.     Estética – A Ideia e o Ideal;

3.     Estética – O Belo Artístico ou o Ideal;

4.     Introdução à História da Filosofia.

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