Seção Correio da Revista CAROS AMIGOS N.º 96 de 14 de março de 2003
UMA GUERRA COLONIAL
por Waldir Rampinelli
Os Estados Unidos
estão prestes a cometer um dos maiores massacres da história: a guerra contra o
Iraque. Segundo as Nações Unidas, cerca de 10 milhões de iraquianos sofrerão
diretamente as agruras desse genocídio, entre mortos, feridos, refugiados e
traumatizados. Hitler é lembrado como o grande carniceiro do século 20 por ter
exterminado 6 milhões de judeus.
As manifestações
populares contra a guerra, nas mais diversas partes do mundo, têm acusado
George W. Bush de trocar sangue por petróleo. É uma das verdades, já que em
2022 os Estados Unidos comprarão, no exterior, dois de cada três barris
consumidos. Bush declarou que a segurança energética é uma das principais
estratégias de sua política externa.
No entanto, o
Pentágono tem uma geoestratégia muito mais importante que a dominação do
petróleo iraquiano, qual seja o controle de uma região que é o centro do poder
mundial: a Euronásia. Hitler e Stálin, nas negociações secretas ocorridas em
novembro de 1940, já haviam acordado em excluir os Estados Unidos da Euronásia,
pois não queriam encontrar obstáculos em seus planos de conquista.
A potência que
dominar a Euronásia, segundo Brzezinski, poderá controlar duas das três regiões
mais produtivas do mundo; 75% da população terrestre; 60% do PNB global; três
quartos dos recursos energéticos conhecidos; seis das economias mais
importantes da Terra; seis países com armas nucleares; dois com uma densidade
demográfica enorme e aspirações hegemônicas regionais; enfim, todos aqueles
Estados capazes de desafiar a supremacia estadunidense. O poder acumulado dos
países da Euronásia chega a superar o do Pentágono algumas vezes. Logo, poderia
estar ali um rival de Washington (Zbigniew Brzezinski, El gran Tablero
Mundial, Barcelona, Paidós, 1998).
Os Estados Unidos,
durante a Guerra Fria, utilizaram-se da Europa para conter e controlar parte da
Ásia. O Plano Marshall, a Organização do Tratado do Atlântico Norte, os acordos
militares bilaterais foram algumas das estratégias usadas. No entanto, com o
desmoronamento da União Soviética, o antiamericanismo francês se torna política
de Estado e o desejo de independência alemã vira ousadia de alguns de
seus dirigentes. Por isso, uma Europa em expansão, que se converta em uma
cabeça de ponte para a dominação estadunidense da Ásia, mostra, a cada dia que
passa, sinais de resistência. A queda dos símbolos de dominação dos Estados
Unidos, no 11 de setembro, foi comemorada com júbilo em círculos políticos
restritos europeus. Daí a necessidade de uma guerra não apenas contra o Iraque,
mas também de submissão européia.
Esse genocídio -
política de destruição em massa e sistemática de um povo e de sua nação - trará
conseqüências imediatas no conjunto das relações internacionais: a) descrédito
iraquiano generalizado dos organismos internacionais multilaterais, de modo
especial as Nações Unidas; b) aumento do terrorismo de grupos em proporção
direta ao terrorismo estatal; c) crescimento do sentimento antiamericano, que
em um segundo momento poderá se transformar em uma consciência
antiimperialista; d) possibilidade de potências regionais medianas aumentarem
sua hegemonia em contraposição ao poder imperial.
E a população dos
Estados Unidos que atitude tem diante desse remapeamento do mundo que dá ao seu
presidente um poder sem limites e um domínio sem igual?
O historiador Paul Kennedy mostra que há um distanciamento muito grande entre os políticos e intelectuais conservadores e o estadunidense comum. As amostragens de opinião, realizadas ao longo de 2002, indicam, cada vez mais, um público prudente e internacionalista. Por sua vez, as pesquisas de deliberação, feitas com pessoas que se reúnem durante um fim de semana para debater em pequenos grupos assuntos internos e externos, com assessoria de especialistas e leituras previamente preparadas, apresentam um resultado ainda mais desfavorável aos planos imperialistas e neocoloniais da Casa Branca. Entrevistados antes e depois de sua reunião prolongada, os dados mudam completamente. Se antes apenas 20% dos inquiridos eram favoráveis a que os Estados Unidos prestassem ajuda externa aos países pobres, depois esse número alcança a cifra de 53%; se antes os participantes defendiam uma política estreita, isolacionista e unilateral, depois passaram a votar por soluções internacionalistas. Nas palavras do professor James Fishkin - da Universidade do Texas e criador desse método -, as pessoas começam o final de semana como cidadãos estadunidenses e terminam como cidadãos globais.
O historiador Paul Kennedy mostra que há um distanciamento muito grande entre os políticos e intelectuais conservadores e o estadunidense comum. As amostragens de opinião, realizadas ao longo de 2002, indicam, cada vez mais, um público prudente e internacionalista. Por sua vez, as pesquisas de deliberação, feitas com pessoas que se reúnem durante um fim de semana para debater em pequenos grupos assuntos internos e externos, com assessoria de especialistas e leituras previamente preparadas, apresentam um resultado ainda mais desfavorável aos planos imperialistas e neocoloniais da Casa Branca. Entrevistados antes e depois de sua reunião prolongada, os dados mudam completamente. Se antes apenas 20% dos inquiridos eram favoráveis a que os Estados Unidos prestassem ajuda externa aos países pobres, depois esse número alcança a cifra de 53%; se antes os participantes defendiam uma política estreita, isolacionista e unilateral, depois passaram a votar por soluções internacionalistas. Nas palavras do professor James Fishkin - da Universidade do Texas e criador desse método -, as pessoas começam o final de semana como cidadãos estadunidenses e terminam como cidadãos globais.
Kennedy, com base
nesses estudos, chega a três conclusões: a) os Estados Unidos, apesar de se
autointitularem a capital do conhecimento universal, dispõem de sistemas
educativos, assim como de meios de comunicação, que não passam para o homem e a
mulher comum o que acontece no mundo; b) o autoritarismo da Casa Branca
enfraquece o direito internacional e abre perigosos precedentes para que outros
governos resolvam seus problemas por meio de ações unilaterais; c) a democracia
tende a se enfraquecer cada vez mais.
Tudo isso leva o
mundo a incertezas quanto a seu futuro, já que se fica à mercê de guerreiros
belicosos e fundamentalistas religiosos que nada mais vêem do que o poder e o
lucro. As políticas ultra-imperialistas enunciadas na doutrina Bush são uma
verdadeira ameaça para toda a humanidade, já que procedem da mesma lógica
hitleriana: modificar, por meio da violência militar, as relações econômicas e
sociais em favor do herrenvolk (direito de um povo superior a escravizar outro
racialmente inferior) do momento.
Razão tem a escritora
estadunidense Susan Sontag quando diz que loucos existem nos Estados Unidos e
no Brasil. No entanto, com uma grande diferença, "já que os nossos
chegaram ao poder".
Waldir José
Rampinelli
é professor da UFSC, com doutorado em ciências sociais pela PUC/SP.
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