BREVE HISTÓRICO DA EUTANÁSIA
Prof. José Roberto Goldim
Diversos povos, como os celtas
tinham por hábito que os filhos matassem os seus pais quando estes estivessem
velhos e doentes. Na Índia os doentes incuráveis eram levados até a beira do
rio Ganges, onde tinham as suas narinas e a boca obstruídas com o barro. Uma
vez feito isto eram atirados ao rio para morrerem. Na própria Bíblia tem uma
situação que evoca a eutanásia, no segundo livro de Samuel.
A discussão acerca dos valores
sociais, culturais e religiosos envolvidos na questão da eutanásia vem desde a
Grécia antiga. Por exemplo, Platão, Sócrates e Epicuro defendiam a ideia de que
o sofrimento resultante de uma doença dolorosa justificava o suicídio. Em Marselha, neste período,
havia um depósito público de cicuta a disposição de todos. Aristóteles,
Pitágoras e Hipócrates, ao contrário, condenavam o suicídio. No juramento de
Hipócrates consta: "eu
não darei qualquer droga fatal a uma pessoa, se me for solicitado, nem
sugerirei o uso de qualquer uma deste tipo". Desta forma a escola
hipocrática se já se posicionava contra o que hoje tem a denominação de
eutanásia e de suicídio assistido.
Estas discussões não ficaram
restritas apenas a Grécia. Cleópatra VII (69aC-30aC) criou no Egito uma "Academia"
para estudar formas de morte menos dolorosas.
A discussão sobre o tema,
prosseguiu o longo da história da humanidade, com a participação de Lutero,
Thomas Morus (Utopia), David Hume (On suicide), Karl Marx (Medical Euthanasia)
e Schopenhauer. No século passado, o seu apogeu foi em 1895, na então Prússia,
quando, durante a discussão do seu plano nacional de saúde, foi proposto que o
Estado deveria prover os meios para a realização de eutanásia em pessoas que se
tornaram incompetentes para solicitá-la.
No século XX, esta discussão teve
um de seus momentos mais acalorados entre as décadas de 20 e 40. Foi enorme o
número de exemplos de relatos de situações que foram caracterizadas como
eutanásia, pela imprensa leiga, neste período. O Prof. Jiménez de Asúa catalogou mais de 34 casos. No Brasil,
na Faculdade de Medicina da Bahia, mas também no Rio de Janeiro e em São Paulo,
inúmeras teses foram desenvolvidas neste assunto entre 1914 e 1935. Na Europa,
especialmente, muito se falou de eutanásia associando-a com eugenia (superioridade de uma raça
sobre outras). Esta proposta buscava justificar a eliminação de deficientes,
pacientes terminais e portadores de doenças consideradas indesejáveis. Nestes
casos, a eutanásia era, na realidade, um instrumento de "higienização
social", com a finalidade de buscar a perfeição ou o aprimoramento de uma
"raça", nada tendo a ver com compaixão, piedade ou direito para
terminar com a própria vida.
Em 1931, na Inglaterra, o Dr.
Millard, propôs uma Lei para Legalização da Eutanásia Voluntária, que foi
discutida até 1936, quando a Câmara dos Lordes a rejeitou. Esta sua proposta
serviu, posteriormente, de base para o modelo holandês. Durante os debates, em
1936, o médico real, Lord Dawson,
revelou que tinha "facilitado" a morte do Rei George V, utilizando
morfina e cocaína.
O Uruguai, em 1934, incluiu a
possibilidade da eutanásia no seu Código
Penal, através da possibilidade do "homicídio piedoso". Esta
legislação uruguaia possivelmente seja a primeira regulamentação nacional sobre
o tema. Vale salientar que esta legislação continua em vigor até o presente. A
doutrina do Prof. Jiménez de Asúa,
penalista espanhol, proposta em 1925, serviu de base para a legislação
uruguaia.
Em outubro de 1939 foi iniciado o programa nazista de eutanásia, sob o
código "Aktion T 4". O objetivo inicial era eliminar as pessoa que
tinham uma "vida que não merecia ser vivida". Este programa
materializou a proposta teórica da "higienização social".
Em 1954, o teólogo episcopal
Joseph Fletcher, publicou um livro denominado "Morals and Medicine",
onde havia um capítulo com título "Euthanasia: our rigth to die". A
Igreja Católica, em 1956, posicionou-se de forma contrária a eutanásia por ser
contra a "lei de Deus". O Papa Pio XII, numa alocução a médicos, em
1957, aceitou, contudo, a possibilidade de que a vida possa ser encurtada como
efeito secundário a utilização de drogas para diminuir o sofrimento de
pacientes com dores insuportáveis, por exemplo. Desta forma, utilizando o
princípio do duplo efeito, a
intenção é diminuir a dor, porém o efeito, sem vínculo causal, pode ser a morte
do paciente.
Em 1968, a Associação Mundial de
Medicina adotou uma resolução contrária a eutanásia.
Em 1973, na Holanda, uma médica
geral, Dra. Geertruida Postma,
foi julgada por eutanásia, praticada em sua mãe, com uma dose letal de morfina.
A mãe havia feito reiterados pedidos para morrer. Foi processada e condenada
por homicídio, com uma pena de prisão de uma semana (suspensa), e liberdade
condicional por um ano. Neste julgamento foram estabelecidos os critérios para
ação do médico.
Em 1980, o Vaticano divulgou uma Declaração sobre Eutanásia, onde
existe a proposta do duplo efeito e a da descontinuação de tratamento
considerado fútil.
Em 1981, a Corte de Rotterdam
revisou e estabeleceu os critérios para o auxílio à morte. Em 1990, a
Real Sociedade Médica dos Países Baixos e o Ministério da Justiça estabeleceram
uma rotina de notificação para os casos de eutanásia, sem
torná-la legal, apenas isentando o profissional de procedimentos criminais.
Em 1991, houve uma tentativa
frustrada de introduzir a eutanásia no Código Civil da Califórnia/EEUU. Neste mesmo ano a
Igreja Católica, através de uma Carta
do Papa João Paulo II aos bispos,
reiterou a sua posição contrária ao aborto e a eutanásia, destacando a
vigilância que as escolas e hospitais católicos deveriam exercer na discussão
destes temas.
Os Territórios do Norte da Austrália, em
1996, aprovaram uma lei que possibilita formalmente a eutanásia. Meses após
esta lei foi revogada, impossibilitando a realização da eutanásia na Austrália.
Em 1996, foi proposto um projeto
de lei no Senado Federal (projeto de lei 125/96), instituindo a possibilidade
de realização de procedimentos de eutanásia no Brasil. A sua avaliação nas
comissões especializadas não prosperou.
Em maio de 1997 a Corte Constitucional da Colômbia estabeleceu que "ninguém pode
ser responsabilizado criminalmente por tirar a vida de um paciente terminal que
tenha dado seu claro consentimento". Esta
posição estabeleceu um grande debate nacional entre as correntes favoráveis e
contrárias. Vale destacar que a Colômbia foi o primeiro país sul-americano a
constituir um Movimento de Direito à Morte, criado em 1979.
Em outubro de 1997 o estado do
Oregon, nos Estados Unidos, legalizou o suicídio
assistido, que foi interpretado erroneamente, por muitas pessoas e meios de
comunicação, como tendo sido autorizada a prática da eutanásia.
Em novembro de 2000 a Câmara de
Representantes dos Países Baixos aprovou, com uma parte do plenário se
manifestando contra, uma legislação sobre morte assistida. Esta lei permitirá
inclusive que menores de idade possam solicitar este procedimento. Falta ainda
a aprovação pelo Senado, mas a aprovação é dada como certa. Esta lei
apenas torna legal um procedimento que já era consentido pelo Poder Judiciário
holandês. A repercussão mundial foi muito grande com forte posicionamento do
Vaticano afirmando que esta lei atenta contra a dignidade humana.
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