Olavo
Brás Martins dos Guimarães BILAC
Nasceu
no Rio de Janeiro em 16 de dezembro de 1865 e faleceu também no Rio de Janeiro
em 28 de dezembro de 1918. Foi jornalista, contista, cronista e poeta
brasileiro, considerado o principal representante do parnasianismo (*) no país. Foi
membro fundador da Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira 15 da
instituição, cujo patrono era Gonçalves Dias.
Conhecido
por sua atenção à literatura infantil e, principalmente, pela participação
cívica, Bilac era um ativo republicano e nacionalista, também defensor do
serviço militar obrigatório em um período que o exército usufruía de amplas
faculdades políticas em virtude da Proclamação da República em 1889.
Foi
responsável pela criação da letra do Hino à Bandeira, inicialmente criado para
circulação na capital federal (na época o Rio de Janeiro), e mais tarde sendo
adotado em todo o Brasil. Também ficou famoso pelas fortes convicções
políticas, sobressaindo-se a ferrenha oposição ao governo militar do marechal
Floriano Peixoto.
Em
1907, foi eleito “príncipe dos poetas brasileiros” pela revista Fon-Fon. É
autor de alguns dos mais populares poemas brasileiros, como os sonetos Ora
(direis) ouvir Estrelas e Língua Portuguesa. (Fonte: Wikipédia)
Via-Láctea
(Olavo Bilac)
I
Talvez sonhasse, quando a vi. Mas via
Que, aos raios do luar iluminada,
Entre as estrelas trêmulas subia
Uma infinita e cintilante escada.
E eu olhava-a de baixo, olhava-a.... Em cada
Degrau, que o ouro mais límpido vestia,
Mudo e sereno, um anjo a harpa doirada,
Ressoante de súplicas feria...
Tu, mãe sagrada! vós também, formosas
Ilusões! Sonhos meus! Íeis por ela
Como um bando de sombras vaporosas.
E, ó meu amor! eu te buscava, quando
Vi que no alto surgias, calma e bela,
O olhar celeste para o meu baixando...
II
Tudo ouvirás, pois que, bondosa e pura,
Me ouves agora com melhor ouvido:
Toda a ansiedade, todo o mal sofrido
Em silêncio, na antiga desventura...
Hoje, quero, em teus braços acolhido,
Rever a estrada pavorosa e escura
Onde, ladeando o abismo da loucura,
Andei de pesadelos perseguido.
Olha-a: torce-se toda na infinita
Volta dos sete círculos do inferno...
E nota aquele vulto: as mãos eleva,
Tropeça, cai, soluça, arqueja, grita,
Buscando um coração que foge, e eterno
Ouvindo-o perto palpitar na treva.
III
Tantos esparsos vi profusamente
Pelo
caminho que, a chorar, trilhava!
Tantos
havia, tantos! E eu passava
Por
todos eles frio e indiferente...
Enfim!
enfim! Pude com a mão tremente
Achar
na treva aquele que buscava...
Por
que fugias, quando eu te chamava,
Cego
e triste, tateando, ansiosamente?
Vim
de longe, seguindo de erro em erro,
Teu
fugitivo coração buscando
E
vendo apenas corações de ferro.
Pude,
porém, tocá-lo soluçando...
E
hoje, feliz, dentro do meu o encerro,
E
ouço-o, feliz, dentro do meu pulsando.
IV
Como
a floresta secular, sombria,
Virgem
do passo humano e do machado,
Onde
apenas, horrendo, ecoa o brado
Do
tigre, e cuja agreste ramaria
Não
atravessa nunca a luz do dia,
Assim
também, da luz do amor privado,
Tinhas
o coração ermo e fechado,
Como
a floresta secular, sombria...
Hoje,
entre os ramos, a canção sonora
Soltam
festivamente os passarinhos.
Tinge
o cimo das árvores a aurora...
Palpitam
flores, estremecem ninhos...
E
o sol do amor, que não entrava outrora,
Entra
dourando a areia dos caminhos.
V
Dizem
todos: "Outrora como as aves
Inquieta,
como as aves tagarela,
E
hoje... que tens? Que sisudez revela
Teu
ar! que ideias e que modos graves!
Que
tens, para que em pranto os olhos laves?
Sê
mais risonha, que serás mais bela!"
Dizem.
Mas no silêncio e na cautela
Ficas
firme e trancada a sete chaves...
E
um diz: "Tolices, nada mais!" Murmura
Outro:
"Caprichos de mulher faceira!"
E
todos eles afinal: "Loucura!"
Cegos
que vos cansais a interrogá-la!
Vê-la
bastava; que a paixão primeira
Não
pela voz, mas pelos olhos fala.
VI
Em
mim também, que descuidado vistes,
Encantado
e aumentando o próprio encanto,
Tereis
notado que outras cousas canto
Muito
diversas das que outrora ouvistes.
Mas
amastes, sem dúvida... Portanto,
Meditais
nas tristezas que sentistes:
Que
eu, por mim, não conheço cousas tristes,
Que
mais aflijam, que torturem tanto.
Quem
ama inventa as penas em que vive:
E,
em lugar de acalmar as penas, antes
Busca
novo pesar com que as avive.
Pois
sabei que é por isso que assim ando:
Que
é dos loucos somente e dos amantes
Na
maior alegria andar chorando.
VII
Não
têm faltado bocas de serpentes,
(Dessas
que amam falar de todo o mundo,
E
a todo o mundo ferem, maldizentes)
Que
digam: "Mata o teu amor profundo!
Abafa-o,
que teus passos imprudentes
Te
vão levando a um pélago sem fundo...
Vais
te perder!" E, arreganhando os dentes,
Movem
para o teu lado o olhar imundo:
"Se
ela é tão pobre, se não tem beleza,
Irás
deixar a glória desprezada
E
os prazeres perdidos por tão pouco?
Pensa
mais no futuro e na riqueza!"
E
eu penso que afinal... Não penso nada:
Penso
apenas que te amo como um louco!
VIII
Em
que céus mais azuis, mais puros ares,
Voa
pomba mais pura? Em que sombria
Moita
mais nívea flor acaricia,
A
noite, a luz dos límpidos luares?
Vives
assim, como a corrente fria,
Que,
intemerata, aos trêmulos olhares
Das
estrelas e à sombra dos palmares,
Corta
o seio das matas, erradia.
E
envolvida de tua virgindade,
De
teu pudor na cândida armadura,
Foges
o amor, guardando a castidade,
-
Como as montanhas, nos espaços francos
Erguendo
os altos píncaros, a alvura
Guardam
da neve que lhes cobre os flancos.
IX
De
outras sei que se mostram menos frias,
Amando
menos do que amar pareces.
Usam
todas de lágrimas e preces:
Tu
de acerbas risadas e ironias.
De
modo tal minha atenção desvias,
Com
tal perícia meu engano teces,
Que,
se gelado o coração tivesses,
Certo,
querida, mais ardor terias.
Olho-te:
cega ao meu olhar te fazes...
Falo-te
- e com que fogo a voz levanto! -
Em
vão... Finges-te surda às minhas frases...
Surda:
e nem ouves meu amargo pranto!
Cega:
e nem vês a nova dor que trazes
À
dor antiga que doía tanto!
X
Deixa
que o olhar do mundo enfim devasse
Teu
grande amor que e teu maior segredo!
Que
terias perdido, se, mais cedo,
Todo
o afeto que sentes se mostrasse?
Basta
de enganos! Mostra-me sem medo
Aos
homens, afrontando-os face a face:
Quero
que os homens todos, quando eu passe,
Invejosos,
apontem-me com o dedo.
Olha:
não posso mais! Ando tão cheio
Deste
amor, que minh'alma se consome
De
te exaltar aos olhos do universo.
Ouço
em tudo teu nome, em tudo o leio:
E,
fatigado de calar teu nome,
Quase
o revelo no final de um verso.
XI
Todos
esses louvores, bem o viste,
Não
conseguiram demudar-me o aspecto:
Só
me turbou esse louvor discreto
Que
no volver dos olhos traduziste...
Inda
bem que entendeste o meu afeto
E,
através destas rimas, pressentiste
Meu
coração que palpitava, triste,
E
o mal que havia dentro em mim secreto.
Ai
de mim, se de lágrimas inúteis
Estes
versos banhasse, ambicionando
Das
néscias turbas os aplausos fúteis!
Dou-me
por pago, se um olhar lhes deres:
Fi-los
pensando em ti, fi-los pensando
Na
mais pura de todas as mulheres.
XII
Sonhei
que me esperavas. E, sonhando,
Saí,
ansioso por te ver: corria...
E
tudo, ao ver-me tão depressa andando,
Soube
logo o lugar para onde eu ia.
E
tudo me falou, tudo! Escutando
Meus
passos, através da ramaria,
Dos
despertados pássaros o bando:
"Vai
mais depressa! Parabéns!" dizia.
Disse
o luar: "Espera! que eu te sigo:
Quero
também beijar as faces dela!"
E
disse o aroma: "Vai, que eu vou contigo!"
E
cheguei. E, ao chegar, disse uma estrela:
"Como
és feliz! como és feliz, amigo,
Que
de tão perto vais ouvi-la e vê-la!"
XIII
"Ora (direis) ouvir
estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu
vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita
vez desperto
E abro as janelas, pálido de
espanto...
E conversamos toda a noite,
enquanto
A Via-Láctea, como um pálio
aberto,
Cintila. E, ao vir do sol,
saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu
deserto.
Direis agora:
"Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que
sentido
Tem o que dizem, quando
estão contigo?"
E eu vos direi: "Amai
para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter
ouvido
Capaz de ouvir e de entender
estrelas".
XIV
Viver
não pude sem que o fel provasse
Desse
outro amor que nos perverte e engana:
Porque
homem sou, e homem não há que passe
Virgem
de todo pela vida humana.
Por
que tanta serpente atra e profana
Dentro
d'alma deixei que se aninhasse?
Por
que, abrasado de uma sede insana,
A
impuros lábios entreguei a face?
Depois
dos lábios sôfregos e ardentes,
Senti
- duro castigo aos meus desejos -
O
gume fino de perversos dentes...
E
não posso das faces poluídas
Apagar
os vestígios desses beijos
E
os sangrentos sinais dessas feridas!
XV
Inda
hoje, o livro do passado abrindo,
Lembro-as
e punge-me a lembrança delas;
Lembro-as,
e vejo-as, como as vi partindo,
Estas
cantando, soluçando aquelas.
Umas,
de meigo olhar piedoso e lindo,
Sob
as rosas de neve das capelas;
Outras,
de lábios de coral, sorrindo,
Desnudo
o seio, lúbricas e belas...
Todas,
formosas como tu, chegaram,
Partiram...
e, ao partir, dentro em meu seio
Todo
o veneno da paixão deixaram.
Mas,
ah! nenhuma teve o teu encanto,
Nem
teve olhar como esse olhar, tão cheio
De
luz tão viva, que abrasasse tanto!
XVI
Lá
fora, a voz do vento ulule rouca!
Tu,
a cabeça no meu ombro inclina,
E
essa boca vermelha e pequenina
Aproxima,
a sorrir, de minha boca!
Que
eu a fronte repouse ansiosa e louca
Em
teu seio, mais alvo que a neblina
Que,
nas manhãs hiemais, úmida e fina,
Da
serra as grimpas verdejantes touca!
Solta
as tranças agora, como um manto!
Canta!
Embala-me o sono com teu canto!
E
eu, aos raios tranquilos desse olhar,
Possa
dormir sereno, como o rio
Que,
em noites calmas, sossegado e frio,
Dorme
aos raios de prata do luar! ...
XVII
Por
estas noites frias e brumosas
É
que melhor se pode amar, querida!
Nem
uma estrela pálida, perdida
Entre
a névoa, abre as pálpebras medrosas...
Mas
um perfume cálido de rosas
Corre
a face da terra adormecida...
E
a névoa cresce, e, em grupos repartida,
Enche
os ares de sombras vaporosas:
Sombras
errantes, corpos nus, ardentes
Carnes
lascivas... um rumor vibrante
De
atritos longos e de beijos quentes...
E
os céus se estendem, palpitando, cheios
Da
tépida brancura fulgurante
De
um turbilhão de braços e de seios.
XVIII
Dormes...
Mas que sussurro a umedecida
Terra
desperta? Que rumor enleva
As
estrelas, que no alto a Noite leva
Presas,
luzindo, à túnica estendida?
São
meus versos! Palpita a minha vida
Neles,
falenas que a saudade eleva
De
meu seio, e que vão, rompendo a treva,
Encher
teus sonhos, pomba adormecida!
Dormes,
com os seios nus, no travesseiro
Solto
o cabelo negro... e ei-los correndo,
Doudejantes,
subtis, teu corpo inteiro...
Beijam-te
a boca tépida e macia,
Sobem,
descem, teu hálito sorvendo...
Por
que surge tão cedo a luz do dia?!...
XIX
Sai
a passeio, mal o dia nasce,
Bela,
nas simples roupas vaporosas;
E
mostra às rosas do jardim as rosas
Frescas
e puras que possui na face.
Passa.
E todo o jardim, por que ela passe,
Atavia-se.
Há falas misteriosas
Pelas
moitas, saudando-a respeitosas...
É
como se uma sílfide passasse!
E
a luz cerca-a, beijando-a. O vento é um choro...
Curvam-se
as flores trêmulas... O bando
Das
aves todas vem saudá-la em coro...
E
ela vai, dando ao sol o rosto brando,
Às
aves dando o olhar, ao vento o louro
Cabelo,
e às flores os sorrisos dando...
XX
Olha-me!
O teu olhar sereno e brando
Entra-me
o peito, como um largo rio
De
ondas de ouro e de luz, límpido, entrando
O
ermo de um bosque tenebroso e frio.
Fala-me!
Em grupos doudejantes, quando
Falas,
por noites cálidas de estio,
As
estrelas acendem-se, radiando,
Altas,
semeadas pelo céu sombrio.
Olha-me
assim! Fala-me assim! De pranto
Agora,
agora de ternura cheia,
Abre
em chispas de fogo essa pupila...
E
enquanto eu ardo em sua luz, enquanto
Em
seu fulgor me abraso, uma sereia
Soluce
e cante nessa voz tranquila!
XXI
A
minha mãe.
Sei
que um dia não há (e isso é bastante
A
esta saudade, mãe!) em que a teu lado
Sentir
não julgues minha sombra errante,
Passo
a passo a seguir teu vulto amado.
-
Minha mãe! minha mãe! - a cada instante
Ouves.
Volves, em lágrimas banhado,
O
rosto, conhecendo soluçante
Minha
voz e meu passo costumado.
E
sentes alta noite no teu leito
Minh'alma
na tua alma repousando,
Repousando
meu peito no teu peito...
E
encho os teus sonhos, em teus sonhos brilho,
E
abres os braços trêmulos, chorando,
Para
nos braços apertar teu filho!
XXII
A
Goethe.
Quando
te leio, as cenas animadas
Por
teu gênio, as paisagens que imaginas,
Cheias
de vida, avultam repentinas,
Claramente
aos meus olhos desdobradas...
Vejo
o céu, vejo as serras coroadas
De
gelo, e o sol, que o manto das neblinas
Rompe,
aquecendo as frígidas campinas
E
iluminando os vales e as estradas.
Ouço
o rumor soturno da charrua,
E
os rouxinóis que, no carvalho erguido,
A
voz modulam de ternuras cheia:
E
vejo, à luz tristíssima da lua,
Hermann,
que cisma, pálido, embebido
No
meigo olhar da loura Dorotéia.
XXIII
De
Calderón.
Laura!
dizes que Fábio anda ofendido
E,
apesar de ofendido, namorado,
Buscando
a extinta chama do passado
Nas
cinzas frias avivar do olvido.
Vá
que o faça, e que o faça por perdido
De
amor... Creio que o faz por despeitado:
Porque
o amor, uma vez abandonado,
Não
torna a ser o que já tinha sido.
Não
lhe creias nos olhos nem na boca,
Inda
mesmo que os vejas, como pensas,
Mentir
carícias, desmentir tristezas...
Porque
finezas sobre arrufos, louca,
Finezas
podem ser; mas, sobre ofensas,
Mais
parecem vinganças que finezas.
XXIV
A
Luís Guimarães.
Vejo-a,
contemplo-a comovido... Aquela
Que
amaste, e, de teus braços arrancada,
Desceu
da morte a tenebrosa escada,
Calma
e pura aos meus olhos se revela.
Vejo-lhe
o riso plácido, a singela
Feição,
aquela graça delicada,
Que
uma divina mão deixou vazada
No
eterno bronze, eternamente bela.
Só
lhe não vejo o olhar sereno e triste:
-
Céu, poeta, onde as asas, suspirando,
Chorando
e rindo loucamente abriste...
-
Céu povoado de estrelas, onde as bordas
Dos
arcanjos cruzavam-se, pulsando
Das
liras de ouro as gemedoras cordas...
XXV
A
Bocage.
Tu,
que no pego impuro das orgias
Mergulhavas
ansioso e descontente,
E,
quando à tona vinhas de repente,
Cheias
as mãos de pérolas trazias;
Tu,
que do amor e pelo amor vivias,
E
que, como de límpida nascente,
Dos
lábios e dos olhos a torrente
Dos
versos e das lágrimas vertias;
Mestre
querido! viverás, enquanto
Houver
quem pulse o mágico instrumento,
E
preze a língua que prezavas tanto:
E
enquanto houver num canto do universo
Quem
ame e sofra, e amor e sofrimento
Saiba,
chorando, traduzir no verso.
XXVI
Quando
cantas, minh'alma desprezando
O
invólucro do corpo, ascende às belas
Altas
esferas de ouro, e, acima delas,
Ouve
arcanjos as citaras pulsando.
Corre
os países longes, que revelas
Ao
som divino do teu canto: e, quando
Baixas
a voz, ela também, chorando,
Desce,
entre os claros grupos das estrelas.
E
expira a tua voz. Do paraíso,
A
que subira ouvindo-te, caído,
Fico
a fitar-te pálido, indeciso...
E
enquanto cismas, sorridente e casta,
A
teus pés, como um pássaro ferido,
Toda
a minh'alma trêmula se arrasta...
XXVII
Ontem
- néscio que fui! - maliciosa
Disse
uma estrela, a rir, na imensa altura:
"Amigo!
uma de nós, a mais formosa
De
todas nós, a mais formosa e pura,
Faz
anos amanhã... Vamos! Procura
A
rima de ouro mais brilhante, a rosa
De
cor mais viva e de maior frescura!"
E
eu murmurei comigo: "Mentirosa!"
E
segui. Pois tão cego fui por elas,
Que,
enfim, curado pelos seus enganos,
Já
não creio em nenhuma das estrelas...
E
- mal de mim! - eis-me, a teus pés, em pranto...
Olha:
se nada fiz para os teus anos,
Culpa
as tuas irmãs que enganam tanto!
XXVIII
Pinta-me
a curva destes céus... Agora,
Ereta,
ao fundo, a cordilheira apruma:
Pinta
as nuvens de fogo de uma em uma,
E
alto, entre as nuvens, o raiar da aurora.
Solta,
ondulando, os véus de espessa bruma,
E
o vale pinta, e, pelo vale em fora,
A
correnteza túrbida e sonora
Do
Paraíba, em torvelins de espuma.
Pinta;
mas vê de que maneira pintas...
Antes
busques as cores da tristeza,
Poupando
o escrínio das alegres tintas:
-
Tristeza singular, estranha mágoa
De
que vejo coberta a natureza,
Porque
a vejo com os olhos rasos d'água.
XXIX
Por
tanto tempo, desvairado e aflito,
Fitei
naquela noite o firmamento,
Que
inda hoje mesmo, quando acaso o fito,
Tudo
aquilo me vem ao pensamento.
Saí,
no peito o derradeiro grito
Calcando
a custo, sem chorar, violento...
E
o céu fulgia plácido e infinito,
E
havia um choro no rumor do vento...
Piedoso
céu, que a minha dor sentiste!
A
áurea esfera da lua o ocaso entrava,
Rompendo
as leves nuvens transparentes;
E
sobre mim, silenciosa e triste,
A
Via-Láctea se desenrolava
Como
um jorro de lágrimas ardentes.
XXX
Ao
coração que sofre, separado
Do
teu, no exílio em que a chorar me vejo,
Não
basta o afeto simples e sagrado
Com
que das desventuras me protejo.
Não
me basta saber que sou amado,
Nem
só desejo o teu amor: desejo
Ter
nos braços teu corpo delicado,
Ter
na boca a doçura de teu beijo.
E
as justas ambições que me consomem
Não
me envergonham: pois maior baixeza
Não
há que a terra pelo céu trocar;
E
mais eleva o coração de um homem
Ser
de homem sempre e, na maior pureza,
Ficar
na terra e humanamente amar.
XXXI
Longe
de ti, se escuto, porventura,
Teu
nome, que uma boca indiferente
Entre
outros nomes de mulher murmura,
Sobe-me
o pranto aos olhos, de repente...
Tal
aquele, que, mísero, a tortura
Sofre
de amargo exílio, e tristemente
A
linguagem natal, maviosa e pura,
Ouve
falada por estranha gente.
Porque
teu nome é para mim o nome
De
uma pátria distante e idolatrada,
Cuja
saudade ardente me consome:
E
ouvi-lo é ver a eterna primavera
E
a eterna luz da terra abençoada,
Onde,
entre flores, teu amor me espera.
XXXII
A
um poeta.
Leio-te:
- o pranto dos meus olhos rola:
-
Do seu cabelo o delicado cheiro,
Da
sua voz o timbre prazenteiro,
Tudo
do livro sinto que se evola...
Todo
o nosso romance: - a doce esmola
Do
seu primeiro olhar, o seu primeiro
Sorriso,
- neste poema verdadeiro,
Tudo
ao meu triste olhar se desenrola.
Sinto
animar-se todo o meu passado:
E
quanto mais as páginas folheio,
Mais
vejo em tudo aquele vulto amado.
Ouço
junto de mim bater-lhe o seio,
E
cuido vê-la, plácida, a meu lado,
Lendo
comigo a página que leio.
XXXIII
Como
quisesse livre ser, deixando
As
paragens natais, espaço em fora,
A
ave, ao bafejo tépido da aurora,
Abriu
as asas e partiu cantando.
Estranhos
climas, longes céus, cortando
Nuvens
e nuvens, percorreu: e, agora
Que
morre o sol, suspende o voo, e chora,
E
chora, a vida antiga recordando...
E
logo, o olhar volvendo compungido
Atrás,
volta saudosa do carinho,
D0
calor da primeira habitação...
Assim
por largo tempo andei perdido:
Ah!
que alegria ver de novo o ninho,
Ver-te,
e beijar-te a pequenina mão!
XXXIV
Quando
adivinha que vou vê-la, e à escada
Ouve-me
a voz e o meu andar conhece,
Fica
pálida, assusta-se, estremece,
E
não sei por que foge envergonhada.
Volta
depois. À porta, alvoroçada,
Sorrindo,
em fogo as faces, aparece:
E
talvez entendendo a muda prece
De
meus olhos, adianta-se apressada.
Corre,
delira, multiplica os passos;
E
o chão, sob os seus passos murmurando,
Segue-a
de um hino, de um rumor de festa...
E
ah! que desejo de a tomar nos braços,
O
movimento rápido sustando
Das
duas asas que a paixão lhe empresta.
XXXV
Pouco
me pesa que mofeis sorrindo
Destes
versos puríssimos e santos:
Porque,
nisto de amor e íntimos prantos,
Dos
louvores do público prescindo.
Homens
de bronze! um haverá, de tantos,
(Talvez
um só) que, esta paixão sentindo,
Aqui
demore o olhar, vendo e medindo
O
alcance e o sentimento destes cantos.
Será
esse o meu público. E, decerto,
Esse
dirá: "Pode viver tranquilo
Quem
assim ama, sendo assim amado!"
E,
trêmulo, de lágrimas coberto,
Há
de estimar quem lhe contou aquilo
Que
nunca ouviu com tanto ardor contado.
(*) PARNASIANISMO
– é uma escola literária ou um movimento literário essencialmente poético,
contemporâneo do Realismo – Naturalismo. Um estilo de época que se desenvolveu
na poesia a partir de 1850 na França, com o objetivo de retomar a cultura
clássica. No Brasil o Parnasianismo dominou a poesia até a chegada do
Modernismo. A importância deste movimento no país deve-se não só ao elevado
número de poetas, mas também à extensão de sua influência, uma vez que seus
princípios estéticos dominara por muito tempo a vida literária do país,
praticamente até o advento do Modernismo em 1922