A Igreja na Idade Média
(Juberto Santos)
Em meio à desorganização
administrativa, econômica e social produzida pelas “invasões” ou migrações
germânicas e ao esfacelamento do Império Romano, praticamente apenas a Igreja
Católica, com sede em Roma, conseguiu manter-se como
instituição. Vemos os Vândalos na África, os Visigodos na Hispania, os Francos
na Gália, os Anglos e Saxões nas Ilhas Britânicas, os bárbaros (Germânicos) na
Itália. Consolidando sua estrutura religiosa, a Igreja foi difundindo o cristianismo
entre os povos “bárbaros”, enquanto preservava muitos elementos da cultura
greco-romana. Valendo-se de sua crescente influência religiosa, a igreja passou
a exercer importante papel em diversos setores da vida medieval, servindo como
instrumento de unificação, diante da “fragmentação política” (processo de
atomização do poder – poder local forte) da sociedade feudal.
OBSERVAÇÃO: O termo católico (adjetivo grego que significa “Universal”)
é usado a partir do Concílio de Trento (1545 -
1563) para designar a Igreja Romana em oposição às Igrejas da
Reforma. Antes, o termo utilizado era Cristandade.
Periodização
A Idade Média
(Medium Aevum ou Middle Age) É o termo usado para o período situado entre a Antiguidade
e a Idade Moderna. Conceito estipulado no período do
Renascimento Cultural (século XVI) voltado somente para a região da Europa
Ocidental, ou seja, não há Idade Média na África, Japão, China... Cada um
desses locais possuem denominações próprias para esse período.
Tem como marco inicial o ano de 476 d.C
(com o fim do Império Romano no Ocidente – tomada de Roma, pelo imperador
germânico Odoacro) e tem seu término no ano de 1453 d.C
(com o fim do Império Romano no Oriente - Tomada de Constantinopla pelos Turcos
Otomanos). Suas características, entretanto,
nunca foram às mesmas no tempo ou no espaço, pois não havia unidade nesse
período. É preciso dizer o contexto específico.
O período está dividido em: Alta
Idade Média (séc. V - XI), Idade Média Central
(séc. XI - XIII) e Baixa Idade Média (séc. XIV e XV).
Há até hoje um forte preconceito sobre este período, tomado como “Idade das
Trevas”, “Escuridão”, de “Pestes e Guerras”, não havia “cidades, nem comércio”,
dentre outros adjetivos. Contudo, deve ser levado em consideração que num
período de mil anos, não houve apenas pestes, guerras... Temos que ter um olhar
consciente: Nesse período houve a criação das Universidades, da letra
minúscula, do parlamento, Hospitais, Tribunal com Júri, aperfeiçoamento da
Matemática, geografia, escrita, etc.
Entendendo o Surgimento da
Cristandade
Entende-se Cristandade por um sistema de relações da
Igreja e do Estado (ou qualquer outra forma de poder político) numa determinada
sociedade e cultura. Ela perdura até praticamente a Revolução Francesa (1789), com várias
modalidades dentro desse processo através dos séculos. Na história do
cristianismo, o sistema iniciou-se por ocasião da Pax
Ecclesiae em 313 (paz
concedida pelo imperador Constantino à Grande Igreja), com o Edito de Milão
(ele põe fim às perseguições) e deu origem à primeira modalidade de Cristandade
dita “constantiniana”; a qual se apresenta como um sistema único de poder e
legitimação da Igreja e do Império tardo-romano.
As características gerais desta
modalidade “constantiniana” são, entre outras, o cristianismo apresentar-se
como uma religião de Estado, obrigatória, portanto para todos os súditos; a
relação particular da Igreja e do Estado dar-se num regime de união; a religião
cristã tender a manifestar-se como uma religião de unanimidade, multifuncional e
polivalente; o código religioso cristão, considerado como o único oficial, ser,
todavia diferentemente apropriado pelos vários grupos sociais, pelos letrados e
iletrados, pelo clero e leigos. A figura ao lado é o “Monograma
de Cristo”, da época
de Constantino. Ele é formado por duas letras entrelaçadas, as letras gregas
"chi" (X) e "rô" (P).
Essas letras são as iniciais de "Christós",
em grego: CRISTOS.
Os Padres da Igreja
Os tempos de ouro da Patrística
foram os séculos IV e V, embora possa se entender que se estenda até o século
VII a chamada "idade dos Padres". Os principais Pais do Oriente
foram: Eusébio de Cesaréia, Santo Atanásio, Basílio
de Cesaréia, Gregório de Nisa, Gregório Nazianzo, São João Crisóstomo e São
Cirilo de Alexandria. Os
principais Padres do Ocidente são: Santo
Agostinho, autor das "Confissões", obra prima da
literatura universal e Santo Ambrósio;
Eusébio Jerônimo, dálmata, conhecido como São Jerônimo
que traduziu a Bíblia diretamente do hebraico, aramaico e grego para o latim.
Esta versão é a célebre Vulgata, cuja autenticidade
foi declara pelo Concílio de Trento. Outros pais que se destacaram foram São Leão Magno e Gregório Magno, este
um romano com vistas para a Idade Média, as suas obras "os Morais e os
Diálogos" serão lidas pelos intelectuais da Idade Média, e o canto
"gregoriano" permanece vivo até os dias de hoje. Santo Isidoro de Sevilha, falecido em
636, é considerado o último dos grandes padres ocidentais.
A Cristandade Medieval
A Cristandade medieval ocidental é,
em certa medida, a continuadora da Cristandade antiga, a do “Império Cristão”
dos séculos IV e V. No contexto medieval, acentuaram-se muito mais a situação
de unanimidade e conformismo, obtida por um consenso social homogeneizador e
normatizador, consenso este favorecido pela constituição progressiva de uma
vasta rede paroquial e clerical. As instituições todas tendiam, pois, a
apresentar um caráter sacral e oficialmente cristão. Sabemos que nela
predominou, em geral, a tutela do clero. Não, todavia durante os séculos IX e
X, quando a tutela dos leigos sobre as instituições eclesiais a levou à sua
feudalização, o que provocou a partir do século XI, o grito dos reformadores,
sobretudo eclesiásticos: libertas Ecclesiae. Ocorreu então a
reforma “gregoriana”, no século XI, que operou a síntese de uma reforma na e da Igreja, de uma reforma “na cabeça e nos
membros”.
Fatos Históricos
Importantes ocorridos no Período da Idade Média
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A Distinção Gelasiana (494)
O Bispo de Roma, o Papa Gelásio
I (492-496) efetuou a distinção entre o poder temporal dos
imperadores e o espiritual dos papas, considerando superior o poder destes
últimos. Envia um documento ao imperador do Oriente (Anastácio). Definiu a
teoria dos dois poderes: o poder temporal (poder do
imperador) e o poder espiritual (poder dos bispos).
Os bispos, de acordo com essa teoria, seriam superiores ao poder temporal.
Estabelecido ainda que a figura do papa não poderia ser julgada por ninguém.
Dizia que o papel do Pontífice era antes ouvir do que julgar.
-
As Heresias
Define-se como negação ou dúvida
pertinaz de uma verdade que se deve crer com fé divina e católica, por quem
recebeu o batismo. Ao longo da história da Igreja vemos: O Gnosticismo (séc.
II); Maniqueísmo (séc. III); Arianismo (séc. IV); Pelagianismo (séc. V);
Iconoclastas (séc. VIII); Cátara e valdense (séc. XII-XIII); Protestantismo e
Anglicanismo (séc. XVI); Jansenismo (séc. XVII); Modernismo (séc. XIX). O
relativismo doutrinal e moral são tidos como a grande heresia atual. O rigor da
Igreja no combate às heresias e cismas variou ao longo dos tempos, com períodos
de grande repressão, sobretudo quando tais desvios eram cominados com penas
graves pelo poder político.
-
Os Mosteiros
Vemos com São
Bento de Nursia (529), uma retomada e revigoramento dos mosteiros.
Os ermitões (Ermo – significa deserto) atuavam
sozinhos e passam a se organizar em pequenos grupos. São Bento traça uma regra,
dando uma forma à vida monástica, a qual passa a ser copiada em outros
mosteiros. O dia do monge é dividido em sete momentos de oração, mais o
trabalho manual (penitência), produz seu alimento. “Ora et Labora”. Não é
necessário buscar mosteiros distantes, mas se santificar com aqueles que
convive. Deu forma ao monasticismo medieval. Ao longo da Idade Média vemos que
os mosteiros preservam as escrituras sagradas, tornam-se refúgio, guardam as
obras de arte e cultura...
-
Fragmentação do Império Romano no
Ocidente
Com as migrações germânicas e a
queda do Império Romano no ocidente (476) os bispos começam a buscar a
unificação. Apelam para a elite romana “Romanitas”, que passam a defender os
valores cristãos. Os reis bárbaros vão se convertendo ao longo dos anos. Vemos
a ação do papa Gregório I, o Magno (590-604)
assinala que “todo o poder foi dado ao alto aos meus senhores para
ajudar os homens a fazer o bem”. Assim os bispos e o Imperador
e os reis têm a função de ajudar o bem e punir o mal. Primeiro papa monge,
intitulava-se Servidor dos Servidores de Deus. Aproveitou-se da falência
imperial na Itália para assumir o poder temporal. Desligou-se da influência
bizantina e aproximou-se dos germânicos. Visigodos, suábios e lombardos se
converteram. Agostinho foi à Inglaterra e converteu os anglo-saxões. Os
escritos de Gregório Magno instruíram o clero e fortaleceram a religiosidade dos
fiéis. Sua Regra Pastoral serviu de manual para os padres em toda a Idade
Média.
- As Cruzadas
Atendendo ao apelo do papa
Urbano II, em 1095, foram organizadas na Europa expedições
militares conhecidas como cruzadas (esses missionários assim se chamavam pela
cruz de pano que levavam na veste), cujo objetivo oficial era conquistar os
lugares sagrados do cristianismo (Jerusalém, por exemplo) que estavam em poder
dos muçulmanos e turcos. Entretanto, além da questão religiosa, outras causas
motivaram as cruzadas: a mentalidade guerreira da nobreza feudal, canalizada
pela Igreja contra inimigos externos do cristianismo (os muçulmanos); e o
interesse econômico de dominar importantes cidades comerciais do Oriente. Os
cristãos eram estimulados pelas indulgências que lhes prometiam o perdão dos
pecados e a posse do céu. De 1095
a 1270,
a cristandade européia organizou oito cruzadas, tendo
como bandeira promover guerra santa contra os infiéis. Era a guerra santa,
justa, pois eles estavam difamando o santo sepulcro, a terra santa. Foram, ao
todo, oito grandes incursões. Vemos a Cruzada Popular ou dos Mendigos (1096),
Primeira Cruzada (1096-1099), Segunda Cruzada (1147-1149), Terceira Cruzada
(1189-1192), Quarta Cruzada (1202-1204), Cruzada Albigense, Quinta Cruzada (1217-1221),
Sexta Cruzada (1228-1229), Sétima Cruzada (1248-1250), em março de 1270, o rei
Luís IX, São Luís, decide organizar uma nova cruzada - Oitava Cruzada (1270), a
qual fracassa e ele morre em combate.
-
Querela das Investiduras
A Questão das Investiduras refere-se
ao problema de a quem caberia o direito de nomear sacerdotes para os cargos
eclesiásticos, ao papa ou ao imperador. No século X, o imperador Oto I,
do Sacro Império Romano Germânico, iniciou um processo de intervenção política
nos assuntos da Igreja a fim de fortalecer seus poderes. Fundou bispados e
abadias; nomeou seus titulares (abades leigos) e, em troca da proteção que
concedia ao Estado da Igreja, passou a exercer total controle sobre as ações do
papa. Durante esse período, a Igreja foi contaminada por um clima crescente de
corrupção, afastando-se de sua missão religiosa e, com isso, perdendo sua
autoridade espiritual. As investiduras (nomeações) feitas pelo imperador só
visavam os interesses locais. Os bispos e os padres nomeados colocavam o
compromisso assumindo com o soberano acima da fidelidade ao papa. No século XI
surgiu um movimento reformista, visando recuperar a autoridade moral da Igreja,
liderado pela Ordem Religiosa de do mosteiro de Cluny (França). Esses ideais
foram ganhando força dentro da Igreja, culminando com a eleição, em 1073, do
papa Gregório VII, antigo monge daquela ordem reformista.
-
A Reforma Gregoriana (Século XI)
Os papas escolhidos passam a ser de
origem germânica (monges), logo os papas romanos saem de cena, pois os
primeiros não teriam parte com a política local. Com isso as reformas têm
inicio com esses papas de origem monástica, com amplas mudanças de cima para
baixo, hierarquizada, uma reforma das instituições. Hildebrando, reformador
ligado ao movimento de Cluny, tinha acesso ao papa e, sob sua influência, Nicolau
II criou em 1059 o Colégio dos Cardeais, com finalidade de
eleger o papa, limitado o cesaropapismo. Primeiro, há uma reforma do clero,
contra os abusos existentes, das instituições (reforma da
Igreja). Também havia a necessidade da mudança dos corações, dos pensamentos
(reforma na Igreja). A reforma viria do papado, passaria pelos
bispos, presbíteros e monges até chegar aos leigos. Esse espírito de reforma
foi lento e progressivo, aos poucos, vemos os abusos sendo retirados. Em 1073,
Hildebrando foi eleito papa, com o nome de Gregório VII.
Instituiu totalmente o celibato dos sacerdotes, em 1074, e proibiu que o
imperador investisse sacerdotes em cargos eclesiásticos, em 1075. O Imperador
alemão Henrique IV reagiu dando o papa como deposto. Desenvolveu-se, então, um
conflito aberto entre o poder temporal do imperador e o poder espiritual do
papa. O papa considerou o imperador igualmente deposto, excomungando-o, e
proibindo os vassalos de lhe prestar serviço, sob pena de excomunhão. Há uma
interdição (sem batismos, sem eucaristia, sem extrema unção). Henrique foi ao
Castelo de Canossa em 1077 e pediu perdão ao papa, que o concedeu. Esse
conflito foi resolvido somente em 1122, pela Concordata de Worms, assinada pelo
papa Calixto III e pelo imperador Henrique V. Adotou-se
uma solução de meio termo: caberia ao papa a investidura espiritual dos bispos
(representada pelo báculo), isto é, antes de assumir a posse da terra de um
bispado, o bispo deveria jurar fidelidade ao imperador.
-
Hospitalários (Ordem dos)
O ideal cavalheiresco da Idade Média
levou à criação de várias instituições de apoio aos doentes internados, ordem
leiga de caráter assistencialista (1113), hospital para os peregrinos que
vinham feridos e cansados.
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Os Templários
Ordem fundada em França (1119) para
lutar contra os infiéis. O nome veio-lhes da casa que tiveram em Jerusalém
sobre as ruínas de uma mesquita (cavaleiros da Ordem doTemplo). Fazem votos
dados pelo patriarca de Jerusalém. Em 1129, vê-se a implantação militar.
Prestaram notáveis serviços na Terra Santa e no Sul da Europa, chegando a ter 5
províncias e 4000 membros. É oficializada em 1199. As benesses recebidas de
reis e papas deram-lhes grande poder financeiro, o que levou Filipe o
Belo, rei de França, a acusá-los, com a conivência da
Inquisição, de crimes graves, obrigando o Papa (Clemente V) a suprimi-los.
Muitos foram mortos. Os seus bens, em França, foram confiscados pelo rei; em
Portugal, passaram para a Ordem de Cristo, fundada por D. Dinis.
- O Cisma do Ocidente (1378-1417)
Resultante da coexistência de papas
e antipapas foi fruto de rivalidades dentro e fora da Igreja. Não há um “cisma”
de fato, pois o que se dividiu é a obediência a dois papas e não à obediência
eclesial.
Após a morte do papa Gregório XI, há
um conclave com 16 cardeais e depois de muitas dificuldades elegem um italiano,
Urbano VI. Ele era intransigente, rude, indelicado e os cardeais assinalam que
querem rever a decisão e pedem a sua renúncia. Ele rejeita. Grande parte dos
cardeais vão para Nápoles e realizam novo Conclave, elegendo Clemente VII. A
Igreja passa a ter “dois papas”. Eles ficam em Avinhão
(França). A obediência fica dividida, ambos governando. Estados que apoiavam
Urbano VI (Escandinávia, Flandres, Inglaterra, o Imperador e a maioria dos
príncipes) usam a força para destituir Clemente VII (apoiado pelos parentes do
rei da França Carlos V, Escócia, Castela), como uma cruzada. Essa seria a “Via
Facti”. Os reis, os prelados, os párocos, as ordens religiosas tomam partido e
ajudam nessa adesão de obediências. Em 1394, morre Clemente VII e é eleito
Bento XIII. Também morre Urbano VI e é eleito Gregório XII. Continuam dois
papas a governar. Em 1409, os dois grupos buscam uma via conciliar para
resolver a situação, com o Concílio de Pisa, destituem os dois papas e elegem
Alexandre V (com a maior parte das Ordens Religiosas decididas a fazer uma
inteira reforma na Igreja). Os dois papas não aceitam e a igreja passa a ser
governada por 3 papas. Alexandre V morre e é eleito João XXIII (nome depois
cancelado e renascido somente no século XX - e já no ano seguinte tomou posse
da catedra romana). Apenas em 1417, vemos uma solução: João XXIII se demite,
Gregório XII abdica e Bento XIII é deposto e se isola na Catalunha, sem apoio.
Martinho V (1417-1431) é eleito e traz a unicidade novamente. Retorna para
Roma. Em 1439, ainda teríamos o antipapa Félix V, contudo, não avança tal fato.
-
A Inquisição
Tribunal eclesiástico para averiguar
e julgar os acusados de heresia. A sua instituição jurídica data de 1232
(Inquisição Medieval); pelo papa Gregório IX, para disciplinar as freqüentes
práticas persecutórias da parte do povo e dos príncipes, muitas vezes sob a
forma de linchamentos. A desmoralização pública era a maior pena para os
hereges condenados pelos inquisidores (bispos).
No séc. XI apareceu uma heresia
fanática e revolucionária, como não houvera até então: o Catarismo (do grego
katharós, puro) ou o movimento dos Albigenses (de Albi, cidade da França
meridional, onde os hereges tinham seu foco principal). Em geral, a Inquisição
quando condenava um herege entregava-o ao braço secular,
para lhe aplicar o castigo previsto nas respectivas leis e costumes, incluindo
a morte na fogueira. A Igreja aplicava a condenação espiritual, “no outro
mundo”. O seu funcionamento dependia muito dos inquisidores, que eram
normalmente dominicanos, alguns deles elevados às honras dos altares (como S.
Pedro de Verona, morto às mãos dos Cátaros). Devem reconhecer-se, além da
crueza própria dos costumes de então, verdadeiros abusos e injustiças (como a
condenação dos Templários e de Sta. Joana de Arc). Ficou também célebre a
condenação (sem execução) de Galileu.
Nos séculos. XV e XVI, a Inquisição
foi reorganizada para enfrentar a heresia protestante, em geral, a pedido dos
príncipes católicos. Em Espanha foi autorizada em 1478, em moldes que a fazia
depender muito do poder civil. Em Portugal teve acuação moderada desde o séc.
XIV, mas só se tornou particularmente rigorosa com D. Manuel I e D. João III,
pelas medidas discriminatórias contra judeus e cristãos-novos.
A Inquisição é inconcebível para a
atual mentalidade, mas a sua correta apreciação deve ter em conta os tempos em
que vigorou, em que a heresia era sentida como perigo grave para a unidade
da Igreja e do Estado, e em que as penas aplicadas eram comuns
no direito corrente dos povos. A Igreja aplicava as penas espirituais (na outra
vida), tais como a excomunhão. Os condenados pela inquisição eram entregues às
autoridades administrativas do Estado, que se encarregavam da execução das
sentenças seculares. As penas aplicadas a cada caso iam desde a confiscação de
bens até a morte em fogueiras.
A intervenção do poder secular
exerceu profunda influência no desenvolvimento da inquisição. As autoridades
civis anteciparam-se na aplicação da forma física e da pena de morte aos
hereges; instigaram a autoridade eclesiástica para que agisse energicamente;
provocaram certos abusos motivados pela cobiça de vantagens políticas ou
materiais.
OBS.: De resto, o poder espiritual e o temporal na Idade
Média estavam, ao menos em tese, tão unidos entre si, que lhes parecia normal
recorrer um ao outro em tudo que dissesse respeito ao bem comum. Quanto a
Inquisição Romana instituída no séc. XVI era herdeira das leis e da mentalidade
da lnquisição medieval.
“Em nossos tempos, o Papa João Paulo II pediu perdão
repetidamente por falhas dos filhos da Igreja. É de notar que não mencionou
‘falhas da igreja’, mas ‘falhas dos filhos da Igreja’. Implicitamente retomou a
distinção entre pessoa e pessoal da Igreja: pessoa seria a Igreja Esposa de
Cristo, que o Senhor vivifica e à qual garante a fidelidade ao Evangelho;
pessoal seriam os fiéis, que nem sempre obedece às normas da Santa Mãe Igreja.
O pecado está na Igreja, mas não é da Igreja; é resquício da velha criatura
dentro da novidade da criatura oriunda do Batismo e da inserção em Cristo.”
(in: BETTENCOURT, E. in: Na História da Igreja luzes e sombras)