segunda-feira, 22 de maio de 2017

RECEITA DE AMÉRICA LATINA NA POESIA DE CLARIBEL ALEGRÍA

Índia Malinche com Cortez
Tradução do Espanhol por Cláudio Maffei



TAMALITOS DE CAMBRAY

(5,000,000 de tamalitos)

Claribel Alegría (*)



A Eduardo y Helena que me
pidieron una receta salvadoreña.

Dos libras de masa de mestizo
media libra de lomo gachupín
cocido y bien picado
una cajita de pasas beata
dos cucharadas de leche de Malinche
una taza de agua bien rabiosa
un sofrito con cascos de conquistadores
tres cebollas jesuitas
una bolsita de oro multinacional
dos dientes de dragón
una zanahoria presidencial
dos cucharadas de alcahuetes
manteca de indios de Panchimalco
dos tomates ministeriales
media taza de azúcar televisora
dos gotas de lava de volcán
siete hojas de pito
(no seas mal pensado es somnífero)
lo pones todo a cocer
a fuego lento
por quinientos años
y verás qué sabor.








TAMALITOS(1) DE CAMBRAY(2)

(5.000.000 de tamalitos) (3)

Claribel Alegría (*)



A Eduardo e Helena que me pediram uma receita de El Salvador.

Duas libras de farinha de mestiço
Meia libra de lombo gachupín (4)
Cozido e picado bem fininho
Uma caixa de passas beata (5)
Duas colheres de sopa de leite Malinche (6)
Um copo de água bem furiosa
Frite levemente nas armaduras dos conquistadores
Três cebolas jesuítas
Uma bolsinha de ouro multinacional
Dois dentes de dragão
Uma cenoura presidencial
Duas colheradas de sopa de cafetões
Manteiga de índios Panchimalco (7)
Dois tomates ministeriais
Meia taça de açúcar televisiva
Duas gotas de lava de vulcão
Sete folhas de pito (8)
(Não faça mau pensamento senão vira sonífero)
Coloque tudo para cozer
Em fogo lento
Por quinhentos anos
E verás que sabor!

(1)    Tamal vem do náhuatl (envolto). Espécie de pamonha onde se abre a massa bem fina sobre a palha. Não havendo palha pode substituí-la por papel manteiga ou papel alumínio. É feita na Guatemala, El Salvador e Honduras)
(2)    Cambray, fazendo um paralelo irônico com o tecido musselina, é também uma variante de tamales mais incomum, doce e também embrulhado em palha de milho, considerado uma sobremesa especial onde se destacam as passas e não leva a carne.
(3)    5 milhões de indígenas.
(4)    Fidalgo espanhol, guri, moleque espanhol.
(5)    Pessoa que frequenta muito as cerimônias religiosas, principalmente se tratando do catolicismo.
(6)    Também conhecida como índia Malintzin e Dona Marina, foi uma indígena (provavelmente da etnia Nahua) da Costa do México, que acompanhou Fernando Cortéz e teve um papel decisivo no auxílio da Conquista do México, pois falava três línguas, é considerada uma judas, uma traidora dos povos indígenas.
(7)    Etnia indígena de El Salvador.
(8)    Planta pouco estudada, mas é bastante usada pelos índios, e por ter alcaloides, tem ação calmante, antinervosas, anti-hemorrágicas e antidisinteria.



(*) BIOGRAFIA DE CLARIBEL ALEGRÍA



Claribel Alegría nasceu em 1924 na Nicarágua, quando ela tinha nove meses, a família mudou-se de Estelí para Santa Ana, no oeste de El Salvador. Seu pai, Daniel Alegría, um médico, era de origem nicaraguense e sua mãe, Ana María Vides, era salvadorenha. O regime autoritário de Anastasio Somoza, na Nicarágua, forçou a família Alegría ao exílio.
Em 1943, Claribel Alegría viajou para os Estados Unidos para fazer o Ensino Superior, ingressando na Universidade George Washington, onde recebeu seu bacharelado em filosofia e letras. Quando estava nos Estados Unidos, em 1947, casou-se com Darwin J. Flakoll, tiveram três filhas (Maya e as gêmeas Patricia e Karen) e um filho, Erick. Viveram no México, Santiago do Chile (onde cada um recebeu subsídios da Fundação Catherwood, em 1954), Buenos Aires, Montevidéu, Paris, Palma de Mallorca e Nicarágua, seu local de residência desde setembro de 1979. Sua afinidade intelectual como casal era tão forte que assinaram alguns de seus escritos conjuntos como "Claribud". Claribel e "Bud". Traduziram do inglês cem poemas de Robert Graves (Barcelona, Lumen), que era seu vizinho em Deià, na ilha espanhola de Palma de Mallorca. Eles mantiveram-se amigos íntimos com figuras importantes da literatura latino-americana, como Juan Rulfo, Julio Cortázar, Carlos Fuentes, Mario Vargas Llosa e Mario Benedetti. Deste último escritor foram editores de "Pacto de sangue e outras histórias" (Willimantic, Cubstone Press, 1997)
Em 1948, Claribel Alegría publicou seu primeiro livro de poesia: "Anel Silêncio". Ao longo de sua longa carreira literária, ela publicou poesias, romances, ensaios e traduções.
Ao longo de sua vida, Alegría, foi incorporada na chamada geração comprometida, onde se destacou pelos ideais de resistência não-violenta contra as ditaduras e guerras e, contra as injustiças sociais que têm atormentado os países latino-americanos. Em sua obra o diálogo com a violência e a morte ocupa um espaço central, devido a autora passar grande parte de sua existência convivendo com essas sensações. A ausência é, paradoxalmente, uma das presenças mais fortes na palavra poética de Alegría. Sua obra se levanta como um testemunho de sucessivas experiências pessoais e nacionais: como a ausência do amado (seu marido morreu em 1979), o reconhecimento histórico para com a América Latina e, sua consequente identidade cultural. Sua poesia é definida por seu desejo de corrigir as emoções mais difíceis e insuportáveis, porém, sempre com uma fé enorme e inalterável no futuro.

CHE GUEVARA SE DESPEDE DE SEUS PAIS NUMA ULTIMA MISSIVA

Carta de despedida a seus pais
Che Guevara
Queridos velhos:
Outra vez sinto sob meus calcanhares as costelas de Rocinante(*), e volto à estrada com o meu escudo sustentado pelo meu braço.
            Faz quase dez anos que lhes escrevi outra carta de despedida. Recordo-me que lamentava de não ser melhor soldado e nem melhor médico; ser médico não me interessa mais, e hoje não sou um soldado tão ruim.
            Nada mudou em essência, salvo que sou muito mais consciente, meu marxismo está enraizado e depurado. Creio na solução armada como única solução para os povos que lutam para libertar-se e sou coerente com minhas crenças.
            Muitos dirão que sou aventureiro, e o sou, só que de um tipo diferente, daqueles que põem a sua pele em risco para demonstrar suas verdades.
            Pode ser que esta seja a carta derradeira. Não busco o fim mas ele está dentro do cálculo lógico de probabilidades. Se assim for, um último abraço.
            Eu vos amei muito, só que eu não tenho sido capaz de expressar meu carinho, sou extremamente duro nas minhas ações e creio que as vezes não me entenderão. Não é fácil me entender, eu sei, mas por outro lado, entendam, nem que somente por hoje.
            Agora, tenho uma vontade de corrigir com um deleite de artista, o sustento das minhas pernas flácidas e meus pulmões cansados. O farei.
            Lembre-se, ocasionalmente, deste pequeno cavaleiro do século XX. Um beijo para Célia, Roberto, Juan Martín e Beatrice, enfim todos. Um grande abraço, de seu filho pródigo e recalcitrante, para vocês.

Ernesto.


(*) Cavalo de Dom Quixote de La Mancha


domingo, 21 de maio de 2017

MAPAS DA IDADE MÉDIA (PERÍODO FEUDAL)


FEUDALISMO - foi o sistema político e social implantado na Europa Ocidental durante a Idade Média (séculos V a XV) que se baseava na posse da terra pelos senhores feudais que exploravam o trabalho dos camponeses (relações servis de produção).


Maior extensão do Império Romano

Império Romanos e suas Províncias
Regiões de onde vieram os Bárbaros



Divisão do Império Romano em Ocidente (Reinos Bárbaros) e Oriente (Império Bizantino)
Reinos Bárbaros

Consolidação dos Reinos Bárbaros


Reino Carolíngio
O Império Carolíngio

Divisão da Europa no final da Idade Média
Divisão do Império Carolíngio pelo Tratado de Verdun  (843)



Invasões dos normandos, húngaros e sarracenos.

As 4 primeiras Cruzadas


Mapa das Cruzadas versus Muçulmanos



Itália e sua divisão no ano 1.000
Península Ibérica em 1031




Mapa da Europa do início Idade Moderna (1560)








A IGREJA CATÓLICA PASSA POR MAUS BOCADOS DURANTE A REVOLUÇÃO FRANCESA

A Revolução Francesa e a Religião Católica


A Revolução Francesa marcou para Igreja Católica um dos períodos mais difíceis de sua história. Isto porque a Revolução não só propagou os ideais iluministas que incluíam um sentimento anticlerical e antirreligioso, como também exerceu na prática esses ideais, muitas vezes de forma violenta.
A França sempre teve uma posição de destaque na cristandade, desde os séculos medievais, da conversão dos francos ao catolicismo até a época em que a cidade francesa de Avignon abrigou a sede do papado. Foi também a França um dos maiores pontos de conflito entre católicos e protestantes. Tais fatos levaram a França a ser considerada por muitos papas como a “filha predileta da Igreja”. Às vésperas da Revolução, o país mostrava um quadro onde o catolicismo vivia o seu auge: a população participava dos ritos religiosos e o clero paroquial cuidava da vida religiosa da sociedade. Exercia grande influência na vida política, pois o poder absoluto do rei era garantido pelo direito divino, e o próprio clero possuía status de Estado. A religião católica influenciava também o tempo, com o calendário gregoriano que possuía festas e feriados cristãos. Por fim, era papel do clero presidir as atividades civis como os casamentos e os registros de nascimento e óbito. Era esse quadro que a revolução viria a mudar radicalmente.
A Revolução Francesa, em sua tentativa de acabar com as estruturas feudais ainda vigentes, colocou a Igreja Católica em uma difícil situação. Desde os primeiros passos da Assembleia Constituinte até a Constituição Civil do Clero, foram tomadas medidas capazes de levantar suspeitas de que a revolução era hostil ao clero. Uma das primeiras medidas dos revolucionários foi a supressão do dizimo e o confisco dos bens do clero, para saldar o déficit nacional. Essas medidas, a princípio, não causaram um conflito direto entre a Igreja e a Revolução.
O conflito só viria com a Constituição Civil do Clero e o juramento dos padres. Tal medida dividiu o clero francês: o clero constitucional, fiel à constituição, e o clero refratário, fiel ao papa. Este repudiava cada medida dos revolucionários, pois, além de perder o controle sobre o clero francês também perdeu suas possessões territoriais francesas na cidade de Avignon.
É possível afirmar que a Constituição Civil do Clero foi o divisor de águas nas relações entre a Religião Católica e o Estado revolucionário francês. Foi o juramento dos padres que estimulou a contrarrevolução na Vendéia e a guerrilha camponesa dos Chouans – a Chouannerie, da qual participaram o clero refratário e a aristocracia. Foi também a questão do juramento que desencadeou um movimento violento de ataques aos padres e aos templos. Além disso, subordinava o clero ao Estado rompendo os seus vínculos com o papa.
A Igreja ainda viria a perder suas áreas de influência na vida política e social. O rei Luís XVI, antes de ser decapitado, é obrigado a renunciar o seu “poder divino”, tornando-se um cidadão como outro qualquer. O clero deixa de presidir as atividades da vida civil como o casamento e os registros de certidões de nascimento e de óbito. É importante ressaltar que na tentativa de enterrar de vez a influência católica, o governo aboliu o calendário gregoriano acabando com os dias da semana, e consequentemente, eliminando as festas e feriados religiosos, inclusive o domingo, conhecido como “Dia do Senhor”. Para substituí-lo criou um novo calendário, conhecido como Calendário Republicano Francês, que marcaria o início da nova era da República Francesa dando uma nova nomenclatura aos meses e semanas de acordo com as estações do ano.
O período do Terror marca o início do movimento violento que se deu contra a Igreja Católica. Igrejas são apedrejadas, padres são forçados a abdicar, imagens religiosas são destruídas e o culto religioso passa a ser proibido. Podemos ainda citar as tentativas de substituir o culto religioso por um culto revolucionário, como o culto à razão e ao Ser Supremo. Esses cultos exaltavam a vitória da razão e da consciência sobre a dominação da Igreja. Sobre o culto ao Ser Supremo, Robespierre aparece como pontífice da religião do Estado na tentativa promover a união entre o sentimento revolucionário e o sentimento religioso.
Passado o período violento do Terror, com a queda de Robespierre, seguiu-se uma fase confusa para a religião. Os homens que o derrubaram eram anticlericais que participaram dessas perseguições. Contudo, a política da Convenção Termidoriana seguia a lógica do retorno da liberdade que o período do Terror havia negligenciado. A essa lógica de liberdade estava ligada à questão da liberdade de culto. No período que vai de 1795 a 1799, as Assembleias do Diretório agiam ora permitindo o retorno ao culto, ora regressando a uma política de perseguição.
Esse quadro só seria resolvido com Napoleão Bonaparte. No período do Consulado, Napoleão e o Papa Pio VI assinam uma Concordata que redefine as relações entre a Igreja e o Estado. Por essa Concordata a Igreja Católica era reconhecida na sua unidade e estatuto, a liberdade de culto era garantida e o catolicismo era aceito como a religião da maioria dos franceses. Contudo a Igreja ficava subordinada ao Estado, uma vez que a nomeação de bispos era feita pelo Consulado. Os territórios da Igreja, como Avignon, e seus bens também não são restituídos.
O último pilar do movimento de ataque a religião católica, o Calendário Republicano, foi extinto por Napoleão no Império, em 1805.
Cronologia:
·         04/08/1789 – Abolição dos direitos feudais e supressão do dizimo.
·         02/11/1789 – Confisco dos bens do clero para saldar déficit nacional.
·         12/07/1790 – Aprovada a Constituição Civil do Clero.
·         26/11/1790 – Decreto fixando o prazo de dois meses para o juramento dos padres em exercício à Constituição.
·         03/1793 à 03/1796 – Revolta da Vendéia e guerrilha camponesa dos Chouans
·         07/11/1793 (17 de Brumário do ano II) – Abjuração do bispo de Paris, marca o início da descristianização.
·         21/11/1793 (1 de Frimário do ano II) – Intervenção de Robespierre, refreando a descristianização violenta.
·         24/11/1793 (4 de Frimário do ano II) – Convenção Nacional adota o Calendário Republicano, determinando a data de 22/09/1792 como início do ano I da Republica.
·         07/05/1794 (18 de Floreal do ano II) – Relatório da Convenção que define as relações entre Estado e Igreja.
·         27/07/1794 (09 de Termidor do ano II) – Queda de Robespierre, sucedido por anticlericais que haviam participado da descristianização violenta.
·         18/08/1797 à 17/09/1797 (Frutidor do ano V) – Inicio da política de perseguição religiosa.
·         07/1801 – Concordata assinada entre Napoleão e o Papa Pio VI.
·         31/12/1805 – Abolição do Calendário Republicano por Napoleão.



Textos de época:
 “A lei considera o casamento como sendo um contrato civil”. (Artigo 7 do Título II da Constituição Francesa de 1791).
A lei não reconhece os votos religiosos, nem qualquer outro compromisso que seja contrário aos direitos naturais, ou à Constituição”. (Constituição Francesa de 1791).
O novo calendário assim como suas instruções serão enviadas aos corpos administrativos, as municipalidades, aos tribunais, aos juizes de paz e a todos os oficiais públicos, aos mestres de todas as instituições e as sociedades populares. O conselho executivo provisório fará passar aos ministros, cônsules e outros agentes da França nos países estrangeiros”. (Artigo 13 do Decreto da Convenção Nacional sobre a instituição do Calendário Republicano).

Referências Bibliográficas:
·         Burke, Edmund. Reflexões sobre a Revolução Francesa, UNB, Brasília, 1969.
·         Furet, François. Pensando a Revolução Francesa, Paz e Terra, São Paulo, 1989 (2. ª edição).
·         Furet, François e Ozuf, Mona (orgs.). Dicionário Crítico da Revolução Francesa, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1989.
·         Hobsbawn, Eric. Ecos da Marselhesa: dois séculos revêem a Revolução Francesa, Companhia das Letras, São Paulo, 1996.
·         Lefebvre, Georges. 1789, O Surgimento da Revolução Francesa, Paz e Terra, São Paulo, 1989.
·         Michelet, Jules. História da Revolução Francesa, São Paulo, Companhia das Letras, 1989.
·         Soboul, Albert. A Revolução Francesa, Difel, Rio de Janeiro, 2003 (8. ª edição).
·         Vovelle, Michel. A revolução francesa contra a Igreja: da razão ao ser supremo, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1989.


Filmes:
Danton – O Processo da Revolução (1982), dirigido por Andrzej Wajda.
Sinopse: Na primavera de 1794, Danton (Gérard Depardieu) retorna a Paris e constata que o Comitê de Segurança, sob a incitação de Robespierre (Wojciech Pszoniak), inicia várias execuções em massa. O povo, que já passava fome, agora vive um medo constante, pois qualquer coisa que desagrade o poder é considerado um ato contrarrevolucionário. Nem mesmo Danton, um dos líderes da Revolução Francesa, deixa de ser acusado. Os mesmos revolucionários que promulgaram a Declaração de Direitos do Homem implantaram agora um regime onde o terror impera. Confiando no apoio popular, Danton entra em choque com Robespierre, seu antigo aliado, que detém o poder. O resultado deste confronto é que Danton acaba sendo levado a julgamento, onde a liberdade, a igualdade e a fraternidade foram facilmente esquecidas.

Casanova e a Revolução (La Nuit de Varennes) (1982), dirigido por Ettore Scola.
Sinopse: No início de outubro o rei Luís XVI é obrigado a viver em Paris. Os líderes da revolução julgam que no Palácio de Paris o rei estará sob maior vigilância; temem as ações contrarrevolucionárias. Depois de mais de um ano de reclusão, em junho de 1791, a família real foge de Paris em direção da Áustria, com a intenção de apoiar e fortalecer as ações austríacas contra a Revolução. O rei seria desculpado pela Assembleia Constituinte no mês seguinte e condenado somente um ano e meio depois, em janeiro de 1793.



Do Nucleo de Estudos Contemporâneo da UFF.

sábado, 20 de maio de 2017

A REVOLUÇÃO BURGUESA NA FRANÇA (1789 -1799)




            Você poderia imaginar hoje no Brasil o povo se organizando para ir à Brasília e ao chegar invadir e destruir o Congresso Nacional? E para piorar a situação o povo ir até o Palácio do Planalto que é ao lado do Congresso e aprisionar e depois cortar a cabeça do presidente Temer?

            Mesmo que grande parte dos brasileiros, neste momento, estejam loucos de vontade de fazer isso, ainda assim é Inimaginável não é?

            Mas isso, guardando as devidas proporções sociais e temporais, aconteceu na França entre 1789 e 1793.

            O contexto histórico era o do Absolutismo Monárquico, onde o rei detinha todo o poder político centralizado em suas mãos e a economia era um misto de relações de produção feudais, onde grande parte da população era camponesa e uma insurgente e vigorosa classe burguesa, cheia de capital e ávida para tomar o poder das mãos do rei.

            As classes superiores eram o Clero (1.º Estado) e a Nobreza (2.º Estado) que não abriam mãos dos seus privilégios, o melhor deles era não ter que pagar impostos ao Estado, que neste caso, era o Rei.

            Foi aí, na França, que em 1789, após o rei ter chamado os Estados Gerais, para discutir e aprovar leis para taxar ainda mais os pobres, que explodiu a revolução burguesa que levou o povo a avançar sobre a prisão política mantida pela realeza.

            Este evento que aconteceu em 14 de julho de 1789 tornou-se conhecido como Tomada da Bastilha e marcou a revolta popular canalizada pela burguesia contra o que eles acreditavam ser o maior símbolo da intolerância e do autoritarismo real.

            Depois disto não demorou muito para o rei da época o Luís XVI perder seu gordo pescoço. Isso se deu em 1792, quando os jacobinos estavam no poder e descobriram que o rei conspirava para que outros países que ainda possuíam realeza atacassem a França junto como uma horda de emigrados que tinham fugido da Revolução Francesa.

            Pensar que o rei era uma autoridade constituída, segundo as classes dominantes, por Deus foi uma ousadia muito grande cometida pelo povo francês, imbuído, os lideres desta plebe, dos ideais do iluminismo e do liberalismo que a burguesia tanto apoiava: Liberdade, Fraternidade e Igualdade.

             Porém o final dessa história toda acontece dez anos depois em 1799 quando Napoleão dá o golpe do 18 Brumário e torna-se a grande liderança da França, imbuído do mais nobres ideais revolucionários burguês de levar o liberalismo para toda a Europa e se possível para a Rússia e para a África também.

CEMITÉRIO, UM CONTO DO GRANDE LIMA BARRETO



O Cemitério
de Lima Barreto

Pelas ruas de túmulos, fomos calados. Eu olhava vagamente aquela multidão de sepulturas, que trepavam,tocavam-se, lutavam por espaço, na estreiteza da vaga e nas encostas das colinas aos lados. Algumas pareciam se olhar com afeto,
roçando-se amigavelmente; em outras, transparecia a repugnância de estarem juntas. Havia solicitações incompreensíveis e também repulsões e antipatias; havia túmulos arrogantes, imponentes, vaidosos e pobres e humildes; e, em todos, ressumava o esforço extraordinário para escapar ao nivelamento da morte, ao apagamento que ela traz às condições e às fortunas.
Amontoavam-se esculturas de mármore, vasos, cruzes e inscrições; iam além; erguiam pirâmides de pedra tosca, faziam caramanchéis extravagantes, imaginavam complicações de matos e plantas — coisas brancas e delirantes, de um mau gosto que irritava. As inscrições exuberavam; longas, cheias de nomes, sobrenomes e datas, não nos traziam à lembrança nem um nome ilustre sequer; em vão procurei ler nelas celebridades, notabilidades mortas; não as encontrei. E de tal modo a nossa sociedade nos marca um tão profundo ponto, que até ali, naquele campo de mortos, mudo laboratório de decomposição, tive uma imagem dela, feita inconscientemente de um propósito, firmemente desenhadas por aquele acesso de túmulos pobres e ricos, grotescos e nobres, de mármore e pedra, cobrindo vulgaridades iguais umas às outras por força estranha às suas vontades, a lutar...
Fomos indo. A carreta, empunhada pelas mãos profissionais dos empregados, ia dobrando as alamedas, tomando ruas, até que chegou à boca do soturno buraco, por onde se via fugir, para sempre do nosso olhar, a humildade e a tristeza do contínuo da Secretaria dos Cultos.
Antes que lá chegássemos, porém, detive-me um pouco num túmulo de límpidos mármores, ajeitados em capela gótica, com anjos e cruzes que a rematavam pretensiosamente.
Nos cantos da lápide, vasos com flores de biscuit e, debaixo de um vidro, à nívea altura da base da capelinha, em meio corpo, o retrato da morta que o túmulo engolira. Como se estivesse na Rua do Ouvidor, não pude suster um pensamento mau e quase exclamei:
— Bela mulher!
Estive a ver a fotografia e logo em seguida me veio à mente que aqueles olhos, que aquela boca provocadora de beijos, que aqueles seios túmidos, tentadores de longos contatos carnais, estariam àquela hora reduzidos a uma pasta fedorenta, debaixo de uma porção de terra embebida de gordura.
Que resultados teve a sua beleza na terra? Que coisas eternas criaram os homens que ela inspirou? Nada, ou talvez outros homens, para morrer e sofrer. Não passou disso, tudo mais se perdeu; tudo mais não teve existência, nem mesmo para ela e para os seus amados; foi breve, instantâneo, e fugaz.
Abalei-me! Eu que dizia a todo o mundo que amava a vida, eu que afirmava a minha admiração pelas coisas da sociedade — eu meditar como um cientista profeta hebraico!
Era estranho! Remanescente de noções que se me infiltraram e cuja entrada em mim mesmo eu não percebera! Quem pode fugir a elas?
Continuando a andar, adivinhei as mãos da mulher, diáfanas e de dedos longos; compus o seu busto ereto e cheio, a cintura, os quadris, o pescoço, esguio e modelado, as espáduas brancas, o rosto sereno e iluminado por um par de olhos indefinidos de tristeza e desejos...
Já não era mais o retrato da mulher do túmulo; era de uma, viva, que me falava. Com que surpresa, verifiquei isso. Pois eu, que vivia desde os dezesseis anos, despreocupadamente, passando pelos meus olhos, na Rua do Ouvidor, todos os figurinos dos jornais de modas, eu me impressionar por aquela menina do cemitério! Era curioso. E, por mais que procurasse explicar, não pude.

Fim


ADÃO E EVA NUM CONTO DE MACHADO DE ASSIS:

Adão e Eva
de Machado de Assis
Uma senhora de engenho, na Bahia, pelos anos de mil setecentos e tantos, tendo algumas pessoas íntimas à mesa, anunciou a um dos convivas, grande lambareiro, um certo doce particular. Ele quis logo saber o que era; a dona da casa chamou-lhe curioso. Não foi preciso mais; daí a pouco estavam todos discutindo a curiosidade, se era masculina ou feminina, e se a responsabilidade da perda do paraíso devia caber a Eva ou a Adão. As senhoras diziam que a Adão, os homens que a Eva, menos o juiz-de-fora, que não dizia nada, e Frei Bento, carmelita, que interrogado pela dona da casa, D. Leonor:
— Eu, senhora minha, toco viola, respondeu sorrindo; e não mentia, porque era insigne na viola e na harpa, não menos que na teologia. 
Consultado, o juiz-de-fora respondeu que não havia matéria para opinião; porque as cousas no paraíso terrestre passaram-se de modo diferente do que está contado no primeiro livro do Pentateuco, que é apócrifo. Espanto geral, riso do carmelita que conhecia o juiz-de-fora como um dos mais piedosos sujeitos da cidade, e sabia que era também jovial e inventivo, e até amigo da pulha, uma vez que fosse curial e delicada; nas cousas graves, era gravíssimo.
— Frei Bento, disse-lhe D. Leonor, faça calar o Sr. Veloso.
— Não o faço calar, acudiu o frade, porque sei que de sua boca há de sair tudo com boa significação.
— Mas a Escritura... ia dizendo o mestre-de-campo João Barbosa.
— Deixemos em paz a Escritura, interrompeu o carmelita. Naturalmente, o Sr. Veloso conhece outros livros...
— Conheço o autêntico, insistiu o juiz-de-fora, recebendo o prato de doce que D. Leonor lhe oferecia, e estou pronto a dizer o que sei, se não mandam o contrário.
— Vá lá, diga.
— Aqui está como as cousas se passaram. Em primeiro lugar, não foi Deus que criou o mundo, foi o Diabo...
— Cruz! exclamaram as senhoras.
— Não diga esse nome, pediu D. Leonor.
— Sim, parece que... ia intervindo frei Bento.
— Seja o Tinhoso. Foi o Tinhoso que criou o mundo; mas Deus, que lhe leu no pensamento, deixou-lhe as mãos livres, cuidando somente de corrigir ou atenuar a obra, a fim de que ao próprio mal não ficasse a desesperança da salvação ou do benefício. E a ação divina mostrou-se logo porque, tendo o Tinhoso criado as trevas, Deus criou a luz, e assim se fez o primeiro dia. No segundo dia, em que foram criadas as águas, nasceram as tempestades e os furacões; mas as brisas da tarde baixaram do pensamento divino. No terceiro dia foi feita a terra, e brotaram dela os vegetais, mas só os vegetais sem fruto nem flor, os espinhosos, as ervas que matam
como a cicuta; Deus, porém, criou as árvores frutíferas e os vegetais que nutrem ou encantam. E tendo o Tinhoso cavado abismos e cavernas na terra, Deus fez o sol, a lua e as estrelas; tal foi a obra do quarto dia. No quinto foram criados os animais da terra, da água e do ar. Chegamos ao sexto dia, e aqui peço que redobrem de atenção.
Não era preciso pedi-lo; toda a mesa olhava para ele, curiosa.
Veloso continuou dizendo que no sexto dia foi criado o homem, e logo depois a mulher; ambos belos, mas sem alma, que o Tinhoso não podia dar, e só com ruins instintos. Deus infundiu-lhes a alma, com um sopro, e com outro os sentimentos nobres, puros e grandes. Nem parou nisso a misericórdia divina; fez brotar um jardim de delícias, e para ali os conduziu, investindo-os na posse de tudo. Um e outro caíram aos pés do Senhor, derramando lágrimas de gratidão. "Vivereis aqui", disse-lhe o Senhor, "e comereis de todos os frutos, menos o desta árvore, que é a da ciência do Bem e do Mal."
Adão e Eva ouviram submissos; e ficando sós, olharam um para o outro, admirados; não pareciam os mesmos. Eva, antes que Deus lhe infundisse os bons sentimentos, cogitava de armar um laço a Adão, e Adão tinha ímpetos de espancá-la.
Agora, porém, embebiam-se na contemplação um do outro, ou na vista da natureza, que era esplêndida. Nunca até então viram ares tão puros, nem águas tão frescas, nem flores tão lindas e cheirosas, nem o sol tinha para nenhuma outra parte as mesmas torrentes de claridade. E dando as mãos percorreram tudo, a rir muito, nos primeiros dias, porque até então não sabiam rir. Não tinham a sensação do tempo. Não sentiam o peso da ociosidade; viviam da contemplação. De tarde iam ver morrer o sol e nascer a lua, e contar as estrelas, e raramente chegavam a mil, dava-lhes o sono e dormiam como dous anjos.
Naturalmente, o Tinhoso ficou danado quando soube do caso. Não podia ir ao paraíso, onde tudo lhe era avesso, nem chegaria a lutar com o Senhor; mas ouvindo um rumor no chão entre folhas secas, olhou e viu que era a serpente. Chamou-a alvoroçado.
— Vem cá, serpe, fel rasteiro, peçonha das peçonhas, queres tu ser a embaixatriz de teu pai, para reaver as obras de teu pai?
A serpente fez com a cauda um gesto vago, que parecia afirmativo; mas o Tinhoso deu-lhe a fala, e ela respondeu que sim, que iria onde ele a mandasse, — às estrelas, se lhe desse as asas da águia — ao mar, se lhe confiasse o segredo de respirar na água — ao fundo da terra, se lhe ensinasse o talento da formiga. E falava a maligna, falava à toa, sem parar, contente e pródiga da língua; mas o diabo interrompeu-a:
— Nada disso, nem ao ar, nem ao mar, nem à terra, mas tão-somente ao jardim de delícias, onde estão vivendo Adão e Eva.
— Adão e Eva?
— Sim, Adão e Eva.
— Duas belas criaturas que vimos andar há tempos, altas e direitas como palmeiras?
— Justamente.
— Oh! detesto-os. Adão e Eva? Não, não, manda-me a outro lugar. Detesto-os! Só a vista deles faz-me padecer muito. Não hás de querer que lhes faça mal...
— É justamente para isso.
— Deveras? Então vou; farei tudo o que quiseres, meu senhor e pai. Anda, dize depressa o que queres que faça. Que morda o calcanhar de Eva? Morderei...
— Não, interrompeu o Tinhoso. Quero justamente o contrário. Há no jardim uma árvore, que é a da ciência do Bem e do Mal; eles não devem tocar nela, nem comer-lhe os frutos. Vai, entra, enrosca-te na árvore, e quando um deles ali passar, chama-o de mansinho, tira uma fruta e oferece-lhe, dizendo que é a mais saborosa fruta do mundo; se te responder que não, tu insistirás, dizendo que é bastante comê-la para conhecer o próprio segredo da vida. Vai, vai...
— Vou; mas não falarei a Adão, falarei a Eva. Vou, vou. Que é o próprio segredo da vida, não?
— Sim, o próprio segredo da vida. Vai, serpe das minhas entranhas, flor do mal, e se te saíres bem, juro que terás a melhor parte na criação, que é a parte humana, porque terás muito calcanhar de Eva que morder, muito sangue de Adão em que deitar o vírus do mal... Vai, vai, não te esqueças...
Esquecer? Já levava tudo de cor. Foi, penetrou no paraíso, rastejou até a árvore do Bem e do Mal, enroscou-se e esperou. Eva apareceu daí a pouco, caminhando sozinha, esbelta, com a segurança de uma rainha que sabe que ninguém lhe arrancará a coroa. A serpente, mordida de inveja, ia chamar a peçonha à língua, mas advertiu que estava ali às ordens do Tinhoso, e, com a voz de mel, chamou-a. Eva estremeceu.
— Quem me chama?
— Sou eu, estou comendo desta fruta...
— Desgraçada, é a árvore do Bem e do Mal!
— Justamente. Conheço agora tudo, a origem das coisas e o enigma da vida. Anda, come e terás um grande poder na terra.
— Não, pérfida!
— Néscia! Para que recusas o resplendor dos tempos? Escuta-me, faze o que te digo, e serás legião, fundarás cidades, e chamar-te-ás Cleópatra, Dido, Semíramis; darás heróis do teu ventre, e serás Cornélia; ouvirás a voz do céu, e serás Débora; cantarás e serás Safo. E um dia, se Deus quiser descer à terra, escolherá as tuas entranhas, e chamar-te-ás Maria de Nazaré. Que mais queres tu?
Realeza, poesia, divindade, tudo trocas por uma estulta obediência. Nem será só isso. Toda a natureza te fará bela e mais bela. Cores das folhas verdes, cores do céu azul, vivas ou pálidas, cores da noite, hão de refletir nos teus olhos. A mesma noite, de porfia com o sol, virá brincar nos teus cabelos. Os filhos do teu seio tecerão para ti as melhores vestiduras, comporão os mais finos aromas, e as aves te darão as suas plumas, e a terra as suas flores, tudo, tudo, tudo...
Eva escutava impassível; Adão chegou, ouviu-os e confirmou a resposta de Eva; nada valia a perda do paraíso, nem a ciência, nem o poder, nenhuma outra ilusão da terra. Dizendo isto, deram as mãos um ao outro, e deixaram a serpente, que saiu pressurosa para dar conta ao Tinhoso.
Deus, que ouvira tudo, disse a Gabriel:
— Vai, arcanjo meu, desce ao paraíso terrestre, onde vivem Adão e Eva, e traze-os para a eterna bem-aventurança, que mereceram pela repulsa às instigações do Tinhoso. E logo o arcanjo, pondo na cabeça o elmo de diamante, que rutila como um milhar de sóis, rasgou instantaneamente os ares, chegou a Adão e Eva, e disselhes:
— Salve, Adão e Eva. Vinde comigo para o paraíso, que merecestes pela repulsa às instigações do Tinhoso.
Um e outro, atônitos e confusos, curvaram o colo em sinal de obediência; então Gabriel deu as mãos a ambos, e os três subiram até à estância eterna, onde miríades de anjos os esperavam, cantando:
— Entrai, entrai. A terra que deixastes, fica entregue às obras do Tinhoso, aos animais ferozes e maléficos, às plantas daninhas e peçonhentas, ao ar impuro, à vida dos pântanos. Reinará nela a serpente que rasteja, babuja e morde, nenhuma criatura igual a vós porá entre tanta abominação a nota da esperança e da piedade.
E foi assim que Adão e Eva entraram no céu, ao som de todas as cítaras, que uniam as suas notas em um hino aos dous egressos da criação...
... Tendo acabado de falar, o juiz-de-fora estendeu o prato a D. Leonor para que lhe desse mais doce, enquanto os outros convivas olhavam uns para os outros, embasbacados; em vez de explicação, ouviam uma narração enigmática, ou, pelo menos, sem sentido aparente. D. Leonor foi a primeira que falou:
— Bem dizia eu que o Sr. Veloso estava logrando a gente. Não foi isso que lhe pedimos, nem nada disso aconteceu, não é, frei Bento?
— Lá o saberá o Sr. juiz, respondeu o carmelita sorrindo.
E o juiz-de-fora, levando à boca uma colher de doce:
— Pensando bem, creio que nada disso aconteceu; mas também, D. Leonor, se tivesse acontecido, não estaríamos aqui saboreando este doce, que está, na verdade, uma cousa primorosa. É ainda aquela sua antiga doceira de Itapagipe?
FIM

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