quinta-feira, 22 de junho de 2017

COCA – COLA: PEQUENA HISTÓRIA DE UMA GRANDE MULTINACIONAL.



            O refrigerante mais vendido em cerca de 150 países e que, em 1984, controlava 50% do mercado total de refrigerantes do Brasil, surgiu em 1886, na farmácia de John Pemberton, em Atlanta, Estados Unidos. Ele inventara um remédio para dor de cabeça e distúrbios do sistema nervoso.
            O segredo da Coca-Cola está na fórmula de seu xarope, conhecida por, no máximo, dez pessoas. A matriz norte-americana concede o direito de uso do xarope (importado de Atlanta) e do nome da firma, desde que os engarrafadores de todo o mundo respeitem as regras ditadas por ela – inclusive o desenho da garrafa – e paguem à Coca-Cola 15,7% do produto das vendas por atacado. De seus lucros, a matriz tira 5% para gastar em apoio publicitário e promocional nos diversos países.
            Em 1977, o governo da Índia nacionalizou a Coca-Cola, denunciando que a comercialização do misterioso xarope proporcionava à multinacional lucros de até 400%. Em 25 anos de atividade, a empresa investira apenas 100 mil dólares na Índia e levara para os Estados Unidos lucros no valor de 12 milhões de dólares!
            A Coca-Cola chegou ao Brasil em 1939.            Examinado o xarope em laboratórios, não se conseguiu descobrir sua fórmula, mas verificou-se que ele contém aditivos químicos prejudiciais à saúde. O principal é o ácido fosfórico, que se combina com o cálcio existente no organismo humano. Tal combinação faz com que o organismo ponha para fora o cálcio, tão importante à saúde, na forma de fosfato de cálcio. Essa descalcificação produz enfraquecimento dos ossos, especialmente dos dentes em formação.
            Pesquisa realizada pela Universidade de São Paulo, em 1968, comprovou que ratos alimentados com coca-cola apresentavam deficiências na segunda geração de filhos – seus ossos partiam com facilidade.
            Apesar das conclusões dos laboratórios em 1939, Getúlio Vargas baixou um decreto facilitando a entrada do produto no país. Apenas o consumidor ficava avisado de que o registro do produto é falso, pois nem o governo conhece sua verdadeira fórmula. Por isso, toda garrafa de coca-cola traz sob o nome do refrigerante: marca registrada de fantasia. “De fantasia”é um eufemismo para dizer que não é verdadeiro, que o registro é falso.



Revista Exame, 21-3-84, e Retrato do Brasil, vol. I, pp.175 a 177 (adaptados)



quarta-feira, 21 de junho de 2017

LEANDRO KARNAL ALEGA QUE A PACIÊNCIA É A MAIOR VIRTUDE QUE OS PROFESSORES PODEM TER, LEMBRANDO OS DIZERES DE RUBEM ALVES


ERRO 5: DESISTIR DE UM ALUNO

         Hoje, eu acho que ser paciente é a maior virtude do professor. Não a clássica paciência de não esganar um adolescente numa última aula de sexta-feira, mas a paciência de saber que, como diz Rubem Alves, plantamos carvalhos e não eucaliptos. Nossa tarefa é constante, difícil, com resultados poucos visíveis a médio prazo. Porém, se você está lendo este texto, lembre-se: houve uma professora ou um professor que o alfabetizou, que pegou na sua mão e ensinou, dezenas de vezes, a fazer a simples curva da letra O. Graças a essas paciências, somos o que somos. O modelo da paciência pedagógica é a recomendação materna para escovar os dentes: foi repetida quatro vezes ao dia, durante mais de uma década, com erros diários e recaídas diárias. As mães poderiam dizer: já que vocês não querem nada com o que é melhor para vocês, permaneçam do jeito que estão que eu não vou mais gritar sobre isso (típica frase de sala de aula...). Sem essas paciências, seríamos analfabetos e banguelas. Não devemos oferecer menos ao nosso aluno, especialmente ao aluno que não merece e nem quer essa paciência – este é o que necessita urgentemente dela. O doente precisa do médico, não o sadio. O aluno-problema precisa de nós, não o brilhante e limpo discípulo da primeira carteira.
         É um erro que já cometi muito. Um aluno não me ouve. Não faz nada do que eu peço. Diante de qualquer tentativa, sutil ou forte, ele reage com indiferença absoluta. Eu insisto, chamo para conversar, estimulo, repreendo. Nada. Absolutamente nada. Todos os colegas dizem o mesmo: “esse aí não quer nada com nada”. Por vezes denunciam uma espécie de maldição genética: “já dei aula para os irmãos dele, naquela família ninguém quer nada com nada”.
         Parece que o aluno, o DNA, os colegas, o sistema e tudo o mais indicam que devemos desistir. Afinal, o que eu posso fazer com apenas aquele tempinho e tendo tantos estudantes para atender? Nesse momento, queria dizer para mim e ler muitas vezes para mim e aproveitar para dizer a vocês: não desistam. Desistir de um aluno e declarar que nada mais pode ser feito é um fracasso doloroso para todos, para o professor inclusive. Acho que há momento para desligar as máquinas num centro de tratamento intensivo. Acho que há momentos em que a doença vence. Mas gostaria, na minha vida profissional, que eles fossem escassos. É a vitória da morte, num hospital ou numa sala de aula.
         O mais dramático é que, por vezes, é o aluno que nos pede para desistir. Ouvi tanto isso deles. “Não adianta, professor. EU NÃO QUERO APRENDER...” Encare sempre esse desafio. Quem não quer é o que mais precisa. Volto para a escova de dentes.


Leandro karnal. Conversas com um Jovem Professor - pp.39 e 40

domingo, 18 de junho de 2017

LEANDRO KARNAL NOS LEMBRA QUE SOMOS PROFESSORES E NÃO UM ALUNO MAIS ADIANTADO

ERRO 4: SOU O PROFESSOR E NÃO UM ALUNO MAIS ADIANTADO!


         É difícil explicar este erro. Só percebi num outro campo: o da academia de ginástica. Alguns instrutores, vendo que determinados alunos tinham dificuldade com pesos maiores ou exercícios mais complexos, iam lá e faziam aquilo com facilidade para mostrar como era simples. Percebi que se comportavam como alunos mais adiantados e não como professores. Qual a diferença?
         Os alunos competem entre si porque estão próximos. O que consegue resolver um problema, tripudia sobre o que não consegue. Aquele que corre mais na Educação Física ou aquele que acha mais rapidamente a solução de um problema químico lança olhares vitoriosos para os colegas. Isso faz parte do jogo.
         Um professor pode e deve fazer melhor tudo aquilo que tenta ensinar. Somos treinados para isso. Passamos anos aprendendo essas coisas. Quase tudo na nossa área é mais fácil para nós do que para quem não pertence ao mesmo ramo de atividade. Isso não nos torna melhores do que os alunos, apenas mais aptos profissionalmente a fazer aquilo para o qual somos pagos.

         Ao responder a um aluno, ao ensiná-lo fazendo algo, ao demonstrar a forma correta de fazer um exercício físico, segurar um compasso ou melhorar um texto, devo ter presente que sou o professor. Não posso me exibir com meus conhecimentos superiores. Não sou colega dele. Sou o profissional da área. Saber mais naquele campo não me torna melhor, apenas significa que estou há mais tempo naquele campo de conhecimento.




sábado, 17 de junho de 2017

PERGUNTAR NÃO OFENDE!?!


             Será que a Ética tem lado??? Direita??? Esquerda??? Centro??? Será que não é possível eu, sendo de Esquerda, respeitar e conviver pacificamente com você de Centro ou Direita??? Será que você, de Direita ou de Esquerda, sendo eu de Centro não possamos ter amizade, respeitando a opinião do amigo que pensa diferente??? Será possível ter posições éticas, à Direita, ao mesmo tempo que à Esquerda e ao Centro??? Será que é válida e racional a discussão que o Capitalismo matou 100 milhões de pessoas e o Socialismo 99 milhões??? Qual dos dois regimes ou modo de produção seria mais ético, ou ambos são antiéticos??? Honestidade está à Direita, à Esquerda, no Centro??? O autoritarismo, qual deles é suportável??? O de Direita??? O de Centro??? O de Esquerda??? O autoritarismo quando vem da Direita é apenas ruim para a Esquerda??? E o autoritarismo de Esquerda é apenas ruim para a Direita??? E o Centro onde fica nesta história??? A fome está mais do lado da Esquerda??? A riqueza está mais do lado da Direita??? E o Centro cabe nos dois??? E a Democracia, ela é burguesa ou proletária, ou fica no centro, ou, realmente, inexiste??? A felicidade, acontece mais quando sou de Esquerda, de Direita ou de Centro??? É possível conviver sendo de Direita, Centro ou Esquerda??? É possível respeitar e ser democrático tendo pessoas pensando diferente, ou o confronto é inevitável??? É possível, eu moderar meu vocabulário no Facebook ou outra rede social, com aqueles que diferem ideologicamente de mim??? Será que isso é uma questão mais de Educação do que ideológica??? É possível ser crítico, e questionar a opinião daquele que pensa do outro lado do espectro ideológico, sem perder as estribeiras e partir para ofensas e palavras de baixo nível??? É possível debater de forma respeitosa??? Será que isso depende de cada um??? Ou é da cultura autoritária do Brasileiro??? Como podem ver são muitas as questões, coloque a sua também nos comentários, ou se quiser, tente dar uma resposta...

quarta-feira, 14 de junho de 2017

COMO EINSTEIN VIA O MUNDO EM 1953

COMO VEJO O MUNDO 
            Minha condição humana me fascina. Conheço o limite de minha existência e ignoro por que estou nesta terra, mas às vezes o pressinto. Pela experiência cotidiana, concreta e intuitiva, eu me descubro vivo para alguns homens, porque o sorriso e a felicidade deles me condicionam inteiramente, mas ainda para outros que, por acaso, descobri terem emoções semelhantes às minhas.
            E cada dia, milhares de vezes, sinto minha vida – corpo e alma – integralmente tributária do trabalho dos vivos e dos mortos. Gostaria de dar tanto quanto recebo e não paro de receber. Mas depois experimento o sentimento satisfeito de minha solidão e quase demonstro má consciência ao exigir ainda alguma coisa de outrem. Vejo os homens se diferenciarem pelas classes sociais e sei que nada as justifica a não ser pela violência. Sonho ser acessível e desejável para todos uma vida simples e natural, de corpo e de espírito.
            Recuso-me a crer na liberdade e neste conceito filosófico. Eu não sou livre, e sim às vezes constrangido por pressões estranhas a mim, outras vezes por convicções íntimas. Ainda jovem, fiquei impressionado pela máxima de Schopenhauer: “O homem pode, é certo, fazer o que quer, mas não pode querer o que quer”; e hoje, diante do espetáculo aterrador das injustiças humanas, esta moral me tranquiliza e me educa. Aprendo a tolerar aquilo que me faz sofrer. Suporto então melhor meu sentimento de responsabilidade. Ele já não me esmaga e deixo de me levar, a mim ou aos outros, a sério demais. Vejo então o mundo com bom humor. Não posso me preocupar com o sentido ou a finalidade de minha existência, nem da dos outros, porque, do ponto de vista estritamente objetivo, é absurdo. E no entanto, como homem, alguns ideais dirigem minhas ações e orientam meus juízos. Porque jamais considerei o prazer e a felicidade como um fim em si e deixo este tipo de satisfação aos indivíduos reduzidos a instintos de grupo.
            Em compensação, foram ideais que suscitaram meus esforços e me permitiram viver. Chamam-se o bem, a beleza, a verdade. Se não me identifico com outras sensibilidades semelhantes à minha e se não me obstino incansavelmente em perseguir este ideal eternamente inacessível na arte e na ciência, a vida perde todo o sentido para mim. Ora, a humanidade se apaixona por finalidades irrisórias que têm por nome a riqueza, a glória, o luxo. Desde moço já as desprezava.
            Tenho forte amor pela justiça, pelo compromisso social. Mas com muita dificuldade me integro com os homens e em suas comunidades. Não lhes sinto a falta porque sou profundamente um solitário. Sinto-me realmente ligado ao Estado, à pátria, a meus amigos, a minha família no sentido completo do termo. Mas meu coração experimenta, diante desses laços, curioso sentimento de estranheza, de afastamento e a idade vem acentuando ainda mais essa distância. Conheço com lucidez e sem prevenção as fronteiras da comunicação e da harmonia entre mim e os outros homens. Com isso perdi algo da ingenuidade ou da inocência, mas ganhei minha independência. Já não mais firmo uma opinião, um hábito ou um julgamento sobre outra pessoa. Testei o homem. É inconsistente.
            A virtude republicana corresponde a meu ideal político. Cada vida encarna a dignidade da pessoa humana, e nenhum destino poderá justificar uma exaltação qualquer de quem quer que seja. Ora, o acaso brinca comigo. Porque os homens me testemunham uma incrível e excessiva admiração e veneração. Não quero e não mereço nada. Imagino qual seja a causa profunda, mas quimérica, de seu sentimento. Querem compreender as poucas ideias que descobri. Mas a elas consagrei minha vida, uma vida inteira de esforço ininterrupto.
            Fazer, criar, inventar exigem uma unidade de concepção, de direção e de responsabilidade. Reconheço esta evidência. Os cidadãos executantes, porém, não deverão nunca ser obrigados e poderão escolher sempre seu chefe.
            Ora, bem depressa e inexoravelmente, um sistema autocrático de domínio se instala e o ideal republicano degenera. A violência fascina os seres moralmente mais fracos. Um tirano vence por seu gênio, mas seu sucessor será sempre um rematado canalha. Por esta razão, luto sem tréguas e apaixonadamente contra os sistemas dessa natureza, contra a Itália fascista de hoje e contra a Rússia Soviética de hoje. A atual democracia na Europa naufraga e culpamos por esse naufrágio o desaparecimento da ideologia republicana. Aí vejo duas causas terrivelmente graves. Os chefes de governo não encarnam a estabilidade e o modo da votação se revela impessoal. Ora, creio que os Estados Unidos da América encontraram a solução desse problema. Escolheram um presidente responsável eleito por quatro anos. Governa efetivamente e afirma de verdade seu compromisso. Em compensação, o sistema político europeu se preocupa mais com o cidadão, com o enfermo e o indigente. Nos mecanismos universais, o mecanismo Estado não se impõe como o mais indispensável. Mas é a pessoa humana, livre, criadora e sensível que modela o belo e exalta o sublime, ao passo que as massas continuam arrastadas por uma dança infernal de imbecilidade e de embrutecimento.
            A pior das instituições gregárias se intitula exército. Eu o odeio. Se um homem puder sentir qualquer prazer em desfilar aos sons de música, eu desprezo este homem... Não merece um cérebro humano, já que a medula espinhal o satisfaz. Deveríamos fazer desaparecer o mais depressa possível este câncer da civilização. Detesto com todas as forças o heroísmo obrigatório, a violência gratuita e o nacionalismo débil. A guerra é a coisa mais desprezível que existe. Preferiria deixar-me assassinar a participar desta ignomínia.
            No entanto, creio profundamente na humanidade. Sei que este câncer de há muito deveria ter sido extirpado. Mas o bom senso dos homens é sistematicamente corrompido. E os culpados são: escola, imprensa, mundo dos negócios, mundo político.
            O mistério da vida me causa a mais forte emoção. É o sentimento que suscita a beleza e a verdade, cria a arte e a ciência. Se alguém não conhece esta sensação ou não pode mais experimentar espanto ou surpresa, já é um morto-vivo e seus olhos se cegaram. Aureolada de temor, é a realidade secreta do mistério que constitui também a religião. Homens reconhecem então algo de impenetrável a suas inteligências, conhecem porém as manifestações desta ordem suprema e da Beleza inalterável. Homens se confessam limitados e seu espírito não pode apreender esta perfeição. E este conhecimento e esta confissão tomam o nome de religião. Deste modo, mas somente deste modo, sou profundamente religioso, bem como esses homens. Não posso imaginar um Deus a recompensar e a castigar o objeto de sua criação. Não posso fazer ideia de um ser que sobreviva a morte do corpo. Se semelhantes ideias germinam em um espírito, para mim é ele um fraco, medroso e estupidamente egoísta.
            Não me canso de contemplar o mistério da eternidade da vida. Tenho uma intuição da extraordinária construção do ser. Mesmo que o esforço para compreendê-lo fique sempre desproporcionado, vejo a Razão se manifestar na vida.


   
QUAL O SENTIDO DA VIDA?
            Tem um sentido a minha vida? A vida de um homem tem sentido? Posso responder a tais perguntas se tenho espírito religioso. Mas, “fazer tais perguntas tem sentido?” Respondo: “Aquele que considera sua vida e a dos outros sem qualquer sentido é fundamentalmente infeliz, pois não tem motivo algum para viver.”



COMO JULGAR UM HOMEM?
            De acordo com uma única regra determino o autêntico valor de um homem: em que grau e com que finalidade o homem se libertou de seu Eu?


PARA QUÊ AS RIQUEZAS?

            Todas as riquezas do mundo, ainda mesmo nas mãos de um homem inteiramente devotado à ideia do progresso, jamais trarão o menor desenvolvimento moral para a humanidade. Somente os seres humanos excepcionais e irrepreensíveis suscitam ideias generosas e ações elevadas. Mas o dinheiro polui tudo e degrada sem piedade a pessoa humana. Não posso comparar a generosidade de um Moisés, de um Jesus ou de um Gandhi com a generosidade de uma Fundação Carnegie qualquer.

sábado, 10 de junho de 2017

LEANDRO KARNAL COLOCA O PROFESSOR COMO UMA REFERÊNCIA PARA OS ALUNOS


ERRO 3: DECIFRA-ME OU TE DEVORO
            Ao contrário dos dois anteriores, este não é um erro específico, mas algo diluído em muitas atitudes. O professor é uma autoridade em muitos sentidos. Para alguns de nossos alunos provavelmente, somos os adultos com quem eles mais convivem. Percebo que há poucos lares onde os filhos e pais conversam com frequência. Logo, por mais indiferente que um jovem seja com a escola, somos uma referência.
            Por que destaco isso? O rosto do professor e sua linguagem corporal indireta são mais observados pelos alunos do que a fala em si. Exemplo de erro que eu já cometi muitas vezes. Ao fazer a chamada no primeiro dia, deparo-me com um daqueles nomes, digamos, exóticos. Os pais combinam sílabas de outros nomes ou grafam de um jeito original. Muitas vezes, fui ler um nome desses em sala, fiz uma careta e exclamei algo como: “Nossa!” Era uma sincera estranheza diante do inusitado. Mas esse inusitado era o nome de alguém, sendo lido alto por mim diante de quarenta colegas. Momento delicadíssimo. Só minha careta já era uma condenação absoluta. Fui, aos poucos, aprendendo que ler o nome de alguém, pela primeira vez, é um ato delicado. Passei a pedir antes que me corrigissem. Falo agora que o problema sou eu, que enxergo mal. Tento diminuir esse possível impacto negativo, especialmente se for o primeiro. Se a aluna anuncia que o nome dela é proparoxítono (bem, ela não dirá assim), coloco acento a lápis no diário.

            Exemplo menor: tive um aluno italiano. Ele se chamava Michelle, nome que deve ser pronunciado com som de K no Ch e é masculino como Andrea na Itália. Ele me corrigiu o erro de pronunciar como no Brasil, Michelle com som de X no Ch. Eu, que não falo italiano, quando ele me corrigiu, fiz cara de estranhamento e disse: “Você tem certeza de que é nome de homem?” Bem, a turma, é claro, caiu em cima dele. De novo, o narcisismo. Eu, simplesmente, deveria agradecer a correção e reconhecer que eu tinha uma limitação: não sabia (e não sei) falar italiano. Minha intenção não era ironizá-lo (ao contrário da primeira história), mas foi o que eu consegui.
            Essas cenas são abundantes. Tenho um defeito grave para que dá aula: sou impaciente. Acho que tudo, do trânsito à fala das pessoas, é muito lento e enrolado. Um aluno começa a fazer a pergunta: “eu queria perguntar, não sei se está certo, mas eu queria saber, hum... hã...” Não recrimino nem deixo de responder a nenhuma pergunta. Mas meu rosto me trai. Meus olhos fuzilam. Minha respiração muda. Fico querendo que aquela fala enrolada termine logo e ele faça a pergunta clara e objetiva.
            O tempo da pergunta é dado pelo perguntador. Se for longa demais ou com coisas demais, posso e devo me oferecer para responder após a aula ou em outra ocasião para não atrapalhar o andamento. Sempre com um sorriso. O que eu imagino que seja enrolação, é um processo que pode ser duplo: meu aluno está elaborando mentalmente o caminho da dúvida e está enfrentando o som da sua voz em público, sob o olhar fuzilante de toda a classe. De alguma forma, certas vezes, ao lançar meu olhar de desespero com a lentidão dele, eu fico ao lado da sala no seu julgamento e reforço, sem nada dizer, que aquele indivíduo é lento ou atrapalhado.

            É uma estratégia de sociabilidade perversa que a maioria dos grupos tem. Para formar coesão grupal ou conseguir o apoio do grupo, elejo os alvos da minha ironia e do meu veneno. Quando um colega ataca outro de comportamento alternativo ou com uma estética que foge ao padrão usual, está tentando, via maldade, ser aceito pelos demais. Meu olhar de professor, querendo ou não, pode ajudar muito a dissolver essa maldade que abunda em tantos grupos sociais e na sala de aula, ou pode reforçar com comentários, gestos ou olhares.
            Sim, ser um bom professor significa até tentar controlar seu olhar ou outros indicativos de desagrado não verbais. E se eu não conseguir? Bem: aprendi que quando erramos por pensamentos, palavras, atos ou omissões, e ferimos um aluno de forma culposa ou dolosa, só tem um jeito: pedir desculpas sinceras, conversar com esse aluno e indicar que você luta, mas que é humano também. Faz parte da dinâmica das relações humanas. Mas se você foi o responsável pela sujeira, limpe você mesmo e siga adiante com mais cuidado naquele ponto. Pelo menos tente não errar da mesma forma no mesmo lugar e com a mesma pessoa. Isso já é um passo no caminho da maturidade.


LEANDRO KARNAL (Conversas com um Jovem Professor, Editora Contexto, 2012, pp.35-38)


sexta-feira, 9 de junho de 2017

METODOS MODERNOS DE INQUISIÇÃO


                "O Problema que os intelectuais desse país [Alemanha] têm de enfrentar parece muito grave. Os políticos reacionários, agitando o espectro de um perigo externo, conseguiram sensibilizar a opinião pública contra todas as atividades dos intelectuais. Graças a este primeiro sucesso, tentam agora proibir a liberdade do ensino e expulsar de seu posto os recalcitrantes. Isto se chama aniquilar alguém pela fome.

                "Que deve fazer a minoria intelectual contra este mal? Só vejo uma única saída possível: a revolucionária, da desobediência, a da recusa a colaborar, a de Ghandi. Cada intelectual, citado diante de uma comissão, deveria negar-se a responder. O que equivaleria a estar pronto a deixar-se prender, a deixar-se arruinar financeiramente, em resumo, a sacrificar seus interesses pessoais pelos interesses culturais do país.


                "A recusa não deveria fundar-se sobre o artifício bem conhecido de objeção de consciência. Mas um cidadão irrepreensível não aceita submeter-se a uma tal inquisição, em total infração do espírito da constituição. E se alguns intelectuais se manifestarem, bastante corajosos para escolher este caminho heroico, eles triunfarão. A não ser assim, os intelectuais deste país não merecem coisa melhor do que a escravidão que lhes é prometida."

Do livro Como Vejo o Mundo, pp. 28 - 29

Einstein demonstra nesse texto que a intolerância que predomina no Brasil e  no mundo nos dias atuais, também aconteceu antes da Segunda Guerra Mundial com a ascensão do Nazismo na Alemanha a partir de 1933, por isso devemos nos precaver, principalmente aqueles que compram certos discursos prontos dos ditos "salvadores da pátria".

Veja também:

ARQUEOLOGIA E PALEONTOLOGIA: DOIS MUNDOS, UM MESMO FASCÍNIO PELO PASSADO

Quando falamos em escavar o solo em busca de vestígios do passado, muitas pessoas imediatamente pensam em fósseis de dinossauros e utensílio...

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