Quarto de despejo:
Diário de uma favelada é um livro autobiográfico de Carolina Maria de Jesus,
que foi publicado em 1960. No livro, Carolina de Jesus relata sua vivência como
moradora da favela, mãe e catadora de papel.
Primeira edição em 1960.
Carolina Maria de Jesus foi uma das
primeiras autoras negras publicadas no Brasil e teve sua vida atravessada pela
miséria e pela fome. Era favelada e catadora de papel (o que hoje chama de
reciclagem), narrou em seus escritos a dura vida que teve desde a infância.
Além de instrumento de denúncia social
produzido por alguém que efetivamente vivia em condições de vida precária, suas
mais de cinco mil páginas manuscritas, entre romances, contos, crônicas e
poemas, peças de teatro, canções e textos de gênero híbrido, dotadas de estilo
próprio, confrontam os ditames da tradição literária e da norma padrão culta da
língua. Carolina foi publicada em mais de 40 países e traduzida para 14
línguas.
Biografia de Carolina Maria de Jesus
Natural da cidade de Sacramento, sudeste
de Minas Gerais, Carolina Maria de Jesus nasceu em 14 de março de 1914. De
origem muito humilde, era neta de escravizados e uma entre os oito filhos de
uma lavadeira analfabeta. Desde criança, Carolina, manifestava o desejo intenso
de aprender a ler e a curiosidade incessante sobre o mundo – tudo perguntava e
tudo queria saber.
Incentivada por uma das freguesas de sua
mãe, a pequena Carolina, ingressa aos sete anos no Colégio Alan Kardec. Cursa a
primeira e a segunda séries do primário, mas teve que deixar a escola, pois a
mãe não conseguia mais manter a si e aos filhos na cidade e resolveu mudar-se
para a roça. Moraram ainda em diversos outros lugares, como Ubatuba, Franca e
Ribeirão Preto, sempre lidando com dificuldades. Passaram fome, frio, não tendo
onde morar.
Carolina chegou a São Paulo em 1947. Sua
rebeldia natural fazia com que não se adaptasse ao trabalho de empregada
doméstica. No ano seguinte, engravidou de um português, que a abandonou. Na
época, ninguém dava emprego para mãe solteira e Carolina foi morar na rua. Foi
então que chegou à favela do Canindé: o governador paulista Adhemar de Barros
mandara recolher todos os mendigos pelas ruas e despejá-los num grande terreno
à margem esquerda do rio Tietê.
Construiu seu próprio barraco, onde
nasceram seus três filhos, João José (1948), José Carlos (1950) e Vera Eunice
(1953), cada um de um relacionamento diferente. Carolina dizia que homem algum
ia entender sua necessidade literária, pois estava sempre às voltas com os
livros, os lápis, os cadernos, onde registrava tudo o que lhe cercava.
Foi no Canindé que seu talento foi
descoberto: Audálio Dantas, um jornalista que visitava o local, em busca de
material para uma reportagem sobre a favela, que crescia acentuadamente, viu Carolina
ralhando com um bando de marmanjos que não queriam desocupar o parquinho,
ameaçando colocar o nome deles em seu livro. O jornalista quis saber que livro
era esse e percebeu que ali o talento da escritora. Publicou algum dos escritos
no jornal e reuniu os outros em Quarto de
Despejo, lançado em 1960.
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Audálio Dantas com Carolina Maria de Jesus na favela Canindé |
A partir de então, Carolina conheceu o
sucesso e a ascensão social, sendo convidada para diversas entrevistas e
viagens, e virou assunto entre escritores de renome, como Rachel de Queiroz e
Manuel Bandeira. Lançou mais dois livros e gravou um L.P. (Long Play – disco grande
de vinil) com canções de sua autoria. Foi traduzida para diversos idiomas e conhecida
em inúmeros países. Saiu finalmente da favela e mudou-se para uma casa no
bairro de Santana na capital paulista.
Entretanto o lampejo da fama durou pouco:
em suas próprias palavras, Carolina tinha virado um artigo de consumo, alguém
que é vista com curiosidade, mas descartada depois que a moda passa. Teve de
voltar à condição de catadora de papel para garantir sua sobrevivência.
Carolina Maria de Jesus morreu no dia 13
de fevereiro de 1977, com 63 anos, cansada, asmática, esquecida pelo mercado
editorial, morando num sítio em Parelheiros. Os livros publicados depois de Quarto de Despejo não tiveram o sucesso
do primeiro. O descaso fez com que a autora fosse preterida pelo cânone literário,
mas a magnitude de seu trabalho criativo ressurge nos últimos anos,
devolvendo-lhe o epíteto de grande escritora que ela sempre soube ser seu.
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Carolina Maria de Jesus entrega livro ao Presidente João Goulart |
Obras publicadas
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Em vida
Quarto de despejo: diário de uma
favelada (1960)
Casa de alvenaria: diário de uma
ex-favelada (1961)
Pedaços da fome (1963)
Provérbios (1965)
·
Publicações póstumas
Diário de Bitita (1986)
Meu estranho diário (1996)
Antologia pessoal (1996)
Onde estaes felicidade? (2014)
Autora prolífica de diversos
gêneros textuais, Carolina morreu deixando muitos manuscritos que, até os dias
de hoje, não foram publicados.
Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada
Livro de estreia da autora
foi o que lhe rendeu a fama e a importância em nossa literatura. Escrito em
papéis que coletava dos lixos e das ruas da metrópole, separados entre os
outros materiais recicláveis que garantiam seu parco sustento, Quarto de
Despejo é um compilado dos diários da vida de Carolina, e reverbera em suas páginas
a dureza da fome, o cheiro do lixo, a existência de tantos brasileiros que
vivem em meio à miséria e aos dejetos:
“Quando estou na cidade tenho a impressão que estou na sala de visita
com seus lustre de cristais, seus tapetes de viludo, almofadas de sitim. E
quando estou na favela tenho a impressão que sou um objeto fora de uso, digno de
estar num quarto de despejo” (JESUS, Carolina Maria de. Quarto de Despejo,
1960, p.37).
Ao quarto de despejo se destina
tudo aquilo que não se quer mais, aquilo que se afasta dos olhos, que é
descartável, indesejado. O livro revela ao leitor as condições degradantes de
quem vive das sobras, num contexto de extrema pobreza na favela do Canindé,
onde humanos conviviam com ratos e abutres, e o rio Tietê, muito próximo,
tantas vezes inundava os barracos com lixo e dejetos.
A sujeira é um tema
constante, junto com a pobreza, a fome e o racismo: sem dinheiro nem para
comprar sabão, Carolina expõe o preconceito existente dentro da favela – um dos
moradores chama-a de “preta imunda e vagabunda” – desfazendo, entre muitos
outros exemplos, o estereótipo do favelado unido e fraterno. Para Carolina
Maria de Jesus não existia solidariedade na favela.
Ela mesma sentia-se superior
por guardar entre seus pertences livros como: Os Miseráveis de Victor Hugo;
Éramos Seis, de Leandro Dupré e; Primaveras de Casimiro de Abreu. Ela
acreditava vingar-se de seus vizinhos: porque era preta, favelada e miserável,
mas escritora.
“Eu sou negra, a fome é amarela e dói muito (...). E assim no dia 13 de
maio eu lutava contra a escravatura atual – a fome!”, diz a autora. A luta
constante para conseguir dar de comer aos filhos e alimentar se repete
incessantemente, dividindo espaço com os acontecimentos da favela: a
prostituição, os efeitos destruidores do álcool, a constante violência de
homens que espancam suas esposas e o quanto essas mesmas esposas espancadas
criticavam Carolina por esta não querer se casar.
Quarto de Despejo tornou-se um Best Seller, ultrapassando a venda
de 10 mil exemplares em uma semana, tendo oito edições no ano de seu
lançamento. Foi traduzido para 16 idiomas, publicado em 46 países e é um
importante meio de denúncia de um Brasil extremamente desigual, uma tentativa
literária de escapar a condições de vida sem o mínimo necessário para a
sobrevivência, retrato lúcido de um país racista, esfomeado e sombrio, que não
aparecia na grande mídia
Depois de mais de 60 anos da
primeira edição de Quarto de Despejo,
parece que os males da favela do Canindé apenas aumentaram de tamanho!
O próximo livro será Capitães de Areia de Jorge Amado. Até lá.