segunda-feira, 11 de abril de 2022

A CRUEL VIDA NAS FAVELAS

           O trecho abaixo é extraído do livro Quarto de Despejo de Carolina Maria de Jesus (pp. 35 e 36), mulher, negra, favelada, catadora de papel, vidro e ferro. Neta de escravizados enfrenta dia a dia a fome e um sistema inumano, que vê o pobre como caso de polícia.

            As favelas proliferaram, hoje com o infortúnio das drogas, facções criminosas e milícias. Também vemos moradores se organizando e combatendo o sistema como podem, seja com enfrentamentos, atos culturais como o Hip Hop e outras formas de luta.

     Porém, o escravismo é uma herança cruel aos brasileiros, a violência contra os pobres, negros, mulheres, homossexuais e transgêneros é o resquício dos tempos em que a polícia foi criada para capturar e bater em escravizados.

            Pena que Carolina Maria de Jesus morreu em 1977, pois gostaria de vê-la entre os 20 milhões de brasileiros que deixaram a linha da miséria nos anos 2003 a 2016 foi um período em que pelo menos eram garantidas três refeições diárias àqueles que foram historicamente menos favorecidos.


            Também tenho certeza que ela estaria na linha de frente lutando contra àqueles que nos dias atuais querem conservar o Brasil como nos idos de 1957, ou, se possível fosse, voltar à escravidão.

(Cláudio Maffei)

 



         “Eu hoje estou triste. Estou nervosa. Não sei se choro ou saio correndo sem parar até cair inconciente. É que hoje amanheceu chovendo. E eu não saí para arranjar dinheiro. Passei o dia escrevendo. Sobrou macarrão, eu vou esquentar para os meninos.

         Cosinhei as batatas, eles comeram. Tem uns metais e um pouco de ferro que eu vou vender no Seu Manuel. Quando o João chegou da escola eu mandei ele vender os ferros. Recebeu 13 cruzeiros. Comprou um copo de agua mineral, 2 cruzeiros. Zanguei com ele. Onde já se viu favelado com estas finezas? (...) Os meninos come muito pão. Eles gostam de pão mole. Mas quando não tem eles comem pão duro.

         Duro é o pão que nós comemos. Dura é a cama que dormimos. Dura é a vida do favelado.

         Oh! São Paulo rainha que ostenta vaidosa a tua coroa de ouro que são os arranha-céus. Que veste viludo e seda e calça meias de algodão que é a favela.

         (...) O dinheiro não deu para comprar carne, eu fiz macarrão com cenoura. Não tinha gordura, ficou horrivel. A Vera é a única que reclama e pede mais. E pede:

         — Mamãe, vende eu para a Dona Julita, porque lá tem comida gostosa.

         Eu sei que existe brasileiros aqui dentro de São Paulo que sofre mais do que eu. Em junho de 1957 eu fiquei doente e percorri as sedes do Serviço Social. Devido eu carregar muito ferro fiquei com dor nos rins. Para não ver os meus filhos passar fome fui pedir auxilio ao propalado Serviço Social. Foi lá que eu vi as lagrimas deslisar dos olhos dos pobres. Como é pungente ver os dramas que ali se desenrola. A ironia com que são tratados os pobres. A única coisa que eles querem saber são os nomes e os endereços dos pobres.

         Fui no Palacio, o Palacio mandou-me para a sede na Av. Brigadeiro Luís Antonio. Avenida Brigadeiro me enviou para o Serviço Social da Santa Casa.

         Falei com a Dona Maria Aparecida que ouviu-me e respondeu-me tantas coisas e não disse nada. Resolvi ir no Palacio e entrei na fila. Falei com o senhor Alcides. Um homem que não é niponico, mas é amarelo como manteiga deteriorada. Falei com o senhor Alcides:

         —Eu vim aqui pedir um auxilio porque estou doente. O senhor mandou-me ir na Avenida Brigadeiro Luis Antonio, eu fui. Avenida Brigadeiro mandou-me ir na Santa Casa. E eu gastei o único dinheiro que eu tinha com as conduções.

         —Prende ela!

         Não me deixaram sair. E um soldado pois a baioneta no meu peito. Olhei o soldado nos olhos e percebi que ele estava com dó de mim. Disse-lhe:

         —Eu sou pobre, porisso é que vim aqui.

         Surgiu o Dr. Osvaldo de Barros, o falso filantrópico de São Paulo que está fantasiado de São Vicente de Paula. E disse:

—Chama um carro de preso!”



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