A reação ao ataque da Rússia à Ucrânia
revelou os padrões duplos do Ocidente.
Robert
Bridge
31/03/2022
O Ocidente tomou uma posição extrema
contra a Rússia por causa de sua invasão na Ucrânia. Essa reação expõe um alto
grau de hipocrisia, considerando que as guerras lideradas pelos EUA no exterior
nunca receberam a resposta punitiva que mereciam.
Se os eventos atuais na Ucrânia provaram
alguma coisa, é que os Estados Unidos e seus parceiros transatlânticos são
capazes de atropelar um planeta em estado de choque – no Afeganistão, Iraque,
Líbia e Síria, para citar alguns dos pontos críticos – com impunidade quase
total. Enquanto isso, a Rússia e Vladimir Putin estão sendo retratados, em
quase todos os principais meios midiáticos, como a segunda vinda da Alemanha
nazista por suas ações na Ucrânia.
Em primeiro lugar, é necessário ser claro
sobre algo: a hipocrisia e os padrões duplos por si só não justificam a
abertura das hostilidades por nenhum país. Por outras palavras, só porque os
países do bloco da OTAN vêm abrindo caminho de destruição arbitrária em todo o
mundo desde 2001 se sérias consequências, isso não dá a Rússia ou a qualquer
país, licença moral para se comportar de maneira semelhante. Deve haver uma
razão convincente para um país autorizar o uso da força, comprometendo-se assim
com o que poderia ser considerada “uma guerra justa”. Assim a pergunta: as
ações da Rússia hoje podem ser consideradas “justas” ou, no mínimo
compreensíveis? Deixarei essa resposta para o melhor julgamento do leitor, mas
seria útil considerar alguns pormenores importantes.
Só para os consumidores de fast food das
mídias convencionais seria uma surpresa que Moscou vem alertando sobre a expansão
da OTAN há mais de uma década. No seu, agora famoso discurso, na Conferência de
Segurança de Munique em 2007, Vladimir Putin perguntou, à queima roupa, de modo
pungente aos poderosos globais: “por que é necessário colocar infraestrutura
militar junto de nossas fronteiras durante essa expansão (da OTAN)? Alguém pode
responder a esta pergunta?” Mais adiante no discurso, ele disse que a expansão
dos ativos militares até a fronteira russa “não está relacionada de forma
alguma com as escolhas democráticas de estados individuais”.
Não só as preocupações do líder russo
foram recebidas com a quantidade previsível de desrespeito no meio do som
ensurdecedor dos grilos, como a OTAN concedeu adesão a mais quatro países desde
aquele dia (Albânia, Croácia, Montenegro e Macedônia do Norte). Como
experiência mental que até um idiota poderia realizar, imagine a reação de
Washington se Moscou estivesse construindo um bloco em expansão contínua na
América do Sul, por exemplo.
A verdadeira causa do alarme de Moscou,
no entanto, veio quando os EUA e a OTAN começaram a inundar a vizinha Ucrânia
com uma deslumbrante variedade de armas refinadas em meio a pedidos de adesão
ao bloco militar. Que diabos poderia dar errado?
Na cabeça de Moscou, a Ucrânia começava a
representar uma ameaça existencial para a Rússia.
Em dezembro, Moscou, rapidamente chegando
ao fim de sua paciência, entregou rascunhos de tratados aos EUA e à OTAN,
exigindo que eles interrompessem qualquer expansão militar para o leste,
inclusive pela adesão da Ucrânia ou de quaisquer outros estados.
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Tradução: Confie em mim! Eu não estou apontando para você. |
Incluiu a declaração explícita de que a
OTAN “não realizará nenhuma atividade militar no território da Ucrânia ou
outros estados da Europa Oriental, Sul do Cáucaso e Ásia Central”. Mais uma
vez, as propostas da Rússia foram recebidas com arrogância e indiferença pelos
líderes ocidentais.
Embora as pessoas tenham opiniões
diferentes sobre as ações chocantes que Moscou tomou a seguir, ninguém pode
dizer que não foi avisado. Afinal, não é como se a Rússia acordasse em 24 de
fevereiro e de repente decidisse que era um dia maravilhoso para iniciar uma
operação militar no território da Ucrânia.
Então, sim, pode-se argumentar que a
Rússia se preocupava com sua própria segurança como justificativa para as suas
ações. Infelizmente, a mesma coisa pode ser mais difícil de dizer para os
Estados Unidos e seus subordinados da OTAN em relação ao seu comportamento
beligerante ao longo das últimas duas décadas.
Considere-se o exemplo mais notório, a
invasão do Iraque em 2003. Essa guerra desastrosa, que as mídias ocidentais
classificaram como uma infeliz “falha de inteligência” representa um dos atos
mais flagrantes de agressão não provocada da memória recente.
Sem se aprofundar nos pormenores
obscuros, os Estados Unidos, tendo acabado de sofrer os ataques de 11 de
setembro, acusaram Saddam Hussein do Iraque de abrigar armas de destruição em
massa. No entanto, ao invés de trabalhar em estreita cooperação com os
inspetores de armas da ONU, que estavam no Iraque tentando verificar as alegações,
os EUA, juntamente com o Reino Unido, Austrália e Polônia, em 19 de março de
2003 lançaram uma campanha de bombardeio “Choque e Pavor” contra o Iraque. Num
piscar de olhos, mais de um milhão de iraquianos inocentes sofreram morte,
ferimentos ou deslocamentos por esta flagrante violação do direito
internacional.
O Center for Public Integrity informou
que o governo Bush, em seu esforço para aumentar o apoio público à carnificina
iminente, fez mais de 900 declarações falsas entre 2001 e 2003 sobre a suposta
ameaça do Iraque aos EUA e seus aliados. No entanto, de alguma forma, as
agências de mídias ocidentais, que se tornaram a voz raivosa da agressão
militar, não conseguiram encontrar qualquer falha no argumento a favor da
guerra, isto é, até depois de as botas e o sangue estarem no terreno, é claro.
Pode-se esperar, num mundo mais justo,
que os EUA e seus aliados fossem submetidos a algumas duras sanções após esse
“erro” prolongado de oito anos contra inocentes. Na verdade, houve sanções, mas
não contra os Estados Unidos. Ironicamente, as únicas sanções que resultaram
dessa louca aventura militar foram contra a França, um membro da OTAN que
recusou o convite, juntamente com a Alemanha, para participar do banho de
sangue iraquiano. A hiperpotência global não está acostumada a tal rejeição,
especialmente de seus supostos amigos.
Os políticos americanos, confiantes no
seu divino excepcionalismo, exigiram um boicote ao vinho francês e à água
mineral engarrafada devido à oposição “ingrata” do governo francês à guerra no
Iraque.
Outros agitadores da guerra traíram sua
falta de seriedade ao insistir que o popular item de menu conhecido como
“French Fries” (batatas fritas) fosse substituído pelo nome “Freedom Fries”.
Assim, a falta do Bordeaux francês, juntamente com a tediosa reformulação dos
menus dos restaurantes, parece terem sido os únicos inconvenientes reais que os
EUA e a OTAN sofreram por destruir indiscriminadamente milhões de vidas.
Compare essa abordagem de luva de pelica
para com os EUA e seus aliados com a situação atual envolvendo a Ucrânia, onde
a balança da justiça está claramente pesando contra a Rússia, - apesar dos seus
avisos não irracionais de que se sentia ameaçada pelos avanços da OTAN.
O que quer que uma pessoa possa pensar
sobre o conflito que agora ocorre entre a Rússia e a Ucrânia, não se pode negar
que a hipocrisia e os padrões duplos que estão sendo levantados contra a Rússia
por seus detratores perenes são tão chocantes quanto previsíveis. A diferença
hoje, porém, é que as bombas estão explodindo.
Além das severas sanções a indivíduos
russos e à economia russa, talvez melhor resumida pelo ministro da economia
francês, que disse que seu país está comprometido em travar “uma guerra
econômica e financeira total contra a Rússia”, houve um esforço profundamente
perturbador para silenciar notícias e informações vindas das fontes russas que
possam dar ao público ocidental a opção de examinar as motivações de Moscou. Em
1.º de março de 2022, o Youtube decidiu bloquear os canais da RT e do Sputnik
para todos os utilizadores europeus, permitindo assim que o mundo ocidental se
apoderasse de outro pedaço da narrativa global.
Considerando a maneira como a Rússia foi
vilipendiada no “império da mentira”, como Vladimir Putin denominou a terra dos
seus perseguidores politicamente motivados, alguns podem acreditar que a Rússia
merece as ameaças ininterruptas que agora recebe. Na realidade, nada poderia
estar mais longe da verdade. Esse tipo de arrogância global, que se assemelha a
algum tipo de campanha irracional de sinalização de virtude agora tão popular
nas capitais liberais, além de inflamar desnecessariamente uma situação já
volátil, assume que a Rússia está totalmente errada, ponto final.
Uma abordagem tão imprudente, que não
deixa espaço para debate, sem espaço para discussão, sem espaço para ver o lado
da Rússia nesta situação extremamente complexa, apenas garante mais impasses,
se não uma guerra global completa, mais adiante. A menos que o Ocidente esteja
buscando ativamente a eclosão da Terceira Guerra Mundial, seria aconselhável
parar com a hipocrisia hedionda e os padrões duplos contra a Rússia e ouvir
pacientemente suas opiniões e versões dos eventos (mesmo as apresentadas pelos
meios midiáticos estrangeiros). Não é tão inacreditável como algumas pessoas
podem querer acreditar.
Robert
Bridge – Escritor e jornalista estado-unidense, autor de Midnight in the
American Empire: How Corporations and Their Political Servants are Destroying
the American Dream (Meia Noite no Império Americano: Como as Corporações e os
seus Serviçais Políticos estão a Destruir o Sonho Americano)@Robert_Bridge www.rt.com/news/550990-us-nato-sanctions-wars/ (Censurado na Europa).
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