A Arte de Escrever História -
Segundo Bárbara Tuchman
Autor: Fernando Nogueira da Costa
Bárbara
Tuchman é a historiadora de maior sucesso nos Estados Unidos, duas vezes
agraciada com o Prêmio Pulitzer. Em seus textos e palestras, apresenta-nos
lições sobre sua arte (1). Vamos compilá-las, com propósito
didático. Divulgar a arte de escrever é um dever do ofício de professor e
orientador.
Escrever
história de modo a encantar o leitor e a tornar um assunto tão cativante e
emocionante para ele quanto para ela tem sido seu objetivo, desde o fracasso
inicial com sua tese. Foi classificada como dotada de um “estilo medíocre”.
Comentário dela sobre a tese: “tão bela – na intenção – e tão mal escrita”... o
entusiasmo não tinha sido suficiente; era preciso saber também usar a língua.
Visão, conhecimento e experiência não fazem um grande escritor, só com o
domínio da língua que se tornará a voz dessas virtudes.
Antes
de mais nada, a paixão pelo assunto é indispensável para se escrever bem. Mas
não basta. Bárbara descobriu que se aprende a escrever, escrevendo. Descobriu
que um elemento essencial para se escrever bem é um bom ouvido. Devemos ouvir o
som de nossa prosa. Em sua opinião, as palavras curtas são sempre preferíveis
às longas. Quanto menos sílabas, melhor! Os monossílabos... são os melhores de
todos!
As
palavras têm um poder autônomo, quase atemorizador, de produzir na mente do
leitor uma imagem ou idéia que não estava na intenção do autor. O uso
descuidado das palavras pode deixar uma falsa impressão que não se pretendia.
Para
Bárbara, o problema está no fato de que a arte de escrever lhe interessa tanto
quanto a arte da História. Ela vê a História como arte, não como ciência.
Quando escreve, é seduzida pelo som das palavras e pela interação de som e sentido.
As palavras constituem material sedutor e perigoso, a ser usado com cautela.
Pergunta-se:
– “Sou, em primeiro lugar, escritora ou historiadora?” Ela mesma responde: –
“As duas funções não precisam estar, e de fato não devem estar, em guerra. A
meta é a fusão. Em longo prazo, o melhor escritor é o melhor historiador”.
A
História é vista como literatura, em oposição à História como ciência. Sua
exposição deve ser feita em todo o seu valor emocional e intelectual, a um
amplo público, através da difícil arte da literatura. Note-se: “amplo público”!
a ênfase deve sempre ser dada à escrita para o leitor comum, em contraposição à
escrita apenas para os colegas eruditos. Quando escrevemos para um público
amplo, temos de ser claros e interessantes. Esses são os critérios que
determinam um bom texto.
O
leitor é a pessoa que deve se ter sempre presente. Escrevamos nossos textos com
um cartaz pregado acima de nossa mesa, perguntando: “Irá o leitor virar a
página?”
O
objetivo do autor é – ou deveria ser – manter a atenção do leitor. Querer que o
leitor vire a página e continue a fazê-lo até o fim. Isso só acontece quando a
narrativa avança com firmeza, e não quando entra num impasse, sobrecarregada de
todos os detalhes descobertos na pesquisa, significativos ou não. Contra o
texto tipo “rol de roupa”, o lema: “a exclusão de tudo que é redundante e de
nada do que é significativo”!
O
leitor é a outra metade essencial do autor. Entre eles há uma ligação
indissolúvel. São necessários dois para cumprir a função da palavra escrita. Os
escritos não nascem não têm vida independente, enquanto não são lidos. Logo,
primeiro é preciso prender o leitor.
Bárbara
é, em primeiro lugar, uma escritora, cujo assunto é a história, e cujo objetivo
é a comunicação. Tem sempre presente o leitor como um ouvinte cuja atenção deve
ser mantida, para que não se vá embora.
Quem
escreve tem várias obrigações com o leitor, se quiser conservá-lo. A primeira é
destilar. Deve fazer o trabalho preliminar para o leitor: reunir as informações
dar-lhes sentido, selecionar o essencial, rejeitar o irrelevante – sobretudo
rejeitar o irrelevante – e colocar o restante de modo a formar uma narrativa
dramática que se desenvolve de modo a capturá-lo. Oferecer uma massa de fatos
não digeridos é inútil para o leitor. Constitui simples preguiça do autor ou
pedantismo para mostrar o quanto leu.
O
produto final é resultado daquilo que se escolheu para incluir, bem como
daquilo que preferiu deixar de lado. Colocar tudo, simplesmente, é fácil – e
seguro – e resulta numa dessas obras de 900 páginas, nas quais o autor abdicou
e deixou a leitor todo o trabalho.
Para
eliminar o desnecessário, é preciso coragem e também mais trabalho. Pascal
terminou uma carta de 4 páginas a um amigo dizendo: “desculpe-me tê-lo cansado
com uma carta tão longa, mas não tinha tempo para escrever-lhe uma carta
breve”.
O
leigo em geral subestima a escrita e se impressiona demais com a pesquisa, como
se essa fosse a parte difícil. Não é. Escrever, como um processo criativo, é
muito mais difícil e leva duas vezes mais tempo.
O
mais importante na pesquisa é saber quando parar. Devemos parar antes de ter
acabado. Sem isso, nunca paramos e nunca acabamos.
Como
copiar é um trabalho e um aborrecimento, o uso de cartões – quanto menores,
melhor –, para anotações, força-nos a extrair o que é rigorosamente relevante,
a destilar desde o começo. A seleção é que determina o produto final. Por isso,
é melhor usar apenas material das fontes primárias. As fontes secundárias são
úteis, mas perniciosas. Use-as como guias no início de um projeto. Mas não
acabe simplesmente reescrevendo o livro de algum outro autor. Além disso, os
fatos apresentados por uma fonte secundária já sofreram uma seleção prévia, de
modo que, ao usá-los, perdemos a oportunidade de fazer nossa própria seleção.
A
tarefa de reescrever o que já é conhecido não encerra atrativos para Bárbara.
Não sente estímulo para escrever a menos que esteja aprendendo alguma coisa
nova e contando ao leitor algo de novo, no conteúdo ou na forma.
A
arte de escrever – a prova do artista – é resistir à atração de desvios
fascinantes e apegar-se ao seu assunto. São necessárias, simplesmente, coragem
e confiança para fazer escolhas e, acima de tudo, para deixar certas coisas de
lado. O melhor quadro é aquele que mostra as partes da verdade que melhor
produzem o efeito do todo.
Outro
princípio, sugerido por Bárbara: não discutir as evidências, as fontes, as
teorias, em frente ao leitor. Os processos de raciocínio do autor não cabem
numa narrativa. Devemos resolver nossas dúvidas, examinar as provas
conflitantes, determinar os motivos atrás das cortinas e discutir nossas fontes
nas notas de referências, e não no texto. Entre outras coisas, isso mantém o
autor invisível, e quanto menos a sua presença for sentida, maior é a sensação
de proximidade que o leitor tem com os acontecimentos.
Não
esqueçamos do aforismo: “ser academicista é acreditar que acúmulo é
aprofundamento e que chatice é precisão”.
Ler,
como escrever, é o maior dom com que o homem se dotou, por meio do qual podemos
realizar viagens ilimitadas. Ler possui uma sedução interminável. Escrever,
pelo contrário, é um trabalho pesado. É preciso sentar-se numa cadeira, pensar
e transformar o pensamento em frases legíveis, atraentes, interessantes, que
tenham sentido e que façam o leitor prosseguir. É trabalhoso, lento, por vezes
penoso, por vezes uma agonia. Significa reorganizar, rever, acrescentar,
cortar, reescrever. Mas provoca uma animação, quase um êxtase, um momento no
Olimpo! Em suma, é um ato de criação!
O
que o profissional artista tem é uma “visão extra” e uma “visão interior”,
acrescida da capacidade de expressá-las.
Tal
como a Bárbara vê, o processo criativo tem três partes. Primeira, a visão extra
com a qual o artista percebe uma verdade e a transmite pela sugestão. Segunda,
o meio de expressão: a língua para os escritores, a tinta, para os pintores, o
barro ou a pedra para os escultores, o som expresso em notas musicais para os
compositores. Terceiro plano ou estrutura.
A
estrutura é, principalmente, um problema de seleção, uma tarefa angustiante,
porque há sempre mais material do que se pode usar. Não se pode colocar tudo; o
resultado seria uma massa informe. O trabalho consiste em encontrar uma linha
narrativa sem se afastar dos fatos essenciais, ou sem deixar de fora qualquer
fato essencial, e sem deformar o material para que sirva às nossas
conveniências.
Quando
se trata de linguagem, nada mais satisfatório do que escrever uma boa frase. É
um prazer realizar, quando se pode, uma prosa clara e corrente, simples e ao
mesmo tempo cheia de surpresas. Isso não acontece por acaso. Exige habilidade,
trabalho árduo, um bom ouvido e prática constante. As metas, como já disse, são
a clareza, o interesse e o prazer estético. Sobre a primeira, é importantíssima
a arte de tornar o sentido claro!
A
comunicação é, afinal de contas, o objetivo para o qual a linguagem foi
inventada. Para ela, há um critério tríplice: a convicção do autor de que tem
alguma coisa a dizer; que vale a pena ser dita, e que pode dizê-la melhor do
que ninguém. Dizer não para poucos, mas para muitos. Juntamente com a compulsão
de escrever, deve estar o desejo de ser lido. Nenhuma página se torna viva, a
menos que o escritor veja, do outro lado de sua mesa, o leitor, e busque,
constantemente, a palavra ou a frase que levará a ele a imagem desejada e
despertará a emoção que deseja criar nele. Sem a consciência de um leitor vivo,
o que o autor escreve morrerá em sua página.
De
todos os instrumentos, a crença na grandeza de seu tema é o mais estimulante. É
assim que o autor deve considerar seu assunto. Isso faz com que nenhum leitor
possa deixar seu texto de lado. O entusiasmo, que não é exatamente a mesma
coisa, tem um efeito não menos estimulante.
Por
que escrever? Para cada escritor há uma razão diferente(2). Busque a sua.
Fernando Nogueira da Costa, Professor Associado
do IE-UNICAMP, 49. Coordenador da Área de Economia da FAPESP. Autor dos livros
“Economia em 10 Lições” e “Economia Monetária e Financeira: Uma Abordagem
Pluralista”. Email:fercos@eco.unicamp.br.
1 - TUCHMAN, Bárbara
W.. A Prática da História. Rio de Janeiro, José Olympio, 1991 (original de
1989).
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