A história do papado é a história do Papa e Bispo de Roma,
chefe da Igreja Católica, tanto em seu papel espiritual quanto temporal, cobre
um período de aproximadamente dois mil anos. O papado é uma das instituições
mais duradouras do mundo, e teve uma participação proeminente na História da
Humanidade. A Igreja Católica acredita que a “doutrina (...) sobre o papado é
bíblica e decorre do primado de São Pedro entre os Apóstolos de Jesus. Como
todas as doutrinas cristãs, desenvolveu-se ao longo dos séculos, mas não se
afastou dos seus elementos essenciais, presentes na liderança do Apóstolo
Pedro.”
Quadro de Caravaggio - Crucificação de São Pedro. |
Os papas na antiguidade auxiliaram na propagação do
cristianismo e resolveram diversas disputas doutrinárias. Na Idade Média eles
desempenharam um papel secular importante na Europa Ocidental, muitas vezes,
servindo de árbitros entre os monarcas e evitando diversas guerras. Atualmente,
para além da expansão e doutrina da fé cristã, os papas se dedicam ao diálogo
inter-religioso, a trabalhos de caridade e à defesa dos direitos humanos.
Não existe uma lista oficial de papas, mas o Anuário
Pontifício, publicado pelo Vaticano, contém uma lista que é geralmente
considerada a mais correta, colocando o atual Papa Francisco como o n.º 266.º
papa.
ANTIGUIDADE
Pintura de Michelangelo na Capela Paulina - Crucificação de Pedro |
Existe grande controvérsia entre os historiadores sobre a
história do papado durante o cristianismo primitivo, destacando-se a questão da
veracidade do martírio de Pedro e Paulo em Roma; sobre a organização da Igreja
Romana no século I e princípio do século II, e o exercício da primazia papal.
Santo Inácio de Antioquia |
Alguns historiadores argumentam que Pedro nunca foi
realmente à Roma, e que essa crença se originou somente mais tarde. No entanto,
outros estudiosos citando os documentos cristãos primitivos (mais proeminente,
a descrição da morte de Pedro e Paulo em Roma nas cartas de Clemente em cerca
de 96, Santo Inácio de Antióquia em cerca de 107, Dionísio de Corinto entre 166
e 176 e Irineu de Lyon, em torno de 180) concluem que Pedro foi de fato
martirizado em Roma.
Uma vez que no século I os termos “presbíteros” e “bispos”
eram sinônimos usados para os líderes da igreja local submetidos a um apóstolo,
muitos argumentam que no final do século I e até a metade do século II, a
Igreja Romana não possuía uma organização monoepiscopal (um só bispo como chefe
da igreja local) mas uma forma colegiada de liderança, sendo que o
monoepiscopado começou somente mais tarde, e assim, originalmente o ministério
papal não existia. No entanto, outros estudiosos discordam, defendendo que os
apóstolos designaram seus sucessores na liderança das igrejas locais
(originalmente também chamados de “apóstolos” e no início do século II, de
“bispos’) como, por exemplo, Tito e Timóteo investidos por Paulo de Tarso, e
nos escritos posteriores de Clemente de Roma, Inácio e Irineu, que
prematuramente atestaram a sucessão linear de bispos desde a época dos
apóstolos.
Alguns historiadores afirmam que os papas não possuíam
direitos ou privilégios primaciais no cristianismo primitivo sobre a Igreja
Universal, no entanto, uma vez que em muitas ocasiões os Bispos de Roma
intervieram em comunidades locais, como Clemente I, ou tentaram estabelecer uma
doutrina vinculativa a Igreja Universal como Vitor I (sobre a controvérsia
quartodecimana[1]), a visão predominante entre os historiadores, é que a Sé e o
Bispo de Roma possuíam nesse período uma proeminência em questões relacionadas
aos assuntos da Igreja Católica, mas esse papel se desenvolveu e se acentuou
profundamente nos séculos seguintes, especialmente a partir do século V e após o
século XI.
CRISTIANISMO PRIMITIVO
(cerca de 30 – 325)
Quadro de Pier Leone Ghezzi, Martírio de São Clemente I |
O primeiro documento fornecido por um papa foi de Clemente I
no final do século I, em que interveio em uma disputa em Corinto, na Grécia.
Clemente foi o primeiro pai apostólico da Igreja Católica, fundando o período
eclesiástico patrístico, que duraria até o século VIII. No século II os bispos
romanos erigiram monumentos aos apóstolos Pedro e Paulo, davam esmolas às
igrejas pobres e lutaram contra gnósticos e montanistas na Ásia Menor. No final
do mesmo século, o Papa Vitor I ameaça de excomunhão os bispos de Nisã
(quartodecimanismo). Nessa época Santo Inácio e algum tempo depois Santo
Irineu, enfatizam a posição única do Bispo de Roma.
Papa Cornélio I |
Papa São Lino I |
São Marcos Evangelista |
ANTIGUIDADE TARDIA E
CESAROPAPISMO
Imperador Constantino I |
Em 313, o imperador Constantino I concede liberdades para todas
as religiões iniciando a Paz na Igreja e passando a interferir em diversas
questões eclesiásticas (como a convocação em 325 do Primeiro Concílio de
Niceia), originando o cesaropapismo, e uma relação de difícil entrosamento
entre a igreja e o Estado. Constantino I também ordenou a construção de três
basílicas em Roma e doou ao papado.
A organização conciliar e sinodal que havia sido vital no
século III, também cresceu em importância nessa época – através dos concílios
ecumênicos convocados pelos imperadores (por questões de ordem pragmáticas e
também cesaropapistas), para proporcionar uma resolução definitiva para os
litígios doutrinários na Igreja Católica. A tentativa de alguns concílios de
independerem da autoridade papal, desafiá-la ou mesmo controla-la, fez que o
Papa Bonifácio I declarasse precocemente que o poder papal é superior ao
conciliar e o último não pode julgá-lo. Uma das primeiras demonstrações de um
poder estatal administrado pelos papas, também surgiu nessa época, embora fosse
de caráter puramente diplomático, como “defensor dos necessitados e da
população”, como observado por exemplo, no confronto do Papa Leão I com Átila,
Imperador dos Hunos, em que Leão I convence Átila a não invadir e saquear Roma.
Nessa época também aprofundaram-se os conflitos entre a
Igreja do Ocidente e do Oriente. Em 330 a capital do Império Romano foi
transferida para Constantinopla, dessa maneira rapidamente no Império Romano do
Oriente o poder civil controlou a igreja e o bispo de Constantinopla cresceu em
importância, baseando seu poder no fato de ser bispo da capital e por ser um
homem de confiança do Imperador, no Ocidente por sua vez, o bispo de Roma pôde
consolidar sua influência e poder que já possuía desde o cristianismo
primitivo. Em 380, o Édito de Tessalônica publicado pelo imperador Teodósio I,
estabeleceu que a Religião Católica conforme ensinada pelo papa Dámaso I, como
religião de estado exclusiva do império.
O PAPADO NA IDADE MÉDIA (493
– 1417)
O PAPADO OSTROGODO (493 –
537)
Após a queda do Império Romano do Ocidente, a Itália foi
dominada pelo Reino Ostrogodo, sendo que o rei ostrogodo era tolerante com a
igreja e não interferia em questões dogmáticas. Rapidamente tribos bárbaras se
converteram ao arianismo ou ao catolicismo. Quando o rei dos francos Clóvis I,
converteu-se ao catolicismo, aliando-se assim ao papado e os mosteiros, outras
tribos como os visigodos seguiram seu exemplo.
Rei franco Clóvis I da dinastia merovíngia sendo batizado por São Remígio bispo de Reims. |
Em 494 o Papa Gelásio I a fim de refrear o cesaropapismo e o
abuso dos governantes seculares, publica a epístola Duo Sunt, sobre as
competências do poder temporal e espiritual, na qual defende que os papas e os
bispos devem administrar a igreja e o imperador e príncipes a vida temporal,
cada um independente do outro. No final do século VI, o Papa Gregório, o Grande
iniciou reformas administrativas e organizou missões para evangelizar a
Grã-Bretanha. Gregório também foi um importante teólogo, e suas perspectivas
representam a mudança religiosa da perspectiva clássica para a medieval, seus
escritos tratam sobre demonologia, angelologia, escatologia, entre outros. Logo
no início do século VII exércitos muçulmanos haviam conquistado grande parte do
sul do Mediterrâneo, e representam uma ameaça para a cristandade ocidental.
Papa Gregório, o grande |
PAPADO BIZANTINO (537 – 752)
INFLUÊNCIA DOS FRANCOS
Luís, o Piedoso |
No final do mesmo século, buscando proteção contra os
lombardos, o Papa Estevão II apelou para os francos para proteger a Igreja,
Pepino, o Breve subjugou os lombardos e doou terras italianas ao papa, formando
então os Estados Pontifícios, que se tornou o Estado da Igreja. Quando o Papa
Leão III coroou Carlos Magno (800), os próximos imperadores passaram a ser
ungidos por um papa. Carlos Magno conjuntamente com a Igreja inicia uma
importante reforma educacional e artística, conhecida como Renascimento
Carolíngio.
SAECULUM OBSCURUM [3]
O assassinato do Papa João VIII inaugurou um período marcado
por curtos pontificados, no qual doze papas foram mortos (algumas vezes após a
deposição), mais três depostos e dois abdicaram, num período conhecido pelos
historiadores como Saeculum Osbcurum (latim: idade das trevas), sendo
considerado o ponto “mais baixo do papado”. Durante este período, os papas eram
fortemente influenciados e lutaram com uma poderosa família aristocrática,
Teofilactos e seus parentes, sendo depostos ou assassinados.
A famosa Marózia |
Árvore Genealógica dos Teofilactos:
TEOFILATO I & TEODORA
Hugo da Itália 887-948 (também se casou com Marózia) | Alberico I de Espoleto d. 925 | Marózia 890–937 | Papa Sérgio III 904–911 | Teodora | Graciano (Cônsul) | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Alda de Vienne | Alberico II de Espoleto 905–954 | Davi ou Deodato | Papa João XI 931–935 | Teodora | João Crescêncio | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Teofilato | Papa João XII 955–964 | Papa Bento VII 974-983 | Marózia | Papa João XIII 965–972 | Crescêncio, o Velho | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Gregório I, conde de Túsculo | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Papa Bento VIII 1012–1024 | Alberico III, conde de Túsculo d. 1044 | Papa João XIX 1024–1032 | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Pedro, Duque dos Romanos | Caio | Otaviano | Papa Bento IX 1032–1048 |
Um sínodo em 963 depôs João XII, e Oto I elegeu o Antipapa
Leão VIII (963 – 965), mas os romanos não o aceitaram e quando seu protetor
partiu, ele foi deposto por um outro sínodo no início do ano seguinte e João
XII reassumiu o cargo; no entanto, morre repentinamente e o povo elege o Papa
Bento V (964), que Oto I substitui por Leão VIII, agora papa legítimo. Oto teve
ainda mais sucesso no processo de nomeação do Papa João XIII (965 – 972) e do
Papa Bento VI (973 – 974).
CONFLITOS COM O SACRO
IMPERADOR (1048 – 1257)
O cargo do imperador carolíngio foi disputado entre seus
herdeiros e senhores locais, nenhum saiu vitorioso até que Oto I, Sacro
Imperador Romano-Germânico invadiu a Itália. A Itália tornou-se um reino
constituinte do Sacro Império Romano em 962. Com a sua posição de imperador
consolidada, as cidades-estados do norte da Itália se dividiram entre Guelfos e
Gibelinos[4].
Devido às interferências do poder civil, os conflitos no processo
de escolha do papas continuavam, por exemplo, Henrique III ao visitar Roma em
1048, encontrou dois antipapas e várias disputas provocadas pelo Papa Bento IX,
Henrique instalou seu próprio candidato preferido ao papado, o Papa Clemente
II. A história do papado de 1048 a 1257 continuará a ser marcada por conflitos
entre papas e os Sacro Imperadores Romanos.
GRANDE CISMA DO ORIENTE
Do século V ao XI foram numerosas as rupturas seguidas de
reconciliação entre as igrejas do Ocidente e Oriente. Em 1054 os legados
romanos do Papa Leão IX, viajaram para Constantinopla para insistir no
reconhecimento da primazia papal, o patriarca de Constantinopla se recusou a
reconhecer sua autoridade e se excomungaram mutuamente, posteriormente a
separação entre Ocidente e Oriente se desenvolveu quando todos os outros
patriarcas orientais apoiaram Constantinopla, no evento do Grande Cisma.
REFORMA GREGORIANA E QUESTÃO
DAS INVESTIDURAS
Desenho da Abadia de Cluny |
Desde o século VII era comum entre o reino dos Francos, bem
como na Itália e na Espanha, que os reis, imperadores e nobres fundassem
bispados e abadias, nomeando ou depondo os clérigos do local e controlando suas
ações.
Maquete da Abadia de Cluny |
As investiduras (nomeações) feitas pelos nobres visavam
interesses pessoais e do reino, provocando a corrupção entre os membros do
clero. Entre os anos 900 e 1050 surgiram ideias e centros de reforma contra os
abusos e a corrupção, como nos mosteiros de Cluny (França) e Görze (Alemanha),
de onde partem grupos renovadores para a Bélgica, Itália, Espanha, Inglaterra e
demais países europeus. A Abadia de Cluny que surgiu em 910, quando os
mosteiros estavam em profunda decadência, foi fundada pelo duque Guilherme de
Aquitânia que renunciou ao direito de propriedade e doou-a ao papa, assegurando
a liberdade do mosteiro. Assim “a abadia ganhou o antigo rigor monástico e
profunda renovação espiritual pois ingressava em Cluny quem realmente queria
ser monge (...) Cluny colocou-se a serviço da liberdade da vida monástica, e de
toda a igreja. Era um mosteiro livre (...). Seu exemplo se alastra: Papas e
bispos, (...) chamam os monges de Cluny para reformarem seus mosteiros.”
Em
1059 o Papa Nicolau II promulga a bula In nomine Domini estabelecendo como
únicos eleitores do papa os cardeais da Igreja Romana (apesar ainda de seguido
pela aprovação dos leigos de Roma e pelo Sacro Imperador Romano). Marco de uma
transformação política duradoura, a bula de 1059 marca a ruptura de antigos
equilíbrios de poder no interior da cidade de Roma, mediante os quais o papado
era controlado por famílias da nobreza do Lácio: “tratava-se de uma fórmula
escrita sob a pressão da realidade local, orientada para cravar a separação
entre os poderes – aristocrático e o episcopal – da cidade. A In nomine Domini
foi uma declaração de política local, não a carta de fundação de uma abstrata
monarquia papal”.
Em 1073, esses ideais ganharam força com a eleição do Papa
São Gregório VII, que baseando-se em ideais ascetas e monásticos, adotou uma
série de medidas no movimento conhecido como Reforma Gregoriana – denominação
controversa e criticada por diversos historiadores. A luta empreendida contra a
simonia[5] e a intromissão do poder laico na investidura de bispos, abades e
dos próprios papas, tentando restaurar a disciplina eclesiástica, transcorreu
em meio a drásticas alterações das redes regionais de alianças e de oposição à
autoridade papal, permitindo a recolocação e a ampliação do exercício do poder
pontifício junto a diversos círculos aristocráticos do ocidente. Em reação, o
imperador do Sacro Império Henrique IV, aliou-se a bispos alemães proibidos de
exercerem suas funções religiosas, e considerou o papa deposto, este, em
resposta, excomungou o imperador.
Desenvolveu então um conflito aberto entre
eles, que ficou conhecido como “Questão das Investiduras”. Henrique IV em 1077,
pediu perdão ao papa por meio da Penitência de Canossa, embora não dispositiva
no contexto da disputa, tornou-se lendária. Esse conflito só foi resolvido em
1122, pela Concordata de Worms, que adotou uma solução de meio-termo: caberia
ao papa a investidura espiritual dos bispos e ao imperador, a investidura
temporal.
CRUZADAS E INQUISIÇÃO
Em 1095, o imperador bizantino Aleixo I pediu ao Papa Urbano
II para ajudá-lo militarmente contra as invasões muçulmanas, assim Urbano II,
no Concílio de Clermont convoca a Primeira Cruzada, destinada a auxiliar o
Império Bizantino a retomar os antigos territórios cristãos, especialmente
Jerusalém. As cruzadas provocaram a formação de várias ordens militares, tais
como os Cavaleiros Hospitalários, os Cavaleiros Templários, e os Cavaleiros Teutônicos.
Em 1209, o Papa Inocêncio III declarou a Cruzada dos Albigenses contra os
Cátaros, uma seita gnóstica cristã que se instalara no Languedoc, França. Para
regulamentar a maneira como a Igreja lidava com os hereges, em 1231, Gregório
IX instituiu a Inquisição Papal.
PAPADO DE AVINHÃO E GRANDE
CISMA DO OCIDENTE
Pintura da cidade de Avinhão vista do Rio Ródano |
De 1309 a 1377, o papa não residia em Roma, mas em Avinhão,
um período geralmente chamado de Cativeiro Babilônico, em alusão ao exílio
bíblico de Israel na Babilônia.
Pintura de Giorgio Vasari com o título: O Papa Gregório XI devolve a sede papal (1560) |
O Papa Gregório XI deixou Avinhão e restabeleceu a Santa Sé
em Roma, onde morreu em 27 de março de 1378. A eleição de seu sucessor,
definiria a residência do futuro papa em Avinhão ou Roma. O nome de Bartolommeo
Prignano, Arcebispo de Bari, considerado com uma rígida moral e inimigo da
corrupção, foi proposto e eleito em Roma por dezesseis cardeais italianos em
conclave em 7 de abril de 1378, e no dia seguinte escolheram novamente
Prignano. No dia 13 eles realizaram uma nova eleição e, novamente, escolheram o
Arcebispo Prignano para se tornar papa. Durante os dias seguintes todos os
Cardeais aprovaram o novo papa, que tomou o nome de Urbano VI e tomou posse. No
dia seguinte, os cardeais italianos notificaram oficialmente a eleição de
Urbano VI aos seis cardeais franceses em Avinhão, que o reconheceram como papa,
em seguida, escreveram ao chefe do impérios e aos demais soberanos. Tanto o
Cardeal Roberto de Genebra, o futuro Antipapa Clemente VII de Avinhão, e Pedro
de Luna de Aragão, o futuro Antipapa Bento XIII também aprovaram sua eleição.
O Papa Urbano VI não atendeu as necessidades de sua eleição,
criticou os membros do Colégio Sagrado, e se recusou a restaurar a sede
pontifical em Avinhão. Os cardeais italianos então em maio de 1378, se
retiraram para Anagni, e em julho para Fonti, sob a proteção da Rainha Joana de
Nápoles e Bernardon de La Salle, iniciaram uma campanha contra a escolha de
Urbano VI, e se prepararam para uma segunda eleição. Em 20 de setembro, treze
membros do Colégio Sagrado fizeram um novo conclave em Fondi e escolheram
Roberto de Genebra como antipapa, que tomou nome de Clemente VII. Alguns meses
depois apoiado pelo Reino de Nápoles, assumiu sua residência em Avinhão, e o
cisma se consolidou.
Clemente VII possuía relações com as principais famílias
reais da Europa, os estudiosos e os santos da época normalmente apoiavam o papa
adotado pelo seu país. A maior parte de estados italianos e alemães, a
Inglaterra e o Flanders apoiaram o papa de Roma. Por outro lado França,
Espanha, Escócia e todas as nações aliadas da França apoiaram o antipapa de
Avinhão. Os papas excomungaram-se mutuamente, enviando mensageiros para a
cristandade defendendo sua causa. Posteriormente Bonifácio IX sucedeu Urbano VI
em Roma e Bento XIII sucedeu Clemente em Avinhão. Vários clérigos reuniram-se
em concílios regionais na França e em outros lugares, sem resultado definitivo.
O rei da França e seus aliados em 1398 deixaram de apoiar Bento XIII e Geoffrey
Boucicaut, sitiou Avinhão, o bloqueio privou o antipapa de comunicação com
todos aqueles que permaneceram fiéis a ele. Bento XIII retomou a liberdade
somente em 1403. Inocêncio VII já tinha sucedido Bonifácio IX em Roma e após um
pontificado de dois anos, foi sucedido por Gregório XII.
Em 1409 um concílio que se reuniu em Pisa acrescentou um
outro antipapa e declarou os outros dois depostos. Depois de muitas
conferências, discussões, intervenções do poder civil e várias catástrofes, o
Concílio de Constança (1414) depôs o antipapa João XXIII, recebeu a abdicação
do Papa Gregório XII e finalmente conseguiu depor o antipapa Bento XIII. Em 11
de novembro de 1417, o concílio elegeu Odo Colonna, que tomou o nome de
Martinho V, terminando assim o grande cisma do Ocidente. O prestígio da Santa Sé
foi profundamente afetado com esta crise, o que causou a criação da doutrina
conciliar, que sustenta que a autoridade suprema da igreja encontra-se com um
concílio ecumênico e não com o papa, sendo efetivamente extinta no século XV.
IDADE MODERNA
O RENASCIMENTO
O Papa Julio II ordena a Michelangelo, Bramante e Rafael que construam a Basílica de São Pedro. Pintura de Horace Vernet |
Durante o Renascimento os papas patrocinaram e incentivaram
artistas e intelectuais, tornando-se importantes mecenas, tais como Júlio II e
Leão X, que contrataram artistas como Bramante, Bernini, Rafael, Michelangelo,
transformando a cidade de Roma num dos principais centros da Renascença
Italiana, juntamente com Florença. O papado renascentista é normalmente
associado a corrupção e a degradação moral.
Os papas desse período não estavam à altura das necessidades
da igreja, suas preocupações eram mais políticas e artísticas. O nepotismo
atinge seu auge: papas e cardeais estavam mais interessados em garantir o
futuro de seus familiares do que numa reforma religiosa. Os cardeais eram
criados entre parentes, sem se olhar a idade, virtudes morais e intelectuais,
sendo que ficaram famosos os cardeais sobrinhos[6].
REFORMA PROTESTANTE E
CATÓLICA (1517 – 1585)
Martinho Lutero |
A Reforma Protestante iniciada a partir de 1517,
desconsideraria diversas doutrinas e dogmas católicos e provocaria os maiores
cismas dos cristianismo. Muitos reformadores afirmaram que o papa seria o
“anticristo”, tais como Martinho Lutero, que argumentou que a violência deveria
ser usada para derrotar sua autoridade, assim como João Calvino, Thomas
Cranmer, John Knox, Cotton Mather e John Wesley. Calvino despertou revolta
inclusive entre seus próprios seguidores ao chamar de “papistas” muitos
cristãos respeitados. Os papas, por sua vez, compararam os reformadores a
“raposas que avançam procurando destruir a vinha (...) que entregastes o
cuidado, norma e administração (...) a Pedro, como cabeça e vosso vigário e
seus sucessores. O javali da floresta procura destruí-la e toda fera selvagem
vem devastá-la” (Leão X na Bula Papal Exsurge Domine de 15/06/1520).
Como retaliação os papas instituíram a Reforma Católica
(1560 – 1648), que lutou contra as contestações protestantes e instituiu
reformas internas. O evento mais significativo da reforma católica foi a
convocação do Concílio de Trento (1545 -1563) pelo Papa Paulo III (1534 –
1549).
Os papas também tiveram um papel importante na Colonização
das Américas: o Papa Alexandre VI, que dividiu os direitos e as terras recém-descobertas
entre Espanha e Portugal, através da Bula Inter Coetera. Os papas também
tentaram conter os abusos cometidos contra os povos indígenas por exploradores
e conquistadores que os condenava a escravidão, tais como Paulo III, Urbano
VIII e Bento XIV.
IDADE CONTEMPORÂNEA
A QUESTÃO ROMANA (1870 –
1929)
Caricatura de Vitor Emanuel II |
Em resposta aos desafios sociais da Revolução Industrial, o
Papa Leão XIII publicou a encíclica Rerum Novarum, estabelecendo a Doutrina
Social da Igreja Católica em que rejeitava o socialismo, mas que defendia a
regulamentação das condições de trabalho, o estabelecimento de um salário
mínimo e o direito dos trabalhadores de formar sindicatos. Em 1929, o Tratado
de Latrão assinado entre Itália e o Papa Pio XI estabeleceu a independência do
Vaticano, como cidade-Estado soberano sob o controle do papa, utilizada para
apoiar sua independência política.
Tratado de Latrão em 11 de fevereiro de 1929, entre o Estado italiano, representado por Benito Mussolini, e a Santa Sé, representada pelo cardeal Gasparri, secretário de Estado do papa Pio XI. |
Depois de violações da Reichkonlordat de 1933, que havia
garantido a igreja na Alemanha Nazista alguma proteção e direitos, o Papa Pio
XI emitiu em 1937 a encíclica Mit Brennender Sorg, que condenou publicamente a
perseguição da Igreja pelos nazistas e sua ideologia de neopaganismo e
superioridade racial. Depois que a Segunda Guerra começou em setembro de 1939,
a Igreja Católica condenou a invasão da Polônia e as subsequente invasões
nazistas de 1940. No Holocausto, o Papa Pio XII dirigiu a hierarquia da Igreja
para ajudar a proteger os judeus dos nazistas. Apesar de Pio XII ter ajudado a
salvar centenas de milhares de judeus, segundo muitos historiadores, ele também
foi acusado de não fazer o suficiente para impedir as atrocidades nazistas.
O CONCÍLIO VATICANO II
Papa João XXII deu inicio ao Concílio Vaticano II |
Papa Paulo VI |
O Concílio Vaticano II, reunido nos anos 60, modernizou o
papel e a ação da Igreja Católica na sociedade. Após sua conclusão, o Papa
Paulo VI e seus sucessores, especialmente o Papa João Paulo II, passaram a ser
conhecidos como os “papas peregrinos”, viajando para diversas partes do mundo e
dedicando-se ao ecumenismo e ao diálogo inter-religioso, trabalhos de caridade
e defesa dos direitos humanos.
Papa João Paulo II |
GLOSSÁRIO
[1] QUARTODECIMANISMO – (do
Vulgata Latina – quarta décima citada) significa catorze e se refere ao costume
de alguns cristãos antigos de celebrar o feriado do Pessach (Páscoa Judaica)
começando na véspera do dia 14 de Nisan (ou Abib, no calendário da Bíblia
hebraica), cujo crepúsculo é conhecido biblicamente como a “Passagem do Senhor”.
A moderna Pessach Judaica é a Festa do Pão sem Fermento e dura sete dias,
começando no pôr-do-sol, não à meia noite como é comum no ocidente. A Lei
Bíblica sobre a Pessach é tida como uma ordem perpétua (Êxodo 12, 14) e, para
alguns, também aplicável em alguma medida aos prosélitos (estrangeiros ou
forasteiros em Israel - Êxodo 12, 19). Porém há grande controvérsia sobre o que
significa observar a Lei Bíblica no cristianismo.
[2] NOVACIONISMO – ou
novacianismo foi um movimento durante o cristianismo primitivo formado pelos
seguidores de Novaciano e que se recusavam a readmitir em comunhão os lapsi –
cristãos batizados que tinham renegado a sua fé e realizado sacrifícios aos
deuses pagãos – durante a perseguição de Décio em 250. Eles foram
posteriormente declarados como heréticos.
A perseguição de Décio foi uma perseguição aos cristão, o
nome é dado aos maus tratos físicos ou psicológicos, incluindo agressões e
assassínios exercidos por não-cristãos sobre cristãos, motivados os primeiros
pela diferente identidade e manifestação religiosas e étnicas dos segundos.
Estas perseguições foram levadas a cabo na antiguidade não somente pelos judeus
de cuja religião o cristianismo era visto como uma ramificação, mas também
pelos imperadores do Império Romano, que controlava grande parte das terras
onde o Cristianismo Primitivo se distribuía, e onde era considerado como uma
seita. Tal perseguição pelos imperadores teve fim com a legalização da religião
cristã por Constantino I, no início do século IV.
[3] SAECULUM OBSCURUM – em
latim Idade das Trevas, é um termo que designa um período da história do papado
que se estendeu da primeira metade do século X, com a instalação do Papa Sérgio
III em 904 por sessenta anos, e terminou após a morte do Papa João XII em 963.
Algumas fontes afirmam que este período foi menor, tendo durado apenas 30 anos e
terminado com 935 com o mandato do Papa João XI.
O período foi primeiramente identificado e nomeado pelo
cardeal italiano e historiador eclesiástico César Barônio em Annales
Ecclesiastici, no século XVI, cuja fonte primária foi de Liutprando de Cremona.
O historiador Will Durant se refere ao período de 867-1049 como o ponto “mais
baixo do papado”. Outros estudiosos têm utilizado termos pejorativos para este
período, como Pornocracia (originalmente nomeado em alemão: Pornokratie –
pornô, prostituta e Kratein, governo) ou ainda Governo de Meretrizes (alemão: Hurenregiment),
ambos inventados por teólogos protestantes alemães no século XIX.
Durante este período, os papas eram fortemente influenciados
por uma poderosa família aristocrática, Theofilato e seus parentes e sobe forte
influência de mulheres – embora não fossem prostitutas – em especial Teodora e
sua filha Marózia. A família Theofilato ocupava posições de importância
crescente na nobreza romana, Teodora (mãe) e suas filhas, Teodora e Marózia
tinham uma grande influência sobre a escolha do papa e dos assuntos religiosos
em Roma através de conspirações, negociatas e casamentos. De acordo com
Antapodosis sive per Europam gestae (958 -962) de Liutprando de Cremona (cerca
de 920 – 972), Marozia teria sido concubina do Papa Sérgio III, quando ela
tinha 15 anos e mais tarde teve outros amantes e maridos. Segundo Liutprando,
João X foi nomeado para o cargo por Teodora, Marozia tornou-se amante e mais
tarde o assassinou através de seu marido, Guido da Toscânia, para eleger seu
favorito atual como o Papa Leão VI, que posteriormente também foi assassinado e
substituído pelo filho de Marózia, como Papa João XI. Listas dos papas durante
o Saeculum Obscurum: 1) Sérgio III (904 – 911) suposto amante de Marózia; 2)
Anastácio III (911 – 913); 3) Lando I (913 – 914); 4) João X (914 – 928),
suposto amante de Teodora (a mãe), alegadamente morto por Marózia; 5) Leão VI
(928 – 928); 6) Papa Estevão VII (928 – 931); 7) João XI (931 – 935) filho de
Marózia com o Papa Sérgio III; 8) Leão VII (936 – 939); 9) Estevão VIII (939 –
942); 10) Marinho II (942 – 946); 11) Agapito II (946 – 955) e; 12) João XII
(955 – 963), neto de Marózia, por seu filho Alberico II de Espoleto.
[4] GUELFOS E GIBELINOS – Na
origem tratava-se de uma disputa entre os partidários do papado (os guelfos) e
os partidários do Sacro Império Romano-Germânico (os gibelinos). As
denominações “guelfos” e “gibelinos” originaram-se após o imperador Henrique V
do Sacro Império Romano-Germânico (1081 – 1125) morrer sem deixar herdeiros
diretos. Criou-se, então, um conflito na disputa pela sucessão do Sacro
Império. Os guelfos e o papa apoiavam a Casa de Guelfo (de onde vem o termo
“Guelfo”), enquanto os gibelinos eram partidários da casa suábia da Dinastia de
Hohenstaufen, senhores do castelo de Waiblingen (de onde provém a palavra
“gibelino”).
No interior das cidades, a mesma dicotomia se reproduziu,
mas acabou perdendo o significado tradicional de luta política entre o papado e
o Sacro Império, para transformar-se em luta entre as facções da população pelo
domínio da cidade. Para aumentar sua força, as cidades, tanto guelfas quanto
gibelinas, assim como as respectivas famílias reuniam-se em ligas opostas.
Assim, a partir da segunda metade do século XIII, a cidade guelfa de Florença
combateu a liga gibelina formada pelas cidades toscanas de Arezzo, Siena,
Pistoia, Luca e Pisa.
Foi um longo conflito, cujos momentos mais dramáticos foram
as batalhas de Montaperti (1260) e de Altopascio (1325). Na segunda metade do
século XIII, após a Batalha de Benevento (1266) houve, nas cidade gibelinas,
uma verdadeira crise quando perderam seu maior apoio – a dinastia suábia. Essa
crise teve início com Frederico I, para concluir-se com as derrotas de
Conradino e Manfredo da Sicília, entre 1266 e 1268. Disso resultou o
fortalecimento dos guelfos, que predominaram na península Itálica apoiados
militarmente tanto pelo rei de Nápoles, Carlos I da Sicília, como pelos vários
papas. Assim, os guelfos chegaram a se reapoderar de Florença a partir de 1269,
quando derrotam os gibelinos de Siena.
[5] SIMONIA – é a venda de
favores divinos, cargos eclesiásticos, prosperidade material, bens espirituais,
coisas sagradas, objetos ungidos, etc., em troca de dinheiro. É o ato de pagar
por sacramentos e consequentemente por cargos eclesiásticos ou posições na hierarquia
da igreja. A etimologia da palavra provém de Simão Mago, personagem referido
nos Atos dos Apóstolos (8, 18-19), que procurou comprar de São Pedro o poder de
transmitir pela imposição das mãos o Espírito Santo ou de efetuar milagres.
O Direito Canônico também estipula como simonia atos que não
envolvem a compra de cargos, mas a transação de autoridade espiritual, como
dinheiro para confissões ou a venda de absolvições.
A prática da simonia no final da Idade Média provocou sérios
problemas à postura moral da Igreja. O poeta Dante Alighieri condena os
simonistas ao oitavo círculo do inferno, onde encontra o Papa Nicolau III
enterrado de cabeça para baixo, com as solas dos pés em chama. O exemplo de
Nicolau III serve como aviso e previsão aos papas Bonifácio VIII, o papa
contemporâneo à “Divina Comédia”, e Clemente V, seu sucessor pela prática de
tal pecado. Escritores menos devotos como Maquiavel e Erasmo de Roterdã também
condenaram a simonia séculos mais tarde. A prática de simonia foi uma das razões
que levaram Martinho Lutero a escrever as suas “95 teses” e a rebelar-se contra
a autoridade de Roma. Hoje a Doutrina Católica, pune com excomunhão latae
sentientae, ou seja, automaticamente, a todo e qualquer ato de simonia, que
alguns de seus membros vierem a praticar. A Igreja da Inglaterra (Anglicana)
também se viu envolvida com a prática de simonia, após ter-se separado da
Igreja Católica. Atualmente, a prática da simonia é muito frequente nos meios
Pentecostais e, principalmente, nos neopentecostais, através da propagação da
Teologia da Prosperidade.
[6] CARDEAL-SOBRINHO – em
latim: cardinalis nepos, (e vem daí a origem da palavra nepotismo quando alguém
que detém algum poder, emprega seus parentes) é um cardeal promovido por um
papa que é seu tio, ou, de um modo mais geral, seu parente. A prática de criar
cardeais-sobrinhos teve origem na Idade Média e atingiu seu apogeu nos séculos
XVI e XVII. A partir de meados do papado de Avinhão (1309 – 1377) e até a bula
papal antinepotismo do Papa Inocêncio XII – Romanum decet pontificem – (1692),
um papa sem um cardeal-sobrinho era exceção à regra. Todos os papas do
Renascimento que nomearam cardeais indicaram um parente para o Colégio
Cardinalício e os sobrinhos eram a escolha mais comum.
A instituição do cardeal-sobrinho evoluiu durante sete
séculos, ao sabor do desenrolar da história do papado e dos estilos próprios
dos diversos papas. De 1566 a 1692, um cardeal-sobrinho detinha o ofício curial
de ser Superintendente do Estado Eclesiástico, mas este cargo era também
conhecido como Cardeal Sobrinho (sem hífen), e assim os termos confundiam-se. O
ofício curial de Cardeal Sobrinho (sem hífen), tal como a instituição do
cardeal-sobrinho (familiar do papa), entraram em declínio à medida que o poder
do Cardeal Secretário de Estado foi aumentado e o poder temporal dos papas ia
diminuindo nos séculos XVII e XVIII. Alguns dos cardeais-sobrinho notáveis
incluem pelo menos 15, e possivelmente 19 papas a saber: Gregório IX, Alexandre
IV, Adriano V, Gregório XI, Bonifácio IX, Inocêncio VII, Eugênio IV, Paulo II,
Alexandre VI, Pio III, Júlio II, Leão X, Clemente VII, Bento XIII e Pio VII, e
provavelmente também João XIX, Bento IX, bem como Inocêncio III e Bento XII,
além de um antipapa João XXIII, e dois ou três santos (Carlos Borromeu, Roberto
Belarmino, Guarino da Palestina e talvez Anselmo de Lucca.
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