Fernando Antônio Nogueira Pessoa (* Lisboa, 13/06/1888 - +
Lisboa, 30/11/1935) foi um poeta, filósofo, dramaturgo, ensaísta, tradutor,
publicitário, astrólogo, inventor, empresário, correspondente comercial,
crítico literário e comentarista político português.
Fernando Pessoa é o mais universal poeta português. Por ter
sido educado na África do Sul, numa escola católica irlandesa, chegou a ter
maior familiaridade com o idioma inglês do que com o português ao escrever os
seus primeiros poemas nesse idioma. O crítico literário Harold Bloom considerou
Pessoa como “Whitman renascido”, o incluiu no seu cânone entre os 26 melhores
escritores da civilização ocidental, não apenas na literatura portuguesa mas
também da inglesa.
Das quatro obras que publicou em vida, três são na língua
inglesa, Fernando Pessoa traduziu várias obras em inglês para o português, como
por exemplo Shakespeare e Edgar Allan Poe, e obras portuguesas para o inglês
nomeadamente de Antônio Botto e Almada Negreiros.
Enquanto poeta, escreveu sobre diversas personalidades –
heterônimos, como Ricardo Reis, Álvaro de Campos e Alberto Caeiro – sendo estes
últimos objeto da maior parte dos estudos sobre sua vida e obra. Robert Hass,
poeta americano, diz; “outros modernistas como Yeats, Pound, Elliot inventaram
máscaras pelas quais falavam ocasionalmente... Pessoa inventava poetas
inteiros.”
PRIMEIROS ANOS EM LISBOA
A 13 de junho de 1888, pelas 15h20, nasceu Fernando Pessoa.
O parto ocorreu no quarto andar direito do número 4 do Largo São Carlos, em
frente à ópera de Lisboa, freguesia dos Mártires. De famílias da pequena
aristocracia, pelos lados paterno e materno, o pai, Joaquim de Seabra Pessoa,
natural de Lisboa, era funcionário público do Ministério da Justiça e crítico
musical do Diário de Notícias. A mãe, D. Maria Magdalena Pinheiro Nogueira
Pessoa, era natural dos Açores (Ilha Terceira). Viviam com a avó Dionísia,
doente mental, e duas criadas velhas, Joana e Emília.
O poeta, pelo lado paterno, tem as suas raízes familiares no
concelho de Arouca, nas freguesias do denominado Fundo do Concelho de Arouca.
Fernando Antônio foi batizado em 21 de Julho na Basílica dos
Mártires, ao Chiado, tendo por padrinhos a Tia Anica (D. Ana Luísa Pinheiro
Nogueira, tia materna) e o General Chaby. A escolha do nome homenageia Santo
Antônio: a família reclamava uma ligação genealógica com Fernando de Bulhões,
nome de batismo de Santo Antônio, tradicionalmente festejado em Lisboa a 13 de
junho, dia em Fernando Pessoa nasceu.
A sua infância e adolescência foram marcadas por fatos que o
influenciariam posteriormente. Às cinco horas da manhã de 13 de julho de 1893,
o pai morreu, com 43 anos, vítima de tuberculose. A morte foi anunciada no
Diário de Notícias do dia. Fernando tinha apenas cinco anos. O irmão Jorge
viria a falecer no ano seguinte, sem completar um ano, a 2 de janeiro de 1894.
A mãe vê-se obrigada a leiloar parte da mobília e muda-se para uma casa mais
modesta, o terceiro andar do número 104 da rua de São Marçal. Foi também neste
período que surgiu o primeiro heterônimo de Fernando Pessoa, Chevalier de Pas,
fato relatado pelo próprio a Adolfo Casais Monteiro, numa carta de 1935, em que
fala extensamente sobre a origem dos heterônimos. Ainda no mesmo ano, escreve o
primeiro poema, um verso curto com a infantil epígrafe À Minha Querida Mamã.
Em outubro de 1894, o comandante João Miguel Rosa (1857 –
1919) apaixona-se por Maria Madalena ao vê-la passar dentro de um “americano”,
numa rua de Lisboa, comentando para um amigo: “Vês aquela loira? Se não quiser,
não me caso com ela.” Em breve lhe fazia a corte e tornavam noivos. Destacado o
noivo como cônsul português em Durban, África do Sul, casam-se por procuração a
30 de dezembro de 1895, na Igreja de São Manuel, em Lisboa.
JUVENTUDE EM DURBAN
A 20 de janeiro de 1896, mãe e filho, acompanhados por um
tio, Manuel Gualdino da Cunha, partem rumo à Madeira, e a 31 embarcam para
Durban. Pessoa faz a instrução primária na escola das freiras irlandesas da
West Street, onde fez a primeira comunhão e percorre em dois anos o equivalente
a quatro.
Em 1899 ingressa no Liceu Durban, onde permanecerá durante
três anos e será um dos primeiros alunos da turma. No mesmo ano, cria o
pseudônimo Alexander Search através do qual envia cartas a sim mesmo. No ano de
1901, é aprovado com distinção no primeiro exame Cape School High Examination e
escreve os primeiros poemas em inglês. Na mesma altura, morre sua irmã Madalena
Henriqueta de dois anos. Ainda em 1901, parte com a família para Portugal, para
um ano de férias. No navio em que viajam, o paquete König, vem o corpo da irmã.
Em Lisboa, mora com a família em Pedrouços e depois na Avenida Dom Carlos I,
n.º 109, 3.º Esquerdo.
Na capital portuguesa, nasce
João Maria, quarto filho do segundo casamento da mãe de Pessoa. Viaja com a sua
família à Ilha Terceira nos Açores, onde vive a família materna. Deslocam-se
também a Tavira para visitar os parentes paternos. Nessa época, escreve o poema
“Quando ela passa”.
Tendo de dividir a atenção da mãe com os filhos do casamento
e com o padrasto, Pessoa isola-se, o que lhe propicia momentos de reflexão.
Tendo recebido uma educação britânica, que lhe proporcionou
um profundo contato com a língua inglesa, os seus primeiros textos e estudos
foram em inglês. Mantém contato com a literatura inglesa através de autores
como Shakespeare, Edgar Allan Poe, John Milton, Lord Byron, John Keats, Percy
Shelley, Alfred Tennyson entre outros. O inglês teve grande destaque na sua
vida, trabalhando com o idioma quando, mais tarde, se torna correspondente
comercial em Lisboa, além de o utilizar em alguns dos seus textos e traduzir
trabalhos de poetas ingleses, como “O Corvo” e “Annabel Lee” de Edgar Allan
Poe. Com exceção de Mensagem, os únicos livros publicados em vida são os das
coletâneas dos seus poemas ingleses: Antinous e 35 Sonnets e English Poems I –
II – III editados em Lisboa, em 1918 e 1921.
Fernando Pessoa permanece em Lisboa, enquanto todos seus
familiares – mãe, padrastos, irmãos e criada Paciência, que vieram com ele –
regressam a Durban. Volta sozinho para África no vapor Herzog. Matricula-se na
Durban Commercial School, escola comercial de ensino noturno, enquanto de dia
estuda as disciplinas humanísticas para entrar na universidade. Nesse período
tenta escrever contos em inglês, alguns dos quais com o pseudônimo de David
Merrick, que deixa inacabado. Em 1903, candidata-se à Universidade do Cabo da
Boa Esperança. Na prova de admissão, não obtém boa classificação, mas tira a
melhor nota entre os 899 candidatos no ensaio de estilo inglês. Recebe por isso
o Queen Victoria Memorial Prize (Prêmio Rainha Vitória). Um ano depois,
ingressa novamente na Durban High School, onde frequenta o equivalente a um
primeiro ano universitário. Aprofunda sua cultura, lendo clássicos ingleses e latinos.
Escreve poesia e prosa em inglês, surgindo os heterônimos Charles Robert Anon e
H.M.F. Lecher. Nasce a sua irmã Maria Clara. Publica no jornal do liceu um
ensaio crítico intitulado “Macaulay”. Por fim, encerra os seus bem-sucedidos
estudos na África do Sul com o Intermediate Examination in Arts na
Universidade, obtendo uma boa classificação.
REGRESSO DEFINITIVO A
PORTUGAL E INÍCIO DE CARREIRA
Deixando a família em Durban, regressa definitivamente à
capital portuguesa, sozinho, em 1905. Passa a viver com a avó Dionísia e as
duas tias na Rua Bela Vista, n.º 17. A mãe e o padrasto regressam também a
Lisboa, durante um período de férias de um ano em que Pessoa volta a morar com
eles. Continua a produção de poemas em inglês e, em 1906, matricula-se no Curso
Superior de Letras (atual Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa), que
abandona sem sequer completar o primeiro ano. É nesta época que entra em
contato com importantes escritores portugueses. Interessa-se pela obra de
Cesário Verde e pelos sermões do Padre Antônio Vieira.
Avós paternos de Pessoa, à direita a avó Dionísia, é claro! |
Em agosto de 1907, morre a avó Dionísia, deixando-lhe um
pequena herança, com a qual monta uma pequena tipografia, na Rua da Conceição
da Glória, 38, 4.º, sob o nome de “Empreza Ibis – Typographica e Editora –
Officinas a Vapor”, que rapidamente vai à falência. A partir de 1908, aluga o
seu primeiro quanto no Largo do Carmo 18, 1.º Esquerdo, dedica-se à tradução de
correspondência comercial, uma ocupação a que poderíamos dar o nome de
“correspondente estrangeiro”. Nessa atividade trabalha a vida toda, tendo uma
modesta vida pública.
Inicia sua atividade de ensaísta e crítico literário com o
artigo “A Nova Poesia Portuguesa Sociologicamente Considerada” a que se
seguiram “Reincidindo...” e “A Nova Poesia Portuguesa no Seu Aspecto Psicológico”
publicados em 1912 pela revista A Águia, órgão da Renascença Portuguesa.
Frequenta a tertúlia literária que se formou em torno do seu tio adotivo, o
poeta, general aposentado Henrique Rosa, no café A Brasileira no Largo do
Chiado em Lisboa. Mais tarde, já nos anos vinte, o seu café preferido seria o
Martinho da Arcada, na Praça do Comércio, onde escrevia e se encontrava com
amigos e escritores.
Em 1915 participou na revista literária Orpheu, a qual lançou o movimento modernista em Portugal, causando algum escândalo e muita controvérsia. Esta revista publicou apenas dois números, nos quais Pessoa publicou em seu nome, bem como com o heterônimo Álvaro de Campos. No segundo número da Orpheu, Pessoa assume a direção da revista, juntamente com Mário de Sá-Carneiro.
Em outubro de 1924, juntamente com o artista plástico Ruy
Vaz, Fernando Pessoa lançou a revista Athena, na qual fixou o “drama em gente”
dos seus heterônimos, publicando poesias de Ricardo Reis, Álvaro de Campos e
Alberto Caeiro, bem como do ortônimo Fernando Pessoa.
No número três da revista Sudoeste: cadernos de Almada
Negreiros de novembro de 1935 (mês de sua morte) encontra-se um breve artigo da
sua autoria intitulado “Nós os de Orpheu” e o poema “Concelho”.
MORTE
Fernando Pessoa foi internado no dia 29 de novembro de 1935,
no Hospital São Luís dos Franceses, em Lisboa, com diagnóstico de “cólica
hepática”, causada por calculo biliar associado a cirrose hepática, diagnóstico
que é hoje contestado por estudos médicos, embora o excessivo consumo de álcool
ao longo da sua vida seja consensualmente considerado como um importante fator
causal. Segund um desses estudos, Pessoa não revelava alguns dos sintomas mais
típicos de cirrose hepática, tendo provavelmente sido vítima de uma pancreatite
agouda. Morreu no dia 30 de novembro, pelas 20h00, com 47 anos de idade. No dia
anterior, tinha escrito sua última frase, em inglês: “I know not what tomorrow
will bring” (Não sei o que o amanhã trará”). O funeral realizou-se a 2 de
dezembro no Cemitério dos Prazeres e em 1985 foi transladado para o Convento
dos Jerônimos.
LEGADO
Pode-se dizer que a vida do poeta foi dedicada a criar e
que, de tanto criar, criou outras vidas através dos seus heterônimos, o que foi
a sua principal característica e motivo de interesse pela sua pessoa,
aparentemente muito pacata. Alguns críticos questionam se Pessoa realmente
teria transparecido o seu verdadeiro eu ou se tudo não teria passado de um
produto, entre tantos, da sua vasta criação. Ao tratar de temas subjetivos e
usar a heterônomia, torna-se enigmático ao extremo. Este fato é o que move
grande parte de suas buscas para estudar a sua obra. O poeta e crítico
brasileiro Frederico Barbosa declara que Fernando Pessoa foi “o enigma em
pessoa”. Escreveu sempre, desde o primeiro poema aos sete anos, até ao leito de
morte. Importava-se com a intelectualidade do homem, e pode-se dizer que a sua
vida foi uma constante divulgação da língua portuguesa: nas próprias palavras
do heterônimo Bernardo Soares, “a minha pátria é a língua portuguesa”. O mesmo
empenho é patente nesta carta:
“Agora, tendo visto tudo e sentido tudo, tenho o dever de me
fechar em casa no meu espírito e trabalhar, quanto possa e em tudo quanto
possa, para o progresso da civilização e o alargamento da consciência da humanidade.”
Analogamente a Pompeu, que, segundo Plutarco, teria dito a
frase “navigare necesse; vivere non est necesse” (“navegar é necessário; viver
não é necessário”), Pessoa diz no poema Navegar é Preciso, que “viver não é
necessário; o que é necessário é criar”. Outra interpretação comum deste poema
diz respeito ao fato de a navegação ter resultado de uma atitude racionalista
do mundo ocidental: a navegação exigiria uma precisão que a vida poderia
dispensar.
O poeta mexicano Octávio Paz, laureado com o Nobel de
Literatura, diz que “os poetas não têm biografia. A sua obra é a sua biografia”
e que, no caso de Fernando Pessoa, “nada da sua vida é surpreendente – nada,
exceto os seus poemas”. Em The Western Canon, Harold Bloom inclui-o entre os
cânones ocidentais, no capítulo Borges, Neruda e Pessoa: o Whitman
Hispano-Português. Na comemoração do centenário do nascimento de Pessoa, em
1988, o seu corpo foi transladado para o Mosteiro dos Jerônimos, confirmando o
reconhecimento que não teve em vida.
OBRA POÉTICA
Considera-se que a grande criação estética de Pessoa foi a
invenção heteronímica que atravessa toda sua obra. Os heterônimos,
diferentemente dos pseudônimos, são personalidades poéticas completas:
identidades que, em princípio falsas, se tornam verdadeiras através da sua
manifestação artística própria e diversa do autor original. Entre os
heterônimos, o próprio Fernando Pessoa passou a ser chamado ortônimo, porquanto
era a personagem original.
Entretanto, com o amadurecimento de cada uma das outras personalidades,
o próprio ortônimo tornou-se apenas mais um heterônimo entre os outros. Os três
heterônimos mais conhecidos (e também aqueles com maior obra poética) foram
Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Alberto Caeiro. Um quarto heterônimo de grande
importância na obra de Pessoa é Bernardo Soares, autor do Livro do
Desassossego, importante obra literária do século XX. Bernardo é considerado um
semi-heterônimo por ter muitas semelhanças com Fernando Pessoa e não possuir
uma personalidade muito característica, ao contrário dos três primeiros, que
possuem até mesmo data de nascimento e morte (exceção para Ricardo Reis, que
não possui data de falecimento). Por essa razão, José Saramago laureado com o
Prêmio Nobel, escreveu o livro O Ano da Morte de Ricardo Reis.
Através dos heterônimos, Pessoa conduziu uma profunda
reflexão sobre a relação entre verdade, existência e identidade. Este último
fator possui grande notabilidade na famosa misteriosidade do poeta.
“Com uma tal de gente
coexistível, como há hoje.
que pode um homem de
sensibilidade fazer senão inventar os seus amigos
ou quando menos, os seus
companheiros de espírito?”
Diversos estudiosos de Pessoa procuraram enumerar seus
pseudônimos, heterônimos, semi-heterônimos, personagens fictícias e poetas
mediúnicos. Em 1966 a portuguesa Teresa Rita Lopes fez um primeiro levantamento
com 18 nomes. Antônio Pina Coelho, também português, elevou em seguida a
relação para 21. A mesma Teresa Rita Lopes apresentou um levantamento mais
detalhado em 1990, chegando a 72 nomes. Em 2009, o holandês Michael Stoker
chegou a 83 heterônimos. Mais recentemente, o brasileiro, José Paulo Cavalcanti
Filho, utilizando critério mais amplo, apresentou uma lista de 127 nomes.
ORTÔNIMO
A obra ortônima de Pessoa passou por diferentes fases, mas
envolve basicamente a procura de um certo patriotismo perdido, através de uma
atitude sebastianista reinventada. O ortônimo foi profundamente influenciado,
em vários momentos, por doutrinas religiosas (como a teosofia) e sociedades
secretas (como a Maçonaria). A poesia resultante tem um certo ar mítico,
heroico (quase épico, mas não na acepção original do termo) por vezes trágico.
Pessoa é um poeta universal, na medida em que nos foi dando, mesmo com
contradições, uma visão simultânea múltipla e unitária da vida. Uma explicação
para a criação dos três principais heterônimos e o semi-heterônimo Bernardo
Soares, reside nas várias formas que tinha de olhar o mundo, apoiando-se no
racionalismo e pensamento oriental.
O ortônimo é considerado, só por si, como simbolista e
modernista pela evanescência indefinição e insatisfação, bem como pela inovação
praticada através de diversas sendas de formulação do discurso poético
(sensacionismo, paulismo, intersecionismo, etc.).
Fernando Pessoa foi marcado também pela poesia musical,
voltada essencialmente para a metalinguagem e os temas relativos a Portugal,
como o sebastianismo presente na principal obra de “Pessoa ele-mesmo”,
Mensagem, uma coletânea de poemas sobre os grandes personagens históricos
portugueses. Publicado em 1934, apenas um ano antes da morte do autor, este foi
o único livro de Fernando Pessoa em Língua Portuguesa editado em vida. Foi
contemplado com o Prêmio Antero de Quental, na categoria de “poema ou poesia
solta”, do Secretariado da Propaganda Nacional (SPN).
HETERÔNIMOS E
SEMI-HETERÔNIMOS
ALVARO DE CAMPOS
Entre todos os heterônimos, Álvaro de Campos foi o único a
manifestar fases poéticas diferentes ao longo da sua obra. Era um engenheiro de
educação inglesa e origem portuguesa, mas sempre com a sensação de ser um
estrangeiro em qualquer parte do mundo.
Começa sua trajetória como um decadentista (influenciado
pelo simbolismo), mas logo adere ao futurismo. Álvaro de Campos é revoltado e
crítico a apologia da velocidade e da vida moderna, com uma linguagem livre,
radical. Nesta época escreveu as “Odes”, publicada na revista Orpheu, em 1915,
e o “Ultimatum”, publicado na revista Portugal Futurista de 1917.
Após uma série de desilusões com a existência, assume uma
veia niilista, expressa no poema “Tabacaria”, considerado um dos mais
conhecidos e influentes poemas da língua portuguesa.
RICARDO REIS
O heterônimo Ricardo Reis é descrito como um médico que se
definia como latinista e monárquico. De certa maneira, simbolizava a herança
clássica na literatura ocidental, expressa na simetria, na harmonia e num certo
bucolismo, com elementos epicurista e estoicos. O fim inexorável de todos os
seres vivos é uma constante na sua obra, clássica, depurada e disciplinada. Faz
uso da mitologia não cristã.
Segundo Pessoa, Reis mudou-se para o Brasil em protesto à
proclamação da República em Portugal e não se sabe o ano da sua morte.
Em O Ano da Morte de Ricardo Reis, José Saramago continua,
numa perspectiva pessoal, o universo deste heterônimo após a morte de Fernando
Pessoa, cujo fantasma estabelece um diálogo com o seu heterônimo, sobrevivente
ao criador.
ALBERTO CAEIRO
Por sua vez, Caeiro, nascido em Lisboa, teria vivido quase
toda a vida como camponês, quase sem estudos formais. Teve apenas a instrução
primária, mas é considerado o mestre entre os heterônimos (pelo ortônimo).
Depois da morte do pai e da mãe, permaneceu em casa com uma tia-avó, vivendo de
modestos rendimentos e morreu de tuberculose. Também é conhecido como o
poeta-filósofo, mas rejeitava este título e pregava uma “não-filosofia”.
Acreditava que os seres simplesmente são, e nada mais: irritava-se com a
metafísica e qualquer simbologia para a vida.
Os escritos pessoanos que versam sobre a caracterização dos
heterônimos, “Pessoa-ele-mesmo” Álvaro de Campos, Ricardo Reis e o
meio-hetêronimo Bernardo Soares, conferem a Alberto Caeiro um papel quase
místico, enquanto poeta e pensador. Reis e Soares chegam a compará-los ao deus
Pã, e Pessoa esboça-lhe um horóscopo no qual lhe atribui o signo de leão,
associado ao elemento fogo. A relevância destas alusões advém da explicação de
Fernando Pessoa sobre o papel de Caeiro no escopo da heteronímia. Citando a
atuação dos quatro elementos da astrologia sobre a personalidade dos indivíduos,
Pessoa escreve:
“Uns agem sobre os homens
como o fogo, que queima nele todo o acidental, e os deixa nus e reais, próprios
e verídicos, e esses são os libertadores. Caeiro é dessa raça, Caeiro teve essa
força.”
Dos principais heterônimos de Fernando Pessoa, Caeiro foi o
único a não escrever em prosa. Alegava que somente a poesia seria capaz de dar
conta da realidade.
Possuía uma linguagem estética direta, concreta e simples
mas, ainda assim, bastante complexa do ponto de vista reflexivo. O seu ideário
resume-se no verso “Há metafísica bastante em não pensar em nada”. A sua obra
está agrupada na coletânea Poemas Completos de Alberto Caeiro.
BERNARDO SOARES
Bernardo Soares é, dentro da ficção de seu próprio Livro do
Desassossego, um simples ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa.
Conheceu Fernando Pessoa numa pequena casa de pasto frequentada por ambos. Foi
aí que Bernardo deu a ler a Fernando seu livro, que mesmo escrito de forma de
fragmentos, é considerado uma das obras fundadoras da ficção portuguesa no
século XX.
Bernardo Soares é muitas vezes considerado um semi-heterônimo porque, como seu próprio criador explica:
“Não sendo a personalidade a
minha, é, não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos
o raciocínio e afetividade”.
A instância da ficção que se desenvolve no livro é
insignificante, porque trata-se de uma “autobiografia sem fatos”, como o
próprio Fernando Pessoa situa o livro. Dessa forma, o que interessa em sua
prosa fragmentária é a dramaticidade das reflexões humanas que vêm à tona na
insistência de uma escrita que se reconhece inviável, inútil e imperfeita, à
beira do tédio, do trágico e da indiferença estética. O fato de Fernando Pessoa
considerar (em cartas e anotações pessoais) Bernardo Soares um semi-heterônimo
faz pensar na maior proximidade de temperamento entre Pessoa e Soares. Nesse
sentido, para alguns, o jogo heteronímico ganha em complexidade e Pessoa logra
o êxito da construção de si mesmo como o mais instigante mito literário
português na Modernidade.
VISÕES SOBRE POLÍTICA
Salazar - Ditador Português |
GNOSTICISMO
Em uma nota biográfica datilografada em 30 de março de 1935, Pessoa declara ser um “Cristão gnóstico, e portanto inteiramente oposto a todas as igrejas organizadas, sobretudo à Igreja de Roma. Fiel, por motivos que mais adiante estão implícitos, à Tradição Secreta do Cristianismo, que tem íntimas relações com a Tradição Secreta de Israel (a santa Kaballah) e com a essência oculta da Maçonaria”. Ali também declara um iniciado “nos três graus menores da (aparentemente extinta) Ordem Templária de Portugal.
NEOPAGANISMO
Em texto de 1917, Pessoa esclarece sua visão do neopaganismo: “Eu sou um pagão decadente, do tempo do outono da Beleza; do sonolecer[?] da limpidez antiga, místico intelectual da raça triste dos neoplatônicos da Alexandria. Como eles creio, e absolutamente creio nos Deuses, na sua agência e na sua existência real e material superior. Como eles creio nos semi-deuses, os homens que o esforço e a (...) ergueram ao sólio dos imortais; creio que acima de tudo, pessoa impassível, causa imóvel e convicta[?], paira o Destino, superior ao bem e ao mal, estranho à Beleza e à Fealdade, além da Verdade e da Mentira. Mas não creio que entre o Destino e os Deuses haja só o oceano turvo [...] o céu mudo da Noite eterna. Creio, como os neoplatônicos, no Intermediário Intelectual, Logos na linguagem dos filósofos, Cristo (depois) na mitologia cristã.
Os principais heterônimos de Fernando Pessoa – Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos – são diretamente ligados ao neopaganismo. Álvaro de Campos, em notas publicadas em 1931 na revista Presença, n.º 30 escreve: “O meu mestre Caeiro, não era pagão: era o paganismo. O Ricardo Reis é um pagão, o Antônio Mora é um pagão, eu sou um pagão, o próprio Fernando Pessoa seria um pagão, se não fosse um novelo embrulhado para o lado de dentro.
Em texto de sua heteronímia, escrito provavelmente em 1930,
Pessoa explica:
"Este Alberto Caeiro teve dois discípulos e um continuador filosófico. Os dois discípulos, Ricardo Reis e Álvaro de Campos, seguiram caminhos diferentes; tendo o primeiro intensificado e tornado artisticamente ortodoxo o paganismo descoberto por Caeiro, e o segundo, baseando-se em outra parte da obra de Caeiro, desenvolvido um sistema inteiramente diferente, e baseado inteiramente nas sensações. O continuador filosófico, Antônio Mora (os nomes são inevitáveis, tão impostos de fora como as personalidades), tem um ou dois livros a escrever, onde provará completamente a verdade, metafísica e prática, do paganismo. Um segundo filósofo desta escola pagã, cujo nome, porém, ainda não apareceu na minha visão ou audição interior, dará uma defesa do paganismo baseada, inteiramente, em outros argumentos. (...)
"Este Alberto Caeiro teve dois discípulos e um continuador filosófico. Os dois discípulos, Ricardo Reis e Álvaro de Campos, seguiram caminhos diferentes; tendo o primeiro intensificado e tornado artisticamente ortodoxo o paganismo descoberto por Caeiro, e o segundo, baseando-se em outra parte da obra de Caeiro, desenvolvido um sistema inteiramente diferente, e baseado inteiramente nas sensações. O continuador filosófico, Antônio Mora (os nomes são inevitáveis, tão impostos de fora como as personalidades), tem um ou dois livros a escrever, onde provará completamente a verdade, metafísica e prática, do paganismo. Um segundo filósofo desta escola pagã, cujo nome, porém, ainda não apareceu na minha visão ou audição interior, dará uma defesa do paganismo baseada, inteiramente, em outros argumentos. (...)
Pensei, primeiro, em publicar anonimamente, em relação a mim, estas obras, e,
por exemplo, estabelecer um neopaganismo português, com vários autores, todos
diferentes, a colaborar nele e a dilatá-lo. Mas, sobre ser pequeno demais o
meio intelectual português, para que (mesmo sem confidências) a máscara se
pudesse manter, era inútil o esforço mental preciso para mantê-la."
OCULTISMO
Fernando Pessoa interessava-se pelo ocultismo e pelo misticismo, com destaque para a Maçonaria e a Rosacruz, havendo inclusive defendido publicamente as organizações iniciáticas no Diário de Lisboa (4 de fevereiro de 1935), contra ataques por parte da ditadura do Estado Novo. O seu poema hermético mais conhecido e apreciado entre os estudantes de esoterismo intitula-se “No Túmulo de Christian Rosenkreuz”. Tinha o hábito de fazer consultas astrológicas para si mesmo (de acordo com sua certidão de nascimento, nasceu às 15h20, tinha ascendente Escorpião e o Sol em Gêmeos). Realizou mais de mil horóscopos.
Helena Blavatsky |
CRONOLOGIA
1888: Fernando
António Nogueira Pessoa nasce, a 13 de Junho. É batizado em Julho.
1893: Em
Janeiro, nasce seu irmão Jorge. A 24 de julho, o pai morre, de tuberculose.
A família é obrigada a leiloar parte dos bens.
1894: O
irmão de Fernando, Jorge, morre em Janeiro. Pessoa cria o seu primeiro
heterónimo. O futuro padrasto, João Miguel Rosa, é nomeado cônsul interino
em Durban, na África do Sul.
1895: Em
Julho, Fernando escreve o seu primeiro poema e João Miguel Rosa parte para
Durban. Em Dezembro, João Miguel Rosa casa-se com a mãe de Fernando, por
procuração.
1896: Em
7 de Janeiro, é concedido o passaporte à mãe, e a família parte para Durban.
A 27 de Novembro, nasce Henriqueta Madalena, irmã do poeta.
1897: Fernando
faz o curso primário e a primeira comunhão em West Street.
1898: Nasce,
a 22 de Outubro, sua segunda irmã, Madalena Henriqueta.
1899: Ingressa
na Durban High School em Abril. Cria o pseudónimo Alexander Search.
1900: Em
Janeiro, nasce o terceiro filho do casal, Luís Miguel. Em Junho, Pessoa passa
para a Form III e é
premiado em francês.
1901: Em
Junho, é aprovado no exame da Cape
School High Examination. Madalena Henriqueta falece e Fernando começa a
escrever as primeiras poesias em inglês. Em Agosto, parte com a família para
uma visita a Portugal.
1902: Em
Janeiro, nasce, em Lisboa, seu irmão João Maria. Fernando vai à ilha
Terceira em Maio. Em Junho, a família retorna a Durban. Em Setembro,
Fernando volta sozinho para Durban.
1903: Submete-se
ao exame de admissão à Universidade do Cabo, tirando a melhor nota no ensaio em
inglês e ganhando assim o Prémio Rainha Vitória.
1904: Em
Agosto, nasce sua irmã Maria Clara e em Dezembro termina os estudos na África
do Sul.
1905: Parte
definitivamente para Lisboa, onde passa a viver com a avó Dionísia. Continua a
escrever poemas em inglês.
1906: Matricula-se,
em Outubro, no Curso Superior de Letras. A mãe e o padrasto retornam a
Lisboa e Pessoa volta a morar com eles. Falece, em Lisboa, a sua irmã Maria
Clara.
1907: A
família retorna uma vez mais a Durban. Pessoa passa a morar com a avó. Desiste
do Curso Superior de Letras. Em Agosto, a avó morre. Durante um curto período,
Pessoa estabelece uma tipografia.
1908: Começa
a trabalhar como correspondente estrangeiro em escritórios comerciais.
1910: Escreve
poesia e prosa em português, inglês e francês.
1912: Publica
na revista Águia o
seu primeiro artigo de crítica literária. Idealiza Ricardo Reis.
1913: Intensa
produção literária. Escreve O
Marinheiro.
1914: Cria
os heterónimos Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Alberto
Caeiro. Escreve os poemas de O
Guardador de Rebanhos e também o Livro do Desassossego.
1915: Sai
em Março o primeiro número de Orpheu. Pessoa "mata" Alberto Caeiro..
1916: O
seu amigo Mário de Sá-Carneiro suicida-se.
1918: Publica
poemas em inglês, resenhados com destaque no "Times".
1920: Conhece Ofélia
Queiroz. Sua mãe e seus irmãos voltam para Portugal. Em Outubro, atravessa uma
grande depressão, que o leva a pensar em internar-se numa casa de saúde. Rompe
com Ofélia.
1921: Funda
a editora Olisipo, onde
publica poemas em inglês.
1924: Aparece
a revista "Atena", dirigida por Fernando Pessoa e Ruy Vaz.
1925: A 17
de Março, morre, em Lisboa, a mãe do poeta.
1926: Dirige
com seu cunhado a "Revista de Comércio e Contabilidade". Requer
patente de uma invenção sua.
1927: Passa
a colaborar com a revista Presença.
1929: Volta
a relacionar-se com Ofélia.
1931: Rompe
novamente com Ofélia.
1934: Publica Mensagem.
1935: Em 29
de Novembro, é internado com o diagnóstico de cólica hepática. Morre no dia 30
do mesmo mês.