domingo, 26 de fevereiro de 2017

TUDO SOBRE O CARNAVAL





História do Carnaval

Carnaval (CD-ROM Almanaque Abril 99)

            Festa móvel realizada em fevereiro ou março, 40 dias antes da Semana Santa, contados a partir do Domingo de Ramos. Oficialmente é comemorado durante três dias, de domingo a terça-feira, e termina na Quarta-Feira de Cinzas. Mas, na realidade, tem duração variada. Uma das maiores manifestações de cultura popular do Brasil, mistura festa, espetáculo, arte e folclore. Além do brasileiro, são famosos o Carnaval de Veneza, na Itália, e o de Nova Orleans, nos Estados Unidos.
            O Carnaval tem origem pagã em festas e orgias da Antiguidade, nas danças da Idade Média e nos bailes de máscara do Renascimento. Chega ao Brasil no século XVII trazido pelos portugueses. Chamado de entrudo, era uma brincadeira na qual as pessoas atiravam umas nas outras bexigas com água e farinha. No fim do século XIX surgem sociedades carnavalescas, como os cordões, os blocos, os ranchos e os corsos, que desfilam, dançam e cantam músicas anônimas. Em 1899, a pianista Chiquinha Gonzaga (1847-1935) lança a marcha Ó Abre-Alas. É a pioneira a compor especialmente para o Carnaval.

    

       

Escolas de samba

São agremiações que desfilam durante o Carnaval com fantasias, alegorias e coreografias relacionadas ao tema escolhido a cada ano. Muitas têm organização quase empresarial e mantêm funcionários assalariados. Os figurantes desfilam ordenados em setores (alas), cantando o samba-enredo da escola. A concepção das fantasias e a ordem das alas e dos carros alegóricos são determinadas pelo carnavalesco - o diretor do espetáculo.
  A primeira ala é a comissão de frente, cuja função é apresentar a escola. Em seguida vem o carro abre-alas, que carrega o símbolo da escola e apresenta o tema do enredo ao público. Independentemente do tema, existem alas ou figurantes permanentes. Toda escola, por exemplo, possui três casais de mestre-sala e porta-bandeira. Outras alas fixas são das baianas, formada pelas mulheres mais idosas da escola, das crianças e da bateria. Funcionando como a orquestra do desfile, a ala da bateria é composta apenas de instrumentos de percussão acompanhados por violão, cavaquinho e pelos intérpretes do samba-enredo.
            A denominação escola de samba nasce no Rio de Janeiro em 1928. O compositor Ismael Silva (1905-1978) é o primeiro a usar a expressão para se referir a seu grupo carnavalesco, o rancho Deixa Falar. O primeiro desfile oficial é realizado em 1935. Atualmente há desfile de escola de samba em todo o país. O do Rio de Janeiro, no entanto, continua sendo o mais tradicional e o de maior projeção. São cerca de 69 escolas de samba, divididas em seis grupos. O principal é o grupo especial, formado pelas 14 maiores escolas. A avaliação para a premiação das escolas é feita por 36 jurados, que dão notas de 1 a 10 aos seguintes quesitos: bateria, samba-enredo, harmonia, evolução, enredo, conjunto, alegoria e adereços, fantasia, comissão de frente e mestre-sala e porta-bandeira. A escola deve apresentar-se em, no mínimo, 65 minutos e, no máximo, 80. Cada 5 minutos de atraso sobre o prazo máximo tiram 1 ponto da nota final.

Trios elétricos
Caminhões equipados de palco e aparelhagem de som - com até 100.000 watts de potência - que fazem shows ao vivo se deslocando pela cidade. Criados na Bahia, saem no Carnaval animando milhões de pessoas que dançam atrás deles. O primeiro trio elétrico, o de Dodô e Osmar, surge em 1950. Com o tempo, passam a comandar o Carnaval de Salvador (BA), ao lado dos blocos afros, afoxés e bandas, como Ilê Aiyê, Filhos de Gandhi, Olodum, Ara Ketu, Timbalada, Chiclete com Banana e, mais recentemente, Cheiro de Amor, Eva e É o Tchan. O ponto alto do Carnaval baiano é o encontro dos trios na praça Castro Alves.

Micareta

Festa carnavalesca comemorada fora da época do Carnaval. Atualmente, mais de trinta micaretas acontecem no Brasil durante todo o ano. As principais são as nordestinas, como a Recifolia (Recife-PE), o Carnatal (Natal-RN), o Fortal (Fortaleza-CE) e a Micaroa (João Pessoa-PB).

Frevo
Gênero musical e tipo de dança característicos do Carnaval de Pernambuco. Música de ritmo bastante acelerado, é tocada por instrumentos de percussão e de sopro e dançada com passos quase acrobáticos. Os dançarinos usam pequenos guarda-chuvas em sua coreografia. No Carnaval do Recife e de Olinda (PE) desfilam clubes de frevo, como o Vassourinhas e o Lenhadores, e blocos, como o Flor da Lira e o Flor da Magnólia.
  

 

 

Samba (CD-ROM Almanaque Abril 99)


Gênero musical e tipo de dança de origem afro-brasileira. De ritmo sincopado, é tocado com instrumentos de percussão e tem como base o violão ou o cavaquinho. As letras falam da vida urbana ou de amor.

Origem
A palavra samba vem de semba, do idioma africano quimbundo, e significa umbigada, dança na qual os participantes se tocam pela barriga. O gênero é derivado de danças de roda africanas, como o lundu, e sobretudo do maxixe, a primeira dança brasileira, criada por volta de 1875. Vindas da Bahia, seu erotismo escandaliza a alta sociedade do Rio de Janeiro no final do século XIX.
A primeira música registrada como samba é Pelo Telefone (1916), composta por Mauro de Almeida (1882-1956), Sinhô (1888-1930) e Donga (1889-1974), boêmios cariocas que se reuniam na casa da Tia Ciata, baiana considerada mãe do gênero. Mais tarde, o gênero espalha-se pelo Brasil e domina o Carnaval. Nessa fase, os principais nomes são Sinhô, Ismael Silva (1905-1978) e Heitor dos Prazeres (1898-1966). Nos anos 30, o samba passa a ser difundido pelas rádios.
            Entre os grandes compositores destacam-se Noel Rosa, autor de Conversa de Botequim; Cartola, de As Rosas Não Falam; Dorival Caymmi, de O Que É Que a Baiana Tem?, Adoniran Barbosa (1910-1982), de Trem das Onze; e Ary Barroso, de Aquarela do Brasil. Entre os intérpretes, Ciro Monteiro ganha projeção nacional cantando Falsa Baiana, de Geraldo Pereira (1918-1955). De uma geração mais nova, sobressai Paulinho da Viola (1942-), autor de Foi um Rio Que Passou em Minha Vida.

Samba-enredo
Estilo criado no Rio de Janeiro nos anos 30 com o início dos desfiles de escolas de samba. É a descrição do tema desenvolvido pela escola. Até a década de 60, o samba-enredo tem letras longas que exaltam a história do país e de seus personagens. A partir dos anos 70 os temas passam a incluir crítica social e política e aspectos da cultura popular.

Samba-canção
De ritmo mais lento, possui letras românticas e sentimentais. Existe desde os anos 20 e faz sucesso a partir de Ai, Ioiô (1929), de Luís Peixoto (1889-1973).

Samba de partido alto
Uma das formas mais antigas de samba. As letras são improvisadas sobre temas do cotidiano. Renova sua força a partir dos anos 40 nos morros cariocas e nas escolas de samba. Os compositores Moreira da Silva (1902-) e Martinho da Vila (1938-) estão entre seus principais nomes.

Pagode
Nascido em São Paulo, é o chamado samba de fundo de quintal, comum também no Rio de Janeiro, onde sobressai o compositor e cantor Zeca Pagodinho (1960-). Com letras românticas, usa instrumentos de percussão e teclado. No gênero destacam-se grupos como Fundo de Quintal, Negritude Jr., Só pra Contrariar e Raça Negra.





CD-ROM da Revista Superinteressante

QUEM FOI, QUEM FOI QUE INVENTOU O CARNAVAL?

A mistura da tradição européia com os ritmos musicais dos africanos criou no Brasil um dos maiores espetáculos populares do mundo. O Carnaval nasceu no Egito, passou pela Grécia e por Roma, foi adaptado pela Igreja Católica e desembarcou aqui no século XVII, trazido pelos portugueses. Viva a folia!
por Ricardo Arnt

“Quem foi que inventou o Brasil? / Foi seu Cabral, foi seu Cabral / No dia vinte dois de abril / Dois meses depois do Carnaval”
(História do Brasil, Lamartine Babo, 1934)

Com História do Brasil, Lamartine Babo (1904 - 1963) fez mais do que o grande hit  de 1934: deu uma definição clássica da festa e do país. À altura desta, só a de Assis Valente (1911 -1958), em Alegria : “Minha gente era triste, amargurada / Inventou a batucada / Prá deixar de padecer / Salve o prazer / Salve o prazer”.
Abaixo do Equador, onde não existe pecado, a fusão da tradição européia com a batucada africana libertou o Carnaval na plenitude. Em nenhum lugar, ele adquiriu a dimensão que alcançou no Brasil. Durante quatro dias, o país fica fechado para balanço. Ou melhor: fica aberto para só balançar. E se entrega ao espetáculo que seduz e deslumbra os estrangeiros.
A farra toda vem do inconsciente dos povos, desde os rituais da fertilidade e as festas pagãs nas colheitas. Remonta às celebrações à deusa Ísis e o touro Ápis, no Egito, e à deusa Herta, dos teutônicos, passando pelos rituais dionísiacos gregos e pelos licenciosos Bacanais, Saturnais e Lupercais, as suntuosas orgias romanas.
No século VI, a Igreja adotou essas festas libertárias que invertiam a ordem do cotidiano, para domesticá-las. Juntou todas na véspera da Quaresma — como uma compensação para a abstinência que antecede a Páscoa. O Carnaval, então, espalhou-se pelo mundo. Desembarcou no Brasil no século XVII. Aqui, virou um dos maiores espetáculos do mundo. Você vai conhecer um pouco mais da origem da grande folia, desde a mais remota antiguidade até a invenção da serpentina.
Em Roma, comemoravam-se as Saturnais de 16 a 18 de dezembro, para a glória do deus Saturno. Tribunais e escolas fechavam as portas, escravos eram alforriados, dançava-se pelas ruas em grande e igualitária algazarra. A abertura era um cortejo de carros imitando navios, com homens e mulheres nus dançando frenética e obscenamente — os carrum navalis. Para muitos, deriva daí a expressão carnevale.
No dia 15 de fevereiro, comemoravam-se as Lupercais, dedicados à fecundidade. Os lupercos, sacerdotes de Pã, saíam pelados, banhados em sangue de cabra, e perseguiam os transeuntes, batendo-lhes com uma correia. Em março, os Bacanais homenageavam Baco (o deus grego Dionísio em versão romana), celebrando a primavera inspirados por Como e Momo, entre outros deuses.
Assumindo o controle da coisa, a Igreja fez o que pode para depurar a permissividade igualitária dos carnavais. Na Idade Média, a festa virou encenação litúrgica, corrida de corcundas, disputa de cavaleiros e batalha urbana de ovos, água e farinha. Depois, o carnaval se espalhou pelo mundo.
Na Rússia, a Maslenitsa dá adeus ao inverno, com corridas de esqui, patinação, danças com acordeão, balalaika, blinky masleye (panquecas amantegadas) e, é claro, muita vodka. No carnaval de Colônia, na Alemanha, as mulheres armam-se com tesouras e saem pelas ruas para cortar as gravatas dos homens.
Em Veneza, a tradição consagrou os fogos de artifício e foliões mascarados, inspirados na velha Commedia dell’ Arte. Na Bolívia, os mineiros de Oruro veneram a mãe-terra, Pachamama, dançando fantasiados de demônios. Em New Orleans, nos Estados Unidos, uma torrente humana invade as ruas do French Quarter, na terça-feira do Mardi Gras, atrás de músicos que tocam toda a noite.



Um ritual subverte a hierarquia


O entrudo português chegou aqui no século XVII. Os foliões se lambuzavam com cabaças de farinha e bexigas d’água. Durante a Colônia e o Império, o entrudo foi proibido inúmeras vezes. Consta que D. Pedro II gostava de jogar água nos nobres, na Quinta da Boa Vista, Rio de Janeiro.
O primeiro baile aconteceu em 1840, no Hotel Itália, no Rio, ao som de valsas, quadrilhas e habaneras. Em 1845, os ricos aderiam à polca tcheca e os negros dançavam jongo. Em 1848, o sapateiro português José Nogueira de Azevedo Prates, o Zé Pereira, saiu por aí tocando bumbo. Deu origem aos primeiros blocos de rua.
Os cordões começaram com as sociedades carnavalescas, em 1866. Na Bahia, em 1895, nascia o primeiro afoxé: estava inventada a batucada. Depois da Guerra dos Canudos, em 1897, uma gentarada foi morar no Morro da Saúde, criando a primeira favela do Rio. Ali, na casa da Tia Ciata, foi composto o primeiro samba, em 1917: Pelo Telefone, de Donga.
Era só o começo. Vieram o Rei Momo, os corsos de automóveis das boas famílias (1907-1930), as escolas de samba (1928) e os concursos de fantasia (1936). Em 1935, o desfile das escolas de samba foi legalizado pela Prefeitura do Distrito Federal. Com o rádio, a festa difundiu-se e profissionalizou-se. Com a televisão, virou indústria.
O antropólogo Roberto DaMatta, autor de Carnavais, Malandros e Heróis (Rio, Ed. Zahar, 1979) define a folia como um rito de inversão, que subverte as hierarquias cotidianas: transforma pobres em faraós, ricos em mascarados, homens em mulheres, recato em luxúria. É uma compensação da realidade. Inventamos a batucada para deixar de padecer. 


Quatro maneiras de brincar ao ar livre

Com o frevo, os afoxés e os trios elétricos, o negócio é  ir para a rua se embolar


O frevo frenético
A palavra vem de “fervura” e lembra os movimentos acelerados dos foliões. É uma dança de rua e de salão, criada em Recife, nos fins do século XIX. A música, tocada principalmente por metais, é essencialmente rítmica, com compasso binário (de dois “tempos”) e andamento rápido. Os dançarinos executam coreografias individuais, improvisadas e frenéticas, que exigem animação de sobra e preparo físico mais de sobra ainda.

Tradição da África 
Os afoxés são sociedades carnavalescas fundadas por negros, na Bahia, inspiradas nas tradições africanas. O primeiro afoxé nasceu em 1885: era o Embaixada Africana, que desfilou com roupas e adornos importados na África. O segundo, Pândegos da África, surgiu no ano seguinte. Hoje, os principais afoxés da Bahia são Filhos de Gandhi, Ilê Aiyê e Olodum. 

Eletricidade musical
Os trios elétricos são palcos motorizados. Montados na carroceria de caminhões e equipados com potentes alto-falantes de até 100 000 watts, desfilam pelas ruas, levando grupos musicais e seguidos pela população. O precursor foi o Trio Elétrico de Dodô e Osmar, na Bahia. Hoje, essa folia eletrificada marca presença em quase todas as ruas do país.

Samba na avenida
As escolas de samba estrearam no Rio de Janeiro, em 1928 e, com o tempo, adquiriram estrutura e orientação empresariais, reunindo até 15 000 integrantes. Hoje, elas comercializam apresentações, direitos autorais e de imagem, sob o patrocínio do Estado e de banqueiros do jogo do bicho. O termo “escola de samba” surgiu no século XIX, mas foi definitivamente adotado nos anos 30, desde que o bloco Deixa Falar (a primeira de todas) passou a fazer ensaios à porta da antiga Escola Normal.


ISSO TAMBÉM É CARNAVAL

* Os confetes chegaram ao Brasil em 1892, jogados em batalhas entre os cordões. As serpentinas substituíram as flores atiradas aos carros alegóricos.
* Sob fantasias, o folião tem muito mais liberdade. Elas são usadas no Brasil desde o século XIX. Em 1937, houve o primeiro desfile, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro
* O lança-perfume, com perfume e cloreto de etila, foi trazido da França a partir de 1906. Foi proibido em 1960, porque a substância era aspirada como uma droga
*Os primeiros blocos foram licenciados pela polícia em 1889, no Rio. Os integrantes percorrem as ruas fantasiados, ao som de instrumentos de percussão
* O Rei Momo foi instituído pelo jornal carioca A Noite, em 1933, como símbolo do Carnaval. O primeiro Rei Momo foi o compositor Silvio Caldas
* Nas bandas, cada um vai como pode: não existe uniforme ou regulamento.  A primeira surgiu em 1965, em Ipanema, no Rio de Janeiro


A MÁQUINA DO SAMBA


Bumbum-paticumbum-prugurundum. Fevereiro taí e você já começa a ouvir a batucada. É impossível ficar indiferente às escolas de samba, copiadas no mundo inteiro. Há 65 anos elas vêm se especializando em fabricar o maior show de rua que se conhece. Tudo é regido por normas rigorosas, planejado minuciosamente e produzido dentro de um cronograma rígido. Mas, para quem só vê a festa pela televisão, fica difícil compreender o que está acontecendo. Aqui você vai entender como funcionam as engrenagens do desfile.
Por Rosangela Petta

O nome “escola de samba” nasceu em 1928, no bairro carioca do Estácio, numa roda de amigos. Entre eles estava Ismael Silva, compositor com talento de sobra, tanto que até vendia algumas músicas ao cantor Francisco Alves. Mas a fama não diminuía a discriminação. Ao contrário, sambista era sinônimo de malandro e arruaceiro. E Ismael já estava cansado disso. No meio da conversa, olhou para a Escola Normal, ali na esquina, e teve a idéia: se eles eram tão bons na única coisa que sabiam fazer, por que não fundavam um grupo pacífico para mostrar sua arte? Prático, criou uma definição para o seu conjunto: “Deixa falar, nós também somos mestres. Somos uma escola de samba”. Mas Ismael só deu o nome. A agremiação que acabara de fundar não foi, de fato, a primeira do gênero. A Deixa Falar era, na verdade, um rancho, outro tipo de associação carnavalesca.
A turma que realmente seria a raiz da escola de samba era outra, mais segregada ainda: os negros ligados ao cultos de origem africana. “Existe um terreiro de macumba na origem de toda escola de samba”, contou à SUPER a pesquisadora carioca Marília Trindade Barboza da Silva, com dez livros publicados sobre o assunto. “Esses descendentes de escravos, vindos da Bahia ou da área rural do Estado do Rio, só tinham os atabaques para tocar. Por isso, até hoje o samba de escola é fundamentalmente voz e percussão.”
Os primeiros desfiles seguiam um ritual quase religioso. A caminho da Praça Onze de Janeiro, onde faziam a folia, os batuqueiros reverenciavam cada dona de “casa de santo”, como Tia Ciata e Tia Fé. Para combater o preconceito, vestiam-se o melhor possível. Logo foram notados pelos repórteres da área policial que circulavam por ali. E foi por meio da imprensa que as primeiras escolas de samba, como a Mangueira e a Portela, chamaram a atenção.
Os sambistas cariocas do final da década de 20 se frequentavam bastante. Nessas ocasiões, gostavam de se exibir um para o outro. Foi para esquentar o desafio entre os bambambãs que José Gomes da Costa, o Zé Espinguela, macumbeiro e mangueirense, resolveu promover uma competição para ver quem era o melhor. Marcou para o dia 20 de janeiro de 1929 o concurso entre os compositores da Deixa Falar, Mangueira e Vai Como Pode (primeiro nome da Portela). Venceu o samba de Heitor dos Prazeres, da terceira. Mas Heitor era visto como um intruso, um moço da cidade. Todos previam encrenca na entrega do prêmio, marcada para o domingo de Carnaval, em plena Praça Onze. Só que Zé Espinguela foi diplomático: apareceu com três troféus e distribuiu os outros dois como prêmios de consolação. Assim foi inaugurada a disputa entre as escolas.
Em 1932 houve o primeiro desfile patrocinado, promovido pelo jornal O Mundo Esportivo, de Newton Rodrigues, irmão do teatrólogo Nelson. No ano seguinte, era vez de O Globo, o Touring Club e a prefeitura do Distrito Federal instituírem um concurso. Foi quando as escolas ficaram obrigadas a manter a ala das baianas e a bateria. Em 1935, já havia dezenove escolas. “Naquele tempo, era um sambinha de quatro linhas e o resto ia de improviso”, contou à SUPER Cláudio Bernardo da Costa, o Cláudio da Portela, sócio-fundador da escola. Só em 1946 é que o samba-enredo se estabeleceu de verdade, com a estréia do compositor Silas de Oliveira na Império Serrano. Até 1930 o próprio samba era um gênero indefinido: a classificação valia tanto para o maxixe como para variações da polca e do chorinho, que podiam ser ótimos no salão, mas eram ruins para se dançar ao longo da rua. Como a batucada permitia fabulosos improvisos de dança, o desfile das escolas acabou se tornando o favorito do público.
            A bateria da escola de samba é uma imensa orquestra montada só com instrumentos de percussão. Cada músico tem seu lugar para que o som saia equilibrado. O número de componentes, o tipo de instrumento e o posicionamento de cada batuqueiro depende do estilo da agremiação. Mas, basicamente, o conjunto é formado por duas fileiras de surdos de marcação nas laterais, filas de cuícas e metais (como o reco-reco e o agogô) à frente, um enorme naipe de tamborins logo atrás, um miolo de vários tipos de surdos centralizadores e, ao final, mais metais.
Tida como a “alma da escola”, a bateria se transformou num modelo para exportação. A Gope, fábrica paulista de instrumentos de percussão, vende até para o Oriente. “É uma cultura que viaja em bloco”, diz Humberto Henrique Rodella, o proprietário. “Quando os japoneses levaram o nosso futebol, fizeram o pacote completo, com o carnaval e a escola de samba”.
Os integrantes passaram dos 20 do princípio para até 400 hoje em dia. E sempre há mais candidatos a ritmistas. “Os novatos podem vir ensaiar, mas demora para alguém entrar numa bateria”, contou à SUPER Arnaldo Manoel de Jesus, o Mestre Mug, primeiro diretor de bateria da Portela. “Quem chega junto é porque é bom mesmo e gosta de bater. O ritmista não vê o carnaval, está concentrado, não se diverte. Às vezes, tira sangue da mão durante o desfile.”
Mestre é o título que se dá ao primeiro diretor de bateria, o maestro da escola, auxiliado por outros quatro diretores que impõem disciplina. Na Portela, por exemplo, é proibido faltar aos seis meses de ensaios técnicos e beber demais antes do desfile. “A filosofia de uma bateria é muito simples: trabalhar em conjunto”, diz Mestre Mug. “O individualista não tem lugar aqui”.
A porta-bandeira e o mestre-sala se vestiram de rei e rainha por motivos políticos. Já que durante o Estado Novo (1937-1945) era bom louvar a história do Brasil, a fase imperial parecia perfeita para ser explorada plasticamente. Outros pesquisadores acham que a indumentária do casal expressa um desejo de valorização social. O fato é que, no começo, não havia fantasias pesadas e luxuosas.
“Minha mãe costurava uma saia midi, sem armação nem bordado, e uma capinha que parecia de princesa”, contou à SUPER Rivailda do Nascimento Souza, a célebre Mocinha, porta-bandeira da Mangueira por 60 anos. “Uma vez, um tio meu teve a idéia de pregar umas lâmpadas com pilha na capa. Ficou engraçado.” Hésio Laurindo da Silva, o famoso Delegado, parceiro de Mocinha na escola, disse à SUPER que sempre foi exigente. “No começo eu usava uma roupa cheia de broches e calça com as cores da escola. Quando os carnavalescos começaram a criar as fantasias, eu tinha que aprovar pois eu seria o símbolo da escola”.
Foi essa geração que instituiu  um padrão de performance no desfile. Não há passos rígidos, tudo é improvisado. Mas existem regras. A porta-bandeira é a única que não samba: ela deve deslizar pela avenida, andar com elegância, usar sempre saltos altos (para aparecer mais), girar com graça e segurança. Cair ou deixar a bandeira esbarrar no rosto do companheiro é um desastre total. Já o mestre-sala se exibe ao máximo. Deve cortejar e ao mesmo tempo proteger a porta-bandeira, criar movimentos ágeis ao seu redor, deixando claro que o símbolo da escola exige respeito. “Acabo fazendo uns 70 passos diferentes durante o desfile”, calcula Jerônimo da Silva, o Jerônimo da Portela, primeiro mestre-sala da escola. “Nós ensaiamos bastante, mas é para desenvolver um tipo de comunicação, de entendimento só no olhar”, completa Andréa Machado, parceira de Jerônimo.
Desde 1935, quando as escolas de samba do Rio de Janeiro foram obrigadas a tirar alvará de funcionamento, sua organização interna se aperfeiçoou. Na época, Dulcídio Gonçalves, titular da Delegacia de Costumes e Diversões, colou um “grêmio recreativo” na frente do nome de cada uma delas. Toda agremiação deve ter um estatuto registrado em cartório e instalações mínimas, como quadra e barracão. A eleição do presidente se dá pelo voto direto da comunidade, mas o “regime de governo” é de cima para baixo, como a pirâmide hierárquica de uma empresa convencional.
No Rio existem 44 escolas de samba. Para que as grandes não fossem voto vencido nas assembleias da Associação das Escolas de Samba, em 1984 nasceu a Liga Independente das Escolas de Samba, epicentro das 18 maiores. A entidade organiza e administra a festa na Passarela do Samba, o sambódromo da avenida Marquês de Sapucaí, na ponta do lápis. Ou melhor, na tela de vários computadores, como uma boa S/A.

Os oito afluentes que desaguaram na avenida


Festas da Roma antiga, costumes portugueses, clubes de sátira e comemorações militares, entre outras manifestações culturais, estão na origem das escolas.
·         Arrastando a sandália no rancho
Os ranchos eram clubes da classe média baixa nos quais os sócios pagavam mensalidade, compravam instrumentos de corda e sopro e se organizavam para desfilar em fevereiro. O primeiro surgiu em 1872, o Dois de Ouro. Formados por homens e mulheres, as pastorinhas, arrastavam as sandálias na segunda-feira de Carnaval.
·         Grandes sociedades, um luxo só
Eram chamadas  grandes sociedades as associações de jovens de alta classe que saíam em enormes carros alegóricos com mensagens políticas. A primeira foi o Congresso das Sumidades Carnavalescas, criada em 1855 por profissionais liberais e saudada pelo escritor José de Alencar.
·         Botando o bloco na rua
Em 1848, o sapateiro José Nogueira de Azevedo Paredes saiu batendo o bumbo que, tocado na horizontal, virou o surdo de hoje. Quem quisesse, ia atrás. Assim se formaram os blocos, compostos apenas de homens. Ao redor de 1920 havia os “blocos de sujos”, dos “arruaceiros”, e os mais distintos.
·         E o cordão cada vez aumentava mais
Em 1886, os jornais chamaram de cordões os “grupos de foliões mascarados e provocadores”. Saíam fantasiados, satirizando personalidades. Um mestre com apito comandava tambores, cuíca e reco-reco. O cronista João do Rio viu no cordão sinais da antiga festa de Nossa Senhora do Rosário, na qual cortejos de negros saíam sacudindo chocalhos e entoando cânticos.
·         Capoeira sem berimbau
Desde 1570, quando chegaram ao Rio de Janeiro os primeiros escravos africanos, o culto religioso na senzala envolvia batuque e dança. Os terreiros de macumba do período pós-abolição, com mistura de candomblé e catolicismo, mantiveram os atabaques, as danças e a capoeira, que emprestou seus movimentos para o mestre-sala das atuais escolas.
·         Lá vai passando a procissão
O ritual do desfile vem da Antiguidade, quando os exércitos exibiam suas prendas de guerra de volta à cidade-base. A solenidade impregnou a religião católica. No Brasil, em 1549, o padre Manuel da Nóbrega registrou a primeira procissão enfeitada de Corpus Christi. Foi das procissões que saíram as baianas, escravas enfeitadas.
·         A baixaria do entrudo virou confete
Na Roma antiga, os lupercos, sacerdotes de Pã, saíam dia 15 de fevereiro só com sangue de cabra sobre o corpo, perseguindo as pessoas na rua. No Brasil, os portugueses faziam uma guerra de baldes d’água e lixo chamada entrudo, sem dança ou música. No começo do século, a “molhança” foi substituída por confete, serpentina e lança-perfume.
·         desfile chapa branca acabou no corso
A moda do corso, um desfile motorizado, foi lançada no dia 1º de fevereiro de 1907, quando o carro das filhas do presidente da República, Afonso Pena, percorreu a avenida Central (atual Rio Branco), no Rio de Janeiro de ponta a ponta, antes que elas subissem ao prédio da Comissão Fiscal das Obras do Porto para assistir à folia.
·         A armação primitiva
Nos anos 30, os sambas não tinham segunda parte: os “versadores” improvisavam depois que os puxadores entoavam um refrão de quatro linhas.
À frente, uma tabuleta com o nome da escola pedia passagem, seguida da “linha de frente”, só de moças.
Logo depois, vinha o primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira.
Sob um caramanchão, desfilava a alta direção da escola. Uma linha de pessoas fantasiadas sambava em torno do grupo principal. No final, uma pequena bateria. Na lateral, homens vestidos de baiana protegiam a escola da multidão segurando uma corda e usando canivetes amarrados nos tornozelos.
·         Mestre apita e começa o aquecimento
O batuque inicial serve para os ritmistas esquentarem os punhos. Cada músico tem um lugar marcado. Conheça a distribuição dos instrumentos numa bateria de 301 componentes.
a)      Surdo de primeira
Um dos dois surdos de marcação, este é o que tem a nota mais grave e dá a primeira batida. Quando a bateria é grande, seis se alinham na lateral à esquerda da escola e cinco aparecem no meio também.
b)      Surdo de segunda
Conhecido como surdo de resposta, é menos grave que o de primeira e dá a segunda batida. São onze: seis na lateral da direita e cinco  espalhados no meio da armação. 
c)      Surdo de terceira
Seu papel é fazer um contraponto à conversa entre os surdos de primeira e de segunda e, por isso, é chamado de cortador. Os sete ficam estrategicamente entre os outros instrumentos pesados. Eles dão o “balanço” à marcação.
d)      Tamborim
É tocado em bloco — são 77 — logo atrás das primeiras linhas de metais e cuícas. Entre os instrumentos leves, é um dos que costumam ficar calados em algum trecho do samba-enredo para, depois, fazer improvisos. “Durinho” ou “mexido” (quando o músico fica virando o tamborim), depende do estilo do ritmista. Para potencializar seu efeito, é tocado com várias baquetas de plástico.
e)      Reco-reco
Está entre as chamadas miudezas da bateria e pelo menos quatro se encontram na primeira fila. Trata-se de um cilindro de metal aberto em uma das extremidades. Possui duas molas esticadas de ponta a ponta, na qual o músico raspa a baqueta.
f)       Cuíca
É a única que ainda leva materiais naturais: uma vara de bambu por dentro com a ponta enfiada no couro de boi ou de cabra. Quando o ritmista esfrega um pano ao longo do bambu, produz uma espécie de gemido ou ronco e, por isso, também é chamada de roncador. As nove saem na primeira fila.
g)      Agogô
Produz o som mais agudo da bateria. Chegam a somar nove, logo na frente. É feito de dois copos cônicos moldados em ferro. O ritmista bate nos copos alternadamente, com uma baqueta de madeira ou de metal.
h)      Caixa
Faz o contrabalanço, ou seja, equilibra a batida produzida pelos outros instrumentos, dando um recheio ao som. As 43 usadas podem ser do tipo caixa de guerra ou tarol, que é mais fino.
i)        Chocalho
Também conhecido como “rocar de platineta”, é um multiplicador dos efeitos do antigo pandeiro sem pele. Posiciona-se numa larga fila no final. São nada menos que 87.
j)        Ganzá
São dois cilindros metálicos, com pedacinhos de alumínio dentro. Eles estão ligados nas extremidades por duas chapas: o músico encaixa as mãos nessas hastes e balança o instrumento para cima e para baixo, ritmadamente, produzindo uma espécie de som de chuva. Os treze ficam entre os metais da frente.
k)      Repique
Entre os instrumentos pesados, trinta repiques pontuam a batucada. Ficam cercado de caixas, perto de um surdo de terceira. Uma variação do repique é o repinique, que possui duas peles e pode ser mais estreito.
l)        Pandeiro
Com o crescimento da bateria, o som mais seco da batida no pandeiro ficou impossível de se ouvir durante o desfile. Por isso, virou um instrumento exclusivo do passista, que usa o pandeiro tanto para marcar o andamento de seu próprio jeito de sambar como para descrever malabarismos — o mais conhecido é girar o pandeiro sobre o dedo indicador apoiado bem no centro da pele.
m)    Apito
É a principal ferramenta do mestre e dos diretores de bateria. Servem para reger a orquestração.
n)      Do que depende a vitória
No Rio de Janeiro, os jurados dão notas de 1 a 10 a quesitos com pesos iguais. Aqui, estão numerados pela ordem de prioridade para o desempate.
o)      Tempo
A escola deve passar em no mínimo 65 minutos e, no máximo, 80. Cada 5 minutos de atraso sobre o prazo máximo tiram um ponto da nota final.
1 - Bateria
Deve ter no mínimo 200 ritmistas. Sobressai quem unir técnica e criatividade para levantar a arquibancada.
2 - Samba-enredo
Tem que contar o enredo ou comentá-lo, fugindo do lugar-comum. Se for fácil de cantar e tiver refrões fortes, tanto melhor.
3 - Harmonia
Testa a capacidade da escola de desfilar sem buracos entre uma ala e outra, sem correr ou amontoar os componentes.
4 - Evolução
Esta nota depende da combinação perfeita entre coreografias, canto e dança, de ponta a ponta.
5 - Enredo
É aqui que o carnavalesco sobe ou desce no ranking. Temas esdrúxulos
ou complicados perdem ponto.
6 - Conjunto
É o mais subjetivo dos quesitos: mede o grau de beleza e da manutenção do nível estético ao longo do desfile.
7 - Alegoria e adereços
A escola deve trazer pelo menos seis e no máximo dez carros alegóricos, além de mostrar acessórios originais.
8 - Fantasia
Outra prova de fogo para o carnavalesco. Chama a atenção quem for mais criativo. Se fugir do enredo, a nota abaixa.
9 - Comissão de Frente
Ganha um 10 a escola que apresentar mais simpatia para saudar o público.
10 - Mestre-sala e porta-bandeira
Perde ponto o casal que tropeçar ou ficar  parado. Também é  grave deixar a bandeira bater no mestre-sala.
Dicas do desfile-padrão
O que o mestre-sala e a porta-bandeira devem fazer.
O estandarte chegou
O casal é o símbolo da agremiação. Por isso, deve exibir a bandeira ao público várias vezes ao longo da avenida. A porta-bandeira pára, o mestre-sala pega delicadamente uma ponta do pavilhão e o estica.
Salve simpatia!
O momento de saudar os jurados é uma oportunidade para a dupla mostrar o máximo de elegância. Enquanto ela faz um leve sinal de cumprimento com a cabeça, ele faz uma reverência mais demorada, chegando ao chão.
Efeitos especiais
O “pião” é o único movimento da porta-bandeira e do mestre-sala que tem um nome. É quando ela gira, para fazer a bandeira flutuar, enquanto ele pula, salta e dança com leveza ao redor dela.

A linha de montagem do espetáculo
Todas as etapas, mês a mês, que estão por trás do carnaval feito pelas grandes escolas de samba do Rio de Janeiro.
FEVEREIRO
Assim que termina o carnaval, é escolhido o carnavalesco que fará o próximo desfile.
MARÇO
A diretoria da escola aprova o enredo proposto pelo carnavalesco e avalia os custos.
ABRIL
Os compositores têm pouco mais de um mês para fazer o samba-enredo.
MAIO
O carnavalesco leva à escola maquetes dos carros alegóricos e desenhos das fantasias.
JUNHO
Quinze sambas pré-selecionados vão a concurso na quadra.
Os jurados são da escola.
JULHO
Com o samba-enredo escolhido, o carnavalesco faz ajustes no seu
projeto. Começam os ensaios técnicos.
AGOSTO
Puxador e ritmistas entram em estúdio para gravar o disco das escolas de samba.
SETEMBRO
O barracão começa a construir alegorias e a confeccionar fantasias e adereços. Os ensaios são abertos ao público.
OUTUBRO
Mestres-salas, porta-bandeiras, velha guarda,  e crianças, que ganham a fantasia da escola, provam suas roupas.
            NOVEMBRO
São feitos ensaios com os protótipos de cada fantasia.
            DEZEMBRO
Primeiros ensaios fora da quadra: na rua, montam-se as alas e as coreografias.
            JANEIRO
A escola faz um ensaio-geral na Passarela do Samba, para cronometragem e ajustes finais.



É FREVO


Ele tem cerca de 100 anos de idade, é natural do Recife e faz qualquer um se mexer. Agora, no Carnaval, queima montes de calorias. Tem gente dizendo que pode até virar a primeira dança clássica brasileira.
Por Felipe Oliveira, de Recife

Música ou dança, o que veio primeiro?
Quando alguém fala em dança, música ou Carnaval brasileiro, todo mundo pensa logo no samba. Mas o frevo, nascido em Pernambuco, mais precisamente no Recife, não só é igualmente brasileiro como também explode no Carnaval. A grande diferença é que, ao contrário do samba, não se espalhou pelo país.
Claro que brasileiros de todos os cantos reconhecem o ritmo quando o ouvem. Afinal, cantores conhecidos, como Caetano Veloso ou Moraes Moreira, já gravaram frevos que ficaram famosos nacionalmente. Muitos também são capazes de identificar — ainda que para alguns seja impossível botar em prática — os passos que acompanham esse tipo de música. Mas tocar, cantar e dançar frevo é coisa de pernambucano. Uma pena, na opinião do músico e bailarino também de Pernambuco Antônio Nóbrega, que defende a possibilidade de se usar o frevo como base para o desenvolvimento de uma dança clássica genuinamente brasileira. Algo para ser ensinado nas academias, ao lado do conhecido clássico europeu e do jazz. De certo modo, Nóbrega já vem fazendo algo para isso. Seu espetáculo de música e dança Figural que abriu com sucesso a 7ª Bienal da Dança de Lion, na França, em setembro do ano passado, é completamente influenciado pelo frevo.
Saltos e piruetas
Mas por que o papel de gerar esse produto artístico nacional não poderia ser do samba? “Porque o samba não é uma dança”, justifica Nóbrega. “É basicamente um passo, ao qual podem ser acrescidos adornos.” Opiniões à parte, o certo é que a coreografia do frevo não padece dessa carência. São cerca de 120 passos diferentes. Muitos tão acrobáticos quanto aquelas piruetas nas quais o russo Mikhail Baryshnikov é craque. Segundo o compositor erudito brasileiro César Guerra Peixe (1914-1994), trata-se de um gênero único, pois o dançarino dança a orquestração. Por isso mesmo, para compor um frevo é preciso conhecer os papéis dos vários instrumentos numa orquestra, principalmente os dos metais.
As primeiras composições, não por acaso, foram de mestres de bandas, como José Lourenço da Silva, o Zuzinha. É que o frevo nasceu da competição entre bandas marciais. Cada uma com seu grupo de capoeiras, leões-de-chácara cheios de ginga, à frente, elas foram moldando as marchas militares à cadência da luta-dança, dando origem à nova música. “O nascimento do frevo não tem data específica”, avisa o historiador Leonardo Dantas Silva, da Fundação Joaquim Nabuco, de Recife. “Ele foi nascendo aos poucos, resultado de uma sincronização entre música e dança.”

Levado para o Rio, não empolgou
Por volta de 1880 começaram a surgir as primeiras sociedades carnavalescas do Recife. Eram os chamados “clubes pedestres”. Compostos por populares, eles se apresentavam assim mesmo: a pé. A aristocracia ficava nos clubes fechados. Quando os capoeiras eram reprimidos à frente das bandas marciais, se refugiavam nos desfiles dessas agremiações e passavam a defender seus estandartes.
As orquestras desses clubes tocavam polca, maxixe, tango, marchas. E também foram influenciadas pelos passos da capoeira. Quando nasceu, em 1889, é provável que o Clube Vassourinhas já tocasse o frevo. Depois o gênero evoluiu, adquirindo uma personalidade ainda mais marcante. Quem ouvia essa música nova tentava encontrar paralelos. Em visita a Recife, em 1942, o cineasta americano Orson Welles teria chegado a achá-la parecida com a italiana tarantela. Especialistas negam a semelhança.
Difícil de identificar, o frevo era também duro de imitar. Bem que se tentou, várias vezes, levá-lo para o Rio, mas não deu certo. “Frevo não é espetáculo, que nem as escolas de samba, mas participação do povo”, explicou o estudioso Valdemar de Oliveira no livro Frevo, Capoeira e Passo. “Se não há povo participante em quantidade e, sobretudo, em qualidade, que lhe dê corpo e alma, desfilará um ajuntamento de virtuosi, ou pseudo-virtuosi, não frevo.”

Malabarismo na rua não é pra qualquer um
Se é importante conhecer bem música para compor o frevo, parece ser necessário ainda algo mais para tocá-lo bem. Valdemar de Oliveira reclama que só quando a Federação Carnavalesca Pernambucana resolveu mandar o maestro Zuzinha ao Rio, para ensaiar as bandas cariocas encarregadas de gravar as composições premiadas no Carnaval, os resultados ficaram melhores. Antes, as notas vinham corretas, ele conta, mas o andamento era errado e o ritmo, frouxo.
Talvez haja um pouco de bairrismo na avaliação. Mais aberto, Francisco Nascimento da Silva, 60 anos, o Nascimento do Passo, resolveu até abrir uma escola em Recife para ensinar a dança a turistas ou mesmo a moradores mais duros de cintura. “Em um mês qualquer um pode se tornar um bom dançarino”, exagera. Talvez a generosidade venha do fato de que ele não é pernambucano. Veio, menino, do Amazonas. Cá para nós, um mês de aulas deve dar apenas para passar o Carnaval sem vexame, arriscando uns vinte dos 120 passos conhecidos.
A maioria dos 150 000 turistas que já devem estar arrumando as malas para o Recife, no entanto, só vai contar mesmo é com a cara, a coragem e a animação. Mas esta última, o frevo garante. Para se ter uma idéia do frisson que causa, vale lembrar uma história antiga, de 1950. Nesse ano, a caminho do Rio, o Vassourinhas, com uma orquestra incrementada de 65 músicos, fez uma escala em Salvador, onde foi convidado a mostrar o frevo. O que aconteceu então foi uma loucura. Desacostumada da regra — implícita em Pernambuco — de respeitar a orquestra, a multidão atropelou tudo o que havia pela frente. O resultado foram narizes quebrados. Além de uma grande idéia. Naquele mesmo ano, dois baianos, os famosos  Dodô e Osmar, mais o engenheiro Demístocles, montaram um sistema de amplificação de som num carro velho (fubica) e saíram pelas ruas tocando o repertório do Vassourinhas. No ano seguinte, num caminhão iluminado, com dois geradores e oito alto-falantes, nascia o trio elétrico. Um resultado feliz, que inventou um frevo diferente, até hoje tocado na folia baiana. E que foi repassado para o resto do país em 1979, na música Vassourinha elétrica, de Moraes Moreira. Aí vai um trecho da letra para você:
“Varre, varre, varre Vassourinhas / Varreu um dia as ruas da Bahia / (...) / Abriu alas e caminho pra depois passar / O trio de Armandinho, Dodô e Osmar / E o frevo que é pernambucano / Sofreu ao chegar na Bahia / Um toque, um sotaque baiano / Pintou uma nova energia / Desde o tempo da velha fubica / Parado é que ninguém mais fica / É o frevo, é o trio, é o povo / (...) / Sempre juntos, fazendo o mais novo Carnaval do Brasil”.

Alegria e exercício
O agacha, levanta, pula e estica da dança consome muita caloria.
Ginástica
Em testes realizados na Faculdade de Educação Física de Pernambuco foi comprovado que um passista consome dezenove vezes mais energia em ação do que em repouso. A cada três  minutos, ele perde 36 calorias, o equivalente a passar o mesmo tempo correndo à velocidade de 18 quilômetros por hora.
Novo papel
Embora já possa ter tido uma função agressiva (veja o quadro ao lado), a sombrinha hoje só serve mesmo é para ajudar no equilíbrio do passista, além de expressar, em suas múltiplas cores, a alegria do Carnaval.
Conquista feminina
Na origem, mulher não dançava o passo, como é chamada a coreografia do frevo. Era um bailado masculino e, segundo historiadores, demonstrativo de virilidade. Com o surgimento dos blocos, a partir de 1915, moças começaram a ser admitidas, ainda timidamente. Hoje, se houver uma contagem, é possível que elas sejam maioria.
Qualquer roupa
Não há traje especial para a dança. Em geral, usa-se apenas algo que permita movimentos largos. As cores vibrantes também são bem-vindas.
Passado, presente e futuro
Nascido na boca e nos pés do povo, o frevo também está conquistando os palcos.
Batismo
Publicada pela primeira vez no Jornal Pequeno, de Recife, em 1908, a palavra frevo pegou logo (a ilustração abaixo é de 1909). Trocando o r de lugar, o povo dizia que as ruas “freviam” durante o Carnaval. Só mais tarde o termo passou a designar a música.
Bandas marciais
Frevo é a música. A dança se chama passo. O ritmo surgiu no final do século passado, quando bandas marciais que tocavam marchas nas festas de rua do Recife começaram a assimilar nuances de choro, de polca, de maxixe. A personalidade do estilo, no entanto, se
firmou junto com a dança.
Forcinha da capoeira
Na metade do século XIX era comum ver capoeiras à frente das bandas, exibindo-se para intimidar grupos inimigos. Os músicos acabaram reformulando o ritmo, para acompanhar a coreografia. O resultado desse casamento foi o frevo.
Arma disfarçada
No Recife, os capoeiras haviam adquirido o hábito de carregar, como arma, um pedaço de pau. Com a repressão, trocaram-no por um guarda-chuva. Ele era carregado fechado e quase nunca estava em bom estado.
Frevo no pé
Em 1950, Nascimento do Passo, 60 anos, venceu o primeiro grande concurso de passo em Recife. Virou um mito e abriu a primeira escola da dança, em 1973. Hoje, o músico e bailarino Antônio Nóbrega já leva para o exterior espetáculos impregnados de frevo.
Recordista
As escolas de samba devem estranhar, mas o maior clube carnavalesco do mundo, de acordo com a edição nacional do  Guiness Book 1996, é um clube de frevo. Criado em 1977, o Galo da Madrugada leva mais de 1 milhão de foliões às ruas do Recife no sábado de carnaval.
Pai do trio
Em 1950, a banda do Clube Vassourinhas enlouqueceu a multidão no Carnaval de Salvador com seu frevo. No mesmo ano, os baianos Dodô e Osmar inventaram o trio elétrico, que amplificava o som do frevo e tirava os músicos da rua, protegendo-os em cima de um caminhão.
Vários em um
O frevo de rua é instrumental e sustentado pelos metais. Mas a partir de 1915 surgiram os blocos de frevo, mais bem-comportados. As orquestras tinham violões, banjos, cavaquinhos. E havia letra. Logo surgiria o frevo-canção, mais para cantar.
Filho de peixe, só podia ser um peixão
Ninguém no Recife conhece Lourenço da Fonseca Barbosa. Mas pergunte pelo Capiba, seu apelido, e não haverá quem não saiba de quem se trata. Aos 92 anos, Capiba é o maior compositor de frevos vivo do Brasil. Fez mais de 500 músicas. Só frevos, foram 262 desde o primeiro grande sucesso É de amargar, de 1934, até hoje.
Mas isso aconteceu muito depois de sua iniciação. Filho (um dos treze) de um professor de música, respirou notas musicais desde que nasceu, em Campina Grande, Paraíba. Lá mesmo chegou a trabalhar como pianista num cinema mudo e montou a Jazz Band Campinense. Só em 1930 foi para o Recife, trabalhar no Banco do Brasil, mas a burocracia não o fez esquecer a música. Sorte do frevo.
Miniglossário carnavalesco

Onda: a massa de passistas em evolução.
Farofado: a confusão formada pelos passistas.
Peso: a potência, capacidade de atração de um bloco.
Mergulho: cair no frevo, entrar na dança.
Frevança: concurso de frevo ou ato de “frever”.
Abafo: fortalecimento da música de uma orquestra, tentando abafar o som de outra.
Nomes engraçados e muita acrobacia
Tramela lateral
A passista se abaixa (no detalhe). Ao se levantar, abre primeiro a perna direita e depois a esquerda, sempre apoiando-se no calcanhar.
Saci-pererê
Com um pé apoiado na dobra da outra perna, pula-se, flexionando (no detalhe), para a frente, para trás e para os lados. A troca do pé exige um salto maior.
Passa-passa
A sombrinha deve ser passada de uma mão para a outra, primeiro por baixo de uma perna e depois soba outra (no detalhe).
Coice de burro

Tem origem na capoeira. No topo de um bom salto (no detalhe), as pernas devem ser flexionadas juntas.

O IMPERIALISMO ESTADUNIDENSE




Seção Correio da Revista CAROS AMIGOS N.º 96 de 14 de março de 2003 


UMA GUERRA COLONIAL
por Waldir Rampinelli
Os Estados Unidos estão prestes a cometer um dos maiores massacres da história: a guerra contra o Iraque. Segundo as Nações Unidas, cerca de 10 milhões de iraquianos sofrerão diretamente as agruras desse genocídio, entre mortos, feridos, refugiados e traumatizados. Hitler é lembrado como o grande carniceiro do século 20 por ter exterminado 6 milhões de judeus.
As manifestações populares contra a guerra, nas mais diversas partes do mundo, têm acusado George W. Bush de trocar sangue por petróleo. É uma das verdades, já que em 2022 os Estados Unidos comprarão, no exterior, dois de cada três barris consumidos. Bush declarou que a segurança energética é uma das principais estratégias de sua política externa.
No entanto, o Pentágono tem uma geoestratégia muito mais importante que a dominação do petróleo iraquiano, qual seja o controle de uma região que é o centro do poder mundial: a Euronásia. Hitler e Stálin, nas negociações secretas ocorridas em novembro de 1940, já haviam acordado em excluir os Estados Unidos da Euronásia, pois não queriam encontrar obstáculos em seus planos de conquista.
A potência que dominar a Euronásia, segundo Brzezinski, poderá controlar duas das três regiões mais produtivas do mundo; 75% da população terrestre; 60% do PNB global; três quartos dos recursos energéticos conhecidos; seis das economias mais importantes da Terra; seis países com armas nucleares; dois com uma densidade demográfica enorme e aspirações hegemônicas regionais; enfim, todos aqueles Estados capazes de desafiar a supremacia estadunidense. O poder acumulado dos países da Euronásia chega a superar o do Pentágono algumas vezes. Logo, poderia estar ali um rival de Washington (Zbigniew Brzezinski, El gran Tablero Mundial, Barcelona, Paidós, 1998).
Os Estados Unidos, durante a Guerra Fria, utilizaram-se da Europa para conter e controlar parte da Ásia. O Plano Marshall, a Organização do Tratado do Atlântico Norte, os acordos militares bilaterais foram algumas das estratégias usadas. No entanto, com o desmoronamento da União Soviética, o antiamericanismo francês se torna política de Estado e o desejo de independência alemã vira ousadia de alguns de seus dirigentes. Por isso, uma Europa em expansão, que se converta em uma cabeça de ponte para a dominação estadunidense da Ásia, mostra, a cada dia que passa, sinais de resistência. A queda dos símbolos de dominação dos Estados Unidos, no 11 de setembro, foi comemorada com júbilo em círculos políticos restritos europeus. Daí a necessidade de uma guerra não apenas contra o Iraque, mas também de submissão européia.
Esse genocídio - política de destruição em massa e sistemática de um povo e de sua nação - trará conseqüências imediatas no conjunto das relações internacionais: a) descrédito iraquiano generalizado dos organismos internacionais multilaterais, de modo especial as Nações Unidas; b) aumento do terrorismo de grupos em proporção direta ao terrorismo estatal; c) crescimento do sentimento antiamericano, que em um segundo momento poderá se transformar em uma consciência antiimperialista; d) possibilidade de potências regionais medianas aumentarem sua hegemonia em contraposição ao poder imperial.
E a população dos Estados Unidos que atitude tem diante desse remapeamento do mundo que dá ao seu presidente um poder sem limites e um domínio sem igual?
O historiador Paul Kennedy mostra que há um distanciamento muito grande entre os políticos e intelectuais conservadores e o estadunidense comum. As amostragens de opinião, realizadas ao longo de 2002, indicam, cada vez mais, um público prudente e internacionalista. Por sua vez, as pesquisas de deliberação, feitas com pessoas que se reúnem durante um fim de semana para debater em pequenos grupos assuntos internos e externos, com assessoria de especialistas e leituras previamente preparadas, apresentam um resultado ainda mais desfavorável aos planos imperialistas e neocoloniais da Casa Branca. Entrevistados antes e depois de sua reunião prolongada, os dados mudam completamente. Se antes apenas 20% dos inquiridos eram favoráveis a que os Estados Unidos prestassem ajuda externa aos países pobres, depois esse número alcança a cifra de 53%; se antes os participantes defendiam uma política estreita, isolacionista e unilateral, depois passaram a votar por soluções internacionalistas. Nas palavras do professor James Fishkin - da Universidade do Texas e criador desse método -, as pessoas começam o final de semana como cidadãos estadunidenses e terminam como cidadãos globais.
Kennedy, com base nesses estudos, chega a três conclusões: a) os Estados Unidos, apesar de se autointitularem a capital do conhecimento universal, dispõem de sistemas educativos, assim como de meios de comunicação, que não passam para o homem e a mulher comum o que acontece no mundo; b) o autoritarismo da Casa Branca enfraquece o direito internacional e abre perigosos precedentes para que outros governos resolvam seus problemas por meio de ações unilaterais; c) a democracia tende a se enfraquecer cada vez mais.
Tudo isso leva o mundo a incertezas quanto a seu futuro, já que se fica à mercê de guerreiros belicosos e fundamentalistas religiosos que nada mais vêem do que o poder e o lucro. As políticas ultra-imperialistas enunciadas na doutrina Bush são uma verdadeira ameaça para toda a humanidade, já que procedem da mesma lógica hitleriana: modificar, por meio da violência militar, as relações econômicas e sociais em favor do herrenvolk (direito de um povo superior a escravizar outro racialmente inferior) do momento.
Razão tem a escritora estadunidense Susan Sontag quando diz que loucos existem nos Estados Unidos e no Brasil. No entanto, com uma grande diferença, "já que os nossos chegaram ao poder".

Waldir José Rampinelli é professor da UFSC, com doutorado em ciências sociais pela PUC/SP.




sábado, 25 de fevereiro de 2017

RUSSIA: UMA REVOLUÇÃO LIBERAL ATINGE SEUS 100 ANOS.











A Revolução de Fevereiro na Rússia



    A Revolução de Fevereiro de 1917 inaugurou a primeira fase da Revolução Russa de 1917. Seu resultado imediato foi a abdicação do czar Nicolau II. Ela ocorreu como resultado da insatisfação popular com a autocracia czarista e com a participação do país na Primeira Guerra Mundial. Ela levou a transferência de poder do czar para um regime republicano e democrático-liberal, surgido da aliança entre liberais e socialistas que pretendiam conduzir reformas políticas.


A Rússia na Primeira Guerra Mundial
    A participação da Rússia na Primeira Guerra Mundial teve efeitos catastróficos para o país. Após alguns sucessos iniciais contra a Áustria-Hungria em 1914, as deficiências russas — particularmente a falta de equipamentos e o uso de armas obsoletas — se tornaram cada vez mais evidentes.
    Em 1915, a situação piorou drasticamente quando a Alemanha tomou a iniciativa contra as forças russas. As forças alemãs, muito melhor armadas com metralhadoras e artilharia pesada, foram terrivelmente eficazes contra as forças mal equipadas da Rússia. Ao final de 1916, a Rússia havia perdido entre 1,6 e 1,8 milhões de soldados em batalha, com um adicional de dois milhões de soldados feitos prisioneiros e um milhão de desaparecidos, o que teve um efeito devastador sobre o moral do exército. Motins começaram a ocorrer, e em 1916 começaram a surgir informações sobre fraternização com o inimigo. Os soldados estavam famintos e careciam de sapatos, munições, e mesmo de armas.
    Confrontado com essa situação, Nicolau decidiu tomar pessoalmente o comando do exército em 1915, deixando a administração pública nas mãos de sua esposa, a czarina Alexandra, e dos ministros de Estado. Notícias sobre corrupção e incompetência no governo imperial, e a influência cada vez mais intensa do místico Grigori Rasputin nos negócios do governo, intensificaram ainda mais a insatisfação popular.
    Então, em Novembro de 1916, a Duma advertiu o czar de que um desastre se abateria sobre o país caso uma forma constitucional de governo não fosse instituída. Mas Nicolau ignorou-os.

O Governo Provisório
    À uma hora da tarde do dia 27 de fevereiro, um mar de soldados e trabalhadores com trapos vermelhos em suas roupas invadiu o Palácio Tauride, onde a Duma se reunia. Kerensky, um jovem advogado socialista, conhecido e respeitado pelo povo, e deputado, os recebeu. Durante a tarde, dois comitês provisórios se formaram em salões diferentes do palácio. Um, formado por deputados moderados da Duma, se tornaria o Governo Provisório Russo. O outro era o primeiro Soviete de Petrogrado, o mesmo que havia se formado na Revolução de 1905. O soviete elegeu um comitê executivo permanente formado por representantes de todos os agrupamentos socialistas. Os bolcheviques tinham dois membros de um total de quatorze. O soviete decidiu publicar seu próprio jornal diário, chamado Izvestia.
    Na manhã do mesmo dia Nicolau recebeu um telégrafo anunciando que apenas um punhado de suas tropas permanecia leal. O estado de sítio foi proclamado, mas inutilmente, pois não havia tropas leais para colocá-lo em prática. Naquela noite, agitadores e políticos, dormiram no Palácio Tauride, temendo uma reação do czar. O grão-duque Miguel Alexandrovich Romanov ordenou que as tropas leais baseadas no Palácio de Inverno fossem retiradas, temendo que um choque delas com a população fizesse repetir os acontecimentos que dispararam a Revolução de 1905.
    Na terça-feira 28 de fevereiro, a cidade era dos amotinados. Embarcado em um trem que rumava em direção ao Palácio de Alexandre, o czar foi obrigado a retroceder 90 milhas, já que a estação seguinte estava em poder dos rebeldes. O trem parou na Estação de Pskov, onde em 2 de março, Nicolau assinou sua abdicação.
    A contagem oficial de mortos foi de 1224, o equivalente a poucas horas de combate na guerra que ainda rugia. Assim, considera-se que a Revolução de Fevereiro foi um acontecimento praticamente pacífico. Entretanto, Petrogrado tinha agora dois governos paralelos: o Governo Provisório Russo, dominado pela classe média e favorável à continuação da guerra, e o Soviete de Deputados dos Trabalhadores e Soldados, que queria instituir a jornada de 8 horas de trabalho, terra para os camponeses, um exército com disciplina voluntária e oficiais eleitos democraticamente, o fim da guerra, e separação da Igreja do Estado.



    A Revolução Branca foi a primeira fase da revolução que ocorreu de março a novembro de 1917.
    O czar, receoso da saúde do herdeiro do trono, o hemofílico czarevith Alexei Romanov, resolveu abdicar em favor do seu irmão, o grão-duque Miguel Alexandrovich Romanov, mas este recusou a coroa. Em face desta situação, a Duma proclamou a república, pondo-se fim à monarquia imperial e à dinastia Romanov. O governo provisório elegeu o príncipe Georgy Lvov, que era latifundiário, para primeiro-ministro, tendo Aleksandr Kerenski como ministro da guerra e colocou o antigo czar e a família imperial sob sua custódia, em prisão domiciliária. Já em 1 de março, o Soviete de Petrogrado contestava o poder desse governo, ao aprovar a "Ordem n° 10". Nesta, o soviete ordenava ao exército que lhe obedecesse, em vez de obedecer ao Governo Provisório Russo.
    Durante todos esses acontecimentos, Lênin estava exilado em Zurique, na Suíça. As notícias da queda do czarismo, a princípio, o deixaram muito animado. Entretanto, Lênin acreditava que o potencial Revolucionário ainda não havia se esgotado. Ele acreditava que "O povo quer paz. O povo quer pão e terra. E eles lhes dão guerra, fome, e a terra continua nas mãos dos latifundiários Assim, Lênin regressa à Rússia (abril de 1917), pregando a formação de uma república dos sovietes, bem como a nacionalização dos bancos e da propriedade privada. O seu principal lema era: "Todo o poder aos sovietes". Durante esse período, as ordens do governo eram discutidas nos sovietes e nem sempre cumpridas. Trotsky chegaria em maio, vindo de Nova Iorque, onde vivia após escapar de um exílio perpétuo na Sibéria.
    Kerensky, ministro da guerra, tornou-se, após a renúncia de Lvov, primeiro-ministro, em 21 de julho, mantendo a participação da Rússia na Primeira Guerra Mundial, no que era extremamente criticado pelos socialistas. Entretanto, o processo de desintegração do estado russo continuava. A comida era escassa, a inflação bateu a casa dos 1.000 %, as tropas desertavam do front matando seus oficiais, propriedades da nobreza latifundiária eram saqueadas e queimadas, e operários trabalhavam bêbados de álcool de cozinha, verniz ou qualquer outro substituto para a bebida. Assim como o governo do czar, o novo governo provisório não procurou solucionar os problemas que causavam a desgraça do povo e o levavam a se insurgir. Não havia como fazê-lo imediatamente respeitando os limites aos quais se obrigou a respeitar, isto é, a liberdade individual, direito à propriedade, o país na guerra e com a mesma constituição social. "O poder estava suspenso no ar", esperando que alguém com uma plataforma ainda mais radical o tomasse. Eram enormes as perdas humanas sofridas pela Rússia na guerra, que os socialistas usaram como propaganda favorável a sua plataforma, por dizerem só interessar às potências capitalistas.

    O caminho para a Revolução de Outubro estava aberto, só que desta vez seria uma Revolução Socialista – a primeira no Mundo!




O PAÍS MAIS JOVEM DO MUNDO - GUERRA E FOME! FRUTO AINDA DAS CONSEQUÊNCIAS DO IMPERIALISMO?

O imperialismo do século XIX que levou os países da Europa dividirem em 1884/1885 (Conferência de Berlim) a África tem consequências até os dias atuais!


Sudão do Sul: como o país mais novo do mundo mergulhou num caos de guerra e fome.
Independente desde 2011, com uma guerra civil iniciada em 2013, o país de 12,5 milhões de habitantes tem uma das piores situações humanitárias do mundo.

Situação humanitária desastrosa

Segundo a Agência da ONU para os Refugiados (Acnur), mais de 1,5 milhão de pessoas fugiram do país em busca de proteção desde que começou o conflito armado.
O Sudão do Sul se transformou "na maior crise de refugiados da África" e "na terceira do mundo" após as de Síria e Afeganistão, segundo a Acnur, que lembrou que, adicionalmente, 2,1 milhões de pessoas estão deslocadas dentro do país.
O Unicef, por sua vez, calcula que 270 mil crianças sul-sudanesas estão gravemente desnutridas.



Atrocidades


Um informe confidencial da ONU vazado este mês dá conta de que a guerra alcançou "proporções catastróficas para os civis" e que as milícias podem se tornar incontroláveis e alimentar os combates por vários anos.
O secretário-geral da ONU, Antônio Guterres, escreve nesse informe que os civis fogem das cidades e aldeias "em um número recorde" e que o risco de que se cometam atrocidades em massa "é real".
"Nossas visitas ao Sudão do Sul sugerem que está sendo levado a cabo no país um processo de limpeza étnica em várias regiões por meio do uso da fome, dos estupros coletivos e de incêndios", disse, no fim do ano passado, a presidente da Comissão de Direitos Humanos da ONU para o país, Yasmin Sooka.
Atrocidades como o assassinato de crianças, castrações, estupros e degolas são alguns exemplos do que ocorre na região.
Em maio de 2015, a Unicef denunciou o assassinato de 26 de crianças - algumas de apenas 7 anos - e o sequestro de dezenas de outras em ataques realizados por grupos armados, formados homens e meninos armados, vestidos de militares ou civis, no estado de Unidade.
A ONU ainda acusou militares do exército sul-sudanês de estuprar e queimar vivas mulheres e meninas que estavam em suas casas no mesmo estado, segundo depoimentos de vítimas e testemunhas.



Independência recente


O Sudão do Sul conquistou sua independência em relação ao Sudão em julho de 2011, depois que um referendo realizado em janeiro daquele ano aprovou a separação com 98,83% dos votos a favor. O referendo estava previsto em um acordo de paz de 2005 que encerrou décadas de guerra civil.
As diferenças étnicas e religiosas do que então era apenas um país foram o principal ponto de conflito entre os dois lados. A população do sul (hoje o Sudão do Sul), formada por diversos grupos étnicos de maioria cristã ou animista, se sentia discriminada pelo governo centralizado em Cartum (no Sudão), de maioria muçulmana, e que tentava impor a lei islâmica na região.
O governo de Cartum foi o primeiro a reconhecer a nova nação, num sinal de secessão tranquila.

 

Confronto de facções


Mas a aparente tranquilidade não durou. A guerra interna no Sudão do Sul começou em dezembro de 2013, com combates entre duas facções do exército, dividido pela rivalidade entre o presidente Salva Kiir e seu ex-vice Riek Machar. Diferentes milícias se uniram a cada um dos lados, com confrontos marcados por massacres de caráter étnico.
O confronto teve início quando Kiir destituiu Machar, acusando-o de tramar um golpe de Estado. Os dois políticos pertenciam ao mesmo partido -- o Exército de Libertação do Povo Sudanês.
"Algumas horas mais tarde, os militares se dividiram e começamos a escutar tiros em Juba (a capital)", contou à BBC Mundo o brasileiro Raimundo Rocha dos Santos, um padre brasileiro que trabalha como missionário Naquele país.
A disputa política somou-se à tensão étnica. O grupo dos dinka, ao qual pertence Salva Kiir, e que representa cerca de 15% da população do país, se opôs ao grupo dos nuer, do qual faz parte Machar e que equivale a cerca de 10% dos habitantes.



Economia em frangalhos


O fator econômico também é importante para entender o caos no país africano. Há uma inflação anual de 800%. Há um ano, US$ 1 valia cerca de 3 libras sudanesas. Atualmente, a proporção é de 1 para cerca de 120.
A economia no país piorou muito desde 2012, quando o governo decidiu fechar a produção de petróleo -- até então a commodity correspondia a 98% da receita pública do país -- após discordâncias com o Sudão, que tinha toda a infraestrutura para a sua comercialização, como oleodutos, refinarias e portos do Mar Vermelho. A maior parte do país vive em uma economia de subsistência.
Em 2015, as facções fizeram um acordo de paz que previa a volta de Machar ao governo, como vice de Kiir. Três meses depois, contudo, Machar foi novamente expulso do governo e o conflito foi retomado, em julho de 2016.



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