CONCEITOS E TERMOS DO XINTOÍSMO
No princípio, esta religião étnica não tinha nome, mas
quando se introduziu o budismo no Japão durante o século VI, um dos nomes que
este recebeu foi Butsudo, que significa “o caminho do Buda”. Assim, a fim de
diferenciar do budismo, a religião nativa passou a ser chamada de shinto,
palavra de origem chinesa, que combina dois caracteres chineses (kanji): shin,
significando deuses ou espíritos (quando lido sozinho é pronunciado “kami”) e
tō, que significa caminho filosófico. Assim xintoísmo significa “o caminho dos
deuses”. O nome chinês foi escolhido porque na época apenas o chinês era
escrito no Japão, já que não haviam desenvolvido ainda a escrita japonesa.
TIPOS DE XINTOÍSMO
Reconhecem-se várias expressões do xintoísmo, que são o
resultado da evolução histórica da religião, lugar da sua manifestação e
prática religiosa dos adeptos.
·
神社神道 → Xintoísmo dos santuários (Jinja Shinto): é o
conjunto de crenças que se exprimem através das festas e das venerações nos
santuários. Praticamente todos os santuários pertencem à Associação dos
Santuários (Jinja honchó), fundada em Tóquio no ano de 1946.
·
Xintoísmo
doméstico: exprime-se nos lares japoneses. Nas casas xintoístas existe em geral
um pequeno altar consagrado aos deuses, o Kamidana. Em cima deste altar
encontra-se muitas vezes um amuleto oriundo do santuário local ou do Grande
Santuário de Ise em alguns caso. Nestes altares colocam-se oferendas (saquê,
arroz, sal) e recitam orações.
·
皇室神道 → Xintoísmo imperial (koushitsu Shinto): é o
resultado do desenvolvimento na casa imperial da prática dos ritos e cerimônias
do xintoísmo.
·
民間神道 → Xintoísmo
folclórico (Minkan Shinto): caracteriza-se pela ausência de uma sistematização
doutrinária e de uma organização. É o tipo de xintoísmo praticado
essencialmente pelos pequenos vilarejos.
·
教派神道 → Xintoísmo das seitas (Kyoha Shinto): é composto
essencialmente pelas treze seitas reconhecidas pelo Estado dos Meiji entre 1876
e 1908. Estas seitas possuem em geral um fundador (homem ou mulher). Até o fim
da Segunda Guerra Mundial, os grupos xintoístas que não pertenciam a uma das
treze seitas não eram reconhecidos pelo Estado, o que gerou a integração de
muitos desses grupos numa das seitas existentes. Depois da guerra, e tendo sido
declarada a liberdade religiosa, alguns grupos estabeleceram-se como organizações
independentes.
ESCRITURAS SAGRADAS
O xintoísmo não possui um livro sagrado, como a Bíblia ou o
Corão. Há no entanto um conjunto de textos sobre os ensinamento da religião que
recebem o nome de Shinten (escrituras sagradas), mas não são considerados
textos revelados ou de caráter sobrenatural.
·
古事記 → Kojiki (anais das coisas antigas): datado de 712,
é o texto sagrado mais antigo, sendo composto por três volumes.
·
日本書紀 → Nihonshoki (Crônicas do Japão): foi redigido em
720 em chinês em 30 volumes. Também conhecido como Hihongi.
·
古語拾遺 → Kogo-shui: compilação das tradições do clã dos Imbe,
uma família que junto com a família dos Nakatomi era responsável pelos ritos. A
sua redação foi concluída em 807.
Estes
livros representam as narrativas míticas da tradição xintoísta. Os mitos
descritos referem-se a um caos primordial em que os elementos se mesclam em
massa amorfa e indistinta, “como num ovo”. Os deuses surgiram desse caos.
CRENÇAS DO XINTOÍSMO
KAMI (神)
O xintoísmo baseia-se no culto aos
kami. Esta palavra é frequentemente traduzida por “deus” ou “divindade”, o que
não traduz completamente o conceito, dado que os Kami pode ser também forças
vitais ou espíritos da natureza. Ao contrário dos deuses das outras religiões,
os kami não são onipotentes ou oniscientes, possuindo poderes limitados. Nem
todos os kami são bons. Alguns kami são locais ou conhecidos como espíritos de
um local em particular ou a lugares (montanha, ervas, árvores, vales, rios,
mares, encruzilhadas). Outros representam elementos ou processos da natureza,
como por exemplo, Amaterasu, a deusa do sol, Tsukiyomi, deus da lua, Susanoo,
deus dos oceanos e das tempestades.
Existem kami ligados a fenômenos
atmosféricos (chuva, vento, trovão) e kamis associados à vida humana
(vestuário, transporte, ofícios, etc.) Incluem-se ainda no conceito de kami os
espíritos de homens notáveis, como de certos guerreiros. Os espíritos dos
antepassados também são considerados deuses tutelares da família ou do país,
motivo pelo qual os ritos fúnebres posuem grande relevo.
Os textos xintoístas referem-se a “oitocentas
miríades” de Kami, este número não deve ser interpretado literalmente,
pretendendo-se apenas transmitir a noção de que existem inúmeros kami. Os kami
não são perceptíveis pelo ser humano. Podem ser divididos em dois tipos: os que
habitam o céu e os que habitam a Terra. Os primeiros trazem à Terra influências
positivas, enquanto que os segundos mantê-na com ela. O kami mais eminente é a
deusa-sol Amaterasu Oo-mikami, antepassada da família real japonesa. O seu
santuário principal é o Grande Santuário de Ise.
COSMOLOGIA
XINTOÍSTA
Em relação à estrutura do mundo,
existem duas concepções diferentes, que cruzam e se tomam muitas vezes em
paralelo, sem se contradizerem, pois representam duas perspectivas diferentes e
complementares.
A primeira delas é vertical e fala de
três mundos distintos: 高天原 a Alta Planície Celeste (Takama no Hara) morada
dos kami do céu, de onde eles descem, para dar paz, ordem e felicidade. É um
mundo descrito como reflexo do mundo dos humanos, uma espécie de Japão
plenamente belo e perfeito; segue-se o “País do Meio da Planície dos Canaviais”,
morada dos homens, onde os kami desceram; por último, o chamado “País de Yomi” 黄泉の国 (Yomi no Kuni), subterâneo, moradia dos mortos,
terra de máculas e de pecados, onde habitam os espíritos malignos que
influenciam o homem para o mal. Esta tradição é a principal da mitologia
xintoísta e reflete os meios aristocráticos.
A segunda concepção é horizontal e
coloca a lado o “País do Meio” e o chamado “País dos Mortos” que, ao contrário
do que o nome indica, é uma terra de delícias, situada para além dos mares,
onde habitam os espíritos purificados dos antepassados, que visitam este mundo,
trazendo felicidade e proteção aos viventes. Esta concepção é de caráter mais
popular. Há que notar, mais uma vez, que o xintoísmo atribui a importância
fundamental a este mundo. De fato, tanto kami como os antepassados, embora
habitem noutros planos, conservam estreitas relações com o mundo dos humanos.
A NATUREZA
Há que reconhecer que o homem vive
graças à natureza, a tudo quanto ela lhe fornece, pelo que sua atitude deve ser
de profunda gratidão e reverência. Mesmo quando a natureza se desenfreia, o ser
humano é forçado a reconhecer que muito maiores são os benefícios que dela
recebe. O homem, apesar de todo o seu avanço tecnológico, não possui poder
pleno, e deve reconhecer a sua humildade, num espírito de coexistência
pacífica.
Há inúmeras divindades ligadas a
elementos naturais, o que atesta que tudo é governado pelos kami. Logo, a natureza
reveste-se de um caráter sagrado, regendo-se por uma vontade e sensibilidade
próprias, por uma espiritualidade misteriosa, mais do que propriamente por leis
naturais.
Sendo que toda a natureza descende de “kamis”,
assim como a humanidade, fica claro que tudo está interligado tendo como origem
em comum num ancestral divino. Assim, o ser humano e a natureza, seus
elementos, minerais, vegetais e animais, são parentes.
A vida desassociada da natureza é
incompatível com o shintō, o ser humano não deve combatê-la ou transformá-la
sem necessidade vital. É comum aos praticantes xintoístas o retiro para
ambientes onde possam promover a integração com a natureza, uma forma de
purificação, elevação espiritual, e oportunidade para reflexão e meditação.
O shintō e a própria cultura japonesa
pregam que sendo a natureza sagrada, sua destruição é indesejável, e não existe
o sentimento de hostilidade que impera no ocidente.
Outra prática bastante disseminada é a
deificação de determinados elementos naturais em especial. Como por exemplo a
árvore que representa uma família ou uma rocha que ocupa um lugar de destaque
em determinada cidade. Principalmente na antiguidade, era tradicional em muitas
aldeias a veneração de algum icone que representasse seu povoado ou dinastia.
O comportamento xintoísta é tão avesso
a interferência no cenário natural, pois para ele é sagrado e perfeito, que
qualquer atividade que implique em utilização ostensiva dos recursos naturais
deve ser recompensada no mínimo com a construção de um templo dedicado à
natureza.
AS MONTANHAS
As montanhas no Japão são muito
numerosas e estão envolvidas nos aspectos da vida diária, é delas que brotam os
rios, e são consideradas sagradas. Não são os kami em si, mas sim moradias de
kami. O território montanhoso é tão respeitado que mesmo hoje em dia, o
alpinismo não é uma atividade muito difundida pelo povo japonês, e isso num
país onde é difícil ver todo um horizonte livre da presença de montanhas.
É muito comum a construção de templos
nessas regiões, assim como cerimônias de deificação e requisição de boas
colheitas à “deusa do arrozal” que vive nas montanhas. Nas lendas japonesas as
montanhas ocupam um lugar de destaque na associação com grandes desafios,
buscas e peregrinações.
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