terça-feira, 12 de junho de 2018

XINTOÍSMO (3)



CONCEITOS E TERMOS DO XINTOÍSMO
         No princípio, esta religião étnica não tinha nome, mas quando se introduziu o budismo no Japão durante o século VI, um dos nomes que este recebeu foi Butsudo, que significa “o caminho do Buda”. Assim, a fim de diferenciar do budismo, a religião nativa passou a ser chamada de shinto, palavra de origem chinesa, que combina dois caracteres chineses (kanji): shin, significando deuses ou espíritos (quando lido sozinho é pronunciado “kami”) e tō, que significa caminho filosófico. Assim xintoísmo significa “o caminho dos deuses”. O nome chinês foi escolhido porque na época apenas o chinês era escrito no Japão, já que não haviam desenvolvido ainda a escrita japonesa.


TIPOS DE XINTOÍSMO
         Reconhecem-se várias expressões do xintoísmo, que são o resultado da evolução histórica da religião, lugar da sua manifestação e prática religiosa dos adeptos.
·        神社神道 Xintoísmo dos santuários (Jinja Shinto): é o conjunto de crenças que se exprimem através das festas e das venerações nos santuários. Praticamente todos os santuários pertencem à Associação dos Santuários (Jinja honchó), fundada em Tóquio no ano de 1946.

·        Xintoísmo doméstico: exprime-se nos lares japoneses. Nas casas xintoístas existe em geral um pequeno altar consagrado aos deuses, o Kamidana. Em cima deste altar encontra-se muitas vezes um amuleto oriundo do santuário local ou do Grande Santuário de Ise em alguns caso. Nestes altares colocam-se oferendas (saquê, arroz, sal) e recitam orações.


·        皇室神道 Xintoísmo imperial (koushitsu Shinto): é o resultado do desenvolvimento na casa imperial da prática dos ritos e cerimônias do xintoísmo.
·        民間神道 Xintoísmo folclórico (Minkan Shinto): caracteriza-se pela ausência de uma sistematização doutrinária e de uma organização. É o tipo de xintoísmo praticado essencialmente pelos pequenos vilarejos.


·        教派神道 Xintoísmo das seitas (Kyoha Shinto): é composto essencialmente pelas treze seitas reconhecidas pelo Estado dos Meiji entre 1876 e 1908. Estas seitas possuem em geral um fundador (homem ou mulher). Até o fim da Segunda Guerra Mundial, os grupos xintoístas que não pertenciam a uma das treze seitas não eram reconhecidos pelo Estado, o que gerou a integração de muitos desses grupos numa das seitas existentes. Depois da guerra, e tendo sido declarada a liberdade religiosa, alguns grupos estabeleceram-se como organizações independentes.



ESCRITURAS SAGRADAS
         O xintoísmo não possui um livro sagrado, como a Bíblia ou o Corão. Há no entanto um conjunto de textos sobre os ensinamento da religião que recebem o nome de Shinten (escrituras sagradas), mas não são considerados textos revelados ou de caráter sobrenatural.
·        古事記 Kojiki (anais das coisas antigas): datado de 712, é o texto sagrado mais antigo, sendo composto por três volumes.

·        日本書紀 Nihonshoki (Crônicas do Japão): foi redigido em 720 em chinês em 30 volumes. Também conhecido como Hihongi.


·        古語拾遺 Kogo-shui: compilação das tradições do clã dos Imbe, uma família que junto com a família dos Nakatomi era responsável pelos ritos. A sua redação foi concluída em 807.

Estes livros representam as narrativas míticas da tradição xintoísta. Os mitos descritos referem-se a um caos primordial em que os elementos se mesclam em massa amorfa e indistinta, “como num ovo”. Os deuses surgiram desse caos.




CRENÇAS DO XINTOÍSMO
KAMI ()

         O xintoísmo baseia-se no culto aos kami. Esta palavra é frequentemente traduzida por “deus” ou “divindade”, o que não traduz completamente o conceito, dado que os Kami pode ser também forças vitais ou espíritos da natureza. Ao contrário dos deuses das outras religiões, os kami não são onipotentes ou oniscientes, possuindo poderes limitados. Nem todos os kami são bons. Alguns kami são locais ou conhecidos como espíritos de um local em particular ou a lugares (montanha, ervas, árvores, vales, rios, mares, encruzilhadas). Outros representam elementos ou processos da natureza, como por exemplo, Amaterasu, a deusa do sol, Tsukiyomi, deus da lua, Susanoo, deus dos oceanos e das tempestades.
         Existem kami ligados a fenômenos atmosféricos (chuva, vento, trovão) e kamis associados à vida humana (vestuário, transporte, ofícios, etc.) Incluem-se ainda no conceito de kami os espíritos de homens notáveis, como de certos guerreiros. Os espíritos dos antepassados também são considerados deuses tutelares da família ou do país, motivo pelo qual os ritos fúnebres posuem grande relevo.
         Os textos xintoístas referem-se a “oitocentas miríades” de Kami, este número não deve ser interpretado literalmente, pretendendo-se apenas transmitir a noção de que existem inúmeros kami. Os kami não são perceptíveis pelo ser humano. Podem ser divididos em dois tipos: os que habitam o céu e os que habitam a Terra. Os primeiros trazem à Terra influências positivas, enquanto que os segundos mantê-na com ela. O kami mais eminente é a deusa-sol Amaterasu Oo-mikami, antepassada da família real japonesa. O seu santuário principal é o Grande Santuário de Ise.

COSMOLOGIA XINTOÍSTA
         Em relação à estrutura do mundo, existem duas concepções diferentes, que cruzam e se tomam muitas vezes em paralelo, sem se contradizerem, pois representam duas perspectivas diferentes e complementares.


         A primeira delas é vertical e fala de três mundos distintos: 高天原 a Alta Planície Celeste (Takama no Hara) morada dos kami do céu, de onde eles descem, para dar paz, ordem e felicidade. É um mundo descrito como reflexo do mundo dos humanos, uma espécie de Japão plenamente belo e perfeito; segue-se o “País do Meio da Planície dos Canaviais”, morada dos homens, onde os kami desceram; por último, o chamado “País de Yomi” 黄泉の国 (Yomi no Kuni), subterâneo, moradia dos mortos, terra de máculas e de pecados, onde habitam os espíritos malignos que influenciam o homem para o mal. Esta tradição é a principal da mitologia xintoísta e reflete os meios aristocráticos.

         A segunda concepção é horizontal e coloca a lado o “País do Meio” e o chamado “País dos Mortos” que, ao contrário do que o nome indica, é uma terra de delícias, situada para além dos mares, onde habitam os espíritos purificados dos antepassados, que visitam este mundo, trazendo felicidade e proteção aos viventes. Esta concepção é de caráter mais popular. Há que notar, mais uma vez, que o xintoísmo atribui a importância fundamental a este mundo. De fato, tanto kami como os antepassados, embora habitem noutros planos, conservam estreitas relações com o mundo dos humanos.

A NATUREZA
         Há que reconhecer que o homem vive graças à natureza, a tudo quanto ela lhe fornece, pelo que sua atitude deve ser de profunda gratidão e reverência. Mesmo quando a natureza se desenfreia, o ser humano é forçado a reconhecer que muito maiores são os benefícios que dela recebe. O homem, apesar de todo o seu avanço tecnológico, não possui poder pleno, e deve reconhecer a sua humildade, num espírito de coexistência pacífica.
         Há inúmeras divindades ligadas a elementos naturais, o que atesta que tudo é governado pelos kami. Logo, a natureza reveste-se de um caráter sagrado, regendo-se por uma vontade e sensibilidade próprias, por uma espiritualidade misteriosa, mais do que propriamente por leis naturais.
         Sendo que toda a natureza descende de “kamis”, assim como a humanidade, fica claro que tudo está interligado tendo como origem em comum num ancestral divino. Assim, o ser humano e a natureza, seus elementos, minerais, vegetais e animais, são parentes.
         A vida desassociada da natureza é incompatível com o shintō, o ser humano não deve combatê-la ou transformá-la sem necessidade vital. É comum aos praticantes xintoístas o retiro para ambientes onde possam promover a integração com a natureza, uma forma de purificação, elevação espiritual, e oportunidade para reflexão e meditação.
         O shintō e a própria cultura japonesa pregam que sendo a natureza sagrada, sua destruição é indesejável, e não existe o sentimento de hostilidade que impera no ocidente.
         Outra prática bastante disseminada é a deificação de determinados elementos naturais em especial. Como por exemplo a árvore que representa uma família ou uma rocha que ocupa um lugar de destaque em determinada cidade. Principalmente na antiguidade, era tradicional em muitas aldeias a veneração de algum icone que representasse seu povoado ou dinastia.
         O comportamento xintoísta é tão avesso a interferência no cenário natural, pois para ele é sagrado e perfeito, que qualquer atividade que implique em utilização ostensiva dos recursos naturais deve ser recompensada no mínimo com a construção de um templo dedicado à natureza.

AS MONTANHAS

         As montanhas no Japão são muito numerosas e estão envolvidas nos aspectos da vida diária, é delas que brotam os rios, e são consideradas sagradas. Não são os kami em si, mas sim moradias de kami. O território montanhoso é tão respeitado que mesmo hoje em dia, o alpinismo não é uma atividade muito difundida pelo povo japonês, e isso num país onde é difícil ver todo um horizonte livre da presença de montanhas.
         É muito comum a construção de templos nessas regiões, assim como cerimônias de deificação e requisição de boas colheitas à “deusa do arrozal” que vive nas montanhas. Nas lendas japonesas as montanhas ocupam um lugar de destaque na associação com grandes desafios, buscas e peregrinações.

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