quinta-feira, 13 de julho de 2017

HIPÓTESES SOBRE A ORIGEM DA VIDA

Aleksander I.Oparin e John S. Haldane cientistas que desenvolveram hipóteses sobre a origem da vida


HIPÓTESE DE OPARIN E HALDANE


                Trabalhando independentemente, o cientista russo Aleksander Ivanovich Oparin (1894-1980) e o cientista inglês John Burdon Sanderson Haldane (1892-1964) propuseram, na década de 1920, hipóteses semelhantes sobre como a vida teria se originado na Terra. Apesar de existirem pequenas diferenças entre as hipóteses desses cientistas, basicamente eles propuseram que os primeiros seres vivos surgiram a partir de moléculas orgânicas que teriam se formado na atmosfera primitiva e depois nos oceanos, a partir de substâncias inorgânicas.
                Vamos, de modo, simplificado, apresentar uma síntese dessas ideias: as condições da Terra antes do surgimento dos primeiros seres vivos eram muito diferentes das atuais. A Erupções vulcânicas eram muito abundantes, liberando grande quantidade de gases e de partículas para a atmosfera. Esses gases e partículas ficaram retidos por ação da força da gravidade e passaram a compor a atmosfera primitiva.
                Embora ainda não exista um consenso sobre a composição da atmosfera primitiva, muitos cientistas consideram que provavelmente ela era composta principalmente de metano (CH4), amônia (NH3), gás hidrogênio (H2) e vapor d’água (H2O). Não havia o gás oxigênio (O2) ou ele estava presente em baixíssima concentração; por isso se fala em ambiente redutor. Nessa época, a Terra estava passando por um processo de resfriamento, que permitiu o acúmulo de água nas depressões da sua crosta, formando os mares primitivos.
                As descargas elétricas e as radiações eram intensas e teriam fornecido energia para que algumas moléculas presentes na atmosfera se unissem, dando origem a moléculas maiores e mais complexas: as primeiras moléculas orgânicas. É importante lembrar que na atmosfera daquela época, diferentemente do que ocorre hoje, não havia o escudo de ozônio (O3) contra as radiações, especialmente a ultravioleta, que, assim, atingiam a Terra com grande intensidade.
                As moléculas orgânicas formadas eram arrastadas pelas águas das chuvas e passavam a se acumular nos mares primitivos, que eram quentes e rasos. Esse processo, repetindo-se ao longo de muitos anos, teria transformado os mares primitivos em verdadeiras “sopas nutritivas”, ricas em matéria orgânica. Essas moléculas orgânicas poderiam ter-se agregado, formando coacervados, nome derivado do latim coacervare, que significa formar grupos. No caso, o sentido de coacervatos é o de conjuntos de moléculas orgânicas reunidas em grupos envoltos pro moléculas de água.
                Esses coacervatos não eram seres vivos, mas uma primitiva organização das substâncias orgânicas em um sistema semi-isolado do meio, podendo trocar substância com o meio externo e havendo possibilidade de ocorrerem inúmeras reações químicas em seu interior.

                Não se sabe como a primeira célula surgiu, mas pode-se supor que, se foi possível o surgimento de um sistema organizado como os coacervatos, podem ter surgido sistemas equivalentes, envoltos por uma membrana formada por lipídios e proteínas e contendo em seus interior a molécula de ácido nucleico. Com a presença do ácido nucleico, essas formas teriam adquirido a capacidade de reprodução. Nesse momento teriam surgido os primeiros seres vivos que, apesar de muitos primitivos, eram capazes de se reproduzir, dando origem a outros seres semelhantes a eles.

Fonte: Sônia Lopes_Bio Volume Único, Editora Saraiva, 2004


LEANDRO KARNAL E AS QUATRO LINHAS DE FORÇA: 4.ª O ALUNO



      Leandro Karnal, em seu livro Conversas com um Jovem Professor nos sugere que o profissional da educação deve pensar em quatro linhas de força que devem cruzar quando falamos de uma boa aula, vamos verificar cada uma delas no Blog do Maffei, mas uma por dia:

         A última linha de força de uma aula é o aluno. É a linha mais importante. O aluno é para o professor e que o paciente é para o médico. É o objetivo da sua existência profissional. Há uma inversão tradicional da função pedagógica: considerar o aluno um problema para a escola. O comportamento do aluno pode ser um problema: ele não é um problema. Voltamos à metáfora médica: a doença é o problema, o doente não é.
         Estamos diante de um dos dilemas mais curiosos do ensino: você pode combater o mau comportamento, mas sempre lembrando que o aluno é seu objetivo maior. Separar essas coisas é difícil e, como eu, provavelmente você vai errar nesse campo.
         Os cristão medievais tinham uma regra que podemos adaptar com sucesso: odiar o pecado e amar o pecador. Sabe a consequência disso? Se entendermos a ideia bem, significaria deixar claro que eu não admito a bagunça porque ela é inimiga do aluno e não exatamente minha. Do ponto de vista ideal, que o aluno sinta que nunca é pessoal, que ele não é o problema, que eu posso até pedir que ele se retire da sala, mas porque, e unicamente, ele está impedindo a ele e à turma de atingirem o resultado. É preciso muita maturidade para isso. Quase ninguém tem. Eu não tive muitas vezes.
         Acho que a coisa mais óbvia de todas eu levei muitos anos para entender. Existem fichas de avaliação, padrões, tabelas e até notas para se dar ao professor. A mais importante sempre esteve bem diante de mim: o olhar dos alunos. Eles dizem, com absoluta naturalidade, sobre o andamento de tudo. Aprender a ler seus olhos. Os olhos dos seus alunos são o espelho da Branca de Neve: dizem tudo o que você perguntar. “Não estamos entendendo, não tenho interesse, estou adorando, você fala alto demais, não estou ouvindo”: tudo está lá. Passei muitos anos achando que eu deveria falar mais e agir mais. Hoje acho que devo ver e ouvir mais.

         Há poucos bons professores. Há muita gente que dá aula bem. Acho que o ponto principal que diferencia um do outro é a capacidade de olhar para seu aluno e se sentir junto com ele. Não confundam essa reflexão, por favor, com a ideia de que você deve oscilar tudo que faz em função do olhar de agrado e desagrado do aluno. Aqui vem a parte mais importante (e difícil): conhecer o olhar do meu aluno é conhecer meu ponto de partida, não meu objetivo final. Educar pode ser (e com frequência é) contrariar a vontade imediata do aluno. O olhar dele, a sensibilidade para com ele é seu ponto de partida. É quem diz quanta energia, quanta imaginação, quantos recursos você terá de realizar para que o olhar dele chegue ao ponto que você deseja. O olhar dele não é seu horizonte, mas sua possibilidade.

quarta-feira, 12 de julho de 2017

SARAMAGO NOS FALA SOBRE A MEMÓRIA




Sobre a memória:

          "A memória é um espelho velho, com falhas no estanho e sombras paradas: há uma nuvem sobre a testa, um borrão no lugar da boca, o vazio onde os olhos deviam estar. Mudamos de posição, ladeamos a cabeça, procuramos, por meio de justaposições ou de lateralizações sucessivas dos pontos de vista, recompor uma imagem que nos seja possível reconhecer como ainda nossa, parecida com esta que hoje temos, quase já de ontem. 
          A memória é também uma estátua de argila. O vento passa e leva-lhe, pouco a pouco, partículas, grãos, cristais. A chuva amolece as feições, faz descair os membros, reduz o pescoço. Em cada minuto, o que era deixou de ser, e da estátua não restaria mais do que um vulto informe, uma pasta primária, se também em cada minuto não fôssemos restaurando, de memória, a memória. A estátua vai manter-se de pé, não é a mesma, mas não é outra, como o ser vivo é, em cada momento, outro e o mesmo. Por isso deveríamos perguntar-nos quem, de nós, ou em nós, tem memória, e que memória é ela. Mais ainda: pergunto-me que inquietante memória é a que às vezes me toma de ser eu a memória que tem hoje alguém que já fui, como se ao presente fosse finalmente possível ser memória de alguém que tivesse sido." 
          (Excerto, com modificações, de um texto que publiquei             algures, não sei quando. Ah, esta memória.)"

EXEMPLIFICAÇÃO DE TEORIA SEGUNDO O BIÓLOGO J. GOULD


Stephen Jay Gould (1941-2002)*

                “Os fatos são os dados do mundo. As teorias são estruturas que explicam e interpretam os fatos. Os fatos continuam a existir enquanto os cientistas debatem teorias rivais para explicá-los. A Teoria da Gravitação Universal de Einstein tomou o lugar da de Newton, mas as maçãs não ficaram suspensas no ar, aguardando o resultado”.




*      Stephen Jay Gould foi um Paleontologista e Biólogo Evolucionista Americano também escritor de vários livros que ajudaram a popularizar a ciência e a pesquisa.

segunda-feira, 10 de julho de 2017

LEANDRO KARNAL E AS QUATRO LINHA DE FORÇA PARA SE DAR UMA AULA: 3.ª CONDIÇÕES EXTERNAS

      Leandro Karnal, em seu livro Conversas com um Jovem Professor nos sugere que o profissional da educação deve pensar em quatro linhas de força que devem cruzar quando falamos de uma boa aula, vamos verificar cada uma delas no Blog do Maffei, mas uma por dia:

         A terceira linha de força de uma aula diz respeito ao ambiente. Pode parecer muito estranho para quem começa, mas o ambiente da aula funciona como um cenário de uma peça: não é central mas reforça o texto e cria o “clima”. Assim, tente observar se o cenário é adequado. Há coisas que você pode fazer e outras estão longe do seu alcance. Você pode e deve estabelecer alguns minutos para colocar ordem antes da aula. Lixo pelo chão ou cadeiras amontoadas podem ser resolvidas. Não dê aula com o quadro cheio com a matéria do outro professor. Explique sempre aos alunos a importância de preparar o ambiente. Se necessário, dê o exemplo pegando um papel do chão, mesmo que pareça lógico: não é sua função. Mas, você aprenderá logo, se ficar esperando que surja a pessoa adequada para fazer isso, sua aula esperará até a próxima era geológica.
         Nunca caia na tentação de começar falar baixo em meio ao caos e a sujeira para ver se eles prestam atenção. Não passe nunca a sensação que tanto faz se eles ouvem ou não, ou se tanto faz se a aula for eficiente ou não. Ou a aula é ou ela não é. É melhor não dar uma aula do que aceitar o papel de monólogo patético.

         Sobre o ambiente, você aprenderá logo algumas coisas estranhas. Por exemplo: se começar a chover lá fora, a aula será interrompida. Todos os seus jovens alunos ficarão olhando para a chuva na janela ou no telhado e deixarão de prestar atenção. Dias de verão em salas quentes são um desafio além da capacidade humana. Outra coisa: as obras na escola sempre iniciarão no primeiro dia de aula, com barulho constante. Avisos da direção somente serão dados quando você tiver, enfim, acalmado a turma. Quando houver um minuto de silêncio na sala alguém entrará para falar da festa de São João ou sobre um recente vandalismo no banheiro do segundo andar. Enfim, é fundamental tentar.


         No mundo perfeito, a sala é confortável, com temperatura agradável, os aparelhos estão à disposição e funcionam, ninguém precisa ir ao banheiro a cada cinco minutos e os alunos te esperam com sorriso no rosto e sede de saber. Esse é o seu paraíso? É o meu também. Se você deseja e luta por ele, você tem boa chance de ser um bom professor. Se você só pode trabalhar nesse paraíso e considera impossível ou indigno enfrentar outros purgatórios ou infernos, então... Tente outra coisa no mundo. Dar aula é muito interessante, mas não é a única função digna no mundo.

domingo, 9 de julho de 2017

LEANDRO KARNAL E AS QUATRO LINHAS DE FORÇA: 2.ª O CONTEÚDO


Leandro Karnal, em seu livro Conversas com um Jovem Professor nos sugere que o profissional da educação deve pensar em quatro linhas de força que devem cruzar quando falamos de uma boa aula, vamos verificar cada uma delas no Blog do Maffei, mas uma por dia:


         A segunda linha de força é o conteúdo em si. Existem programas, livros, apostilas, coordenadores, vestibulares e muitas variáveis que nos fazem, permanentemente, parecer atrasados com o conteúdo. Não importa o quanto você corra: na última etapa, com frequência a mais interessante, você está defasado. Para piorar: tudo e todos retardam o avanço do conteúdo. Avisos da direção, indisciplina, feriados e um mundo infinito de coisas que acontecem na sua aula e que impedem de falar ou de ensinar.



         Planeje a quantidade de conteúdo que permita uma aula produtiva. Dar demais ou de menos atrapalha o ritmo dos alunos. Se sua aula tem 45 minutos, digamos, pense que quase 15 (geralmente mais) serão perdidos nos bueiros da chamada, indisciplina, avisos, mãos que se levantam para ir ao banheiro etc. Então, imaginando que todo o conteúdo deve fazer link com o que você deu na aula anterior naquela turma (lembre-se de que o aluno  acabou de sair de uma aula sobre Tabela Periódica e está entrando numa sobre Império Bizantino), que este link demore uns cinco minutos e que você precisa reservar uns cinco minutos para fechar o conteúdo retomando conceitos centrais e reforçando o que foi dado restam... vinte minutos de aula. Evite começar lento e começar a correr quando o tempo se esgota. A técnica não pode ser superior ao conteúdo: você não pode passar mais tempo escrevendo do que explicando, mais tempo montando data-show do que analisando e mais tempo removendo cadeiras para um debate do que realizando o evento.

sábado, 8 de julho de 2017

SCHOPENHAUER NOS DÁ UMA DICA DE COMO PROCEDER COM NOSSA LEITURA


Sobre livros e leitura
Arthur Schopenhauer

A ignorância só degrada a pessoa quando é acompanhada de riqueza. O pobre é limitado por sua pobreza e por suas necessidades; no seu caso o trabalho substitui o saber e ocupa seus pensamentos. Por outro lado, os ricos que são ignorantes vivem apenas para seus prazeres e se parecem ao gado, como podemos notar diariamente. Isto é ainda mais censurável porque não usaram a riqueza e o ócio para aquilo que lhes empresta o mais alto valor.

Quando lemos, outra pessoa pensa por nós: só repetimos seu processo mental. Trata-se de um caso semelhante ao do aluno que, ao aprender a escrever, traça com a pena as linhas que o professor fez com o lápis. Portanto, o trabalho de pensar nos é, em grande parte, negado quando lemos. Daí o alívio que sentimos quando passamos da ocupação com nossos próprios pensamentos à leitura. Durante a leitura nossa cabeça é apenas o campo de batalha de pensamentos alheios. Quando estes, finalmente, se retiram, que resta? Daí se segue que aquele que lê muito e quase o dia inteiro, e que nos intervalos se entretém com passatempos triviais, perde, paulatinamente, a capacidade de pensar por conta própria, como quem sempre anda a cavalo acaba esquecendo como se anda a pé. Este, no entanto, é o caso de muitos eruditos: leram até ficar estúpidos. Porque a leitura contínua, retomada a todo instante, paralisa o espírito ainda mais que um trabalho manual contínuo, já que neste ainda é possível estar absorto nos próprios pensamentos. Assim como uma mola acaba perdendo sua elasticidade pelo peso contínuo de um corpo estranho, o mesmo acontece com o espírito pela imposição ininterrupta de pensamentos alheios. E assim como o estômago se estraga pelo excesso de alimentação e, desta maneira prejudica o corpo todo, do mesmo modo pode-se também, por excesso de alimentação do espírito, abarrotá-lo e sufocá-lo. Porque quanto mais lemos menos rastro deixa no espírito o que lemos: é como um quadro negro, no qual muitas coisas foram escritas umas sobre as outras. Assim, não se chega à ruminação: e só com ela é que nos apropriamos do que lemos, da mesma forma que a comida não nos nutre pelo comer, mas pela digestão. Se lemos continuamente sem pensar depois no que foi lido, a coisa não se enraíza e a maioria se perde. Em geral não acontece com a alimentação do espírito outra coisa que com a do corpo: nem a quinquagésima parte do que se come é assimilado, o resto desaparece pela evaporação, pela respiração ou de outro modo.

Acrescente-se a tudo isso que os pensamentos postos no papel nada mais são que pegadas de um caminhante na areia: vemos o caminho que percorreu, mas para sabermos o que ele viu nesse caminho, precisamos usar nossos próprios olhos.
Nenhuma qualidade literária como, por exemplo, força de persuasão, riqueza de imagens, dom de comparação, audácia, ou amargor, ou brevidade, ou graça, ou leveza de expressão, ou ainda agudeza, contrastes surpreendentes, laconismo, ingenuidade etc., podemos adquirir lendo autores que as possuam. O que podemos é, através deles, despertar em nós tais qualidades no caso de já as possuirmos como inclinação, quer dizer em potentia, trazê-las à consciência, podemos ver tudo o que se pode fazer com elas, podemos ser fortalecidos nessa inclinação, na coragem de usá-las, podemos julgar o funcionamento de seu uso pelos exemplos e, assim, podemos aprender seu uso correto; em todo caso é só depois disto que as possuímos também em actu. Esta é a única maneira de a leitura educar-nos para escrever, na medida em que nos ensina o uso que podemos fazer de nossos dons naturais; sempre na suposição de que esses dons existam. Sem eles, no entanto, não aprendemos com a leitura nada além de um maneirismo frio, morto, e nos tornamos imitadores superficiais.
Os inspetores de saúde pública deveriam, no interesse de nossos olhos, cuidar de que houvesse um mínimo fixo, a não ser desobedecido, para o tamanho das letras impressas. (Quando eu estava em Veneza em 1818, na época em que ainda se fabricavam as verdadeiras correntes venezianas, um ourives me disse que aqueles que faziam a catena fina ficavam cegos aos 30 anos.).
Assim como as camadas de terra conservam em filas os seres vivos de épocas passadas, as prateleiras das bibliotecas também conservam em filas os erros do passado e suas explicações que, como aqueles no seu tempo, eram muito vivos e faziam muito barulho, mas hoje estão ali rígidos e petrificados, e só o paleontólogo literário os contempla.
Xerxes, segundo Heródoto, chorou ao mirar seu inumerável exército porque pensou que de todos aqueles homens nenhum estaria vivo cem anos depois: assim, quem não choraria ao ver um grosso catálogo de feira de livro, ao pensar que de todos esses livros nenhum estará vivo em menos de dez anos?
O que acontece na literatura não é diferente do que acontece na vida: para onde quer que nos dirijamos, imediatamente encontramos a incorrigível plebe da humanidade, que existe em toda parte como uma legião, que ocupa tudo e suja tudo, como moscas no verão. Daí a imensidão de livros ruins, essa erva daninha da literatura que se alastra, que retira a nutrição do trigo e o sufoca.
Assim, eles usurpam o tempo, o dinheiro e a atenção do público a que, por lei, pertencem os bons livros e seus nobres objetivos, enquanto os livros ruins foram escritos com a única finalidade de gerar dinheiro ou propiciar emprego. Não são, portanto, apenas inúteis, mas positivamente daninhos. Nove décimos de toda nossa literatura atual não tem outra finalidade a não ser o de tirar alguns centavos do bolso do público: com este objetivo conspiram decididamente o autor, o editor e o crítico.
É um golpe baixo e mal intencionado, mas lucrativo, que os literatos, os autores que escrevem para ganhar o pão e os polígrafos, conseguiram dar contra o bom gosto e a verdadeira educação do século, levando o mundo elegante pela coleira, adestrando-o para ler a tempo, ou seja, todos sempre a mesma coisa, o mais recente, para ter em seus círculos sobre o que conversar: para cumprir este objetivo servem os romances ruins e outras produções do tipo de penas outrora famosas como as de Spindler, Bulwer, Eugène Sue e outros. O que pode ser mais miserável do que o destino de tal público literário que se acha obrigado a ler, a todo momento, as últimas publicações de cabeças absolutamente ordinárias, que escrevem apenas por dinheiro e que, por esta razão, existem sempre em grande número e conhecem apenas de nome as obras dos raros e superiores espíritos de todos os tempos e de todos os países! – Os jornais de literatura diários são, em especial, um meio habilmente inventado para roubar do público estético o tempo que este deveria dedicar às verdadeiras produções adequadas à sua formação e fazer com que este dedique seu tempo às improvisações cotidianas de cabeças ordinárias.
Como as pessoas leem sempre em vez do melhor de todos os tempos, o mais recente, os autores permanecem na esfera estreita das ideias circulantes, e o século se enterra cada vez mais profundamente nos seus próprios excrementos.
É por isso que, no que se refere a nossas leituras, a arte de não ler é sumamente importante. Esta arte consiste em nem sequer folhear o que ocupa o grande público, o tempo todo, como panfletos políticos ou literários, romances, poemas, etc., que fazem tanto barulho durante algum tempo, atingindo mesmo várias edições no seu primeiro e último ano de vida: deve-se pensar, ao contrário, que quem escreve para palhaços sempre encontra um grande público e consagre-se o tempo sempre muito reduzido de leitura unicamente às obras dos grandes espíritos de todos os tempos e de todos os países, que se destacam do resto da humanidade e que a voz da fama identifica. Só eles educam e ensinam realmente.
Os ruins nunca lemos de menos e os bons nunca relemos demais. Os livros ruins são veneno intelectual: eles estragam o espírito.

Para ler o bom uma condição é não ler o ruim: porque a vida é curta e o tempo e a energia escassos.

Veja também:

O NOME DA ROSA

O Nome da Rosa de Umberto Eco: Análise da Obra O Nome da Rosa  é um livro de 1980 escrito pelo italiano Umberto Eco. Em 1986 foi lançado o...

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