quarta-feira, 13 de julho de 2022

SABE COM QUEM VOCÊ ESTÁ FALANDO? MÁRIO SÉRGIO CORTELLA RESPONDE.


         Muitas já foram as definições que procuraram capturar uma essencialidade da natureza humana, a começar da mais clássica e conhecida: o Homem é um animal racional. Essa sentença, marcada por uma aparência de obviedade e repetida à exaustão (com certo ar triunfal), foi expressa por Aristóteles (384-322 a.C.) no século IV a.C. e, muito embora a maioria das pessoas não conheça sua origem, faz parte do senso comum. Antes dele, seu mestre Platão (427-347 a.C.) houvera definido o Homem como um bípede implume e, no início do século XX, o grande poeta português Fernando Pessoa (1888-1935) elaborou uma definição um pouco mórbida, mas tecnicamente bem precisa: o Homem é um cadáver adiado! 

 
       O que há de comum entre essas três ideias? A tentativa de identificar o humano e dar-nos uma identidade, isto é, nos diferenciar do restante da realidade de modo que nela nos localizemos; ao mesmo tempo, é a procura de uma definição (do latim finis, limite, fronteira) daquilo que é nosso contorno, que nos circunscreve, nos contém, ou seja, marca nosso lugar. 

        Esse é um dos mais antigos temas que a humanidade vem-se colocando no decorrer de séculos. Por mais abstratas que pareçam, perguntas como Por que estamos aqui neste mundo? Quem o que o fez? Por que nós? De onde viemos e para onde vamos? Por que existe alguma coisa e não nada? Têm sido cruciais. De uma ou outra forma, individualmente ou nos grupos sociais, essas dúvidas são objeto de reflexões, temores, confrontos, desesperos etc. 

        A indagação sobre nós mesmos, a razão de sermos e de nossa origem e destino, isto é, o sentido de nossa existência, é de fato, um tema presente em toda a História; mesmo em tempos atuais, quando a Ciência atingiu patamares impressionantes de inventividade e variedade, a resposta parece, contraditoriamente, afastar-se cada vez mais. 

       Aliás, essa é uma das características do conhecimento: quanto mais se sabe, mais se ignora; (é conhecida a máxima socrática: “Só sei que nada sei”; no entanto, Sócrates (469 – 399 a.C.) não a enunciou como uma expressão de ceticismo e sim como indicadora da impossibilidade humana de esgotar o processo de conhecimento), afinal, só é possível supor que o conhecimento vá sendo progressivamente revelado, até atingir um estágio final, se ele for concebido como uma descoberta e não como uma construção.

         Qual, então, o nível atual de Conhecimento que a Ciência, como forma mais precisa e eficaz de investigação da realidade, nos aponta quanto ao lugar do humano?

         Eis, em termos bastante gerais, uma síntese das conclusões provisórias e ainda submetidas a controvérsias:

·        Estamos em um dos universos possíveis, ele é finito e tem provavelmente o formato cilíndrico (em função da curvatura do espaço entre si mesmo);

·        Esse universo surgiu aproximadamente 15 bilhões de anos, a partir de uma grande explosão inicial apelidada de "big bang" e se extinguirá daqui a outros tantos bilhões de anos, em função do esvaecimento da matéria e energia nele existentes;

·        Dessa explosão original resultou uma expansão (que ainda continua), em escala inimaginável, e que se concentrou, basicamente, em grandes massas estelares que, por sua vez, se agruparam em 100 bilhões de galáxias;

·        Uma dessas galáxias é a nossa Via Láctea, que contém 100 bilhões de estrelas;

·        Nessa galáxia, há 4,6 bilhões de anos, originou-se o nosso sistema solar;

·        O sol, uma das 100 bilhões de estrelas da galáxia, é relativamente pequeno (de 5ª grandeza), e tem, girando à sua volta, 9 já conhecidos planetas (do grego planetès, vagabundo, errante);

·        Um desses planetas é a terra, o quinto em tamanho e distante 150 milhões de quilômetros do Sol;

·        Na terra há vida e, até pouco, supunha-se que só nela;

·        Estima-se que nosso planeta tenha entre três e 30 milhões de espécies de vida diferentes, embora apenas 1,4 milhão tenham sido classificadas (750.000 insetos, 41.000 vertebrados, 250.000 plantas e o restante de outros invertebrados, fungos, alga e micro-organismos);


·        Uma dessas espécies é a nossa, em sua forma mais recente (35.000 anos para cá), chamada de Homo Sapiens-Sapiens;

·        A espécie humana tem, no momento, sete bilhões de indivíduos;

·        Um deles sou eu.


     De forma caricatural (mas não falsa), assim se poderia responder à questão Quem sou eu? Sou apenas um indivíduo entre outros sete bilhões, pertencente a uma espécie entre outras 30 milhões diferentes, vivendo em um planetinha, que gira em torno de uma estrelinha entre outras 100 bilhões, que compõem uma mera galáxia em meio a outras 100 bilhões, presentes em um dos universos existentes...


Fonte:

A escola e o conhecimento: Fundamentos epistemológicos e políticos.

Mario Sergio Cortella.

 

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