sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

MANIFESTO DO PARTIDO COMUNISTA (RESUMO)

 



O MANIFESTO COMUNISTA

 

            O “Manifesto Comunista”, em alemão “Manifest der Kommunistischen Partei”, é um panfleto de 1848 escrito por Karl Marx e Friedrich Engels para servir como plataforma da Liga Comunista. Tornou-se uma das principais declarações programáticas dos partidos socialistas e comunistas dos século XIX e início do século XX.

Karl Marx e Friedrich Engels

            O “Manifesto Comunista” incorpora a concepção materialista histórica dos autores: “A história de todas as sociedades até agora existentes é a história das lutas de classes”, e examina essa história desde a era do escravismo romano até o capitalismo do século XIX, que estava destinado, segundo o “Manifesto”, a ser derrubado e substituído por uma sociedade de trabalhadores. Os comunistas eram considerados a vanguarda da classe trabalhadora, e constituiriam o setor da sociedade que realizaria a “abolição da propriedade privada” e “elevaria o proletariado à posição de classe dominante”.

            O “Manifesto Comunista” começa com as palavras dramáticas: “Um espectro está assombrando a Europa – o espectro do comunismo” e termina afirmando: “Os trabalhadores não têm nada a perder, exceto suas correntes. Ele têm um mundo para vencer. Trabalhadores de todos os países, uni-vos”.



Britannica, The Editors of Encyclopaedia. "The Communist Manifesto". Encyclopedia Britannica, 25 Nov. 2019, https://www.britannica.com/topic/The-Communist-Manifesto. Acesso em: 23 Dez. 2021.




segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

I HAVE BEEN ON TOP OF THE MOUNTAIN (ESTIVE NO TOPO DA MONTANHA) MARTIN LUTHER KING - MEMPHIS 03/04/1968

 





I've Been on Top of the Mountain

(Estive no Topo da Montanha)

Martin Luther King Jr.  3 de abril de 1968 (Um dia antes de seu assassinato)

Templo Manson – Memphis, Tennessee, USA.

 



Muito obrigado, meus amigos. Enquanto ouvia a eloquente e generosa introdução de Ralph Abernathy e pensava em mim mesmo, fiquei imaginando de quem ele falava. É sempre bom ter o seu mais íntimo amigo e colaborador para falar algo de bom a seu respeito. E Ralph é o melhor amigo que tenho no mundo.

Estou encantado de vê-los todos aqui nesta noite, apesar do alerta de tempestade. Isso revela a sua determinação para prosseguir, sob quaisquer circunstâncias. Algo está acontecendo em Memphis, algo está acontecendo no mundo Sabem de uma coisa? Se eu estivesse presente no princípio do mundo e pudesse ter uma visão panorâmica de todos os tempos até os nossos dias, e o Todo-Poderoso me perguntasse: “Martin Luther King, em que época você gostaria de viver?”, eu faria mentalmente uma viagem ao Egito, e talvez prosseguisse pelo mar Vermelho e pelo deserto em direção à Terra Prometida. E, apesar de sua magnitude, eu não ficaria ali.

Eu seguiria até a Grécia e dirigiria o meu pensamento ao monte Olimpo. Encontraria Platão, Aristóteles, Sócrates, Eurípides e Aristófanes reunidos em torno do Parthenon, a discutir os grandes e eternos temas da realidade. Mas eu não ficaria ali.

Eu seguiria adiante, até o apogeu do Império Romano e veria as conquistas de tantos imperadores e líderes. Mas eu não ficaria ali.

Eu chegaria aos dias da Renascença e traçaria um rápido panorama de tudo o que ela fez pela vida cultural e artística do homem. Mas não ficaria ali.

Eu seguiria até a época em que viveu o homem em cuja homenagem me deram este nome e veria Martin Lutero fixar as suas 95 teses na porta da igreja em Wittenberg. Mas eu não ficaria ali.

Eu seguiria até o ano de 1863 e assistiria a um vacilante presidente de nome Abraham Lincoln finalmente chegar à conclusão de que tinha de assinar a Proclamação de Emancipação. Mas eu não ficaria ali.

Eu iria ainda mais longe, ao começo dos anos 1930, e veria um homem combater a falência de sua nação. E ouviria um eloqüente clamor de que “nada há a temer, senão o próprio medo”. Mas eu não ficaria ali.

Por estranho que pareço, eu me voltaria ao Todo-Poderoso e diria “Se o senhor me permitir viver apenas alguns poucos anos da segunda metade do século XX ficarei feliz”.

Que estranho pedido a se fazer, afinal o mundo está uma grande bagunça. A nação está doente, há problemas e confusão por toda parte. Que estranho pedido. Mas de algum modo sei que somente quando está suficientemente escuro podem-se ver as estrelas. E vejo Deus agindo neste momento do século XX de tal forma que os homens reagem de um modo estranho – algo está acontecendo. As massas estão se levantando. E onde quer que se reúnam hoje, em Johannesburgo, África do Sul; Nairóbi, Quênia; Acra, Gana; Nova York; Atlanta, Geórgia; Jackson, Mississippi; ou Memphis, Tennessee – o clamor é sempre o mesmo: “Queremos ser livres.

Mas tenho outra razão para ficar feliz por viver nesta época. Forçaram-nos a tal ponto que, hoje, temos de enfrentar os mesmos problemas que os homens enfrentaram ao longo de toda a história. Mas as circunstâncias não os forçavam a isso como hoje nos forçam, pois deste enfrentamento depende nossa sobrevivência. A humanidade, há muitos anos, tem falado de guerra e de paz. Só que agora não podemos simplesmente falar. Não é mais um escolha entre violência e não-violência, mas entre não-violência e inexistência. Eis onde nos encontramos hoje.

E, no que diz respeito à revolução dos direitos humanos, se algo não for feito com urgência para tirar os povos de cor de todo o mundo de seus longos anos de pobreza, longos anos de dor e negligência, todo mundo estará condenado. Por isso, eu estou muito feliz que Deus tenha permitido que eu viva nesta época, para testemunhar esses acontecimentos. Estou feliz que Ele tenha me permitido estar em Memphis.

Lembro-me, lembro-me de quando os negros apenas vagavam por aí, como Ralph costuma dizer, arrumando sarna pra se coçar e motivos para rir à toa. Mas esse dia chegou ao fim. Agora, o negócio é serio, e estamos determinados a conquistar o lugar a que temos direito no mundo de Deus.

E tudo está relacionado a isso. Não nos engajamos em nenhum protesto negativo nem nos envolvemos em discussões negativas. Dizemos que estamos determinados a ser homens. Estamos determinados a ser um povo. Dizemos, dizemos que somos filhos de Deus e que, se somos filhos de Deus, não precisamos viver como nos forçam a viver.

Mas, que tudo isso quer dizer neste grande período da história? Diz-nos que no precisamos permanecer unidos. Precisamos permanecer unidos e manter a unidade. Vocês sabem, sempre que o faraó desejava prolongar o período de escravidão do Egito, ele usava a sua fórmula favorita. Qual era? Ele mantinha os escravos em luta entre si. Mas sempre que os escravos se uniam, algo acontecia na corte do faraó e ele não podia manter os escravos no cativeiro. A união dos escravos foi o primeiro passo para a saída do cativeiro. Hoje, fiquemos unidos.

Em segundo lugar, as questões devem ser mantidas em seus devidos lugares, e a questão agora é a injustiça. A questão é a recusa de Memphis em ser uma cidade justa e honesta ao lidar com os servidores da limpeza pública. Agora, fiquemos atentos. Sempre há o problema da violência. Vocês não sabem o que aconteceu outro dia, e a imprensa noticiou apenas o quebra-quebra. Li os artigos, que praticamente não mencionaram o fato de que 1.300 trabalhadores da limpeza pública estão em greve, que Memphis não está sendo justa com eles e que o prefeito Loeb precisa urgentemente de um médico. Eles nem sequer mencionaram isso.

Agora marchemos novamente e devemos marchar novamente a fim de por essa questão em seu devido lugar. Faremos com que todos vejam que há aqui 1.300 filhos de Deus que sofrem, atravessando noites escuras e sombrias, pensando como tudo isso vai acabar. Eis a questão. E precisamos dizer à nação: sabemos como isso vai terminar. Pois, quando as pessoas desejam se sacrificar por aquilo que é justo, elas só se concentrarão com a vitória.

Não permitiremos que nenhum cassetete nos impeça. Em nosso movimento de não-violência, somos mestres em desarmar forças policiais; já os vi frequentemente em ação. Lembro fé Birgmingham, Alabama, quando estávamos naquela luta fabulosa e saíamos às centenas da igreja batista da rua 16, dia após dia. E Bull Connor soltava sobre nós os seus cachorros, que não se aproximavam. Seguíamos cantando diante dos cachorros: “Ninguém me fará recuar”. Bull Connor dizia então: “Usem os jatos d´água”. E, como lhes disse outra noite, Bull Connor não conhecia história. Ele conhecia uma física que de algum modo não se harmonizava com a metafísica que conhecíamos. Pois havia um fogo que nenhuma água poderia apagar. E parávamos diante dos jatos poderosos, pois conhecíamos a água. Se fôssemos batistas, diríamos que fomos imersos. Se fôssemos metodistas, diríamos que fomos aspergidos – mas conhecíamos a água. Ela não nos deteria.

Seguíamos diante dos cachorros e diante dos jatos d’água, seguíamos cantando “Repousa sobre mim a liberdade”. E então nos jogavam em camburões e às vezes nos amontoavam como sardinhas na lata. Jogavam-nos ali dentro, e o velho Bull dizia: “Levem todos daqui”, e eles levavam; e seguíamos no camburão cantando “Nós triunfaremos”. De vez em quando, éramos presos e víamos os carcereiros olhando pelas janelas e se comovendo com nossas preces, se comovendo com as nossas palavras e as nossas canções. E havia ali um poder que Bull Connor não podia liquidar; e, assim, terminamos por transformar o “touro” num novilho e vencemos nossa luta em Birmingham.

Agora, do mesmo modo, devemos seguir para Memphis. Clamo pela sua presença ao nosso lado na segunda-feira. Agora no que diz respeito aos mandados – há um circulando e iremos ao tribunal amanhã de manhã, para lutar contra essa decisão injusta e inconstitucional. Tudo o que pedimos à América é: “Seja fiel ao que você colocou no papel”. Se eu tivesse na China ou mesmo na Rússia, ou em qualquer país totalitário, talvez pudesse entender algumas dessas imposições ilegais. Talvez eu pudesse entender a recusa e certos privilégios básicos da Primeira Emenda, uma vez que lá eles não se comprometeram com isso. Mas, em algum lugar, li sobre a liberdade de reunião e associação. Em algum lugar, li sobre a liberdade de expressão. Em algum lugar, li sobre a liberdade de imprensa. Em algum lugar, li que a grandeza da América é o direito de protestar por direitos. E, como disse há pouco, nenhum cachorro ou jato d’água nos fará recuar, nenhuma lei nos fará recuar. Nós prosseguiremos e precisamos de todos vocês.

E vocês sabem como é bonito ver todos esses ministros do Evangelho. É um quadro maravilhoso. Quem mais é capaz de articular todos os anseios e as aspirações do povo senão um pastor? De algum modo, o pastor deve guardar um fogo em seus ossos e, sempre que a injustiça se revelar, ele deve se manifestar. Tal qual Amós, o pastor deve dizer: “Quando Deus fala, quem não profetizará?”. E, novamente como Amós, o pastor deve dizer: “Que a justiça corra como as águas, e seja a virtude uma corrente poderosa”. Como Jesus, o pastor deve dizer: “O espírito do Senhor repousa sobre mim, pois Ele me enviou, Ele me enviou para levar a Boa Nova aos humildes”.

E desejo louvar os pregadores sob a liderança destes nobres homens: James Lawson, que participa desta batalha há tantos anos; ele foi preso pela sua luta, ele foi expulso da Universidade Vanderbilt pela sua luta, mas ele não desiste de lutar pelos direitos de seu povo. Reverendo Ralph Jackson, Billy Kiles; eu poderia prosseguir com esta lista, porém o nosso tempo é curto. Mas desejo agradecer a todos. E desejo que vocês também agradeçam, porque muito frequentemente os pastores não se preocupam com mais nada a não ser consigo mesmos. E fico contente em ver um ministro valoroso. É justo falar sobre longos mantos brancos em algum lugar, com todo o seu simbolismo; mas, em última instância, as pessoas daqui querem alguns ternos, vestidos e sapatos. Tudo bem se falarmos sobre ruas cobertas de leite e mel, mas Deus nos ordenou para nos preocuparmos com os miseráveis e seus filhos, que não podem comer três refeições por dia. Tudo bem se falarmos sobre a nova Jerusalém, mas um dia pregadores de Deus terão de falar sobre a nova York, sobre a nova Atlanta, sobre a nova Filadélfia, sobre a nova Los Angeles, sobre a nova Memphis, no Tennessee. Eis o que precisamos fazer.

Há algo mais que precisamos fazer: sempre ancorar a nossa ação exterior no poder da retração econômica. Somos um povo pobre; individualmente, somos pobres quando nos comparamos com a sociedade branca da América. Somos pobres. Mas nunca se esqueçam que coletivamente, ou seja, todos nós juntos, coletivamente somos mais ricos que todas as nações do mundo, com a exceção de nove. Vocês já pensaram nisso? Fora os Estados Unidos, a União Soviética, a Grã-Bretanha, a Alemanha Ocidental, a França, e poderia mencionar alguns outros, o negro, coletivamente, é mais rico que a maioria das nações do mundo. Temos uma renda anula superior a 30 bilhões de dólares, que é maior do que toda a exportação dos Estados Unidos e maior que o orçamento anual do Canadá. Vocês sabiam disso? Esse é o poder que temos se soubermos utilizá-lo.

Não precisamos discutir com ninguém. Não precisamos de pedras nem garrafas, não precisamos de coquetéis molotov. Precisamos simplesmente circular por essas lojas e pelas grandes indústrias do nosso país e dizer: “Deus nos enviou aqui para lhes dizer que vocês não tratam bem os Seus filhos. E viemos aqui lhes pedir que o primeiro item de sua agenda seja o tratamento justo dos filhos de Deus. Mas, se vocês não estiverem preparados para isso, temos uma agenda a seguir. E nossa agenda exige que retiremos o apoio econômico que lhes damos”.

E assim, como consequência, pedimos-lhes nesta noite que saiam e digam a seus vizinhos para não comprar Coca-Cola em Memphis. Passem por suas casas e digam para não comprar leite Sealtest. Digam-lhes para não comprar – como é mesmo o nome do pão – Wonder Bread. E como é o nome daquela fábrica de pão, Jesse? Digam-lhes para não comprar o pão Hart. Como Jessé Jackson disse, até agora, apenas os lixeiros sentiram a dor; e gora de certo modo devemos retribuir essa dor. Escolhemos essas empresas porque elas não tem sido justas em suas políticas de contratação e as escolhemos porque elas podem iniciar o processo de apoio às reivindicações e aos direitos desses trabalhadores em greve. E podem ir ao centro da cidade dizer ao prefeito Loeb para fazer o que é certo.

Mas não é só isso. Precisamos ir além e fortalecer as instituições negras. Clamo a vocês que saquem o sue dinheiro dos bancos do centro da cidade e o depositem no Tri-State Bank. Desejamos um movimento “bank-in”, em Memphis. Por isso, passem pelas instituições financeiras. Não lhes peço nada que nós da SCLC já não façamos. O juiz Hooks e outros lhes dirão que temos uma conta aqui numa instituição financeira em nome da Conferência da Liderança Cristã do Sul. Apenas lhes pedimos que façam o mesmo. Depositem o seu dinheiro aqui. Vocês dispõem de seis ou sete companhias de seguro negras em Memphis. Queremos uma “insurreição”, Eis algumas medidas práticas que podemos tomar. Podemos começar um processo de construção de uma grande base econômica e, ao mesmo tempo, colocar o dedo na verdadeira ferida. Peço-lhes que trilhem esse caminho.

Permitam-me dizer, agora que me aproximo da conclusão, que devemos lutar até o fim. Nada poderia ser mais trágico do que pararmos a esta altura, em Memphis. Precisamos seguir até o fim. E, durante a nossa marcha, vocês precisam estar lá, Se necessário, faltem ao trabalho; se necessário, faltem à escola; mas estejam lá. Preocupem-se com o seu irmão. Vocês podem não estar em greve, mas venceremos todos juntos ou juntos seremos derrotados. Precisamos desenvolver um tipo perigoso de altruísmo.

Um dia um homem veio a Jesus, desejoso de questioná-lo sobre alguns temas vitais. Na verdade, ele queria enganar Jesus, mostrar que conhecia um pouco mais que Jesus e, assim, tira-lo do páreo. O questionamento poderia facilmente descambar para um debate filosófico-teológico, mas Jesus logo o tirou do plano abstrato e colocou-o numa perigosa curva entre Jerusalém e Jericó. E falou sobre certo homem que caiu nas mãos de ladrões. Vocês recordam que um levita e um sacerdote passaram a largo, mas não pararam para ajudá-lo. E finalmente um homem de outra raça apareceu. Desmontou de seu animal, decidido a não ser compassivo por procuração. Ajoelhou-se ao seu lado e, prestando-lhe os primeiros socorros, assistiu o necessitado. Jesus finalizou dizendo: esse foi um homem digno, pois teve a capacidade de projetar o seu “eu” no “outro” e de se preocupar com o seu irmão.

Vocês sabem como, em grande medida, usamos nossa imaginação para tentar determinar por que o sacerdote e o levita não pararam. Às vezes dizemos que eles estavam ocupados demais com compromissos no templo – um encontro eclesiástico – e tinham que ir a Jerusalém a fim de não se atrasarem para o encontro. Outras vezes especulamos que havia uma lei religiosa que determinava que quem estivesse envolvido em cerimônias religiosas não deveria tocar o corpo de um homem 24 horas antes da cerimônia. E de vez em quando começamos a imaginar se talvez eles não seguissem a Jerusalém, ou a Jericó, a fim de organizar uma Associação para o Progresso da Estrada de Jericó. É uma possibilidade. Talvez acreditassem ser preferível atacar o problema pela raiz a se deter num esforço individual.

Mas agora lhes contarei o que diz a minha imaginação. É possível que esses homens tivessem medo. Vejam, a estrada de Jericó é uma estrada perigosa. Lembro-me bem da primeira vez em que minha esposa e eu estivemos em Jerusalém. Alugamos um carro e seguimos de Jerusalém a Jericó. E assim que tomamos a estrada, eu disse para minha esposa: “Entendo por que Jesus usou este cenário em sua parábola”. É uma estrada sinuosa e tortuosa. É de fato muito apropriada para uma emboscada. Sai de Jerusalém, a cerca de 400 metros acima do nível do mar. E ao chegar a Jericó, quinze ou vinte minutos, está-se a 600 metros abaixo do nível do mar. É uma estrada perigosa. No tempo de Jesus era conhecida como a “passagem sangrenta”. E vocês sambem, é possível que o sacerdote e o levita tenham visto o homem caído e pensado se os ladrões ainda não estariam por perto. Ou é possível que tenham pensado que o homem caído estivesse apenas fingindo e agia como se tivesse sido roubado e ferido, a fim de atraí-los para ali e rapidamente dominá-los. Assim a primeira pergunta que o levita se fez foi: “Se eu para ajudar esse homem, o que me acontecerá?”.

Mas o bom Samaritano apareceu e ele inverteu a pergunta: “Se eu não parar para ajudar esse homem, o que acontecerá a ele?”. Está é a pergunta que lhes faço esta noite. Não se perguntem: “Se eu parar para ajudar os trabalhadores da limpeza pública, o que acontecerá com o meu emprego?” Não se pergunte: “Se eu parar para ajudar os trabalhadores da limpeza pública, o que acontecerá com as horas de todas as manhãs e de todas as semanas que consumo passar em meu escritório no meu ofício de pastor?”.

A pergunta não é: “Se eu parar para ajudar esse pobre homem, o que me acontecerá?” A verdadeira pergunta é: “Se eu não parar para ajudar os lixeiros, o que acontecerá a eles?”.

Levantemo-nos nesta noite com presteza. Fiquemos de pé com determinação. E sigamos nestes dias poderosos, nestes dias desafiadores, a fim de transformar a América naquilo que tem de ser. Temos a oportunidade de tornar a América um país melhor.

E agradeço a Deus, mais uma vez, por me permitir estar aqui com vocês. Vocês sabem que há alguns anos eu estava na cidade de Nova York, autografando o primeiro livro que escrevi. E, enquanto autografava, apareceu uma mulher negra com problemas mentais. A única pergunta que ela me fez foi: “O senhor é Martin Luther King?” Enquanto, escrevia de cabeça baixa, eu disse que sim.

No minuto seguinte, senti algo atingir o meu peito. Antes que eu pudesse perceber, havia sido esfaqueado por essa mulher desequilibrada. Fui levado às pressas para o Hospital Harlem. Era uma escura tarde de sábado. A lâmina penetrara fundo, e a radiografia revelara que a sua extremidade quase tocara a aorta, a artéria principal. Se a lâmina a perfurasse, eu me afogaria em meu próprio sangue; seria o meu fim. Na manhã seguinte, deu no New York Times que, seu eu tivesse espirrado, teria morrido.

Bom, cerca de quatro dias depois, permitiram-me, depois da operação, depois que meu peito fora aberto e a lâmina fora retirada, circular pelo hospital em uma cadeira de rodas. Permitiram-me ler um pouco da correspondência enviada para mim. De todos os estados e de todo o mundo chegava cartas gentis. Li algumas, mas uma jamais esquecerei. Recebi uma do presidente e do vice-presidente, mas esqueci o que esses telegramas diziam. Recebi uma visita e uma carta do governador de Nova York, mas também esqueci o que dizia.

Mas houve uma carta, enviada por uma menina, uma menina de 10 anos que estudava em White Plains High School. Li essa carta e jamais a esquecerei. Ela simplesmente dizia: “Querido Dr. King: sou aluna da White Plains High School. Embora não devesse importar, queria mencionar que sou uma menina branca. Li no jornal sobre o seu infortúnio e o seu sofrimento. E li que, se o senhor tivesse espirrado, teria morrido. Escrevo simplesmente para lhe dizer que estou muito feliz que o senhor não tenha espirrado”.

E quero dizer nesta noite, quero dizer que estou feliz que eu não tenha espirrado. Pois, se eu tivesse espirrado, não estaria aqui em 1960, quando os estudantes de todo o Sul começaram os sit-ins nos balcões das lanchonetes. E sei que quando eles se sentavam, eles na realidade se punham de pé, em nome do que há de melhor no sonho americano, e levavam toda a nação de volta aos grandes poços da democracia que foram escavados profundamente pelos Pais Fundadores na Declaração da Independência e na Constituição.

Se eu tivesse espirrado, não estaria aqui em 1961, quando decidimos viajar pela liberdade e pôr fim à segregação nos transportes interestaduais.

Se eu tivesse espirrado, não estaria aqui em 1962 quando os negros de Albany, Geórgia, decidiram levantar a cabeça. E, sempre que homens e mulheres ficam de pé, eles vão a algum lugar, pois ninguém poderá montar-lhes as costas a menos que se curvem.
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Se eu tivesse espirrado não estaria aqui em 1963 quando a população negra de Birmingham, Alabama, despertou a consciência desta nação e trouxe à luz a Lei dos Direitos Civis.

Seu eu tivesse espirrado, não teria tido a chance de, em agosto do ano seguinte, tentar contar à América um sonho que eu tivera. Se eu tivesse espirrado, não teria testemunhado o grandioso movimento de Selma, Alabama.

Se eu tivesse espirrado, não teria vindo a Memphis para ver a comunidade se mobilizar em nome de seus irmãos e irmãs que sofrem. Estou muito feliz de não ter espirrado.

E eles me diziam: agora não tem importância. Realmente agora não tem importância. Deixei Atlanta está manhã, e, quando embarcamos no avião, o piloto disse no sistema de som: “Lamentamos o atraso, mas temos o senhor Martin Luther King a bordo, E para ter certeza de que todas as malas fossem revistadas e para ter certeza de que nada sairia errado, checamos tudo com cuidado. E o avião esteve sob a proteção policial toda a noite”.

Então cheguei a Memphis e começaram a me falar das ameaças ou comentar as ameaças que vieram à tona. O que poderiam me fazer alguns de nossos doentes irmãos brancos?

Bem, não sei o que acontecerá agora. Dia difíceis virão. Mas não me importa. Pois eu estive no topo da montanha. E não me importo. Como qualquer pessoa, gostaria de vive uma vida longa. A longevidade tem o seu lugar. Mas não me preocupo com isso agora. Apenas desejo obedecer aos desígnios de Deus. E Ele me levou ao topo da montanha, olhei ao redor e contemplei a Terra Prometida. Posso não alcançá-la, mas quero que saibam, que nós, como povo, chegaremos à Terra Prometida. Estou tão feliz; não me preocupo com nada; não temo homem algum. Meus olhos viram a glória da presença do Senhor.

Blog Afrobrasilidades e Afins. Disponível em: http://omenelicksegundoato.blogspot.com/2011/02/eu-estive-no-topo-da-montanha.html. Acesso em: 24 de jan. 2022.



HOW LONG? NOT LONG - QUANTO TEMPO? NÃO MUITO!

 


“How Long? Not Long”

(“Quanto Tempo? Não Muito”)

Discurso de Martin Luther King na Marcha de Selma a Montgomery em março de 1965.

 

How long? Not long!

So I stand before you this afternoon with the conviction that segregation is on its deathbed in Alabama and the only thing uncertain about it is how costly the segregationists and Wallace will make the funeral. Our whole campaign in Alabama has been centered around the right to vote. In focusing the attention of the nation and the world today on the flagrant denial of the right to vote, we are exposing the very origin, the root cause, of racial segregation in the Southland. The threat of the free exercise of the ballot by the Negro and the white masses alike resulted in the establishing of a segregated society. They segregated Southern money from the poor whites; they segregated Southern churches from Christianity; they segregated Southern minds from honest thinking; and they segregated the Negro from everything. We have come a long way since that travesty of justice was perpetrated upon the American mind. Today 1 want to tell the city of Selma, today 1 want to tell the state of Alabama, today 1 want to say to the people of America and the nations of the world: We are not about to turn around. We are on the move now. Yes, we are on the move and no wave of racism can stop us. We are on the move now. The burning of our churches will not deter us. We are on the move now. The bombing of our homes will not dissuade us. We are on the move now. The beating and killing of our clergymen and young people will not divert us. We are on the move now. The arrest and release of known murderers will not discourage us. We are on the move now. Like an idea whose time has come, not even the marching of mighty armies can halt us. We are moving to the land of freedom. Let us therefore continue our triumph and march to the realization of the American dream. Let us march on segregated housing until every ghetto of social and economic depression dissolves and Negroes and whites live side by side in decent, safe, and sanitary housing. Let us march on segregated schools until every vestige of segregated and inferior education becomes a thing of the past and Negroes and whites study side by side in the socially healing context of the classroom. Let us march on poverty until no American parent has to skip a meal so that their children may eat. March on poverty until no starved man walks the streets of our cities and towns in search of jobs that do not exist. Let us march on ballot boxes, march on ballot boxes until race baiters disappear from the political arena. Let us march on ballot boxes until the Wallaces of our nation tremble away in silence. Let us march on ballot boxes until we send to our city councils, state legislatures, and the United States Congress men who will not fear to do justice, love mercy, and walk humbly with their God. Let us march on ballot boxes until all over Alabama God's children will be able to walk the earth in decency and honor. For all of us today the battle is in our hands. The road ahead is no altogether a smooth one. There are no broad highways to lead us easily and inevitably to quick solutions. We must keep going. My people, my people, listen! The battle is in our hands. The battle is in our hands in Mississippi and Alabama, and all over the Unite States. So as we go away this afternoon, let us go away more than eve before committed to the struggle and committed to nonviolence. I must admit to you there are still some difficulties ahead. We are still in for a season of suffering in many of the black belt counties of Alabama, many areas of Mississippi, many areas of Louisiana. I must admit to you there are still jail cells waiting for us, dark and difficult moments. We will go on with the faith that nonviolence and its power transformed dark yesterdays into bright tomorrows. We will be able to change all of these conditions. Our aim must never be to defeat or humiliate the white man but to win his friendship and understanding. We must come to see that the end we seek is a society at peace with itself, a society that can live with its conscience. That will be a day not of the white man, not of the black man. That will be the day of man as man. I know you are asking today, "How long will it take?" 1 come to say to you this afternoon however difficult the moment, however frustrating the hour, it will not be long, because truth pressed to earth will rise again. How long? Not long, because no lie can live forever. How long? Not long, because you still reap what you sow. How long? Not long. Because the arm of the moral universe is lonk but it bends toward justice. How long? Not long, because mine eyes have seen the glory of the coming of the Lord, trampling out the vintage where the grapes of wrath are stored. He has loosed the fateful lightning of his terrible swift sword. His truth is marching on. He has sounded forth the trumpets that shall never call retreat. He is lifting up the hearts of men before His judgment seat. Oh, be swift, my soul, to answer Him. Be jubilant, my feet. Our God is marching on. As the trains loaded and the busses embarked for their destinations, as the inspired throng returned to their homes to organize the .: final phase of political activity which would complete the revolution so eloquently proclaimed by the word and presence of the multitude,' in Montgomery, the scent of victory in the air gave way to the stench of death. We were reminded that this was not a march to the capital '" of a civilized nation, as was the March on Washington. We had marched through a swamp of poverty, ignorance, race hatred, and," sadism. We were reminded that the only reason that this march was possible was due to the presence of thousands of federalized troop marshals, and a federal court. We were reminded that the trot would soon be going home, and that in the days to come we had renew our attempts to organize the very county in which Mrs. Viola Liuzzo was murdered. If they murdered a white woman for standing up for the Negro's right to vote, what would they do to Negroes who attempted to register and vote?  Certainly it should not have been necessary for more of us die, to suffer failings and beatings at the hands of sadistic savages uniforms. The Alabama voting project had been total in its commitment to nonviolence, and yet people were beginning to talk more and more of arming themselves. The people who followed along the fringe of the movement, who seldom came into the nonviolence training sessions, were growing increasingly bitter and restless. For we could not allow even the thought or spirit of violence to creep into our movement. When we marched from Selma to Montgomery, Alabama, I member that we had one of the most magnificent expressions of t ecumenical movement that I've ever seen. Protestants, Catholic and Jews joined together in a beautiful way to articulate the injustices and the indignities that Negroes were facing in the state of Alabama and all over the South on the question of the right to vote had seen many clergymen come to the forefront who were not the some years ago. The march gave new relevance to the gospel. Sell brought into being the second great awakening of the church America. Long standing aside and giving tacit approval to the civil rights struggle, the church finally marched forth like a mighty am and stood beside God's children in distress. Stalwart nonviolent activists within our ranks had brought about a coalition of the nation's conscience on the infamous stretch ofhighway between Selma and Montgomery. The awakening of the church also brought a new vitality to the labor movement, and to intellectuals across the country. A little known fact was that forty of the nation's top historians took part in the march to Montgomery. One can still hear the tramping feet and remember the glowing eyes filled with determination and hope which said eloquently, "We must be free," a sound which echoed throughout this nation, a yes, even throughout the world. My mind still remembers vividly the ecumenicity of the clergy, the combined forces of labor, Civil` rights organizations, and the academic community which joined our ranks and said in essence, "Your cause is morally right, and we are with you all the way." After the march to Montgomery, there was a delay at the airport and several thousand demonstrators waited more than five hours, crowding together on the seats, the floors, and the stairways of the terminal building. As I stood with them and saw white and Negro, nuns and priests, housemaids and shop workers brimming with vitality and enjoying a rare comradeship, I knew I was seeing a microcosm of the mankind of the future in that moment of luminous and genuine brotherhood.

Quanto Tempo? Não Muito! 

Então, estou diante de vocês esta tarde com a convicção de que a segregação está em seu leito de morte no Alabama e a única coisa incerta sobre isso é quão caro os segregacionistas e Wallace farão o funeral. Toda a nossa campanha no Alabama foi centrada no direito ao voto. Ao focalizar a atenção da nação e do mundo hoje na flagrante negação do direito ao voto, estamos expondo a própria origem, a causa raiz, da segregação racial no sul. A ameaça do livre exercício do voto pelo negro e pelas massas brancas resultou no estabelecimento de uma sociedade segregada. Eles segregaram o dinheiro sulista dos brancos pobres; eles segregaram as igrejas do sul do cristianismo; separaram as mentes sulistas do pensamento honesto; e segregaram o negro de tudo. Percorremos um longo caminho desde que essa caricatura de justiça foi perpetrada na mente americana. Hoje quero dizer à cidade de Selma, hoje quero dizer ao estado do Alabama, hoje quero dizer ao povo da América e às nações do mundo: Não vamos dar meia-volta. Estamos em movimento agora. Sim, estamos em movimento e nenhuma onda de racismo pode nos parar. Estamos em movimento agora. A queima de nossas igrejas não nos deterá. Estamos em movimento agora. O bombardeio de nossas casas não nos dissuadirá. Estamos em movimento agora. O espancamento e morte de nossos clérigos e jovens não nos distrairá. Estamos em movimento agora. A prisão e a libertação de assassinos conhecidos não nos desencorajarão. Estamos em movimento agora. Como uma ideia cuja hora chegou, nem mesmo a marcha de poderosos exércitos pode nos deter. Estamos nos movendo para a terra da liberdade. Vamos, portanto, continuar nosso triunfo e marchar para a realização do sonho americano. Vamos marchar por moradias segregadas até que todo gueto de depressão social e econômica se dissolva e negros e brancos vivam lado a lado em moradias decentes, seguras e sanitárias. Vamos marchar em escolas segregadas até que todo vestígio de educação segregada e inferior se torne coisa do passado e negros e brancos estudem lado a lado no contexto socialmente curador da sala de aula. Vamos marchar sobre a pobreza até que nenhum pai americano tenha que pular uma refeição para que seus filhos possam comer. Marche sobre a pobreza até que nenhum homem faminto ande pelas ruas de nossas cidades e vilas em busca de empregos que não existem. Vamos marchar nas urnas, marchar nas urnas até que os racistas desapareçam da arena política. Vamos marchar nas urnas até que os Wallaces de nossa nação estremeçam em silêncio. Marchemos nas urnas até enviarmos aos nossos conselhos municipais, legislaturas estaduais e ao Congresso dos Estados Unidos homens que não temerão fazer justiça, amar a misericórdia e andar humildemente com seu Deus. Vamos marchar nas urnas até que em todo o Alabama os filhos de Deus possam andar na terra com decência e honra. Para todos nós hoje a batalha está em nossas mãos. A estrada à frente não é totalmente suave. Não há estradas largas que nos levem fácil e inevitavelmente a soluções rápidas. Devemos continuar. Meu povo, meu povo, escute! A batalha está em nossas mãos. A batalha está em nossas mãos no Mississippi e no Alabama, e em todos os Estados Unidos. Então, enquanto vamos embora esta tarde, vamos embora mais do que antes comprometidos com a luta e comprometidos com a não-violência. Devo admitir que ainda há algumas dificuldades pela frente. Ainda estamos em uma temporada de sofrimento em muitos dos condados de faixa preta do Alabama, muitas áreas do Mississippi, muitas áreas da Louisiana. Devo admitir para você que ainda há celas esperando por nós, momentos sombrios e difíceis. Continuaremos com a fé de que a não-violência e seu poder transformaram ontem escuros em amanhãs brilhantes. Seremos capazes de mudar todas essas condições. Nosso objetivo nunca deve ser derrotar ou humilhar o homem branco, mas conquistar sua amizade e compreensão. Devemos chegar a ver que o fim que buscamos é uma sociedade em paz consigo mesma, uma sociedade que possa viver com sua consciência. Esse será um dia não do homem branco, não do homem negro. Esse será o dia do homem como homem. Eu sei que você está perguntando hoje: "Quanto tempo vai demorar?" Venho dizer-vos esta tarde, por mais difícil que seja o momento, por mais frustrante que seja a hora, não demorará muito, porque a verdade pressionada à terra ressurgirá. Quanto tempo? Não muito, porque nenhuma mentira pode viver para sempre. Quanto tempo? Não muito tempo, porque você ainda colhe o que planta. Quanto tempo? Não muito. Porque o braço do universo moral é comprido, mas se inclina para a justiça. Quanto tempo? Não muito tempo, porque meus olhos viram a glória da vinda do Senhor, pisoteando a vindima onde estão armazenadas as uvas da ira. Ele soltou o fatídico relâmpago de sua terrível espada veloz. A verdade dele está a marchar. Ele soou as trombetas que nunca chamarão a retirada. Ele está elevando os corações dos homens diante de Seu trono de julgamento. Oh, seja rápida, minha alma, para responder a Ele. Alegrem-se, meus pés. Nosso Deus está marchando. Enquanto os trens carregavam e os ônibus embarcavam para seus destinos, enquanto a multidão inspirada voltava para suas casas para organizar a: fase final da atividade política que completaria a revolução tão eloquentemente proclamada pela palavra e presença da multidão', em Montgomery, o cheiro da vitória no ar deu lugar ao fedor da morte. Fomos lembrados de que esta não era uma marcha para a capital de uma nação civilizada, como foi a Marcha sobre Washington. Marchamos através de um pântano de pobreza, ignorância, ódio racial e sadismo. Fomos lembrados de que a única razão pela qual esta marcha foi possível foi devido à presença de milhares de marechais de tropas federalizadas e um tribunal federal. Fomos lembrados de que o trote logo voltaria para casa e que nos próximos dias teríamos de renovar nossas tentativas de organizar o próprio condado em que a senhora Viola Liuzzo foi assassinada. Se eles assassinassem uma mulher branca por defender o direito do negro ao voto, o que eles fariam com os negros que tentassem se registrar e votar? Certamente não deveria ter sido necessário que mais de nós morresse, sofresse fracassos e surras nas mãos de uniformes selvagens sádicos. O projeto de votação do Alabama havia sido total em seu compromisso com a não-violência, mas as pessoas estavam começando a falar cada vez mais em se armar. As pessoas que seguiam à margem do movimento, que raramente participavam das sessões de treinamento da não-violência, estavam ficando cada vez mais amargas e inquietas. Pois não podíamos permitir que nem mesmo o pensamento ou o espírito de violência se insinuasse em nosso movimento. Quando marchamos de Selma para Montgomery, Alabama lembro-me que tivemos uma das mais magníficas expressões de movimento ecumênico que já vi. Protestantes, católicos e judeus se uniram de uma maneira bonita para articular as injustiças e as indignidades que os negros estavam enfrentando no estado do Alabama e em todo o Sul na questão do direito ao voto viu muitos clérigos virem à frente que eram não a alguns anos atrás. A marcha deu nova relevância ao evangelho. A marcha de Selma ​​trouxe à tona o segundo grande despertar da igreja na América. Por muito tempo de lado e dando aprovação tácita à luta pelos direitos civis, a igreja finalmente marchou como um poderoso am e ficou ao lado dos filhos de Deus em aflição. Ativistas não-violentos vigorosos dentro de nossas fileiras haviam criado uma coalizão da consciência da nação no infame trecho da estrada entre Selma e Montgomery. O despertar da igreja também trouxe uma nova vitalidade ao movimento trabalhista e aos intelectuais de todo o país. Um fato pouco conhecido foi que quarenta dos principais historiadores do país participaram da marcha para Montgomery. Ainda se pode ouvir os passos que caminham e lembrar os olhos brilhantes cheios de determinação e esperança que diziam com eloquência: "Devemos ser livres", um som que ecoou por toda esta nação, um sim, até por todo o mundo. Minha mente ainda se lembra vividamente da ecumenicidade do clero, das forças combinadas do trabalho, das organizações de direitos civis e da comunidade acadêmica que se juntou às nossas fileiras e disse em essência: "Sua causa é moralmente correta, e estamos com você por todo o caminho." Após a marcha para Montgomery, houve um atraso no aeroporto e vários milhares de manifestantes esperaram mais de cinco horas, amontoando-se nos assentos, nos pisos e nas escadas do terminal. Enquanto eu estava com eles e via brancos e negros, freiras e padres, empregadas domésticas e lojistas cheios de vitalidade e desfrutando de uma rara camaradagem, eu sabia que estava vendo um microcosmo da humanidade do futuro naquele momento de fraternidade luminosa e genuína.


Fonte: Standford: The Martin Luther King, Jr. Research and Education Institute. Disponível em: https://kinginstitute.stanford.edu/chapter-26-selma. Acesso em: 24 de jan. 2022. (Ver aqui)

domingo, 23 de janeiro de 2022

EU TENHO UM SONHO (I HAVE A DREAM) - DISCURSO DE MARTIN LUTHER KING JR. NA MARCHA DE WASHINGTON

 



EU TENHO UM SONHO (I Have a Dream)

Discurso de Martin Luther King (28 de ago. 1963)



"Eu estou contente em unir-me com vocês no dia que entrará para a história como a maior demonstração pela liberdade na história de nossa nação. Cem anos atrás, um grande americano, na qual estamos sob sua simbólica sombra, assinou a Proclamação de Emancipação. Esse importante decreto veio como um grande farol de esperança para milhões de escravos negros que tinham sido murchos nas chamas da injustiça. Ele veio como uma alvorada para terminar a longa noite de seus cativeiros. Mas cem anos depois, o Negro ainda não é livre. Cem anos depois, a vida do Negro ainda é tristemente inválida pelas algemas da segregação e as cadeias de discriminação. Cem anos depois, o Negro vive em uma ilha só de pobreza no meio de um vasto oceano de prosperidade material. Cem anos depois, o Negro ainda adoece nos cantos da sociedade americana e se encontram exilados em sua própria terra. Assim, nós viemos aqui hoje para dramatizar sua vergonhosa condição. De certo modo, nós viemos à capital de nossa nação para trocar um cheque. Quando os arquitetos de nossa república escreveram as magníficas palavras da Constituição e a Declaração da Independência, eles estavam assinando uma nota promissória para a qual todo americano seria seu herdeiro. Esta nota era uma promessa que todos os homens, sim, os homens negros, como também os homens brancos, teriam garantidos os direitos inalienáveis de vida, liberdade e a busca da felicidade. Hoje é óbvio que aquela América não apresentou esta nota promissória. Em vez de honrar esta obrigação sagrada, a América deu para o povo negro um cheque sem fundo, um cheque que voltou marcado com "fundos insuficientes". Mas nós nos recusamos a acreditar que o banco da justiça é falível. Nós nos recusamos a acreditar que há capitais insuficientes de oportunidade nesta nação. Assim nós viemos trocar este cheque, um cheque que nos dará o direito de reclamar as riquezas de liberdade e a segurança da justiça. Nós também viemos para recordar à América dessa cruel urgência. Este não é o momento para descansar no luxo refrescante ou tomar o remédio tranqüilizante do gradualismo. Agora é o tempo para transformar em realidade as promessas de democracia. Agora é o tempo para subir do vale das trevas da segregação ao caminho iluminado pelo sol da justiça racial. Agora é o tempo para erguer nossa nação das areias movediças da injustiça racial para a pedra sólida da fraternidade. Agora é o tempo para fazer da justiça uma realidade para todos os filhos de Deus. Seria fatal para a nação negligenciar a urgência desse momento. Este verão sufocante do legítimo descontentamento dos Negros não passará até termos um renovador outono de liberdade e igualdade. Este ano de 1963 não é um fim, mas um começo. Esses que esperam que o Negro agora esteja contente terão um violento despertar se a nação votar aos negócios de sempre. Mas há algo que eu tenho que dizer ao meu povo que se dirige ao portal que conduz ao palácio da justiça. No processo de conquistar nosso legítimo direito, nós não devemos ser culpados de ações de injustiças. Não vamos satisfazer nossa sede de liberdade bebendo da xícara da amargura e do ódio. Nós sempre temos que conduzir nossa luta num alto nível de dignidade e disciplina. Nós não devemos permitir que nosso criativo protesto se degenerasse em violência física. Novamente e novamente nós temos que subir às majestosas alturas da reunião da força física com a força de alma. Nossa nova e maravilhosa combatividade mostrou à comunidade negra que não devemos ter uma desconfiança para com todas as pessoas brancas, para muitos de nossos irmãos brancos, como comprovamos pela presença deles aqui hoje, vieram entender que o destino deles é amarrado ao nosso destino. Eles vieram perceber que a liberdade deles é ligada indissoluvelmente a nossa liberdade. Nós não podemos caminhar só. E como nós caminhamos, nós temos que fazer a promessa que nós sempre marcharemos à frente. Nós não podemos retroceder. Há esses que estão perguntando para os devotos dos direitos civis, ‘Quando vocês estarão satisfeitos?’ Nós nunca estaremos satisfeitos enquanto o Negro for vítima dos horrores indizíveis da brutalidade policial. Nós nunca estaremos satisfeitos enquanto nossos corpos, pesados com a fadiga da viagem, não poderem ter hospedagem nos motéis das estradas e os hotéis das cidades. Nós não estaremos satisfeitos enquanto um Negro não puder votar no Mississipi e um Negro em Nova Iorque acreditar que ele não tem motivo para votar. Não, não, nós não estamos satisfeitos e nós não estaremos satisfeitos até que a justiça e a retidão rolem abaixo como águas de uma poderosa correnteza. Eu não esqueci que alguns de você vieram até aqui após grandes testes e sofrimentos. Alguns de você vieram recentemente de celas estreitas das prisões. Alguns de vocês vieram de áreas onde sua busca pela liberdade lhe deixaram marcas pelas tempestades das perseguições e pelos ventos de brutalidade policial. Você são o veteranos do sofrimento. Continuem trabalhando com a fé que sofrimento imerecido é redentor. Voltem para o Mississippi, voltem para o Alabama, voltem para a Carolina do Sul, voltem para a Geórgia, voltem para Louisiana, voltem para as ruas sujas e guetos de nossas cidades do norte, sabendo que de alguma maneira esta situação pode e será mudada. Não se deixe caiar no vale de desespero. Eu digo a você hoje, meus amigos, que embora nós enfrentemos as dificuldades de hoje e amanhã. Eu ainda tenho um sonho. É um sonho profundamente enraizado no sonho americano. Eu tenho um sonho que um dia esta nação se levantará e viverá o verdadeiro significado de sua crença - nós celebraremos estas verdades e elas serão claras para todos, que os homens são criados iguais. Eu tenho um sonho que um dia nas colinas vermelhas da Geórgia os filhos dos descendentes de escravos e os filhos dos desdentes dos donos de escravos poderão se sentar junto à mesa da fraternidade. Eu tenho um sonho que um dia, até mesmo no estado de Mississippi, um estado que transpira com o calor da injustiça, que transpira com o calor de opressão, será transformado em um oásis de liberdade e justiça. Eu tenho um sonho que minhas quatro pequenas crianças vão um dia viver em uma nação onde elas não serão julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo de seu caráter. Eu tenho um sonho hoje! Eu tenho um sonho que um dia, no Alabama, com seus racistas malignos, com seu governador que tem os lábios gotejando palavras de intervenção e negação; nesse justo dia no Alabama meninos negros e meninas negras poderão unir as mãos com meninos brancos e meninas brancas como irmãs e irmãos. Eu tenho um sonho hoje! Eu tenho um sonho que um dia todo vale será exaltado, e todas as colinas e montanhas virão abaixo, os lugares ásperos serão aplainados e os lugares tortuosos serão endireitados e a glória do Senhor será revelada e toda a carne estará junta. Esta é nossa esperança. Esta é a fé com que regressarei para o Sul. Com esta fé nós poderemos cortar da montanha do desespero uma pedra de esperança. Com esta fé nós poderemos transformar as discórdias estridentes de nossa nação em uma bela sinfonia de fraternidade. Com esta fé nós poderemos trabalhar juntos, rezar juntos, lutar juntos, para ir encarcerar juntos, defender liberdade juntos, e quem sabe nós seremos um dia livre. Este será o dia, este será o dia quando todas as crianças de Deus poderão cantar com um novo significado. ‘Meu país, doce terra de liberdade, eu te canto. Terra onde meus pais morreram, terra do orgulho dos peregrinos. De qualquer lado da montanha, ouço o sino da liberdade!’ E se a América é uma grande nação, isto tem que se tornar verdadeiro. E assim ouvirei o sino da liberdade no extraordinário topo da montanha de New Hampshire. Ouvirei o sino da liberdade nas poderosas montanhas poderosas de Nova York. Ouvirei o sino da liberdade nos engrandecidos Alleghenies da Pennsylvania. Ouvirei o sino da liberdade nas montanhas cobertas de neve do Colorado. Ouvirei o sino da liberdade nas ladeiras curvas da Califórnia. Mas não é só isso. Ouvirei o sino da liberdade na Montanha de Pedra da Geórgia. Ouvirei o sino da liberdade na Montanha de Vigilância do Tennessee. Ouvirei o sino da liberdade em todas as colinas do Mississipi. Em todas as montanhas, se ouvirá o sino da liberdade. E quando isto acontecer, quando nós permitimos o sino da liberdade soar, quando nós o deixarmos soar em toda moradia e todo vilarejo, em todo estado e em toda cidade, nós poderemos celebrar aquele dia quando todas as crianças de Deus, homens pretos e homens brancos, judeus e gentios, protestantes e católicos, poderão unir mãos e cantar nas palavras do velho spiritual negro: ‘Livre afinal, livre afinal. Agradeço ao Deus todo-poderoso, nós somos livres afinal’".

I Have a Dream no YouTube.



Fonte: Fundação Palmares. Disponível em: https://www.palmares.gov.br/sites/000/2/download/mlk2.pdf. Acesso em: 23 de jan. 2022.


CARTA DA CADEIA DE BIRMINGHAM - MARTIN LUTHER KING JR. (16 DE ABR. 1963)

 


Carta da Cadeia de Birmingham

Martin Luther King Jr. (16 de abr. 1963)



Meus caros amigos clérigos, Durante meu confinamento aqui na prisão municipal de Birmingham, deparei-me com sua declaração recente chamando minhas atividades atuais de “insensatas e inoportunas”. Raramente paro para responder a críticas do meu trabalho e ideias. Se tentasse responder a todas as críticas que passam pela minha mesa, minhas secretárias mal teriam tempo para outra coisa que não para essas correspondências no decorrer do dia, e eu não teria tempo algum para o trabalho construtivo. Mas, como sinto que vocês são homens de genuína boa vontade e que suas críticas são expostas com sinceridade, quero tentar responder a sua declaração em termos que espero que sejam pacientes e razoáveis.

Acho que devo mencionar por que estou aqui em Birmingham, já que vocês foram influenciados pela visão que se opõe aos “forasteiros invasores”. Tenho a honra de servir como presidente da Conferência Sulista de Liderança Cristã (Southern Christian Leadership Conference – SCLC), uma organização que opera em todos os estados sulistas, com sede em Atlanta, Geórgia. Temos cerca de oitenta organizações filiadas por todo o Sul, e uma delas é o Movimento Cristão pelos Direitos Humanos do Alabama (Alabama Christian Movement for Human Rights). Frequentemente compartilhamos, pessoal, recursos educacionais e financeiros com nossos afiliados. Muitos meses atrás, a afiliada aqui em Birmingham pediu-nos para ficar de sobreaviso para tomarmos parte em um programa de ação direta e pacífica, se isso fosse considerado necessário. Nós prontamente concordamos, e, quando o momento chegou, honramos nossa promessa. Assim, eu, junto a vários membros do meu pessoal, estou aqui porque fui convidado. Estou aqui porque tenho vínculos organizacionais aqui.

No entanto, mais fundamentalmente, estou em Birmingham porque a injustiça está aqui. Assim como os profetas do século VIII A.C. abandonaram suas vilas e levaram seu “assim disse o Senhor” muito além das fronteiras de suas cidades natais, e assim como o Apóstolo Paulo abandonou sua vila de Tarso e levou o evangelho de Jesus Cristo às mais remotas partes do mundo greco-romano, também eu sou compelido a levar o evangelho da liberdade para além de minha própria cidade natal. Como Paulo, devo constantemente responder ao chamado macedônio por ajuda.

Além disso, estou ciente do inter-relacionamento entre todas as comunidades e Estados. Não posso ficar ociosamente parado em Atlanta e não estar preocupado com o que acontece em Birmingham. A injustiça em qualquer lugar é uma ameaça à justiça em todos os lugares. Estamos presos em uma rede inescapável de mutualidade, atados em um único laço do destino. Algo que aja sobre alguém diretamente age sobre todos indiretamente. Não podemos nunca mais nos permitir viver com a ideia estreita, provinciana, do “forasteiro agitador”. Qualquer pessoa que viva dentro dos Estados Unidos não pode jamais ser considerada um forasteiro em qualquer lugar dentro de suas fronteiras.

Vocês deploram as manifestações que estão ocorrendo em Birmingham. Mas sua declaração, sinto dizer, deixa de expressar preocupação semelhante com as condições que provocaram as manifestações. Tenho certeza de que nenhum de vocês gostaria de descansar contente com o tipo raso de análise social que trata meramente dos efeitos e não ataca as causas subjacentes. É lamentável que as manifestações estejam ocorrendo em Birmingham, mas é ainda mais lamentável que a estrutura de poder dos brancos da cidade tenha deixado a comunidade negra sem alternativa.

Em qualquer campanha pacífica, há quatro passos básicos: coleta dos fatos para determinar se existem injustiças; negociação; autopurificação; e ação direta. Efetuamos todos esses passos em Birmingham. Não pode haver nenhum ganho em enunciar o fato de que a injustiça racial engole essa comunidade. Birmingham é provavelmente a cidade mais completamente segregada dos Estados Unidos. Sua feia história de brutalidade é amplamente conhecida. Os negros experimentaram um tratamento grosseiramente injusto nos tribunais. Houve mais bombardeios não solucionados de casas e igrejas negras em Birmingham do que em qualquer outra cidade no país. Esses são os fatos duros e brutais do caso. Com base nessas condições, os líderes negros tentaram negociar com as autoridades da cidade. Mas os últimos recusaram-se consistentemente a tomar parte em negociações de boa fé.

Então, no último mês de setembro, surgiu a oportunidade de falar com os líderes da comunidade econômica de Birmingham. No decorrer das negociações, certas promessas foram feitas pelos comerciantes – por exemplo, de remover os sinais raciais humilhantes das lojas. Com base nessas promessas, o reverendo Fred Shuttlesworth e os líderes do Movimento Cristão pelos Direitos Humanos de Alabama acordaram uma interrupção das manifestações. Com o passar de semanas e meses, percebemos que éramos as vítimas de uma promessa quebrada. Alguns sinais, removidos por pouco tempo, retornaram; outros permaneceram. Como em muitas outras experiências anteriores, nossas esperanças tinham sido destruídas, e a sombra de uma decepção profunda caiu sobre nós. Não tínhamos alternativa a não ser nos prepararmos para a ação direta, por meio da qual exibiríamos nossos próprios corpos como um meio de apresentar nossa causa à consciência das comunidades local e nacional. Cientes das dificuldades envolvidas, decidimos empreender um processo de auto-purificação. Iniciamos uma série de oficinas sobre o pacifismo, e repetidamente nos perguntávamos: “Vocês são capazes aceitar golpes sem retaliar?” “Vocês são capazes de resistir à provação da cadeia?” Decidimos marcar nosso programa de ação direta no período de Páscoa, percebendo que, exceto pelo Natal, é o principal período de compras do ano. Sabendo que um programa vigoroso de retração econômica seria o efeito colateral da ação direta, sentimos que esse seria o melhor momento para aplicar uma pressão sobre os comerciantes em prol da mudança necessária.

Então, demo-nos conta de que a eleição para prefeito de Birmingham ocorreria em março, e rapidamente decidimos postergar a ação para depois do dia de eleição. Quando descobrimos que o Comissário de Segurança Pública, Eugene “Touro” Connor, havia reunido votos suficientes para ir ao segundo turno, decidimos mais uma vez postergar a ação para depois do dia do segundo turno, para que as manifestações não pudessem ser usadas para obscurecer os temas. Como muitos outros, esperávamos ver a derrota do Sr. Connor, e com esse fim aguentamos adiamento após adiamento. Tendo ajudado nessa necessidade da comunidade, sentimos que nosso programa de ação direta não poderia mais ser atrasado.

Vocês podem muito bem perguntar: “Por que ação direta? Por que sit-ins, marchas e assim por diante? Não seria a negociação um caminho melhor?” Vocês estão bastante certos em clamar por negociações. Na verdade, esse é o real propósito da ação direta. A ação direta pacífica busca criar uma tal crise e promover uma tal tensão que a comunidade que constantemente se recusou a negociar é forçada a confrontar o tema. Ela busca, assim, dramatizar um tema que não pode mais ser ignorado. Minha referência à criação de tensão como parte do trabalho do resistente pacífico pode soar um tanto chocante. Mas devo confessar que não tenho medo da palavra “tensão”. Opus-me veementemente à tensão violenta, mas há um tipo de tensão construtiva, pacífica, que é necessária para o crescimento. Assim como Sócrates sentiu que era necessário criar uma tensão na mente para que os indivíduos pudessem ascender da servidão de mitos e de meias verdades ao reino livre de amarras da análise criativa e da avaliação objetiva, também nós temos de ver a necessidade de impertinentes pacíficos para criar o tipo de tensão na sociedade que ajudará os homens a ascenderem das escuras profundezas do preconceito e do racismo às alturas majestosas da compreensão e da fraternidade. O propósito de nosso programa de ação direta é criar uma situação tão recheada de crise que inevitavelmente abrirá as portas à negociação. Eu, portanto, concordo com vocês no seu clamor por negociações. Nossas amadas terras do Sul têm estado atoladas por tempo demais em um trágico esforço para viver em um monólogo ao invés de em um diálogo.

Um dos pontos fundamentais em sua declaração é o de que a ação que eu e meus associados tomamos em Birmingham é inoportuna. Alguns perguntaram: “Por que vocês não deram à nova administração da cidade tempo para agir?” A única resposta que posso dar a essa indagação é que a nova administração de Birmingham tem de ser incitada tanto quanto a que está de saída, antes que ela aja. Estaremos tristemente enganados se sentirmos que a eleição de Albert Boutwell como prefeito trará uma época de ouro a Birmingham. Embora o Sr. Boutwell seja uma pessoa muito mais tolerante do que o Sr. Connor, ambos são segregacionistas, dedicados à manutenção do status quo. Tenho esperança em que o Sr. Boutwell será razoável o bastante para notar a futilidade de uma resistência ampla ao fim da segregação. Mas ele não notará isso sem a pressão dos partidários dos direitos civis. Meus amigos, tenho de dizer a vocês que não obtivemos um único ganho em direitos civis sem uma firme pressão legal e pacífica. Lamentavelmente, é um fato histórico que grupos privilegiados raramente renunciam aos seus privilégios por vontade própria. Indivíduos podem ver a luz da moral e renunciar voluntariamente às suas posturas injustas; mas, como Reinhold Niebuhr lembrou-nos, grupos tendem a ser mais imorais do que indivíduos.

Sabemos por meio de experiências dolorosas que a liberdade nunca é voluntariamente concedida pelo opressor; ela tem de ser exigida pelo oprimido. Francamente, ainda não tomei parte em uma campanha de ação direta que fosse “oportuna” na visão daqueles que não sofreram indevidamente da doença da segregação. Já faz anos que ouço a palavra “Espere!” Ela ressoa nos ouvidos de cada negro com uma familiaridade aguda. Esse “espere” quase sempre significou “nunca”. Temos de chegar à percepção, junto com um de nossos eminentes juristas, de que “a justiça adiada por muito tempo é justiça negada”.

Esperamos por mais de 340 anos por nossos direitos constitucionais e concedidos por Deus. As nações da Ásia e da África estão dirigindo-se com uma velocidade a jato rumo à conquista da independência política, mas nós ainda nos arrastamos a passo de cavalo e de charrete rumo à conquista de uma xícara de café em um aparador. Talvez seja fácil àqueles que nunca sentiram os dardos perfurantes da segregação dizer “espere”. Mas quando você viu bandos perversos lincharem suas mães e pais à vontade e afogar suas irmãs e irmão a seu capricho; quando você viu policiais cheios de ódio amaldiçoarem, chutarem e até matarem seus irmãos e irmãs negros; quando você vê a vasta maioria de seus vinte milhões de irmãos negros sufocando-se em uma jaula hermética da pobreza em meio a uma sociedade de abundância; quando você de repente descobre sua língua travada e sua fala gaga ao tentar explicar a sua irmã de seis anos de idade por que ela não pode ir ao parque de diversões público cuja propaganda acabou de passar na televisão, e vê lágrimas jorrando dos olhos dela quando lhe é dito que o Funtown está fechado para crianças de cor, e vê ameaçadoras nuvens de inferioridade começando a se formar no pequeno céu mental dela, e a vê começar a distorcer sua personalidade ao desenvolver um rancor inconsciente contra as pessoas brancas; quando você tem de inventar uma resposta a um filho de cinco anos de idade que está perguntando: “papai, por que as pessoas brancas tratam as pessoas de cor tão mal?”; quando você faz uma viagem através de seu estado e descobre ser necessário dormir noite após noite nos cantos desconfortáveis de seu carro porque nenhum motel o aceita; quando você é humilhado entra dia sai dia por sinais irritantes dizendo “branco” e “de cor”; quando seu prenome torna-se “neguinho”, seu nome do meio torna-se “menino” (não importa sua idade) e seu sobrenome torna-se “John”, e sua mulher e mãe nunca são chamadas pelo título respeitável de “Sras.”; quando você é perseguido de dia e assombrado à noite pelo fato de que você é um negro, vivendo constantemente na ponta dos pés, sem saber exatamente o que esperar em seguida, e é atormentado por medos interiores e ressentimentos exteriores; quando você está sempre lutando contra uma impressão degradante de “não ser ninguém” – então você entenderá porque achamos difícil esperar. Chega um momento em que a capacidade de suportar esgota-se, e os homens não estão mais dispostos a mergulhar no abismo do desespero. Espero, senhores, que vocês possam compreender nossa impaciência legítima e inevitável. Vocês manifestam uma boa dose de ansiedade quanto à nossa disposição de violar as leis. Essa é certamente uma preocupação legítima. Como nós exortamos tão ativamente as pessoas a obedecerem à decisão de 1954 da Suprema Corte que baniu a segregação em escolas públicas, à primeira vista pode parecer um tanto paradoxal que nós conscientemente violemos leis. Também se poderia perguntar: “Como vocês podem advogar a violação de certas leis e a obediência a outras?” A resposta está no fato de que existem dois tipos de leis: as justas e as injustas. Eu seria o primeiro a advogar a obediência a leis justas. Tem-se uma responsabilidade não só legal como também moral de obedecer a leis justas. De modo contrário, tem-se uma responsabilidade moral de desobedecer a leis injustas. Concordaria com Santo Agostinho em que “uma lei injusta simplesmente não é lei”.

Agora, qual é a diferença entre as duas? Como se pode determinar se uma lei é justa ou injusta? Uma lei justa é um código produzido pelo homem que se ajusta à lei moral ou à lei de Deus. Uma lei injusta é um código que está em desacordo com a lei moral. Para colocar nos termos de Santo Tomás de Aquino: uma lei injusta é uma lei humana que não está radicada na lei eterna e na lei natural. Qualquer lei que eleve a personalidade humana é justa. Qualquer lei que degrade a personalidade humana é injusta. Todos os estatutos segregacionistas são injustos porque a segregação desfigura a alma e danifica a personalidade. Ela dá ao segregador uma falsa impressão de superioridade e aos segregados, uma falsa impressão de inferioridade. A segregação, para usar a terminologia do filósofo judeu Martin Buber, substitui uma relação “eu-você” por uma relação “eu-isso” e acaba por relegar pessoas à condição de coisas. Portanto, a segregação não é apenas política, econômica e sociologicamente doentia: é moralmente errada e pecaminosa. Paul Tillich disse que o pecado é uma separação. A segregação não é uma expressão existencial da trágica separação do homem, da sua horrível alienação, da sua terrível pecaminosidade? Sendo assim, posso exortar os homens a obedecerem à decisão de 1954 da Suprema Corte, porque ela é moralmente correta; e posso exortá-los a desobedecerem a normas segregacionistas, porque elas são moralmente erradas.

Consideremos um exemplo mais concreto de leis justas e injustas. Uma lei injusta é um código que um grupo majoritário em termos de poder ou de número compele um grupo minoritário a obedecer, mas ao qual não se sujeita. Isso é a diferença tornada legal. Pela mesma razão, uma lei justa é um código que uma maioria compele uma minoria a seguir e que ela própria está disposta a seguir. Isso é a igualdade tornada legal. Deixe-me fazer outro esclarecimento. Uma lei é injusta se for imposta a uma minoria que, por ter o direito de votar negado a si, não participou da decretação ou da criação da lei. Quem pode dizer que o parlamento do Alabama que constituiu as leis segregacionistas daquele Estado foi democraticamente eleito? Por todo o Alabama, todos os tipos de métodos tortuosos foram usados para impedir os negros de tornarem-se eleitores registrados, e há alguns municípios em que, embora os negros componham a maioria da população, um negro sequer está registrado. Qualquer lei decretada sob essas circunstâncias pode ser considerada democraticamente estruturada?

Às vezes, uma lei é justa no papel e injusta na sua aplicação. Por exemplo, fui preso por uma acusação de fazer uma passeata sem autorização. Agora, não há nada de errado em existir uma norma que exija uma autorização para uma passeata. Mas essa norma torna-se injusta quando é usada para manter a segregação e negar a cidadãos o direito fundamental da primeira emenda à Constituição de reunião pacífica e de protesto.

Espero que vocês sejam capazes de observar a distinção que estou tentando mostrar. De modo algum, defendo a evasão e o desafio à lei, como faria o segregacionista furioso. Isso levaria à anarquia. Alguém que viole uma lei injusta tem de fazê-lo abertamente, amorosamente, e com disposição para aceitar a pena. Argumento que um indivíduo que viola uma lei que a consciência lhe diz que é injusta, e que aceita de bom grado a pena de prisão a fim de despertar a consciência da comunidade quanto à sua injustiça, está na verdade exprimindo o mais elevado respeito à lei.

Obviamente, não há nada de novo nessa forma de desobediência civil. Ela foi manifestada de maneira sublime pela recusa de Shadrach, Meshach e Abednego a obedecerem às leis de Nabucodonosor, sob o argumento de que estava em jogo uma lei moral mais elevada. Foi praticada soberbamente pelos primeiros cristãos, que preferiam enfrentar leões famintos e a dor torturante do talho a submeter-se a certas leis injustas do Império Romano. Até certo ponto, a liberdade acadêmica é uma realidade hoje porque Sócrates praticou a desobediência civil. Na nossa própria nação, o Boston Tea Party representou um ato imponente de desobediência civil.

Nunca devemos nos esquecer de que tudo que Adolf Hitler fez na Alemanha era “legal” e tudo que os combatentes húngaros da liberdade fizeram na Hungria era “ilegal”. Era “ilegal” ajudar e confortar um judeu na Alemanha de Hitler. Ainda assim, tenho certeza de que, se tivesse vivido na Alemanha naquele tempo, teria ajudado e confortado meus irmãos judeus. Se vivesse hoje em um país comunista onde certos princípios caros à fé cristã foram suprimidos, defenderia abertamente a desobediência às leis antirreligiosas do país.

Tenho de fazer duas confissões sinceras a vocês, meus irmãos cristãos e judeus. Primeiro, tenho de confessar que ao longo dos últimos anos decepcionei-me seriamente com os brancos moderados. Quase cheguei à lamentável conclusão de que a maior pedra no caminho dos negros em seu avanço rumo à liberdade não é o White Citizen’s Counciler ou o membro da Ku Klux Klan, mas os brancos moderados, que são mais zelosos da “ordem” do que da justiça; que preferem uma paz negativa que é a ausência de tensão a uma paz positiva que é a presença da justiça; que dizem constantemente: “concordo com vocês quanto ao objetivo que buscam, mas não posso concordar com seus métodos de ação direta”; que acreditam paternalisticamente que podem fixar o cronograma para a liberdade de outro homem; que vivem sob um conceito mítico do tempo e que constantemente aconselham o negro à espera por uma “época mais apropriada”. A compreensão superficial de pessoas de boa vontade é mais frustrante do que a incompreensão completa de pessoa de má vontade. A aceitação morna é muito mais atordoante do que a rejeição total.

Eu tinha tido esperanças de que os brancos moderados compreenderiam que a lei e a ordem existem para o propósito de estabelecer a justiça e que quando fracassam nesse propósito tornam-se represas estruturadas perigosamente que bloqueiam o curso do progresso social. Tinha tido esperanças de que os brancos moderados compreenderiam que a atual tensão no sul é uma fase necessária da transição de uma detestável paz negativa, em que os negros passivamente aceitavam suas injustas situações difíceis, para uma paz positiva e substantiva, em que todos os homens respeitarão a dignidade e o valor da personalidade humana. Na realidade, nós que nos envolvemos em ações diretas pacíficas não somos os criadores da tensão. Tão-somente trazemos à superfície a tensão oculta que já existe. Descortinamo-la, para que possa ser vista e tratada. Como um furúnculo que não pode ser curado enquanto estiver coberto, mas que deve ser exposto com toda a sua feiura aos remédios naturais do ar e da luz, a injustiça tem de ser desvendada, com toda a tensão que sua exposição gera, à luz da consciência humana e ao ar da opinião nacional, antes que possa ser curada.

Em sua declaração, vocês afirmam que nossas ações, embora pacíficas, devem ser condenadas porque precipitam a violência. Mas essa é uma afirmação lógica? Isso não equivale a condenar um homem roubado porque sua posse de dinheiro precipitou o ato mau do roubo? Isso não equivale a condenar Sócrates porque seu compromisso inabalável com a verdade e suas investigações filosóficas precipitaram o ato do povo mal orientado pelo qual o fizeram beber a cicuta? Isso não equivale a condenar Jesus porque sua singular consciência divina e devoção inesgotável à vontade de Deus precipitaram o ato mau da crucificação? Devemos notar que, como os tribunais federais consistentemente afirmaram, é errado incitar um indivíduo a interromper seus esforços para obter seus direitos constitucionais básicos porque a jornada pode precipitar a violência. A sociedade tem de proteger o roubado e punir o ladrão. Também tinha tido esperanças de que os brancos moderados rejeitariam o mito concernente ao tempo em relação à luta pela liberdade. Recebi há pouco uma carta de um irmão branco do Texas. Ele escreve: “Todos os cristãos sabem que as pessoas de cor um dia receberão direitos iguais, mas é possível que vocês estejam com uma pressa religiosa grande demais. A cristandade precisou de quase dois mil anos para alcançar o que tem hoje. Os ensinamentos de Cristo demoram a chegar a Terra.” Essa concepção decorre de um trágico conceito errôneo do tempo, da noção estranhamente irracional de que há algo no próprio curso do tempo que inevitavelmente curará todos os males. Na realidade, o tempo em si é neutro; pode ser usado quer destrutivamente, quer construtivamente. Cada vez mais, sinto que as pessoas de má vontade usam o tempo de modo muito mais eficaz do que as pessoas de boa vontade. Nós nos arrependeremos, no tocante a essa geração, não apenas das palavras e ações odiáveis das pessoas más, como também do silêncio espantoso das pessoas boas. O progresso humano nunca advém da roda da inevitabilidade; ele deflui dos incansáveis esforços de homens dispostos a serem colegas de trabalho de Deus, e, sem esse trabalho duro, o próprio tempo torna-se um aliado das forças da estagnação social. Temos de usar o tempo criativamente, com base no conhecimento de que o tempo sempre está pronto para fazer o certo. Agora é a hora de tornar real a promessa de democracia e de transformar nossa iminente elegia nacional em um criativo salmo da fraternidade. Agora é a hora de alçar nossa política nacional da areia movediça da injustiça racial à sólida rocha da dignidade humana.

Vocês falam de nossa atividade em Birmingham como extrema. A princípio, fiquei um pouco decepcionado com o fato de amigos clérigos considerarem meus esforços pacíficos como os de um extremista. Comecei a pensar sobre o fato de que me situo no meio de duas forças opostas na comunidade negra. Uma é a força da complacência, composta em parte por negros que, como resultado de longos anos de opressão, estão tão carentes de amor-próprio e da sensação de “ser alguém” que se adaptaram à segregação; e em parte de alguns negros de classe média que, devido a certo grau de segurança acadêmica e econômica e porque se beneficiam de algum modo da segregação, tornaram-se insensíveis aos problemas das massas. A outra é uma força da amargura e do ódio, que chega perigosamente perto de defender a violência. Manifesta-se em vários grupos nacionalistas negros que estão brotando por todo o país, sendo o maior e mais conhecido o movimento islâmico de Elijah Muhammad. Alimentado pela frustração dos negros pela existência contínua da discriminação racial, esse movimento é composto de pessoas que perderam a fé nos Estados Unidos, que repudiaram completamente o cristianismo e que concluíram que o homem branco é um “demônio” incorrigível.

Tentei me situar entre essas duas forças, dizendo que não precisamos imitar nem a inação dos complacentes nem o ódio e o desespero dos nacionalistas negros. Porque existe a maneira muito melhor do amor e do protesto pacífico. Sou grato a Deus por, mediante a influência da igreja negra, a maneira do pacifismo ter-se tornado uma parte essencial de nossa luta. Se essa filosofia não tivesse surgido, muitas ruas do sul estariam agora, tenho certeza, com rios de sangue. Estou ainda mais certo de que, se nossos irmãos brancos repudiarem aqueles de nós que empregam ações diretas pacíficas como “um bando de inflamados” ou “forasteiros agitadores”, e se se recusarem a apoiar nossos esforços pacíficos, milhões de negros buscarão, por frustração e desespero, consolo e segurança em ideologias nacionalistas negras – uma evolução que inevitavelmente levaria a um assustador pesadelo racial.

Pessoas oprimidas não podem permanecer oprimidas para sempre. A ânsia pela liberdade por fim manifesta-se, e foi isso que aconteceu com o negro americano. Algo em seu interior lembrou-lhe de seu direito inato à liberdade, e algo exterior lembrou-lhe que ele pode ser obtido. Consciente ou inconscientemente, ele foi apanhado pelo espírito da época, e com seus irmãos negros da África e seus irmãos amarelos e pardos da Ásia, da América do Sul e do Caribe, o negro dos Estados Unidos está se movendo com uma sensação de incrível urgência rumo à terra prometida da justiça racial. Ao reconhecer-se esse anseio vital que se apoderou da comunidade negra, entende-se prontamente por que manifestações públicas estão ocorrendo. O negro tem muitos ressentimentos reprimidos e frustrações latentes, e ele precisa libertá-los. Então, deixe-o marchar; deixe-o fazer peregrinações pias às prefeituras; deixe-o ir em viagens pela liberdade – e tente entender por que ele tem de fazê-lo. Se suas emoções reprimidas não forem liberadas de maneiras pacíficas, buscarão expressão por meio da violência; isso não é uma ameaça, mas um fato histórico. Assim, não disse ao meu povo: “livre-se de seu desgosto”. Antes, tentei dizer que esse desgosto normal e saudável pode ser canalizado por escapes criativos como a ação direta pacífica. E agora esse método está sendo denominado de extremista. Mas, embora tenha ficado inicialmente decepcionado ao ser classificado como extremista, continuando a pensar sobre o assunto, gradualmente extraí certa dose de satisfação do rótulo. Não era Jesus um extremista do amor: “Ame seus inimigos, abençoe aqueles que te amaldiçoam, faça o bem àqueles que te odeiam e reze por aqueles que desprezivelmente te usam e te atormentam”? Não era Amos um extremista da justiça: “Deixem a justiça fluir como as águas e a probidade como um rio que nunca para”? Não era Paulo um extremista do evangelho cristão: “Carrego no meu corpo as marcas do Senhor Jesus”? Não era Martinho Lutero um extremista: “Aqui estou; não tenho alternativa, então que Deus me ajude”? E John Bunyan: “Ficarei na prisão até o fim dos meus dias, até que faça da minha consciência um matadouro”? E Abraham Lincoln: “Esse país não pode sobreviver metade escravo e metade livre”? E Thomas Jefferson: “Temos essas verdades como auto-evidentes, de que todos os homens nascem iguais...”? Assim, a questão não é se seremos extremistas, mas que tipo de extremistas seremos. Seremos extremistas do ódio ou do amor? Seremos extremistas da preservação da injustiça ou da extensão da justiça?

Naquela cena dramática do Calvário, três homens foram crucificados. Nunca devemos nos esquecer de que todos os três foram crucificados pelo mesmo crime – o crime de extremismo. Dois eram extremistas da imoralidade e, assim, estavam abaixo dos demais. O outro, Jesus Cristo, era um extremista do amor, da verdade e do bem, e, por conseguinte, ergueu-se acima dos demais. Talvez o sul, o país e o mundo estejam com uma terrível carência de extremistas criativos.

Tivera esperança de que os brancos moderados notariam essa carência. Talvez estivesse otimista demais; talvez esperasse demais. Suponho que deveria ter percebido que poucos membros da raça opressora podem compreender os graves gemidos e os anseios apaixonados da raça oprimida, e que menos ainda têm a perspicácia para notar que a injustiça tem de ser extirpada por ações fortes, persistentes e determinadas. Sou grato, contudo, pelo fato de que alguns de nossos irmãos brancos do sul alcançaram o significado dessa revolução social e empenharam-se nela. Eles ainda são muito poucos em quantidade, mas são muitos em qualidade. Alguns – como Ralph McGill, Lillian Smith, Harry Golden, James McBride Dabbs, Ann Braden e Sarah Patton Boyle – escreveram sobre nossa luta em termos eloquentes e proféticos. Outros marcharam conosco por ruas sem nome do sul. Debilitaram-se em prisões imundas, infestada por baratas, sofrendo os abusos e a brutalidade de policiais que os veem como “sujos amantes dos negros”. Diferentemente de tantos de seus irmãos e irmãs moderados, reconheceram a urgência do momento e sentiram a necessidade de poderosos antídotos “de ação” para combater a doença da segregação. Deixem-me tomar nota de minha outra grande decepção. Decepcionei-me tão imensamente com a igreja branca e suas lideranças. É claro, há algumas notáveis exceções. Não me esqueço do fato de que cada um de vocês tomou algumas posições significativas nesse tema. Louvo-o, reverendo Stallings, pela sua postura cristã no último domingo, ao receber negros nos seus serviços de devoção de maneira não-segregacionista. Louvo os líderes católicos desse Estado por terem integrado o Spring Hill College muitos anos atrás.

Mas, apesar dessas notáveis exceções, tenho de sinceramente reiterar que me decepcionei com sua igreja. Não digo isso como um daqueles críticos negativos que sempre conseguem encontrar algo errado na igreja. Digo isso como um sacerdote do evangelho, que ama a igreja; que foi acalentado em seu seio; que tem sido sustentado por suas bênçãos espirituais e que permanecerá fiel a ela enquanto o fio da vida estender-se.

Quando fui de repente catapultado à liderança do protesto dos ônibus em Montgomery, Alabama há alguns anos, achei que seríamos apoiados pela igreja branca. Achei que os sacerdotes, os padres e os rabinos brancos do sul estariam entre os nossos mais firmes aliados. Ao contrário, alguns foram completos oponentes, recusando-se a compreender o movimento pela liberdade e deturpando seus líderes; muitos outros foram mais cautelosos do que corajosos e permaneceram mudos atrás da segurança anestesiante das janelas de vitral.

A despeito de meus sonhos despedaçados, vim a Birmingham com a esperança de que a liderança religiosa branca dessa comunidade veria a justiça de nossa causa e, com profunda preocupação moral, serviria como canal através do qual nossas justas queixas alcançariam a estrutura do poder. Tivera esperança de que cada um de vocês compreenderia. Mas, de novo, decepcionei-me.

Ouvi numerosos líderes religiosos sulistas admoestarem seus devotos a cumprir a decisão contra a segregação porque é a lei, mas ansiei por ouvir sacerdotes brancos declararem: “Sigam esse decreto porque a integração é moralmente correta e porque o negro é seu irmão.” Em meio a barulhentas injustiças infligidas sobre o negro, observei membros da igreja permanecerem à distancia e declamarem irrelevâncias pias e platitudes carolas. Em meio a uma vigorosa luta para livrar nosso país da injustiça racial e econômica, ouvi muitos sacerdotes dizerem: “Esses são temas sociais, com os quais o evangelho não tem nenhuma preocupação real”. E vi muitas igrejas empenharem-se numa religião completamente de outro mundo que faz uma estranha e não-bíblica distinção entre o corpo e a alma, entre o sagrado e o secular.

Viajei acima e abaixo por Alabama, Mississipi e todos os outros estados sulistas. Em dias sufocantes de verão e manhãs revigorantes de outono, contemplei as lindas igrejas do sul, com seus cumes majestosos apontados em direção aos céus. Admirei os perfis impressionantes dos amplos edifícios de educação religiosa. Repetidamente, peguei-me perguntando: “Que tipo de pessoa ora aqui? Quem é seu Deus? Onde estavam suas vozes quando dos lábios do governador Barnett respingaram palavras de interposição e nulificação? Onde elas estavam quando o governador Wallace deu um toque de clarim em favor do desafio e do ódio? Onde estavam suas vozes de apoio quando homens e mulheres negros, feridos e exaustos, decidiram levantar-se dos calabouços escuros da complacência até as colinas claras do protesto criativo?”

Sim, essas perguntas ainda estão na minha mente. Em decepção profunda, chorei pela frouxidão da igreja. Mas estejam certos de que minhas lágrimas foram lágrimas de amor. Não pode existir decepção profunda onde não existe amor profundo. Sim, amo a igreja. Como poderia não amar? Estou na posição um tanto singular de filho, neto e bisneto de pregadores. Sim, vejo a igreja como o corpo de Cristo. Mas, oh!, como maculamos e deixamos cicatrizes nesse corpo por meio da negligência social e por meio do medo de sermos não-conformistas.

Houve um tempo em que a igreja era bastante ponderosa – no tempo em que os primeiros cristãos regozijavam-se por ser considerados dignos de ter sofrido por aquilo em que acreditavam. Naqueles dias, a igreja não era apenas um termômetro que registrava as idéias e princípios da opinião pública; era um termostato que transformava os costumes da sociedade. Quando os primeiros cristãos entravam em uma cidade, as pessoas no poder ficavam transtornadas e imediatamente buscavam condenar os cristãos por serem “perturbadores da paz” e “forasteiros agitadores”. Mas os cristãos prosseguiam, com a convicção de que eram “uma colônia do céu”, que devia obediência a Deus e não ao homem. Pequenos em número eram grandes em compromisso. Eles eram intoxicados demais por Deus para serem “astronomicamente intimidados”. Com seu esforço e exemplo, puseram um fim em maldades antigas como o infanticídio e duelos de gladiadores. As coisas são diferentes agora. Com tanta frequência a igreja contemporânea é uma voz fraca, ineficaz com um som incerto. Com tanta frequência é uma arquidefensora do status quo. Longe de se sentir transtornada pela presença da igreja, a estrutura do poder da comunidade normal é confortada pela sanção silenciosa – e com frequência sonora – da igreja das coisas tais como são.

Mas o julgamento de Deus pesa sobre a igreja como nunca pesou. Se a igreja atual não recuperar o espírito de sacrifício da igreja primitiva, perderá sua autenticidade, será privada da lealdade de milhões e será descartada como um clube social irrelevante com nenhum significado para o século XX. Todos os dias, encontro pessoas jovens cuja decepção com a igreja tornou-se uma repugnância absoluta.

Talvez tenha sido mais uma vez otimista demais. Estará a religião organizada ligada inextricavelmente demais ao status quo para salvar o país e o mundo? Talvez deva dirigir minha fé à igreja interior, espiritual, a igreja dentro da igreja, como a verdadeira ekklesia e a esperança do mundo. Mas, de novo, sou grato a Deus por algumas almas nobres das fileiras da igreja organizada terem rompido as correntes paralisantes do conformismo e unido-se a nós como parceiros ativos na luta pela liberdade. Eles abandonaram suas congregações seguras e percorreram as ruas de Albany, Geórgia, conosco. Desceram as rodovias do sul em viagens tortuosas pela liberdade. Sim, foram para a cadeia conosco. Alguns foram expulsos de suas igrejas, perderam o apoio de seus bispos e colegas sacerdotes. Mas agiram com a fé de que o bem derrotado é mais forte do que o mal triunfante. Sua testemunha tem sido o sal espiritual que tem preservado o verdadeiro significado do evangelho nesses tempos turbulentos. Eles cavaram um túnel de esperança através da montanha negra da decepção. Espero que a igreja como um todo enfrente o desafio nessa hora decisiva. Mas mesmo que a igreja não venha ajudar a justiça, não perco a esperança no futuro. Não tenho medo a respeito do resultado de nossa luta em Birmingham, mesmo que nossas razões sejam no momento mal compreendidas. Alcançaremos a meta da liberdade em Birmingham e no mundo inteiro, porque a meta dos Estados Unidos é a liberdade. Não importa se estamos ofendidos e escarnecidos, nosso destino está ligado ao destino dos Estados Unidos. Antes de os peregrinos desembarcarem em Plymouth, estávamos aqui. Antes de a pena de Jefferson desenhar as palavras majestosas da Declaração de Independência através das páginas da história, estávamos aqui. Por mais de dois séculos, nossos antepassados trabalharam nesse país sem receber salários; eles colheram o algodão; eles construíram as casas de seus senhores enquanto sofriam injustiças crassas e humilhações vergonhosas – e, no entanto, com uma vitalidade sem fim, continuaram a prosperar e a desenvolver-se. Se as crueldades inenarráveis da escravidão não puderam parar-nos, a oposição que enfrentamos agora certamente fracassará. Ganharemos nossa liberdade porque a herança sagrada de nosso país e a eterna vontade de Deus estão incorporadas nas nossas sonoras exigências. Antes de encerrar, sinto-me impelido a mencionar outro ponto em sua declaração que me perturbou profundamente. Vocês calorosamente elogiaram a força policial de Birmingham por manter a “ordem” e “impedir a violência”. Duvido que teriam elogiado tão calorosamente a força policial se tivessem visto seus cães afundando seus dentes em negros desarmados, pacíficos. Duvido que teriam elogiado tão rapidamente os policiais se fossem observar seu tratamento horrível e desumano dos negros aqui na prisão municipal; se fossem vê-los empurrar e amaldiçoar velhas mulheres negras e jovens meninas negras; se fossem vê-los estapear e chutar velhos homens negros e jovens meninos; se fossem observá-los, como fizeram em duas ocasiões, negar-nos comida porque queríamos cantar nossa oração juntos. Não posso acompanhá-los no seu louvor ao departamento de polícia de Birmingham.

É verdade que a polícia demonstrou um nível de disciplina ao lidar com os manifestantes. Nesse sentido, eles se conduziram um tanto “pacificamente” em público. Mas com que propósito? Para preservar o sistema maligno da segregação. Ao longo dos últimos anos, continuamente preguei que o pacifismo exige que os meios que usamos devem ser tão puros quanto os fins que buscamos. Tentei deixar claro que é errado usar meios imorais para alcançar fins morais. Mas agora tenho de afirmar que isso é tão errado, ou talvez ainda mais errado, quanto usar meios morais para preservar fins imorais. Talvez o Sr. Connor e seus policiais tenham sido um tanto pacíficos em público, como foi o coronel Pritchett em Albany, Geórgia, mas eles usaram os meios morais do pacifismo para manter o fim imoral da injustiça racial. Como T. S. Eliot disse: “A última tentação é a maior traição: fazer a coisa certa pelo motivo errado.”

Gostaria que vocês tivessem louvado os sit-inners e manifestantes negros de Birmingham pela sua coragem sublime, sua disposição para sofrer e sua disciplina incrível em meio a uma grande provocação. Um dia, o sul reconhecerá seus verdadeiros heróis. Eles serão os James Merediths, com o nobre senso de justiça que lhes permite enfrentar bandos zombeteiros e hostis, e com a solidão agonizante que caracteriza a vida do pioneiro. Eles serão as velhas, oprimidas, castigadas mulheres negras, simbolizadas em uma velha mulher de setenta e dois anos de idade de Montgomery, Alabama, que se ergueu com um senso de dignidade e com seus iguais decidiu não viajar em ônibus segregacionistas, e que respondeu com profundidade agramatical a alguém que lhe indagou sobre seu cansaço: “Meus pé está cansado, mas minha alma está em paz.” Eles serão os estudantes colegiais e universitários, os jovens sacerdotes do evangelho e uma multidão de seus pais, corajosa e pacificamente sentando-se em aparadores e dispostos a ir para cadeia por amor à consciência. Um dia, o sul saberá que quando esses filhos deserdados de Deus sentaram-se em aparadores, estavam na verdade fazendo jus ao que há de melhor no sonho americano e o que há de mais sagrado nos valores de nossa herança judaico-cristã, desse modo trazendo nosso país de volta àqueles grandes poços de democracia que foram cavados em profundidade pelos pais fundadores na sua formulação da Constituição e da Declaração de Independência.

Nunca escrevi uma carta tão longa. Temo que seja longa demais para tomar seu tempo precioso. Posso lhes garantir que teria sido muito menor se a tivesse escrito em uma mesa confortável, mas o que mais se pode fazer quando se está sozinho em um cela apertada a não ser escrever longas cartas, pensar longos pensamentos e rezar longas orações?

Se disse algo nessa carta que exagera os fatos e indica uma impaciência imoderada, peço que me perdoem. Se disse algo que atenua os fatos e indica uma paciência que me permite conciliar-me com algo menor do que a fraternidade, peço a Deus que me perdoe.

Espero que essa carta encontre-os fortes em sua fé. Espero também que as circunstâncias em breve permitam que me encontre com cada um de vocês, não como um integracionista ou um líder dos direitos civis, mas como um colega clérigo e um irmão cristão. Tenhamos todos esperança em que as nuvens negras do preconceito desapareçam em breve e a neblina profunda da incompreensão dissipe-se das nossas comunidades cheias de medo, e que em um amanhã não muito distante as estrelas radiantes do amor e da fraternidade brilhem sobre nosso grande país com toda a sua beleza cintilante.

Sinceramente, pela causa da Paz e da Fraternidade, Martin Luther King, Jr.

 

16 de abril de 1963.



Fonte: Blog Cristianismo Et Cotidiano. Disponível em: 
http://cristianismoecotidiano.blogspot.com/2015/08/martin-luther-king-jr-carta-de-uma.html. Acesso em: 23 de jan. 2022.

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