O regime
republicano inaugurado a 15 de novembro de 1889 correspondeu à necessidade de
prover-se hegemonia política ao grupo que, desde a segunda metade do século
XIX, vinha se afirmando como economicamente dominante: os cafeicultores. O
poder político, já na década de 1890, concentrou-se em suas mãos, dentro da
dinâmica da ‘política dos governadores’ inaugurada por Campos Sales.
Esse
esquema de dominação, que alijava os demais grupos do centro decisório, pôde
manter-se graças a um sistema eleitoral que permitia manipulações, desde a
fraude à violência física.O setor agroexportador engendrou uma fórmula política
que refletia sua estrita dependência em relação ao sistema capitalista
internacional. O liberalismo era o manancial ideológico desse poder. Os princípios
de livre concorrência, de superioridade da economia de mercado justificavam a
divisão internacional do trabalho — que nos reservara o papel ‘natural’ de
produtores de matérias-primas — e a dominação do setor agroexportador sob o
conjunto da economia nacional. Ao mesmo tempo, o liberalismo impedia qualquer
forma de intervenção estatal, garantindo a autonomia dos Estados, que de certa
forma se manifestava, juridicamente, na própria Federação. A descentralização
administrativa legitimava a hegemonia dos grupos oligárquicos de maior
expressão econômica, enquanto os demais grupos se articulavam a estes, unidos
por uma identidade fundamental: a propriedade da terra. Mantinha-se, assim, o
equilíbrio político a nível nacional, pois não havendo antagonismos profundos
entre os proprietários de terra, a autonomia federativa garantia os interesses
de cada oligarquia em seu âmbito específico. Os atritos e dissidências
ocorridos no período apenas retrataram divergências imediatas, conflitos de
ambições eleiçoeiras, ou, então, nos momentos de crise, prejuízos dos grupos
não vinculados ao café, pelas medidas de defesa do produto.
A própria
manutenção da hegemonia dos cafeicultores, entretanto, ao permitir lucros
crescentes, implicou no desenvolvimento econômico, na urbanização, na
acumulação de capital pelos excedentes da exportação e no incentivo à produção
industrial. Surgiram, então, forças econômicas e sociais que iriam,
gradualmente, reivindicar participação política e contestar o regime vigente.
O sistema político e
econômico estruturado pela oligarquia cafeeira era, porém, muito rígido. Nele
não cabiam canais de representação para os novos grupos, nem mecanismos que
pudessem neutralizar os efeitos crescentes das flutuações econômicas
internacionais. O sistema de defesa do café, primeiramente apoiado na
desvalorização de nossa moeda e depois na compra e estocagem do produto,
implicava em custo social geral. Em momentos de crise aguda, os grupos sociais
não vinculados ao setor tornavam-se antagônicos e a insatisfação crescia nos
setores urbanos.
Em geral, porém, até a
década de 1920, as camadas médias urbanas, os operários e os trabalhadores
urbanos foram mantidos à margem da expressão política. As camadas médias
urbanas constituíam um aglomerado heterogêneo, incapaz de articular
contestações além das reivindicações de contenção do custo de vida, de
melhores moradias ou de ‘verdade eleitoral’. Os trabalhadores rurais, mantidos
na ignorância e dentro do rígido círculo do controle coronelístico, não ultrapassavam os limites da violência social expressa no banditismo ou no fanatismo
religioso. O operariado urbano, pressionado por baixos salários, por
castigos corporais, pela ausência de qualquer proteção, lentamente se
articulava.
O desenvolvimento da
urbanização e da industrialização, subjacentes ao progresso do setor cafeeiro,
faziam, entretanto, avançar a diferenciação social. O aumento gradativo das
camadas intermediárias urbanas e, conseqüentemente, seu maior peso político, ao
lado do crescimento da capacidade de organização e de mobilização do
operariado, evidenciaram as limitações do sistema oligárquico, nos anos vinte.
Os setores urbanos, a partir de então, manifestaram-se ativamente, aliando-se
às dissidências oligárquicas, apoiando o movimento tenentista e reivindicando
efetiva participação política.
O movimento operário
crescia e não era mais possível ignorar sua importância, por mais
desarticuladas e descontínuas que fossem suas manifestações. A indústria,
nascida à sombra dos cafezais, estimulada e nutrida pelos capitais cafeeiros,
organizava-se.
A hegemonia oligárquica
entrava em crise. O que fora novo em velho se tornara, ultrapassado pelo
desenvolvimento do setor que ele mesmo criara. Era preciso redefinir o pacto
social e dissolver o acordo político que sustentava o regime. Era fundamental
encontrar saídas para a economia agroexportadora, afogada pela superprodução e
pelo desequilíbrio do mercado. Era inadiável atender à questão social e
absorver suas reivindicações, regulamentando as relações entre capital e
trabalho. A crise interna caminhava, assim, para a redefinição do papel do
Estado e para a formulação de soluções que pudessem combater a crise econômica,
que se delineava.
Apoiado pela manipulação do
voto rural, o sistema oligárquico não podia adaptar-se à estrutura social e
econômica do país, que caminhava para a industrialização. O poder
dos cafeicultores estava ferido de morte. O sistema partidário que lhe
garantira sustentação estava esgotado e as dissidências, agora, eram profundas.
A República oligárquica
desabava. Velha, sentia-se sua incapacidade em assimilar as mudanças internas.
Débil, era pressionada pela crise econômica mundial. Não era um fim violento,
dramático. Era a destruição paulatina de um sistema político-econômico, desencadeada
a partir de suas contradições internas e acelerada pela crise mundial.
Desde 1922 o processo de
contestação do regime tinha, em sua vanguarda, o movimento tenentista. Este, se
não era, essencialmente, um movimento coeso e de ideologia precisa, representava,
de qualquer forma, renovação. E suas manifestações em favor de um regime mais
representativo foram endossadas pelas facções descontentes e pela maioria da
população urbana.
A solução tenentista não
era, porém, a única vertente revolucionária do fim da década de 20. Várias
eram as propostas políticas que se articulavam para modificar a estrutura de
dominação em vigor. Revolução era o tema principal do Partido Democrático de
São Paulo e revolução era a aspiração dos setores operários em ascensão.
O
processo que culminou com a deposição de Washington Luís, em 1930, foi a
revolução vencedora, articulada pelas elites dissidentes. Cabia a estas o papel
de reorganizar a sociedade, controlar a crise, neutralizar as forças sociais em
conflito questões cruciais que marcarão indelevelmente o quadro histórico
aberto com a Revolução de 1930”.
José Jobson de Andrade Arruda
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