A AULA - 2 - INTRODUÇÃO AO JOGO E SUAS REGRAS
(Leandro Karnal – Conversas com um
Jovem Professor, pp. 16 - 18)
Passados
quase 30 anos do primeiro momento que dei aula na vida, o impacto de entrar
numa nova sala, com alunos novos, no primeiro dia de aula ainda me dá medo. Não
é mais o medo de antes. Comecei a dar aulas no ensino fundamental e médio antes
de me formar. Eu tinha pavor que meus alunos descobrissem que eu ainda não
tinha diploma. Um pouco mais tarde, aos 23 anos, comecei a dar aulas na
universidade e me vestia de forma a parecer mais velho. Eu tinha um dos medos
mais ancestrais de um professor: perder o controle de uma turma.
Definitivamente, o medo de parecer jovem demais desapareceu e foi quase
substituído pelo receio oposto. Aqueles medos sumiram. Mas o friozinho na barriga
continua. Continua o incômodo de não saber os nomes no começo. Estabelecer uma
relação semanal com 30, 40, 50 jovens pensando neles apenas como: o de
vermelho, a menina de saia, o cabeludo (ou coisas até um pouco pejorativas...)
Pior: se eu tiver 10 turmas de 50 (número comum), terei 500 seres humanos para
saber o nome a cada ano, e ainda devo considerar que novos entram como se fosse
uma cistite permanente pingando no meu diário.
Aqui,
nossa função tem vantagens sobre outras. Uma primeira aula ruim tem efeitos
menos visíveis do que uma primeira cirurgia ruim ou uma primeira ponte mal projetada.
Porém, o sutil da função de professor é que a primeira cirurgia ruim ou pontes
ruins podem ter relação com... aulas ruins. Quando pego um aluno em pleno
doutorado que ainda não domina regras básicas do uso da crase, penso: há uns 10
ou 15 anos um professor errou e eu noto isso só agora.
Regressemos
para a aula. Vamos imaginar uma aula típica, de 40 a 50 minutos. Você entra e
aquela dúvida volta: devo ser simpático ou seco? Sorrir ou mostrar a cara de
autoridade séria? Meu irmão psicólogo usa uma metáfora que aprecio: a relação
profissional guarda semelhanças com o salva-vidas. Se ele se aproxima muito do
afogado e o abraça fraternalmente, ambos afundam. Se ele fica muito distante, a
vítima cumpre sua sina de afogar-se sem ajuda. É inútil fingir uma dureza que
você não tem ou que nem quer ter. É perigoso usar de muita intimidade. A aula é
um momento profissional e você não é amigo dos alunos. Amizade implica
isonomia, igualdade, algo inexistente na sala de aula. Pelo mesmo motivo que
você não é amigo, você não é inimigo, pois amizade e intimidade implicam
relações pessoais, frequentemente íntimas. Repita para si sempre: sou o professor
(porque, em muitas ocasiões, alunos, direção e pais tentarão convencê-lo de
outras coisas).
Já
demos o primeiro passo. No início, talvez seja importante pensar nesse
equilíbrio entre a familiaridade e a distância. Com o tempo, isso deveria
tornar-se mais natural. Há variantes também de cultura para cultura e de escola
para escola. É fácil ser próximo quando o aluno é adulto numa universidade e
escolheu aquele curso.
Mas...
devo ser sincero. Não é fácil começar. É como aprender a andar de bicicleta: há
um momento que tiram as rodinhas auxiliares ou a pessoa que nos apoiava
desaparece e estamos sozinhos. É o medo do goleiro na hora do pênalti. É o medo
de todo profissional: estou diante do que quero, mas não tenho certeza de como
fazer o que quero. Ansiedade natural e universal, mas intensa.
Chegou
o dia: a aula começou e seus alunos sabem por instinto, como feras selvagens,
se a pessoa a sua frente está segura ou não, farão uso disso. Distancie-se um
pouco e deixe diminuir a importância da situação. Aquela aula não decidirá o
destino do universo e, com sorte, a cada semana ela será um pouco melhor ou
mais segura ao menos. Enfrente. Não tem jeito. A vítima inicial será seu
orgulho, mas o mundo prosseguirá. Respire fundo e entre. É como injeção: a
espera pela picada da agulha costuma causar mais angústia do que a espetada em
si.
Se tornou um grande Mestre, com respeito e admiração de muitos de seus alunos e fãs.um profissional de primeira,parabéns Prof: Karnal
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