Pierre-Augustin Caron de Beaumarchais |
Contrariamente do que muitos pensam o sentido moderno da palavra cidadania, não vem do grego, mas sim da França Revolucionária. O sentido moderno de cidadão nasce nos primeiros dias de outubro de 1774, na França, em discurso de Beaumarchais (1732 –1799). A acepção atual de cidadania é, portanto, posterior ao século XVIII.
DEFINIÇÃO:
Em sentido etimológico, cidadania define a condição daqueles que residem na cidade. Ao mesmo tempo, o termo se refere à condição de um indivíduo como membro de um Estado, como portado de direitos e obrigações. A associação entre esses dois significados deve-se a uma transformação histórica de grande alcance, fundamental ao mundo moderno: a formação dos Estados centralizados, impondo jurisdição uniforme sobre um território não limitado aos antigos burgos ou cidades medievais.
O termo cidadão tornou-se sinônimo de homem livre, portador de direitos e obrigações a título individual, assegurados em lei. A associação não é espúria, pois evidentemente é nas cidades que originalmente se formam as forças sociais mais diretamente interessadas na individualização e na codificação uniforme desses direitos: a burguesia e a moderna economia capitalista.
Em seus primórdios, a constituição do Estado moderno e da economia comercial capitalista representam uma grande força libertária, em primeiro lugar, pela dilatação dos horizontes, pela emancipação dos indivíduos ante o localismo, ante as convenções medievais que impediam ou dificultavam a escolha de uma ocupação diferente daquela transmitida como herança familiar; libertária, enfim, ante as tradições e crenças que se diluíam com a maior mobilidade geográfica e social. Mas libertária, sobretudo, pela imposição de uma jurisdição uniforme, quebrando o arbítrio dos senhores feudais e reconhecendo aos habitantes do território, independentemente de sua ocupação ou condição sócio-econômica, os mesmos direitos e obrigações.
A cidadania tem um aspecto sociológico e um aspecto político. Nesse último sentido ela expressa aquela igualdade perante a lei – a égalité da Revolução Francesa – conquistada pelas grandes revoluções (inglesa, francesa e norte-americana), e posteriormente reconhecida em todo o mundo.
UM DIREITO DE BURGUÊS.
É indiscutível que a cidadania é, na origem, um direito burguês, no sentido de que as novas relações sociais e políticas a que ela se refere interessavam de maneira mais real e direta à nova classe comercial e industrial das cidades. Ao mesmo tempo, sua reivindicação – por exemplo, na filosofia de Locke – como soma de direitos fundamentais do indivíduo, qualquer que fosse sua posição social ou ocupação (direitos anteriores à própria sociedade na ficção do ‘contrato social’), tornava-os logicamente independentes da estrutura social, isto é, neutros quanto aos seus beneficiários presentes e potenciais. É essa qualidade da teoria dos direitos naturais – o fato de se colocar como um padrão ou critério externo à sociedade existente, e a partir do qual ela deve ser julgada – que lhe confere caráter especificamente revolucionário.
Vejamos o que diz Maurício Segall:
Referências Bibliográficas:
Vejamos o que diz Maurício Segall:
‘Ao perguntar a alguém o que
achava que é cidadania, ouvi a resposta: “É a garantia do pleno exercício dos
direitos e dos deveres definidos na Constituição para os cidadãos brasileiros”.
‘Trata-se de um conceito
evidentemente insuficiente – de um lado, por ser formal e, de outro, por
refletir, em países como o nosso, as conjunturas vigentes, plenas de casuísmos
e de interesses subalternos, por ocasião da feitura das Constituições. Mas, formal,
ou não, o conceito tem algo a ver claramente com a incorporação efetiva, e não
abstrata, do conjunto da população à prática de um direito.
‘Por via das dúvidas fui ver no
Aurélio e encontrei as definições seguintes – Cidadão:
1)
Indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos
de um Estado ou no desempenho de seus deveres para com este.
2)
Habitante da cidade;
Cidadania:
1)
Qualidade ou estado de cidadão;
2)
O termo define a condição daqueles que residem
na cidade.
‘Há uma clara conotação histórica
idealista entre o conceito de cidade (a partir da polis grega) e o de homem
livre. É curioso notar que, em diversas línguas latinas ou anglo-germânicas, e
inclusive na grega, os termos “cidadania” e “cidadão” estão etimologicamente ligados
ao termo “cidade”. Mais significativo é que tenham permanecido ao longo do
tempo, apesar de seu conteúdo ter se ampliado para expressar algo muito mais
complexo e de significado amplo. Há explicações históricas para isso, como por
exemplo a passagem do significado limitado – da cidadania nos burgos – ao significado
amplo de cidadania nacional, na formação dos Estados modernos.
‘Mas
nem por isso as ambiguidades desapareceram. Vejamos:
Português
|
cidade
|
cidadão
|
cidadania
|
grego
|
Polis
|
(mesma raiz)
|
|
latim
|
Civitas
|
Civis
|
Civitatanum
|
inglês
|
City
|
Citizen
|
Citizenship
|
espanhol
|
Ciudad
|
Ciudadano
|
Ciudadania
|
italiano
|
Cittá
|
Cittadino
|
Citoyenneté
|
francês
|
Cité
|
Citoyen
|
Citoyenneté
|
alemão
|
Burg
|
Bürguer
|
Bürguerecht
|
‘Tudo indica que essa
ambiguidade nasce no início da civilização ocidental. O equivalente grego de um
cidadão era aquele que tinha direito a frequentar a Ágora da pólis. Mais tarde,
em 1774, aparentemente o tema foi usado pela primeira vez, no sentido moderno,
num discurso de Beaumarchais. Assim é que, somente no final do século XVIII, o
termo “cidadania” surgiu na língua portuguesa. Tratava-se então de um direito
burguês, embora os filósofos, que lidavam com o conceito de direito natural,
procurassem ampliar seu conteúdo.
‘Posteriormente, com a revolução
americana, a postulação dos direitos fundamentais avançou na abrangência do
conceito.
‘Dessa forma, apesar de toda a
evolução filosófica e política, o conceito de cidadania, queira-se ou não,
continua carregado implicitamente de um conteúdo de privilégio, elitismo e
discriminação. No começo era pelo social (classe) e hoje, cada vez mais, pelo
urbano, em detrimento do rural, ou pelo central em detrimento do periférico.
Por isso também é incompleta a conceituação de cidadão como indivíduo que, em
relação ao Estado, vive sob o império da lei.
‘O pensamento liberal está pleno
dessas imperfeições e, objetivamente, contrafacções. O que coloca concretamente
para nós o problema da cidadania nos “Brasis” c, d, e até o z dos índios. Nos “Brasis”
do campo, do agreste, da miséria rural, das pequenas cidades, das periferias,
da floresta.’
SEGALL,
Maurício. CONTROVÉRSIAS E DISSONÂNCIAS.
1.ª Edição, Editora Boitempo, São Paulo-SP, 2001.
Enciclopédia Mirador - 1993
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